Instituto de Psicologia - Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento - PED UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

September 10, 2016 | Author: Cássio da Mota Dreer | Category: N/A
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Instituto de Psicologia - Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento - PED UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA ______________________________________________________________________________

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA E INSTITUCIONAL

Coordenação: Profa. Dra. Maria Helena Fávero

TRABALHO FINAL DE CURSO

INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA COM ALUNA INDÍGENA

Apresentado por: Juliana Fagg Orientado por: Dra. Denise de Oliveira Vieira

BRASÍLIA, 2013 8

Apresentado por: Juliana Fagg

Orientado por: Dra. Denise de Oliveira Vieira

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INDICE I/ Colocação do Problema .................................................................................p. 8 II/ Fundamentação Teórica ..............................................................................p. 11 2.1 – Relação entre a língua escrita e o povo Kulina ................................................................ p. 11 2.2 – A construção da escrita na língua portuguesa no contexto da educação indígena ................................................................................................................................................... p. 13 2.3 – A intervenção psicopedagógica como instrumento de construção dos conceitos iniciais de leitura e escrita........................................................................................................................... p. 15

III/ Método de Intervenção...............................................................................p. 16 3.1/ Sujeito e Instituição.............................................................................................................p. 16 3.2/ Procedimento Adotado........................................................................................................p. 17

IV/ A intervenção psicopedagógica: da avaliação psicopedagógica à discussão de cada sessão de intervenção ............................................................................................................................. p. 18 4.1/ Avaliação Psicopedagógica - Sessão de avaliação psicopedagógica 1....................................................................................p. 19 - Sessão de avaliação psicopedagógica 2: Observação.............................................................. p. 23 - Sessão de avaliação psicopedagógica 3................................................................................... p. 24 4.2/ As Sessões de Intervenção ........................................................................................p. 30 - Sessão de intervenção psicopedagógica 1 .............................................................................. p. 31 - Sessão de intervenção psicopedagógica 1 .............................................................................. p. 32 - Sessão de intervenção psicopedagógica 1 .............................................................................. p. 35

V/ Discussão geral dos resultados da intervenção psicopedagógica............. p. 39 VI/ Consideração finais.................................................................................... p. 41 VII/ Referências Bibliográficas. ..................................................................... p. 43

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RESUMO O presente trabalho é baseado no processo de avaliação e intervenção psicopedagógica realizado com uma jovem indígena, que apresenta paralisia cerebral e pouco conhecimento da língua portuguesa, ainda nas primeiras etapas da alfabetização. A pesquisa foi realizada em uma escola de ensino especial do DF, buscando verificar a existência de possíveis limitações cognitivas ou de desenvolvimento que pudessem dificultar o processo de aprendizagem. Com esse intuito, foram realizadas provas piagetianas e uma sequência de avaliações e intervenções baseadas nos resultados apresentados. A elaboração de novas etapas de intervenção e a análise dos dados foram realizadas com base nas teorias de Ferreiro e Vigotski, considerando o contexto e individualização do sujeito e a influência de sua cultura, como é indicado por Fávero. Foi concluído que a jovem apresenta as condições necessárias para ser alfabetizada. Palavras-chave: Kulina, indígena, alfabetização, avaliação e intervenção psicopedagógica.

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ABSTRACT This research was based in the psycho-educational evaluation and intervention process lived by a young indigenous Brazilian woman, she suffers from cerebral palsy and has very limited knowledge of the Portuguese language, at the early stages of her literacy process. The research happened in the facilities of a special needs school located in the Brazilian Federal District. Its intent was to verify possible cognitive damage or evolutional difficulties that could impair the learning process. Piagetian test, evaluations and interventions were put in practice searching for evidences on the matter, based on the subject’s results. Each intervention and evaluation encounter were elaborated and analyzed considering the abilities exposed in the previous step. Based on Ferreiro and Vigotski theories, considering the context she is in, her culture and internal affairs, as presented in the works of Fávero. By ends, it was possible to conclude that the subject presents the necessary abilities to be successfully literate. Key words: Kulina, indigenous, literacy, psycho-educational intervention and evaluation.

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I - Colocação do Problema O sujeito (S) tem 18 anos, é do sexo feminino, nasceu na tribo Kulina no Médio Juruá – AM, e apresenta um quadro de Paralisia cerebral quadriplágica espástica (CID G80.0). Esse quadro é caracterizado pela rigidez muscular crônica, de maior ou menor grau, que aparece durante a primeira infância devido a uma lesão no sistema nervoso central, podendo ser acompanhado por outros sintomas e possuir diversas causas. (Rotta, 2002). De acordo com o referido autor, a paralisia cerebral pode apresentar causas endógenas e/ou exógenas. O primeiro caso pode ser decorrente de pré-disposição genética, o que definiria o quão suscetível é o cérebro de se lesar e a sua plasticidade. No segundo caso, a deficiência pode ser causada devido à complicações nos períodos pré, peri ou pós-natal. Conhecemos pouco sobre a gestação de S. Sabemos apenas que a sua gestação não era desejada e que sua mãe tentou abortar algumas vezes. Uma das estratégias utilizadas pela genitora foi a violência física contra a barriga, o que pode ter influência sobre o surgimento da lesão que ocasionou a paralisia. Em 2012, aos sete anos, foi trazida por um missionário para Brasília, junto com a sua mãe, em busca de tratamento. Este entrou em contato com o Grupo Assistencial Elo Perdido, uma entidade que cuida de pessoas com doença mental, população de rua e indígenas desaldeados. Apesar de S não fazer parte do quadro geralmente aceito pela entidade, por ser aldeada, a acolheram e conseguiram que fosse internada no Hospital Sarah Kubitschek para pudesse fazer tratamento. Ao receber alta do hospital, ficou combinado que ela voltaria anualmente para dar continuidade ao tratamento, o que foi cumprido. Após alguns anos foi encontrado um local apropriado para dar continuidade ao tratamento na Amazônia, porém este não foi levado adiante. Em razão da interrupção do tratamento, observou-se a intensificação do enrijecimento de sua mão esquerda que, aliada a um problema de saúde de sua avó, culminou no retorno de S a Brasília no mês de janeiro. Segundo relato da pessoa que a acolheu em um primeiro momento, a situação de S na aldeia permanecia de risco. Antes de retornar a Brasília, sua mãe havia se casado e seu companheiro apresentou comportamentos agressivos e violentos em relação a S. àquela época, a solução encontrada pela família foi que S residisse com a avó materna, permanecendo na aldeia até o seu retorno a Brasília. Ao chegar a Brasília, foi acolhida pela mesma entidade que a recebeu quando criança. Atualmente não se encontra mais hospedada na entidade, ela e sua avó passaram a morar com a 14

