Jogos educativos africanos da família mancala: um caminho para ensinar e aprender matemática

December 10, 2016 | Author: Tânia Arruda Barreiro | Category: N/A
Share Embed Donate


Short Description

1 DOI: Jogos educativos africanos da família mancala: um caminho para ensinar e aprender matemática Educa...

Description

DOI: http://dx.doi.org/10.24115/S2446-622020162159p.146-153

Jogos educativos africanos da família mancala: um caminho para ensinar e aprender matemática Educational games of african mancala family: a path to teaching and learning mathematics Juegos educativos de áfrica mancala familia: un camino a la enseñanza y aprendizaje de matemáticas Gláucia Bomfim Barbosa Barreto Universidade Federal de Sergipe Ana Maria Teixeira de Freitas** Universidade Federal de Sergipe RESUMO O texto tem como objetivo discutir a importância da utilização dos jogos educativos africanos da família Mancala como relevante recurso pedagógico para o ensino e aprendizagem da matemática. Mediante uma detalhada revisão da literatura sobre o tema apresentamos uma análise sobre a utilização desses jogos destacando diferentes experiências, na perspectiva de refletir sobre a utilização de metodologias de ensino de Matemática que possam otimizar os processos de aprendizagem dessa disciplina através de estratégias que articulem o raciocínio matemático e a dimensão lúdica, dinâmica e interativa do aprender. Consideramos, igualmente, as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais ao indicarem que as atividades com jogos podem representar um importante recurso pedagógico estimulando, também, uma mudança da postura do professor quanto ao ensinar matemática. Palavras-chave: Ensino de matemática. Jogos educativos africanos. Jogos da família mancala.

ABSTRACT The text aims to discuss the importance of using African educational games Mancala family as an important educational resource for teaching and learning mathematics. For a detailed review of the literature on the subject we present an analysis of the use of these games highlighting different experiences with a view to reflect on the use of mathematics teaching methodologies that can optimize the learning process of this discipline through strategies that articulate the reasoning mathematical and playful dimension , dynamic and interactive learning. We consider also the guidelines of the National Curriculum Guidelines to indicate that the activities with games can be an important teaching resource stimulating, too, a change of the teacher's attitude towards the teaching math. Keywords: Teaching math. African educational games. Mancala family of games.

RESUMEN El texto tiene como objetivo discutir la importancia de la utilización de los juegos educativos africanos de la familia Mancala como un importante recurso pedagógico para la enseñanza y el aprendizaje de las matemáticas. Mediante una revisión detallada de la literatura sobre el tema, se presenta un análisis sobre la utilización de estos juegos, destacando diferentes experiencias con el fin de reflexionar sobre la utilización de metodologías de enseñanza de las matemáticas que puedan optimizar el proceso de aprendizaje de esta disciplina a través de estrategias que articulan el razonamiento matemático y la dimensión lúdica, dinámica e interactiva de aprender. Consideramos igualmente las orientaciones de los Parámetros Curriculares Nacionales al indicar que las actividades con juegos no sólo pueden ser un importante recurso didáctico estimulante, sino también, de un cambio de actitud del maestro al enseñar matemática. Palabras-clave: Enseñanza de la matemática. Juegos educativos africanos. Juegos educativos de la familia

Mancala.

Laplage em Revista (Sorocaba), vol.2, n.1, jan.- abr. 2016, p.146-153

ISSN:2446-6220

.  147

Jogos educativos africanos da família mancala: um caminho para ensinar e aprender matemática