sua tia e outros índios em uma casa em Sobradinho/DF. S mantém pouco contato com o resto de sua família que permaneceu na Amazônia. Eles têm enfrentam dificuldade de comunicação por terem que acessar um telefone da FUNAI para entrar em contato com S. Ao longo de sua vida, S teve muito pouco contato com a língua portuguesa. Tanto sua avó quanto sua mãe falam somente a língua nativa de sua tribo. O pouco que conhece da língua portuguesa decorreu da ação dos missionários e do que aprendeu das outras vezes que esteve em Brasília. Não sabe ler, nem escrever e atualmente estuda no Centro de Ensino Especial 01 de Sobradinho, CEE-01. Foi encaminhada pela GREPAV – Gerência Regional de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação Educacional de Sobradinho para a realização de avaliação psicopedagógica para inserção na rede pública de ensino. A aluna foi temporariamente encaminhada ao Centro de Ensino Especial por não haver condição de locomoção para Educação Jovem Adulto (“EJA”) noturno, devido as suas limitações culturais, adaptativas e em razão da sua falta de reconhecimento social de risco. A aluna está no primeiro ano de escolaridade. De acordo com a cuidadora (informações contidas no anexo II), na tribo em que nasceu não havia escola e apenas pessoas do sexo masculino recebiam alguma educação formal. A sua atual professora se queixa do fato de S não reter aquilo que lhe é ensinado. Percebe uma evolução quanto a sua socialização do começo do ano até o momento de início da pesquisa em abril de 2013. Em princípio ela não interagia, nem se comunicava com outas pessoas, contudo, atualmente ela já pronuncia palavras monossilábicas. Contudo, sempre que lhe fazem perguntas que exigem uma resposta mais complexa (exemplos em R9 do anexo III) S responde “não sei”. Não conhece o nome das cores e não consegue identificá-las corretamente. Quando a professora pede que faça uma tarefa, ela se dedica ao proposto, mas nem sempre alcança o resultado esperado. A professora não conseguiu identificar o que S gosta, tampouco desenvolveu estratégias melhores para seu desenvolvimento. O grupo de alunos com o qual a professora trabalha apresenta peculiaridades bastante específicas, o que exige que proponha uma diversidade muito ampla de tarefas. Recentemente a professora pediu para que fosse feita uma investigação relacionada a sua memória e outras possíveis dificuldades de aprendizagem. Nosso objetivo nesta intervenção psicopedagógica foi avaliar o nível de desenvolvimento da construção da escrita onde S se encontrava, intervindo na construção das primeiras estruturas 15

cognitivas relacionadas a essa construção a fim de conhecer, por meio da intervenção, se a aluna demonstra condições favoráveis para ser alfabetizada na língua portuguesa. Devido ao pouco tempo disponível para maiores investigações, tivemos como objetivo a busca de indícios desta possibilidade.

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II/ Fundamentação Teórica 2.1 – Relação entre a língua escrita e o povo Kulina. Durante o último século, algumas experiências buscando alfabetizar o povo Kulina ou Madiha (“gente” em sua língua), como estes se autodenominam, foram colocadas em práticas apresentando maior ou menor grau de sucesso. Um dos fatores de maior peso para o sucesso ou fracasso das tentativas foi o interesse do povo Kulina em aprender a ler e escrever. Grande parte da bibliografia encontrada sobre esse povo se remete à 150 anos atrás, até então, pouco era conhecido. Sabe-se que viviam espalhados pela região dos rios Juruá e Purus, formando subgrupos, com denominações próprias e que cada grupo dividia uma maloca. Entre os grupos havia bastante comunicação, sendo frequente a transição entre um e outro (Gordon, 2006). Pouco abertos a outras culturas, não eram muito amigáveis com outras tribos, pois atribuíam as doenças acometidas à feitiços lançados pelos Xamãs dessas outras tribos. Fazem parte do grupo linguístico Arauwá, porém pouca relação tem com outros povos que dividem sua língua. Por ser um local rico em seringueiras, houve uma intensa migração pelos nordestinos e peruanos nessa região. A expansão extrativista e a corrida da borracha alterou significativamente o modo de vida dessa população, pois poucos grupos sobreviveram aos violentos confrontos decorrentes desses movimentos e muitos foram dizimados pelas doenças que os acompanharam, como o sarampo e a gripe. Consideravelmente reduzidos, passaram a se fixar em aldeias nas margens dos rios Juruá, Purus e Eirunepé. Hoje estão instalados no lado ocidental da Amazônia, Acre e Peru. Passaram então a adotar muitas características dos seringueiros, como vestimentas, a construção de casas de palafitas e a língua portuguesa. Devido à mão-de-obra barata que ofereciam, muitos começaram a trabalhar nos seringais em troca de comida, roupas e cachaça. Com a diminuição do movimento seringalista, os Kulina retomaram vários de seus costumes tradicionais. Reduziram o uso do português, resgatando a língua Madiha, voltaram a circular entre os diferentes grupos e voltaram a viver primariamente da agricultura e da caça. Acredita-se que hoje sua população seja de 2.500 indivíduos no lado brasileiro, sendo em torno de 4.000 no total (Gordon, F., 2006 & OPAN, 1986). Além disso, assumiram uma posição ativa na luta pelos seus direitos, tanto com relação a delimitação das terras indígenas, como na defesa de seus espaços perante o “homem branco”. Em razão disso, desenvolveram um relacionamento bastante conflituoso com estes.

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A interação com a cultura escrita se iniciou no Peru, onde grupos missionários cristãos Summer Institute of Linguistics (“SIL”) criaram um centro de alfabetização para evangelizá-los. Com esse intuito, estudaram a sua língua nativa e desenvolveram um dicionário bilíngue. Muitos outros foram atraídos para a escola, onde foram alfabetizaram em sua língua original e criaram monitores para reproduzir o seu trabalho utilizando a leitura de uma versão bilíngue do novo testamento. Ao voltarem a se relacionar com as tribos, os Kulinas brasileiros logo perceberam a utilidade da escrita. Buscaram encontrar grupos dispostos a lhes alfabetizar e tinham como objetivo utilizar a escrita como forma de intensificar a relação com sua própria cultura, facilitar a comunicação entre as tribos e dinamizar a sua politização. Dessa forma, a escrita passou a ser utilizada como uma ferramenta para exigir os seus direitos, como a delimitação de suas terras e para se defender da sociedade que se encontrava a sua volta, considerada por eles como um “inimigo” (OPAN, 1989). A maior parte do movimento escolar desse povo ocorreu durante a década de 80, quando grupos como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Organização do tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) iniciaram, em algumas tribos, projetos de alfabetização e formação de professores e monitores. O objetivo era, por meio desses profissionais, estender o acesso a escrita Kulina aos demais membros de sua comunidade. Apesar de utilizarem a ortografia ocidental, pouco interesse foi dado ao aprendizado do português, idioma pouco utilizado nas tribos. Foram elaboradas transcrições de seus mitos e canções para serem utilizados como facilitadores do processo de alfabetização. Com isso, facilitou-se o desenvolvimento de uma gramática Kulina, um dicionário kulina-português, um jornal comunitário Kulina, e a tradução de artigos de seu interesse elaborados pela sociedade branca que estava a sua volta. Munidos deste instrumental, pretendiam debater temas importantes e elaborar cartas para a FUNAI e outras instituições, reivindicando direitos e fiscalizando o serviço feito por estes de forma a garantir os seus direitos (Kanaú, A., 1997, em Greiner & Bião, org, 1999). Apesar de todo o interesse demonstrado, as escolas começaram a perder força. Kurovski 1

(n.d.), ao investigar a razão da falta de continuidade do projeto, atribuiu-a à questões como: 1)

falta de salários adequados e regulares para os professores e monitores; 2) falta de infraestrutura; 3) necessidade do mesmo professor ter que atender em várias tribos; e 4) falta de professores adequadamente treinados. Dessa forma, apesar de toda a produção escrita existente, poucos são os índios Kulinas alfabetizados. Na década de 90 voltou-se a ter um movimento dentro da tradição e cultura Kulina 1

Recuperado de: http://www.ufmt.br/revista/arquivo/rev12/alem_das_letras.htm 18

em direção a escolarização para o público adulto e infantil. Porém, de acordo com o censo escolar/INEP 2011, existem apenas 4 escolas dentro da região do Juruá e todas apresentam um baixo número de alunos inscritos, baixo rendimento e baixa infraestrutura. 2.2 – A construção da escrita da língua portuguesa no contexto da educação indígena. Quando se fala em Educação Escolar Indígena, algumas características são muitas vezes apresentadas como essenciais para que haja um melhor engajamento e aproveitamento. No Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, elaborado em 19982, aparece a preocupação de suas escolas serem diferenciadas. É apresentado que os calendários e currículos deveriam estar mais próximos às culturas indígenas e elaborados por membros das comunidades, os quais também seriam responsáveis por ministrar as aulas, tudo em benefício da própria coletividade. Infelizmente, com a leitura do Plano Estadual de Educação do Amazonas (PEE/AM) 3, elaborado em 2008, é possível perceber que pouco foi feito nessa região para alcançar esses objetivos. Se comparar os rendimentos dos alunos matriculados região do Juruá pelo Censo Escolar/INEP4, em 2011, com o PEE/AM dentro do capítulo voltado para a Educação Escolar Indígena, é possível perceber um provável distanciamento entre o que é idealizado e o que acontece na realidade. Nessa região existem somente quatro escolas, sendo a média percentual de alunos que apresentaram aprendizado adequado na quinta série em português de 13% e no nono ano de 12%. Dos alunos matriculados no ensino regular, 53,88% se encontravam nos anos iniciais do Ensino Fundamental; 43,64% nos anos finais do Ensino Fundamental e somente 2,48% no Ensino Médio. Os índices acima apresentados demonstram que a realidade escolar no Juruá está mais próxima do pensamento vigente nos anos 50 (MEC, 1998) do que o que se tem apresentado como ideal nas últimas décadas. A concepção da escola como um lugar onde se alfabetiza para inserir na sociedade que lhes envolve parece ter maior força do que a percepção desse como um local de ensino que respeita e incentiva a produção cultural do povo, instruí sobre a sociedade que lhe envolve, lhes oferece ferramentas necessárias para atuar neste e promova espaços para debate e criação (PEE/AM, 2008).

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Retirado de: http://www.ufpe.br/remdipe/images/documentos/edu_escolar/ml_07.pdf Encontrado em: http://consed.org.br/rh/resultados/2012/planos-estaduais-de-educacao/pee-am.pdf 4 Encontrado em http://www.qedu.org.br/cidade/3110-jurua/aprendizado 3

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Emília Ferreiro (2011) apresenta a importância da alfabetização ser contextualizada dês das séries iniciais como peça chave para se desenvolver a habilidade de compreensão e avaliação crítica. De acordo com a autora: ... a ênfase praticamente exclusiva na cópia, durante as etapas iniciais da aprendizagem, excluindo tentativas de criar representações para as séries de unidades linguísticas similares (listas) ou para mensagens sinteticamente elaboradas (textos), faz com que a escrita se apresente como um objeto alheio à própria capacidade de compreensão. Está ali para ser copiado, reproduzido, porém não compreendido, nem recriado. (Ferreiro, 2011, p. 19). O fato de, muitas vezes a importância de escrever ser transmitida pela escola como um “objeto em si”, pertencente ao domínio da escola e sua importância ser atribuído ao passar ou não de ano é extremamente prejudicial para a alfabetização dos alunos. Esta deve ser encarada como um instrumento para “a compreensão do modo de representação da linguagem que corresponde a um sistema alfabético da escrita, seus usos sociais e a construção e compreensão de textos coerentes e coesos” (p. 25). Vigotski (2002) reforça a importância do desenvolvimento natural da escrita no lugar do ensino mecânico e imposto. Para o autor, esse deve ser introduzido de forma lúdica e natural, cultivando a percepção deste como uma necessidade relevante para a vida do indivíduo, como acontece com a aprendizagem da fala. No que concerne a alfabetização de indivíduos pertencentes a sociedades ágrafas, como acontece com os Kulinas, é necessária a percepção de que estes já iniciam o processo em atraso. Isso se deve por não receberem imput fora do contexto escolar quanto à importância e utilidade da linguagem escrita. O contato deste dentro de contextos sociais funcionais tende a estimular o querer aprender, é necessário que a abordagem tomada pelas escolas, principalmente nessas regiões, sejam contextualizadas. Para tal, Ferreiro (2011) sugere que o professor apresente a leitura e escrita de formas variadas, desperte o interesse demonstrando a sua utilidade prática/funcional, as diversas formas em que é utilizada no contexto social e o que a criança pode fazer utilizando-a. Ou seja, permitir que explore e interaja com esse instrumento de comunicação e permitir que busque e aprenda com este. 2.3 – A intervenção psicopedagógica como instrumento de construção dos conceitos iniciais de leitura e escrita.

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Buscando encontrar uma forma para se trabalhar a questão da leitura e escrita, a realização de uma avaliação psicopedagógica considerando o contexto social e pessoal apresenta-se como determinante para a realização do trabalho da escola. Demonstrou-se necessário que fosse feita uma avaliação de forma a verificar o estágio de desenvolvimento no que S se encontrava. Somente assim seria possível verificar se apresentava algum nível de atraso cognitivo que dificultasse o processo de aprendizagem. Além disso, foi identificada a necessidade de verificar em que estágio do desenvolvimento se encontrava e quais informações já se encontravam internalizadas. De forma a realizar essa tarefa, era necessário considerar todas as questões culturais que pudessem influenciar os resultados obtidos nas sessões de avaliação. Neves (2012) ao citar Fávero, apresenta a necessidade de se realizar uma avaliação que considere o sujeito individual e suas atividades internas de forma contextualizada e considerando suas atividades comunicativas. Além da consulta bibliográfica, foram realizadas entrevistas com o cuidador e professora buscando verificar como a leitura e escrita são abordados em sua tribo, como fora conduzida na história de vida do sujeito e como foi trabalhada a sua sociabilidade perante os outros, tanto em sua aldeia como com pessoas de fora de sua comunidade.

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III/ Método de Intervenção 3.1/ Sujeito e Instituição A instituição onde realizou-se a intervenção foi uma escola pública de ensino especial (CEE) da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. S é do sexo feminino, tem 18 anos, nasceu no dia 02/04/1995 na tribo Kulina no Médio Juruá e apresenta um quadro de Paralisia cerebral quadriplágica espástica (CID G80.0). Esse quadro é caracterizado pela rigidez muscular crônica, de maior ou menor grau, que aparece durante a primeira infância devido a uma lesão no sistema nervoso central. Pode ser acompanhado por outros sintomas e ter diversas causas. (ROTTA, 2002). A cuidadora relatou que seus movimentos motores estão ficando mais limitados, dessa forma, foi encaminhada pela escola para o Hospital SARAH Kubitchek para retornar ao tratamento. Além disso foi encaminhada para o oftalmologista. Foi relatado pela cuidadora que quando na aldeia sempre viveu retraída em sua residência, além de ter sofrido abusos físicos e psicológicos. É bastante quieta, interage pouco com os outros, preferindo ficar só. Ela gosta bastante de fazer colares com miçangas e assistir novelas, porém não gosta de fazer atividades rotineiras de casa e nem de se expor. S apresenta um quadro de sonambulismo e terror noturno, tendo um sonho recorrente com um homem tentando matá-la. Os dados da avaliação feita pelo centro de ensino revelam que a aluna possui linguagem compreensiva e emissiva em português. No primeiro momento apresentou dificuldades em executar ordens relacionadas a elaboração de conceitos formais, que as avaliadoras julgaram ser devido as diferenças entre a linguagem da tribo e a nossa. No relatório consta que, após mediação, S executou os comandos demonstrando compreender o que lhe foi proposto. No grafismo desenha figuras com significado. Identificou os familiares no discurso. Realizou encaixe por análise e síntese. Montou quebra-cabeça de 12 peças o que indica um processo de análise e síntese incipiente. Realizou contagem mecânica até 10. Realizou pareamento termo a termo até 5. Demonstrou concentração para atividades de mesa. Apresentou memória imediata e evocativa para 7 fatos em sequência. Estava, ao início na avaliação, iniciando a escrever o prenome com letra de forma e de forma mecânica sem identificar as letras utilizadas. Estava iniciando a formação de esquemas operatórios concretos, segundo referencial piagetiano: reversibilidade, pensamento simbólico, ainda necessita de suporte concreto para desenvolver as deduções. Esses traços poderiam ser 22