Introdução

A

busca por novas metodologias de ensino de Matemática tem se intensificado nas últimas décadas. Dentre os vários motivos que contribuíram para esse esforço está o fato da disciplina ser considerada pelos alunos como difícil ocasionando taxas elevadas de reprovação e retenção escolar. Vale ressaltar, contudo, que tal cenário, frequentemente, está associado a uma prática pedagógica que, por muitas vezes, encontra-se dissociada da realidade dos alunos, dificultando assim o processo de ensino e aprendizagem. Além disso, vigora ainda no meio educacional a ideia de que o professor deve transmitir os conteúdos matemáticos de forma mecânica, reproduzindo exercícios de fixação, e o aluno, por sua vez, deve demonstrar sua aprendizagem quase que unicamente através da reprodução do exposto. Porém, essa prática de ensino tem sido cada vez mais questionada na medida em que, tem se comprovado que a reprodução de atividades não significa compreensão e, muito menos, a construção de novos conhecimentos. Sendo assim, é importante que o professor busque novas formas de ensino, utilizando diversos recursos pedagógicos; priorizando não a reprodução, mas sim a construção dos conhecimentos, de forma que, sejam realizadas atividades que estejam associadas com o contexto sócio cultural do aluno, despertando assim, o interesse e a motivação dos mesmos, permitindo uma interação entre professor, aluno e saber matemático. A busca por novas metodologias de ensino de Matemática tem se intensificado nas últimas décadas. Dentre os vários motivos que contribuíram para esse esforço está o fato da disciplina ser considerada pelos alunos como difícil ocasionando taxas elevadas de reprovação e retenção escolar. Vale ressaltar, contudo, que tal cenário, frequentemente, está associado a uma prática pedagógica que, por muitas vezes, encontra-se dissociada da realidade dos alunos, dificultando assim o processo de ensino e aprendizagem. Além disso, vigora ainda no meio educacional a ideia de que o professor deve transmitir os conteúdos matemáticos de forma mecânica, reproduzindo exercícios de fixação, e o aluno, por sua vez, deve demonstrar sua aprendizagem quase que unicamente através da reprodução do exposto. Porém, essa prática de ensino tem sido cada vez mais questionada na medida em que, tem se comprovado que a reprodução de atividades não significa compreensão e, muito menos, a construção de novos conhecimentos. Sendo assim, é importante que o professor busque novas formas de ensino, utilizando diversos recursos pedagógicos; priorizando não a reprodução, mas sim a construção dos conhecimentos, de forma que, sejam realizadas atividades que estejam associadas com o contexto sócio cultural do aluno, despertando assim, o interesse e a motivação dos mesmos, permitindo uma interação entre professor, aluno e saber matemático. Piaget (1975) tece várias críticas quanto à maneira dita tradicional como o processo de ensino e aprendizagem da Matemática é desenvolvido nas escolas. Dentre essas críticas temos: os altos índices de reprovação na disciplina, alunos passivos, acúmulo de informações e a grande dificuldade dos alunos em estabelecer relações lógicas nas aulas de Matemática. No processo educativo o professor deve lançar mão de possibilidades que auxiliem em melhores resultados na aprendizagem, já que o seu processo não deve ser limitado à transmissão de conhecimento, como também na formação de relações socioafetivas entre os indivíduos, além de desenvolver suas capacidades, atitudes e valores. De acordo com essa perspectiva, é necessário que o professor proporcione aos estudantes seu desenvolvimento integral. Considerando esse cenário, a utilização de jogos educativos torna-se um recurso interessante e prazeroso que pode favorecer a aprendizagem.

Laplage em Revista (Sorocaba), vol.2, n.1, jan.- abr. 2016, p.146-153

ISSN:2446-6220

BARRETO, G.B.B.; FREITAS, A.M.T. de.

 148

Rizzo (1996) afirma que os jogos são valiosos recursos para estimular o desenvolvimento integral do educando, pois desenvolvem aspectos como a atenção, o respeito às regras e habilidades perceptivas e motoras relativas a cada tipo de jogo oferecido. Conforme as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), as atividades com jogos podem representar um importante recurso pedagógico, já que: Os jogos constituem uma forma interessante de propor problemas, pois permitem que estes sejam apresentados de modo atrativo e favorecem a criatividade na elaboração de estratégias de resolução e busca de soluções. Propiciam a simulação de situações problema que exigem soluções vivas e imediatas, o que estimula o planejamento das ações. (BRASIL, 1998, p.47).