classificados como deficiência mental, mas diante da situação de vivência em tribo e outras habilidades desenvolvidas, foi considerada de acordo com o esperado pela circunstância. Quanto à autonomia a aluna mostrou-se independente nas atividades de vida autônoma, segundo relato da professora em casa a aluna ajuda nas tarefas domesticas com eficiência (R6 na entrevista com a professora, Anexo III). A avaliação psicológica dispensou a aplicação de testes cognitivos formais devido as diferenças culturais que poderiam influenciar negativamente nos resultados. Então, aplicou-se somente o Bender e os resultados indicaram alterações significativas de: simplificação de figuras, alteração da Gestalt, alteração de fechamento e junção e rotação. A simplificação das subpartes e fragmentação, bem como, alteração do fechamento supõe possível transtorno cerebral ou deficiência mental. Foi percebida simplificação ao apresentar conceitos menos maduros na reprodução de figuras, apesar da firmeza dos traçados das mesmas. Hipóteses de comprometimento estrutural ou funcional no Sistema Nervoso Central não foram descartadas pela equipe escolar. 3.2/ Procedimento(s) Adotado(s) A escolha do sujeito partiu da própria necessidade de uma intervenção psicopedagógica que ajudasse na adaptação de S à escola. Foi feito um esclarecimento sobre a pesquisa de intervenção à pessoa da ONG que a inseriu no contexto escolar. Obtivemos a sua autorização por meio de um consentimento de livre e esclarecido (Anexo I). Foram feitas entrevistas com a professora da aluna, com a responsável pela matrícula na escola e foi permitido acesso às informações recolhidas pela equipe do Centro de Ensino Especial de onde obtivemos os dados para a descrição do sujeito. Foram realizadas duas sessões de avaliação em uma sala disponibilizada no CEE. A primeira apresentando duração de aproximadamente uma hora e quinze minutos. Entre uma sessão e outra foi realizada uma sessão de observação na escola por duas horas corridas, envolvendo sala de aula, recreio, lanche e atividade de horta. Foi realizada outra sessão de avaliação com duração aproximada de uma hora e trinta minutos. As sessões foram gravadas e houve a descrição por escrito dessas gravações transformadas em relatos. Posteriormente foram feitas 3 sessões de intervenção, também gravadas em áudio e vídeo e transcritas em forma de relatos. Tais relatos foram organizados em formato de tabela com três colunas. A primeira descrevendo a atividade proposta, a segunda com o desempenho de S e seus relatos e a terceira com os resultados observados. Pouco foi apresentado de suas falas devido à dificuldade de S em se expressar verbalmente. A metodologia adotada nessa pesquisa de 23

intervenção baseou-se em Fávero (2002ª, apresentado em Neves, 2012) onde se buscou considerar o desenvolvimento do sujeito e as particularidades deste, e utilizar o procedimento de intervenção psicopedagógico e a mediação realizada como método de investigação sobre aquisição de conceitos. Para tal foram realizadas as seguintes etapas: 1) a avaliação das competências de S e de suas dificuldades, como também sua análise; 2) a sistematização da prática de mediação em termos de objetivos e descrição das atividades propostas, tendo em conta a avaliação e análises referidas; 3) análise minuciosa do desenvolvimento das atividades propostas, evidenciando: a - sequência de ações da aluna; b - o significado dessas ações em relação às suas aquisições conceituais; c - a natureza da mediação estabelecida entre a professora e a estudante (Fávero, 2007b, em Neves, 2012). Após a elaboração das tabelas foi feita a análise dos resultados e uma discussão geral com base nestes. Finalmente buscou-se concluir apresentando possibilidades de trabalho para melhorar o desempenho de S nas tarefas apresentadas pela escola.

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IV/ A intervenção psicopedagógica: da avaliação psicopedagógica à discussão de cada sessão de intervenção

4.1/ Avaliação Psicopedagógica Objetivo: identificar possíveis dificuldades de aprendizagem e de memória. Para tal foram realizadas atividades que poderiam avaliar raciocínio lógico sequencial e estruturado, reversibilidade, percepção, memória de curto prazo e memória de vocação. - Sessão de avaliação psicopedagógica 1 Objetivo: verificar a memória de trabalho e memória de evocação, construção do pensamento por análise e síntese, reconhecer a posição do traçado das letras, verificar se a aluna possui o conceito de reversibilidade e conservação de quantidade.

LINHA

ATIVIDADE

1.

Foi apresentado uma sequencia de figuras para que S as identificasse. Galinha – sapo – pau – aranha – peixe – carro – índio.

Cada figura foi sendo Reconheceu identificada pelo sujeito a propostas. medida que fora apresentada.

2.

Pediu-se então que S nomeasse uma a uma cada figura que era colocada virada sobre a mesa, ocultando a imagem.

1ª figura peixe 2ª figura: sapo 3ª figura: pau (árvore) 4ª figura: aranha 5ª figura: peixe 6ª figura: carro 7ª figura: índio

3.

EXECUÇÃO

RESULTADOS as

figuras

Recordou. Lembrou das duas figuras na sequência; Lembrou das três figuras na sequência; Lembrou das quatro figuras na sequência; Lembrou das cinco figuras na sequência... Lembrou de sete figuras na sequência. Montar três quebra-cabeças Realizou os quebra- Demonstrou análise e com diferentes quantidades cabeças de menos peças síntese em figuras simples. em curto período de tempo. de peças (4, 8 e 12). No terceiro, doze peças, Demonstrou utilizar começou se orientando tentativa e erro. pelo desenho, porém, com o tempo passou a encaixar 25

as peças aleatória.

de

forma

4.

A pesquisadora interviu, montando o quebra-cabeça seguindo uma ordem indo do canto superior direito até o canto inferior esquerdo, identificando as partes da figura que apareciam em cada um e, quando completo, desmanchou.

5.

Apresentou-se novamente Acertou a sequência das figuras da elementos. atividade anterior virados com a figura para baixo e pediu que identificasse a sequência.

6.

Foi apresentada a letra “A”. Em seguida mostrouse uma barra com quatro “A”s em posições diferentes para ela apontar a certa. O mesmo foi feito com as letras: “V”, “C”, “E” e “P”

7.

Foi colocado três tampas S respondeu na ordem Compreendeu o exercício e coloridas dentro de um correta. aparentemente possui o tubo, que foi girado da conceito de reversibilidade. direita pra esquerda. Era para dizer qual era a ordem que as tampas seriam retiradas no lado oposto do tubo. 1- Branco, amarelo.

8.

azul

O sujeito então seguiu a Montou a figura segundo o ordem utilizada pela modelo e utilizando a pesquisadora e conseguiu memória de trabalho. montá-lo.

todos

os Demonstrou memória de evocação para sete fatos na sequência.

Acertou a letra “A”, “C”, “E” em curto período de tempo. Errou a letra “P” indicando o “b”.

Essa atividade indicou que S percebe a posição correta das letras. Apresentou confusão entre o “P” e o “b”, mas considerando que é a questão mais difícil, ela apresentou um bom resultado.

e

2- Azul, amarelo e branco. 3- Amarelo e branco. 4- Amarelo e azul. 5- Azul, amarelo e branco.

2

3 4

- Errou o do meio e Demonstrou inconstância se corrigiu antes do no conceito de último ser reversibilidade. apresentado. - Errou. - Acertou. 26

5 9.

10.

- Acertou.

Comparou-se quantidades de blocos empilhados e enfileirados. 1- Foi feito uma pilha com três blocos, ao seu lado foram colocados três blocos enfileirados, perguntou-se qual tinha mais.

Acertou. A princípio não respondeu, quando questionada se um tinha mais que o outro afirmou que não.

Demonstrou possuir o conceito de conservação de quantidades, em quantidades pequenas.

2- Cinco blocos foram colocados juntos de forma aleatória e outros cindo enfileirados.

Passou a mão na cabeça, sorriu, olhou para os lados e esfregava a mão na mesa demonstrando nervosismo. Contou as peças corretamente, mas não respondeu. Quando questionou qual grupo preferia escolheu o enfileirado, por estar mais bonito.

Demonstrou não possuir o conceito de conservação de quantidades, em quantidades maiores, portanto o conceito ainda está em formação.

Conservação de quantidade Empilhou-se cubos e blocos achatados. 1- Foram colocados três blocos na sua frente. Pediu-se para pegar a mesma quantidade de blocos em um saco cheio deles. 2- Sete blocos foram colocados na mesa desordenadamente. Pediu-se para pegar a mesma quantidade.

Percebeu-se a utilização de tentativa e erro. Não sendo percebida a utilização da percepção de conservação 1- Acertou e os e quantidade para a colocou empilhados realização da atividade. da mesma forma.

2- Olhou, contou (pulando o número cinco), pegou uma peça do saco. Olhou de novo, contou (dessa vez corretamente). Ao ser lembrada novamente do saco pegou mais dois e ficou olhando. Foi 27

11.

12.

questionada se já havia terminado, disse que sim. Foi perguntado se tinha a mesma quantidade, disse que não. A pesquisadora então empilhou os cubos, pediu que os deixassem com a mesma quantidade. Ela ficou mexendo nos cubos, mas quando lembrada do saco colocou mais três blocos. Quando questionada se tinha o mesmo tanto, disse que não. Incentivada a completar a tarefa, colocou mais dois cubos, ultrapassando a pilha original. Quando questionada informou que não tinha o mesmo tanto. Foram dados blocos com Acertou nenhuma. Desconhecimento do letras e pediu-se para que S sistema alfabético utilizado as identificasse. na língua portuguesa. Desenho livre.

Desenhou uma pessoa e Ao ser considerado que o uma casa, utilizou-se de desenho realizado pelos Kulina predomina o uso de figuras geométricas. figuras geométricas e retas (Gordon, 2008), os traçados não foram considerados na avaliação.

Análise de resultados: Apesar da idade e considerando-se as diferenças culturais de S, o que faz com que nunca tivesse entrado em contato com algumas das habilidades avaliadas, não foram 28

percebidas indicações de dificuldade de memória e nem de outras habilidades necessárias para ser alfabetizada. Pode-se considerar que S apresenta características que possibilitam a aprendizagem. Desse forma, para a próxima sessão será realizada uma observação quanto a sua postura dentro do ambiente escolar para identificar os contextos nos quais aparecem as queixas apresentadas pela professora.

29

Sessão de avaliação psicopedagógica 2

Observação em sala de aula: Considerando que a professora apresentou queixas quanto a aprendizagem de S, sua pouca interação social e dificuldade de reter o que lhe fora ensinado, foi feita a observação desta em sala de aula para verificar possíveis características ou comportamentos que justifiquem e contextualizem essas queixas e que apresentem empecilhos para aprendizagem. Objetivo: verificar como é a interação de S com as professoras, os outros alunos e as atividades propostas. S buscou estar sempre próxima das outras alunas, algumas vezes rindo das brincadeiras e reações delas. Conversa pouco, responde perguntas de forma monossilábica. Não gosta de se expor, mas faz tudo que lhe é requisitado, sem reclamar, mesmo quando não é do seu agrado. Um exemplo disso aconteceu durante a aula de jardinagem. A atividade consistia em retirar a praga que estava na horta da escola. Ao pedirem que essa atividade fosse feita, S franziu a testa e foi realiza-la sorrindo. Depois de um tempo sentou em um tronco e começou a mexer nas pragas que estavam em suas mãos. A professora perguntou porque parou, então, sem responder voltou a catar as plantas, ainda sentada, até o final da aula. Quando em dúvida não se expressa e passa a fazer a atividade de forma aleatória. Isso foi demonstrado durante a aula de português na qual tinha que procurar entre letras recortadas as letras do alfabeto e colar em ordem sequencial. Durante boa parte dessa atividade ela ficou separando as letras como se estivesse procurando, mas não selecionava a letra que a professora falava ou não selecionava letra alguma. Quando questionada pela professora, colocou a mão na cabeça e passou a cutucar as letras, depois de um tempo voltou a mexer nelas mas sem selecionar nenhuma. Quando se incomoda com o comportamento de outra aluna, ela se afasta grunhindo de forma a demonstrar sua insatisfação. Isso aconteceu quando uma aluna começou a lhe dar cócegas. Mesmo falando pouco e tendo o seu conhecimento de português limitado, parece compreender boa parte do que as pessoas lhe falam. Porém se expressa pouco, dificultando a sua comunicação.

30

Ao ser pedido que faça algo específico e não consegue apresentar o resultado esperado, S não comunica a situação para a professora, possivelmente dificultando o conhecimento dessa quanto ao que está acontecendo. Isso dificulta que algo seja feito para auxiliá-la. Foi identificado também a dificuldade da professora em perceber as suas demandas, provavelmente consequência de estar atendendo mais três alunas com dificuldades bastante acentuadas e diferentes daquelas apresentadas por S. Ao final da sessão a professora mostrou os seus trabalhos escolares. Foi percebido que S realiza bem cópias, não apresentando dificuldade com os formatos das letras, números e outros traçados, manuseia bem tesouras e costuma realizar as tarefas principalmente quando há intervenção da professora, porém, normalmente prefere fazer as atividades sozinha. A professora relatou que tem dificuldade em ensinar números e cores para a aluna. Pôde ser percebido que a melhor forma de se trabalhar a língua portuguesa é tratá-la como segunda língua. Com base no que foi observado, para a próxima sessão serão utilizados os blocos lógicos com o intuito de avaliar a sua percepção de cores, tamanhos, formatos, nomenclatura e sua habilidade de classificação.

Sessão de avaliação psicopedagógica 3

Em uma sessão de aproximadamente uma hora e meia, buscou-se avaliar sua percepção de cores, tamanhos e formas geométricas utilizando blocos lógicos. Além disso, foi pedido que os nomeasse e classificasse de acordo com os comandos. Para tal, lhe foram entregues blocos lógicos das cores vermelho, amarelo e azul, em dois tamanhos diferentes e nos formatos quadrado, circular e triangular e alguns pratos plásticos brancos. Foi realizado também uma avaliação contendo figuras e palavras buscando verificar se conseguiria relacioná-los; identificar a primeira letra; e se demonstrava elaborar alguma estratégia para montar os conjuntos.

LINHA 1.

ATIVIDADE Os blocos lógicos foram colocados na sua frente e foi questionada a nomenclatura das cores. (Vermelho, azul e amarelo)

EXECUÇÃO

RESULTADOS

A princípio só conseguiu Demonstrou identificar as peças azuis. desconhecer o Conhecia o título verde mas nome das cores. não o relacionou à cor certa. 31

2.

Foi requisitado que separasse os blocos por cor seguindo instruções: 1- Separar pela cor, Pegou duas peças azuis e Demonstrou começando pelo uma vermelha. desconhecer o azul. nome das cores. 2- A pesquisadora pegou todas as peças e colocou juntas, pediu para que colocasse todos os azuis em um recipiente.