Os PCN´s defendem então que os jogos podem contribuir na formação de atitudes para enfrentar desafios, no desenvolvimento do pensamento crítico e na criação de estratégias. Em relação à matemática, utilizar jogos é uma alternativa eficaz e qualitativa, pois age direto nas capacidades simbólicas e estratégicas dos alunos. Nesta perspectiva, Petty (1995, p. 11) afirma que: Jogar é uma das atividades em que a criança pode agir e produzir seus próprios conhecimentos. No entanto, nossa proposta não é substituir as atividades em sala de aula por situações de jogos. (...) a ideia será sempre considerá-los como outra possibilidade de exercitar ou estimular a construção de conceitos e noções também exigidos para a realização de tarefas escolares.

Em uma boa parcela dos casos, os jogos envolvem o uso de estratégias competitivas, mas também há casos em que se faz presente a solidariedade. Uma dessas situações pode ser verificada nos jogos de regras da família Mancala. Essa expressão “família Mancala” é usada para designar um conjunto de jogos de tabuleiro, também conhecidos por jogos de semeadura, jogos de contagem e captura ou jogos de buraco. A difusão dos jogos Mancala em todo o mundo, ocorreu a partir da África. Existem mais de 300 variações, com regras diferentes. Os mais conhecidos no Ocidente são o Ayo, Kalah, Ouri e Oware, comumente para dois jogadores. O tabuleiro em ambos é simples; possuem duas fileiras de seis cavidades cada uma e uma cavidade maior em cada um dos dois lados do tabuleiro. Em algumas de suas variações, encontramos demonstrações em que o jogador não pode deixar o adversário sem as peças do jogo. Para isso, deverá compartilhar sementes, semeando-as na terra do adversário. Esse tipo de lance não é comum nos jogos contemporâneos, já que vencer a qualquer custo tende a ser uma das principais estratégias das disputas. Segundo Moura (1995, p. 26): Nos jogos de regra, os jogadores estão, não apenas, um ao lado do outro, mas ‘juntos’. As relações entre eles são explícitas pelas regras do jogo. O conteúdo e a dinâmica do jogo não determinam apenas a relação da criança com o objeto, mas também suas relações em face a outros participantes do jogo. (...). Assim, o jogo de regras possibilita o desenvolvimento das relações sociais da criança.

Considerando as características particulares dos jogos da família Mancala e as contribuições que pode aportar ao ensino de Matemática passamos a apresentar o balanço da literatura que trata dessa temática visando possibilitar a reflexão sobre a utilização dos jogos educativos africanos como ferramenta facilitadora na prática pedagógica.

Laplage em Revista (Sorocaba), vol.2, n.1, jan.- abr. 2016, p.146-153

ISSN:2446-6220

.  149

Jogos educativos africanos da família mancala: um caminho para ensinar e aprender matemática

Revisão bibliográfica No processo de ensino e aprendizagem da Matemática, os jogos são importantes instrumentos, pois são diretamente ligados ao raciocínio matemático por conter regras e deduções. O jogo é um tipo de atividade que alia estratégia e reflexão de forma lúdica e muito divertida, além de auxiliar o desenvolvimento de habilidades como observação, análise, reflexão, tomada de decisão, argumentação, que estão relacionadas ao raciocínio lógico. Segundo Guzmán, (1986), o objetivo dos jogos na educação “não é apenas divertir”, mas extrair dessa atividade conteúdos suficientes para gerar um conhecimento, interessar e fazer com que os estudantes pensem com certa motivação. Gusmán (1986) também afirma que o uso de jogos no ensino representa, em sua essência, “uma mudança de postura do professor em relação ao que é ensinar matemática”, ou seja, o papel do professor muda de comunicador de conhecimento para o de problematizador, observador, facilitador, mediador e incentivador da aprendizagem, no processo de construção do saber pelo aluno. O professor é na verdade, o elo entre as atividades de jogos propostos aos alunos, em relação aos conteúdos escolares, é quem deve fazer a mediação destas atividades com caráter educativo geral de formação do aluno, valores estes que mais tarde ajudarão em sua vivência na escola e na sociedade. Como assinala D’Ambrósio (1996):“O grande desafio para a educação é pôr em prática hoje o que vai servir para o amanhã." (p. 80). Como afirma Ferrarezi (2004, p. 3): As divergências em torno do jogo educativo estão relacionadas à presença concomitante de duas funções: Função Lúdica onde o jogo propicia diversão, o prazer e até o desprazer quando escolhido involuntariamente e Função Educativa onde o jogo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo. O equilíbrio entre as duas funções é o objetivo do jogo educativo e o desequilíbrio torna-o apenas jogo, não há ensino. Qualquer jogo empregado pela escola pode ter caráter educativo se permitir livre exploração em aulas com a participação do professor ou a aplicação em atividades orientadas para conteúdos específicos.