O sujeito pegou uma peça vermelha e colocou. Quando questionada se tinha colocado todas as peças azuis, colocou todas as outras peças vermelhas.

Demonstrou desconhecer o nome das cores, mas saber classificar por cor.

3- Juntou-se todas as Acertou. peças novamente e a pesquisadora instruiu sobre a cor de cada peça. Foi pedido que colocasse todas as peças vermelhas.

Demonstrou compreender o que lhe fora instruído e apresentou bons resultados de classificação e separação.

4- Misturou-se as Acertou. peças e foi instruída novamente do nome das cores e foi pedido que separasse todas as peças amarelas.

Demonstrou compreender o nome das cores e apresentou bons resultados de classificação.

5- Misturou-se as Acertou. peças, foi pedido que falasse o nome das cores.

Demonstrou boa memória de curto prazo e saber identificar as cores.

6- Foi pedido para Acertou separar todas as peças azuis.

Demonstrou compreender o que lhe fora instruído e apresentou bons resultados de classificação e separação. 32

7- Misturou-se as peças foi pedido que separasse as peças pequenas.

Começou pelas vermelhas. Quando terminou foi incentivada a colocar as outras pequenas. Colocou um vermelho grande. Quando questionada tirou a vermelho grande, retirou e colocou as pequenas das outras cores. Deixou de pegar duas peças pequenas. Errou o vermelho e o amarelo, acertou azul.

Demonstrou conhecimento de tamanho e bom desempenho de classificação e separação. Apresentou dificuldade de compreensão quanto ao comando.

8- Foram questionados Acertou. os nomes das cores.

Memória de curto prazo satisfatória.

9- Foi pedido que Acertou. retirasse as peças azuis do grupo de peças pequenas.

Classificação de tamanho satisfatória.

10- Foi pedido que Acertou. retirasse as peças amarelas do grupo de peças pequenas.

Diferenciação e classificação satisfatória e boa compreensão do comando.

11- Foi pedido que Acertou. retirasse as peças vermelhas do grupo de peças pequenas.

Diferenciação e classificação satisfatória e boa compreensão do comando.

12- Misturou-se as peças e foi pedido para separar as peças grandes e vermelhas.

Apontou para uma peça grande azul, foi questionada se lembrava da cor vermelha, então pegou três peças vermelhas e parou. Quando questionada se tinha mais peças vermelhas pegou as que faltavam.

Demonstrou que a nomenclatura das cores não estava bem consolidada e incerteza quanto ao comando.

13- Foi mostrado a S o formato redondo, quadrado e triangular. Foi

Acertou. Começou colocando todas as peças vermelhas. Tendo sido incentivada a colocar das

Conhecimento classificatório de formas geométricas 33

pedido que outras cores pegou todas as satisfatórias, separasse todas as peças redondas. porém peças redondas. dificuldade em atender ao comando.

3.

4.

14- Foi pedido que Acertou. separasse todas as peças quadradas.

Diferenciação e classificação satisfatória e boa compreensão do comando.

15- Foi instruída Acertou. novamente das formas. Pediu-se para separar todas as peças triangulares.

Diferenciação e classificação satisfatória e boa compreensão do comando.

Foram-lhe apresentadas Chamou o vermelho de fichas com as cores verde, não soube o azul e anteriormente trabalhadas e deu o nome de vermelho ao pedido que falasse seus amarelo. Foi necessária nomes. intermediação, mesmo assim continuou a apresentar dificuldade. 1. Identificar figuras Não soube flor e chama (flor, árvore, árvore de pau. Acertou cadeira, cama, mesa mesa, lápis e cadeira. e lápis).

Resultado insatisfatório quanto à memória de evocação.

2. Atrelar o nome A atividade foi escrito à figura. intermediada, conseguiu Identificar acompanhar. características da palavra escrita (cama, mesa). 3. Identificar qual de Acertou. duas palavras era cama e depois qual das duas era mesa.

Percepção da representação gráfica.

4. Colocar as duas Acertou. figuras abaixo do nome.

Percepção da representação gráfica.

5. Colocar o nome a Acertou.

Percepção

da 34

figura.

representação gráfica.

6. Foi adicionada a palavra cadeira e identificada as suas diferenças e similaridades. Colocar a figura no nome.

Inicialmente colocou mesa no lugar de cama, mas depois corrigiu e acertou os três.

Começou por tentativa e erro. Porém, se corrigiu, apresentando percepção da representação gráfica.

7. Colocar a figura com o nome: cama, mesa, cadeira e lápis.

Acertou da primeira vez, mas quando foi fazer novamente colocou a “mesa” na “cama”. Quando pegou a “cama” tirou a “mesa” do lugar que estava, percebendo o erro, então colocou a “mesa” na “cadeira”, a “cama” na “cama”, o “lápis” na “mesa” e a “cadeira” no “lápis”.

Tentativa e erro com mais de três palavras ao mesmo tempo.

Apesar da dificuldade em nomear cores, demonstrou habilidade satisfatória em identificar e classificar as peças pelas cores uma vez identificadas. Soube classifica-las por tamanho e formato. Demonstrou conhecimento acerca da nomenclatura dessas duas últimas características. Além disso, apresentou conservação quanto ao formato e quantidade dentro de suas classificações. Dessa forma, S parece apresentar como interiorizado habilidades necessárias para a realização de operações concretas. Suas maiores dificuldades foram com relação a compreensão da língua portuguesa. Quando se tratando das palavras que foram trabalhadas, foi possível perceber que tem conhecimento quanto a grafia das palavras que conhece e de como esse deve parecer considerando as suas formas e cumprimento. Dessa forma, é possível perceber que, mesmo desconhecendo a nomenclatura das letras, consegue perceber a distribuição destas, o que denota que já está desenvolvendo conhecimentos quanto a construção da escrita. Um passo bastante importante e que deve ser estimulado para que continue a desenvolver um processo de elaboração da escrita (Ferreiro, 2011). 35

Percebe-se que alguns dos conhecimentos avaliados nas sessões já foram apropriados, possivelmente tendo sido ensinados em sua aldeia. Um exemplo disso está na facilidade em reconhecer as figuras geométricas. De acordo com Gordon (2006) os desenhos Kulina são bastante carregados de figuras geométricas e retas. Os dados recolhidos servem como base para a elaboração das sessões de intervenção. Percebe-se que tem capacidade de reter memória de longo e curto prazo, porém, devido a sua história de vida, apresenta dificuldades com certos conceitos que ainda precisam ser trabalhados. Dessa forma sentiu-se a necessidade de continuar a trabalhar com classificação e nomeação, percepção de formas e começar a trabalhar com a reprodução e a elaboração em situações de maior complexidade. Percebe-se também a necessidade de se trabalhar nomenclaturas e o alfabeto, porém existe a necessidade de fazer maiores associações destes com outros elementos, como palavras e figuras para lhe servirem como apoio. Além disso, é necessário a construção de um ambiente favorável a expressão de suas dificuldades e frustrações. Foi sentido também a necessidade de utilizar principalmente elementos que já lhe são familiares para facilitar o processo de associação e aprendizagem.

36

4.2/ As Sessões de Intervenção - Sessão de intervenção psicopedagógica 1 Para a primeira sessão buscou-se trabalhar sua noção de tamanho, cor e formato por meio da representação gráfica, verificando se consegue realizar essa tarefa em outras dimensões. Foram entregues folhas com representações de diferentes sequências de blocos lógicos sem coloração. O objetivo foi avaliar sua internalização e percepção destes, se realmente compreende as diferentes classes trabalhadas, se consegue reproduzir cor e perceber profundidade. Além disso foram utilizadas as figuras e palavras apresentadas na última sessão. A intenção é reforçar a percepção da proporção entre a palavra falada e escrita e da sonorização das letras com a sua grafia. A sessão durou em torno de uma hora. LINHA 1.