Smole et al. (2008, p.9) acrescentam que: [...] se tratando de aulas de matemática, o uso de jogos implica uma mudança significativa nos processos de ensino e aprendizagem que permite alterar o modelo tradicional de ensino, que muitas vezes tem no livro e em exercícios padronizados seu principal recurso didático.

Dessa forma, ao trabalharmos a Matemática através de jogos africanos, além de favorecermos o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, estimulamos o diálogo (profícuo e profundo) dos alunos com aspectos da cultura africana, possibilitando uma ampliação dos horizontes dos alunos, uma vez que o contato com a cultura africana através dos jogos educativos africanos pode modificar a visão muitas vezes preconceituosa sobre o Continente Africano e de seus descendentes. Nos jogos de Mancala, a circularidade, o cultivo do solo e a distribuição contínua das sementes que estão envolvidos nos movimentos do jogo refletem as práticas e conhecimentos ancestrais africanos. Esses conhecimentos perpassam gerações, pois os costumes e tradições são mantidos pela prática do jogo. No jogo Awalé, uma das variações do Mancala, podemos encontrar ideias filosóficas africanas que fazem parte de seu cotidiano, tais como, “a cooperação, a competição, o respeito ao próximo, o autocontrole, o compartilhar, o trabalho em equipe e o planejamento” (POWELL; TEMPLE, 2002, p. 94). Laplage em Revista (Sorocaba), vol.2, n.1, jan.- abr. 2016, p.146-153

ISSN:2446-6220

BARRETO, G.B.B.; FREITAS, A.M.T. de.

 150

Os jogos africanos da família Mancala, além de populares naquele continente, são considerados por diversos pesquisadores, como um dos mais antigos do mundo. Por essa família de jogos ser encontrada em todo o continente africano, tornou-se conhecido por “jogo nacional da África”. São jogos de tabuleiro que possibilitam que o aluno trabalhe, sem perceber, com conceitos matemáticos básicos, tais como lateralidade, noções de quantidade, operações simples de adição, subtração, multiplicação, sequência, antecessor e sucessor. De acordo com Santos (2008): É jogado habitualmente, com pequenas pedras ou sementes. A movimentação de peças tem um sentido de “semeaduras” e “colheita”. Cada jogador é obrigado a recolher sementes (que neste momento não pertence a nenhum dos jogadores) depositadas numa “casa” e com elas semear suas casas do tabuleiro, bem como as casas do adversário. Seguindo as regras, em dado momento o jogador faz a “colheita” de sementes que passam a ser suas. Ganha quem obtiver mais sementes, ao final do jogo. Ressalta-se que, embora o objetivo do jogo seja ganhar, não há como pressuposto a eliminação do adversário. Ao contrário. Ambos são estimulados ao “plantio”, mesmo em terras adversárias. E cada qual só pode colher se semear. Nesse jogo, ambos colhem. É um jogo em que não há sorte envolvida. Somente raciocínio lógico e matemático.

É possível perceber como a cultura influencia na dinâmica dos jogos. O simbólico a partir do real caracteriza o jogo como vivência e aprendizado. Enfim, de que forma os jogos de regras educativos de origem africana podem contribuir para o processo de ensino e aprendizagem da matemática? De acordo com a pesquisa de Grando (2000) intitulada ‘O conhecimento matemático e o uso de jogos na sala de aula’; investigou-se os processos desencadeados na construção e resgate de conceitos e habilidades matemáticas a partir da intervenção pedagógica com jogos de regras. Os sujeitos da pesquisa foram oito alunos da 6ª série (11/12 anos) do Ensino Fundamental e foram realizadas atividades de intervenção pedagógica com dois jogos matemáticos (Contig 60® e Nim). Os dados foram analisados qualitativamente, segundo unidades de análise pré-definidas no estudo piloto. A análise dos resultados mostrou a validade do uso de jogos nas atividades em sala de aula de Matemática. Não se avaliou o jogo em si, o instrumento, as regras, mas se considerou a maneira como poderia ser utilizado com uma solicitação especial do professor. Pôde-se caracterizar o jogo como um instrumento lúdico, apresentando elementos favoráveis à sua aplicação educacional. Seguindo nessa direção, a pesquisa realizada por Dias (2009) intitulada “A construção do conhecimento em crianças com dificuldades em matemática utilizando o jogo de regras Mancala”; analisou as etapas de aquisição e domínio das regras e estratégias do jogo Mancala, na modalidade Kalah, junto a crianças que apresentavam dificuldades em matemática e aquelas que não apresentam tal dificuldade. Foram comparados dois grupos de crianças, estudantes da 3ª série do ensino fundamental de uma escola pública do interior do estado de São Paulo, sendo 12 participantes com dificuldades em matemática (Grupo A) e 12 sem dificuldades nessa área de conhecimento (Grupo B). Os dois grupos participaram de sessões de intervenção com o jogo de regras Mancala (Kalah). A partir da análise dos dados, foi possível verificar que, de maneira geral, houve, em ambos os grupos, uma tendência de melhoria no desempenho em relação à aprendizagem matemática. Assim, a atividade com jogos pode ser usada como um recurso pedagógico ao possibilitar ao pesquisador e/ou professor a coleta de informações sobre o raciocínio do aluno a partir de seu comportamento nesse ambiente lúdico. Dessa forma, as pesquisas citadas acima apontam que a utilização dos jogos da família Mancala favorece o desenvolvimento do raciocínio lógicomatemático. Como afirma Rêgo (2000, p. 150): Encontrou-se indicação para utilização desse jogo desde a educação infantil até o ensino superior. Ele possibilita o planejamento de ações, sequenciamento, Laplage em Revista (Sorocaba), vol.2, n.1, jan.- abr. 2016, p.146-153

ISSN:2446-6220

.  151

Jogos educativos africanos da família mancala: um caminho para ensinar e aprender matemática

manipulação de quantidades, ação exploratória, desenvolve o raciocínio lógico e também possibilita trabalhar com as operações de adição e subtração.

Os PCN´s defendem então que os jogos podem contribuir na formação de atitudes para enfrentar desafios, no desenvolvimento do pensamento crítico e na criação de estratégias. Em relação à matemática, utilizar jogos é uma alternativa eficaz e qualitativa, pois age direto nas capacidades simbólicas e estratégicas dos alunos. Nesta perspectiva, Petty (1995, p. 11) afirma que: Jogar é uma das atividades em que a criança pode agir e produzir seus próprios conhecimentos. No entanto, nossa proposta não é substituir as atividades em sala de aula por situações de jogos. (...) a ideia será sempre considerá-los como outra possibilidade de exercitar ou estimular a construção de conceitos e noções também exigidos para a realização de tarefas escolares.

Em uma boa parcela dos casos, os jogos envolvem o uso de estratégias competitivas, mas também há casos em que se faz presente a solidariedade. Uma dessas situações pode ser verificada nos jogos de regras da família Mancala. Essa expressão “família Mancala” é usada para designar um conjunto de jogos de tabuleiro, também conhecidos por jogos de semeadura, jogos de contagem e captura ou jogos de buraco. A difusão dos jogos Mancala em todo o mundo, ocorreu a partir da África. Existem mais de 300 variações, com regras diferentes. Os mais conhecidos no Ocidente são o Ayo, Kalah, Ouri e Oware, comumente para dois jogadores. O tabuleiro em ambos é simples; possuem duas fileiras de seis cavidades cada uma e uma cavidade maior em cada um dos dois lados do tabuleiro. Em algumas de suas variações, encontramos demonstrações em que o jogador não pode deixar o adversário sem as peças do jogo. Para isso, deverá compartilhar sementes, semeando-as na terra do adversário. Esse tipo de lance não é comum nos jogos contemporâneos, já que vencer a qualquer custo tende a ser uma das principais estratégias das disputas. Segundo Moura (1995, p. 26): Nos jogos de regra, os jogadores estão, não apenas, um ao lado do outro, mas ‘juntos’. As relações entre eles são explícitas pelas regras do jogo. O conteúdo e a dinâmica do jogo não determinam apenas a relação da criança com o objeto, mas também suas relações em face a outros participantes do jogo. (...) Assim, o jogo de regras possibilita o desenvolvimento das relações sociais da criança.