ATIVIDADE

EXECUÇÃO

AVALIAÇÃO

Com os blocos lógicos expostos à sua frente, foi apresentada folhas com desenhos de sequencias de blocos lógicos. Foi então pedido para colocar as peças em cima de figuras que pudessem ser correspondentes. Foi instruída quanto a diferenciação na reprodução gráfica de peças finas e grossas: 1- Círculos pequenos Inicialmente colocou e amarelos, fino, somente o primeiro, grosso, fino. quando questionada colocou os três círculos amarelos, desconsiderando a grossura.

Dificuldade em relação ao comando. Facilidade na execução da tarefa, demonstrando conhecimento de classificação, porém não demonstrando percepção quanto a profundidade.

2- Vermelho grande Acertou desconsiderando Demonstrou fino, azul grande a grossura. percepção de fino, amarelo diferença em seriação. grande e grosso. 37

3- Triangulo Acertou desconsiderando vermelho grosso, a grossura. triangulo grande amarelo e azul finos.

Demonstrou facilidade diante de mais de duas formas de classificação ao mesmo tempo.

4- Quadrado triangulo Acertou desconsiderando Demonstrou e círculo pequenos a grossura. facilidade diante de e grossos. mais de três formas de classificação ao mesmo tempo. 5- Quadrado grande e grosso amarelo; quadrado grande e fino amarelo; quadrado pequeno e grosso amarelo; quadrado pequeno e fino amarelo.

2.

Colocou os grandes desconsiderando a grossura, porém ao chegar os pequenos, pausou e fez de acordo com a figura.

Demonstrou perceber a diferença no padrão e nas peças, referindose à profundidade, algo que até então ignorara.

6- Redondo azul Acertou desconsiderando grande e pequeno a grossura. Identificar a escrita do nome de uma figura quando apresentada duas opções: 1- Identificar entre Acertou. um papel com o nome escrito e um vazio. Figuras: cadeira, mesa, lápis, cama.

Demonstrou não haver aleatoriedade nas suas escolhas, percebendo a necessidade da representação gráfica na escolha.

2- Identificar o nome Ela acertou o primeiro, Inconsistência. da figura entre dois mas quando a ordem das papéis com nomes. cartas foi trocada ela errou, mostrando que provavelmente o acerto foi aleatório. 3- Identificação da Acertou. primeira letra de mesa. Identificar o nome da figura entre dois papéis

Identificação por meio de estratégia de identificação. Memória de curto prazo satisfatória. 38

com nomes. 4- O mesmo foi feito Começou aleatoriamente e Tendência de buscar com lápis. na mesma hora se corrigiu. iniciar com tentativa e erro, mas apresentou ter os conhecimentos necessários. Apesar de não ter demonstrado percepção quanto a grossura das peças e a sua representação gráfica, apresentou bons resultados com relação as outras classes que foram avaliadas também nessa dimensão, demonstrando, dessa forma, ter boa noção viso-espacial, de proporção, diferenciação e separação. Além disso, mostrou foco quanto a resolução das atividades e avaliação quanto ao seu desempenho. Isso se provou verdadeiro em ambas as atividades propostas, apesar de ao final da segunda atividade ter começado a utilizar-se de tentativa e erro, teve o cuidado de se corrigir antes de ser questionada. Ao ter demonstrado reconhecer a grafia das letras, percebe-se a necessidade de começar a trabalhar com a nomenclatura dessas e com o seu emparelhamento com a primeira letra das palavras apresentadas, dessa forma estabelecendo estratégias de reconhecimento e memorização. Devido ao seu bom desempenho com os blocos lógicos e as habilidades avaliadas com estes, é necessário verificar não só a sua internalização dos conceitos trabalhados como também verificar se está havendo processamento, elaboração e condensação desses conceitos.

- Sessão de intervenção psicopedagógica 2 Para a segunda intervenção foi elaborado um “livro” pela pesquisadora com cada letra do alfabeto, uma figura correspondente e a sua grafia, destacando a sua primeira letra. Houve a preocupação de utilizar palavras mais presentes no seu vocabulário do dia-a-dia. Para letras mais incomuns como “k” e “x” foram utilizados personagens de programas de televisão bastante conhecidos. Buscando verificar e trabalhar as questões apresentadas ao final da primeira intervenção, foi requisitado que reproduze, por intermédio do desenhos, sequências de blocos lógicos apresentadas pela pesquisadora. Apresentou-se novamente a questão da grossura dos blocos e a forma de reprodução para verificar a condensação e consolidação de um novo tipo de aprendizado. 39

LISTA

ATIVIDADE

EXECUÇÃO

AVALIAÇÃO

1.

Com um caderno do alfabeto com a figura e a escrita da palavra correspondente a cada letra, ela teve de identificar as palavras que ela conhecia.

Identificou: bola, casa, faca hospital, jacaré, hospital, lápis, mesa, óculos, passarinho, rede, televisão

Demonstrou desconhecimento de figuras que não fazem parte de sua cultura ou do seu dia-a-dia e dificuldade com figuras que não eram muito fáceis de interpretadas. Dessa forma, essas figuras foram marcadas para substituição. Nas palavras que precisou de ajuda para identificar, quando questionadas novamente apresentou facilidade, demonstrando ter aprendido as figuras.

Não identificou: anel, dente, garfo (come com colher), índio (associou a figura com boneca), nariz, sapato (falou chinelo quando a utilidade foi informada), urubu, veado, xícara, yoyo, zebra. Identificou com ajuda: Escola queijo, Letras que ela identificou: E

2.

Representar, por meio de desenho, as sequencias de blocos: 1- Redondo grande Desenhou vermelho e grosso. desconsiderando a grossura. O pesquisador comparou a peça grossa com um pequena, pedindo que identificasse a diferença e ensinou como representar isso no papel. 2- Redondos azul grande e grosso; amarelo grande e fino; amarelo grande e grosso, todos na horizontal.

Desenhou três círculos desconsiderando a grossura. Todos na vertical

Acertou,

desenhou

Não conseguiu internalizar a questão da profundidade, mantendo o erro. Demonstrou facilidade com as outras tarefas envolvida. Demonstrou noção de sequenciamento, apesar de modificar a orientação dos objetos na ao reproduzi-los. 40

3.

4.

vertical e desconsiderou a 3- Quadrado amarelo grossura. grande e fino; triangulo amarelo grande e fino; círculo amarelo grande e grosso. Todos na horizontal. Acertou, desenhando na vertical. 4- Quadrado amarelo grande e fino; quadrado pequeno, grande e fino. Acertou, desenhando na vertical, desconsiderando 5- Círculos amarelos, a grossura. grande e fino; pequeno e fino e pequeno e grosso. Após o seu desenho se apontou a diferença da grossura. Acertou, desenhando na vertical desconsiderando 6- Redondos: a grossura. amarelo, grande e fino, vermelho grande e grosso, amarelo grande e grosso. Utilizando as mesmas Acertou. peças da última sequência, foi pedido para mostrar quais peças eram iguais e ela usou como referência a grossura. Então foi demonstrado novamente como representar isso no papel e pediu-se que reproduzisse no papel. Com o livro do alfabeto, relacionar a letra e a palavra com a figura. Foram usadas as palavras: bola, casa e dente. 1- Tampando a figura Acertou.

Percepção quanto ao novo conceito até então desconsiderado.

Inconstância quanto ao novo conceito, demonstrando que não fora consolidado.

Apesar de ainda não ter o conceito de fino/grosso consolidado, demonstrou perceber a existência desses utilizando-o como referencial para diferenciar as figuras.