Considerando as características particulares dos jogos da família Mancala e as contribuições que pode aportar ao ensino de Matemática passamos a apresentar o balanço da literatura que trata dessa temática visando possibilitar a reflexão sobre a utilização dos jogos educativos africanos como ferramenta facilitadora na prática pedagógica.

Considerações finais Baseados nas afirmações dos autores acima e nas experiências citadas, podemos concluir que os jogos africanos da família Mancala podem ser usados como metodologia de ensino e aprendizagem matemática. Seu uso é capaz de tornar a aprendizagem dos conteúdos matemáticos mais interativo e estimulante, reforçando, também, conhecimentos já adquiridos anteriormente. O jogo de regras Mancala se evidencia como instrumento que pode ser incorporado ao ensino da Matemática nas escolas, visto que, por meio dele, é possível desenvolver o raciocínio, resolver problemas, trabalhar a reciprocidade, sedimentar noções de quantidades, reconhecer que um mesmo problema pode ser resolvido pelo uso de diferentes operações e por diversas formas através de símbolos ou de material concreto, como as peças do jogo. Laplage em Revista (Sorocaba), vol.2, n.1, jan.- abr. 2016, p.146-153

ISSN:2446-6220

BARRETO, G.B.B.; FREITAS, A.M.T. de.

 152

Durante a prática do jogo, há lugar para a manifestação das características individuais, e é possível o diagnóstico e a possibilidade de trabalhar alguns comportamentos, a aprendizagem com a própria experiência e a vivência das regras de forma lúdica. Após a análise das experiências através dos jogos, observou-se que por seu intermédio, além de estabelecermos uma aproximação com ancestralidade africana desenvolvemos habilidades cognitivas importantes nos alunos. De forma que, a construção de conhecimentos culturais se dá numa perspectiva de aprendizagem significativa. [...] a essência do processo de aprendizagem significativa é que ideias simbolicamente expressas sejam relacionadas de maneira substantiva (não literal) e não arbitrária ao que o aprendiz já sabe, ou seja, a algum aspecto de sua estrutura cognitiva especificamente relevante para a aprendizagem dessas ideias. (AUSUBEL; NOVAK e HANESIAN, 1978, p. 4).

Sendo assim, é possível destacar a pertinência tanto curricular quanto didático- pedagógica na utilização dos jogos africanos da família Mancala como recurso facilitador no processo de ensino e aprendizagem matemática, pois ao jogar, os alunos “antecipam” e “planejam” as jogadas; refletindo então antes de jogar. Tal habilidade é fundamental para o ensino da Matemática uma vez que associada ao domínio do raciocínio abstrato que a disciplina exige. Além disso, permite uma associação com diferentes abordagens interdisciplinares, pois envolve aspectos sociais, culturais, ambientais, dentre outros, que contribuem para adoção de processos contextualizados de aprendizagem matemática

Referências AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. D.; HANESIAN, H. Educational psychology: a cognitiveview. New York, USA: Holt, Rinenhartand Winston, 1978. BRASIL. Lei no 10.639, de nove de janeiro de 2003. Inclui a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino. Brasília: Diário Oficial da União, 2003. BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Lei nº. 9394 20 de novembro de 1996. Brasília: Diário Oficial da União, 1996. CHAUTEAU, J. O Jogo e a criança. Tradução Guido de Almeida. São Paulo: Summus Editorial, 1987. 139p. COMENIUS, J.A. Didática magna. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 390 p. D'AMBROSIO, U. Etnomatemática: arte ou técnica de explicar e conhecer. São Paulo: Ática,1990. 88p. D'AMBROSIO, U. Educação matemática: da teoria à prática. Campinas: Papirus, 1996. 121p. DIAS, L. P. A construção do conhecimento em crianças com dificuldades em matemática utilizando o jogo de regras Mancala. Dissertação [Mestrado em Educação]. Universidade Estadual de Campinas: Campinas/SP, 2009. GRANDO, R. C. O jogo e a matemática no contexto da sala de aula – (Coleção pedagogia e educação). São Paulo: Paullus, 2004. GRANDO, R. C. O Jogo na educação: aspectos didático-metodológicos do jogo na educação matemática. UNICAMP, 2001. GRANDO, R. C. O conhecimento matemático e o uso de jogos na sala de aula. Tese [Doutorado em Educação]. Universidade Estadual de Campinas: Campinas/SP, 2000.

Laplage em Revista (Sorocaba), vol.2, n.1, jan.- abr. 2016, p.146-153

ISSN:2446-6220

.  153

Jogos educativos africanos da família mancala: um caminho para ensinar e aprender matemática

GRANDO, R. C. O jogo e suas possibilidades metodológicas no Processo Ensino Aprendizagem da Matemática. Dissertação [Mestrado em Educação]. Universidade Estadual de Campinas: Campinas/SP, 1995. 175p. GUZMÁN, M. Aventuras matemáticas. Barcelona: Labor, 1986. KRAEMER, Maria Luiza. Jogando e aprendendo a redigir com criatividade – São Paulo: Paullus, 2008. Coleção Atividades pedagógicas. MEC – Ministério da Educação – Secretaria de Educação Fundamental - PCN’s Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998. MOURA, A. R. L. A Medida e a criança pré-escolar. Tese [Doutorado em Educação]. Universidade Estadual de Campinas: Campinas/SP, 1995. PETTY, A. L. S. Ensaio sobre o Valor Pedagógico dos Jogos de Regras: uma perspectiva construtivista. Dissertação [Mestrado em Psicologia]. Instituto de Psicologia, USP, 1995. 133p. PIAGET, J. Psychopédagogie et mentalité enfantine. Journal de Psychologie Normale et Pathologique. ano 25, 1928. RÊGO, R. G. ; RÊGO, R. M.. Matemática. 3ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. RIZZO, G. Jogos inteligentes: a construção do raciocínio na escola natural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. SANTOS, Flávia M. T dos & GRECA, Ileana M. (org.). A pesquisa em Ensino de Ciências no Brasil e suas Metodologias (Coleção educação em Ciências). Ijuí: Ed. Unijuí, 2006, 440 p. SANTOS, C. J. Africanidades no ensino de matemática: um estudo de caso da família Mancala. São Paulo: UTP, 2008a. SANTOS, C. J. Jogos africanos e a educação matemática: semeando com a família Mancala. Maringá: Secretaria de Estado da Educação, 2008b. SILVA, A. F.; KODAMA, H. M. Y. Jogos no ensino da Matemática. In. II Bienal da Sociedade Brasileira de Matemática, UFBA, 2004. SMOLE, K. S., M. I. DINIZ, PESSOA, N. e ISHIHARA, C. Jogos de matemática de 1º a 3º ano. Série Cadernos do Mathema – Ensino Médio. Porto Alegre: Artmed, 2008. 

Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática (UFS/PPGECIMA). Professora da rede Municipal de Aracaju/SE; Licenciada em Pedagogia Lic. Plena pela Universidade Federal de Sergipe; Pós-graduada em Educação Inclusiva com Libras, pela Faculdade Pio Décimo. E-mail: [email protected]. **

Doutora em Ciências da Educação (Universidade de Paris 8). Professora Associada da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal de Sergipe (UFS/PPGECIMA). Pesquisadora do Grupo Educação e Contemporaneidade. E-mail: [email protected]. Recebido em 30/12/2015 Aprovado em 30/01/2016

Laplage em Revista (Sorocaba), vol.2, n.1, jan.- abr. 2016, p.146-153

ISSN:2446-6220

View more...

Comments

Copyright � 2017 SILO Inc.