Consegue relacionar a 41

casa. 2- Tampando a figura Utilizando-se de tentativa bola. e erro disse faca e dente, mas quando passou o dedo no “B” falou “bola”. 3- Relembrou as palavras tampando Primeiro falou errada e a figura. depois corrigiu.

grafia com a figura. Utiliza de tentativa e erro, mas, mesmo não tendo as letras consolidadas, consegue reconhecelas e identificar palavras correlacionadas.

Foi possível perceber que, apesar de apresentar dificuldades com a identificação e nomeação das letras, já conseguia perceber a relação existente entre a palavra falada e a sua grafia. Além disso conseguiu identificar, algumas vezes com intervenção, a primeira letra das palavras e nomear essa primeira letra, significando que está acontecendo processo de construção da escrita internamente, bem como a elaboração necessária para a consolidação desse processo. Ao se analisar o seu desempenho com a representação dos blocos lógicos, pode-se perceber que os conceitos que foram testados na segunda e terceira sessão de avaliação aparentam estar bem consolidados, podendo S reproduzi-los livremente. Ao se analisar a sua dificuldade para representar a grossura das peças, percebeu-se que, apesar de dificilmente reproduzi-lo no desenho, tinha conhecimento desse fato, demonstrando que ainda estava conceituando-o. Percebe-se a necessidade de verificar o seu desempenho perante a escrita e o que é trabalhado em sala de aula, pois é possível constatar que não apresenta empecilhos para a aprendizagem.

- Sessão de intervenção psicopedagógica 3: Para essa sessão utilizou-se do “dever de casa” passado pela professora com fins de consolidar o que está sendo aprendido em sala de aula. Este consistia em atividades relacionadas às vogais, onde tinha de identificá-las e colocá-las nas palavras onde estavam faltando letras. Além disso foi utilizado o “livro do alfabeto” para que encontrasse, entre as palavras, a letra desejada. Essa sessão teve a duração de quarenta minutos, sendo interrompida no final, pois S teve de partir mais cedo.

42

LINHA

ATIVIDADE

EXECUÇÃO

AVALIAÇÃO

1.

Realizar a tarefa de casa sem intervenção. Era para colocar as vogais que estavam faltando nas palavras “pato”, “ovo”, “casa”, “bode”, “abelha” e “ovelha”. Investigação quanto ao seu conhecimento do e som das vogais.

Realizou as atividades de forma rápida e alheatória. Se ateve ao comando de preencher com vogais.

Despreocupação com a realização da atividade.

2.

2.

3.

4.

Utilizando-se de cartões, cada um com uma vogal, foi demonstrada o nome e o som de cada letra e pedido para que repetisse, prestando atenção a forma que a pesquisadora o emitia. Foi pedido que falasse o nome da primeira figura (pata). A pesquisadora leu a palavra “pata” e perguntou quais eram as vogais. Então a pesquisadora repetiu novamente e em seguida as vogais. Ela repetiu “PA-TA A” e colocou a resposta certa. O procedimento foi semelhante com as

Conhecia os nomes, mas não relacionava à letra correta.

Realização de tarefa de consolidação de uma informação que ainda não estava pronta para ser consolidada. Imitou e conseguiu Conhecimento e reproduzir os sons tentativa de certos para a letra consolidação ainda certa. dentro do processo de construção.

Acertou.

Conhecimento da figura que está tentando escrever.

Falou: “PA-TA”, Inconsistência com porém escreveu a o comportamento letra “e”. apresentado, provavelmente reproduzido, mas sem conexão com a resposta esperada.

43

5.

6.

7.

8.

outras palavras, até que a pesquisadora falou que ela ia fazer o último sozinha e ela o fez, A pesquisadora repetiu o que S falou para que ela escutasse e tentasse novamente. No segundo dever era para escolher qual era a primeira letra das palavras utilizadas no exercício anterior. A pesquisadora apagou as respostas que tinha colocado anteriormente de forma aleatória e pediu para realizar a tarefa. A pesquisadora a interrompeu, apagou e pediu para que falasse as palavras antes de escolher a letra.

Em seguida passamos a utilizar o dicionário da sessão anterior, junto com fichas com as letras e fichas só com imagens. No dicionário as letras haviam sido tampadas. Lhe era oferecida uma letra escolhida aleatoriamente.

Repetiu “pa-ta -a” e Associação. escreveu as letras certas.

Fez novamente de Possível padrão de forma rápida e comportamento aleatória. estabelecido frente a realização das atividades de casa.

Acertou.

A princípio começou a apontar sem muita reflexão. Com o questionamento da pesquisadora passou a acertar e não apresentou mais erros, chegando a indicar facilidade.

Consegue identificar bem as letras quando fala em voz alta. Sendo esse apoio uma estratégia bastante necessária para a sua dedicação e expressão das respostas esperadas. Possui habilidade necessária para a identificação de certas letras com facilidade, é estando com a sua grafia consolidada.

44

Tinha de encontrar a figura ou palavra que começava com aquela letra no dicionário.

Nessa última sessão demonstrou ter desenvolvido e internalizado vários conceitos e habilidades que anteriormente necessitava de auxílio. Chamou atenção a forma aleatória que realizava as tarefas quando era requisitado a realização sem intermédio da pesquisadora. Apesar disso, quando solicitado a fazer novamente com o amparo da pesquisadora, mostrou saber fazer ou ter conhecimentos suficientes para realizar a atividade corretamente.

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V/ Discussão geral dos resultados da intervenção psicopedagógica Ao se analisar os resultados apresentados durante as sessões de avaliação e invenção, percebe-se que, apesar de ter chegado a escola já em idade adulta, sem jamais ter sido alfabetizada e conhecer pouco da língua portuguesa, S tem condições de aprendê-la, não apresentando limitações cognitivas ou mentais que influenciem significativamente nesse processo de forma a dificultá-lo. Apesar de pertencer originalmente a uma cultura ágrafa e ter pouco contato com a língua portuguesa, S apresenta os pré-requisitos necessários e pré-disposição para aprender as habilidades que ainda faltam a desenvolver para que tal processo ocorra adequadamente. Pode-se perceber que, dentro dos níveis esperados pela escola regular, existem vários conceitos e habilidades considerados como pré-requisito para a aprendizagem escolar que ainda não haviam sido consolidados. Para Vigostski (2002), mais importante que avaliar o seu desenvolvimento real, ou seja, o que consegue realizar, é verificar o seu potencial para aprendizagem. Para tal é importante considerar aquilo que consegue realizar com a intervenção de outros. Considerando que o indivíduo somente conseguirá realizar aquilo que está dentro de seu alcance mental, o fato de conseguir realizar a atividade mediante ajuda já demonstra que está desenvolvendo as habilidades necessárias para internalizar o que está sendo aprendido e realizá-lo por si mesma. Isso pode ser verificado na evolução apresentada com os blocos lógicos e com a identificação das letras nas palavras. A maior dificuldade que pôde ser percebida está relacionada a fatores primordialmente culturais e psicológicos, considerando que passou boa parte de sua vida reclusa, tendo pouca produção sido exigido dela, inclusive socialmente. Analisando o seu comportamento em sala e o seu impulso inicial na hora de realizar as atividades, tanto avaliativas como interventivas, é possível perceber pouca dedicação espontânea para apresentar a resposta esperada, porém sempre apresentando algum resultado, mesmo que de forma aleatória. Em geral, demonstrou apenas o que consegue fazer depois de alguma mediação. Isso é perceptível ao observar o seu comportamento quando exigido que realizasse livremente atividades. Na maioria das vezes em que a atividade fora conduzida dessa forma, suas respostas foram apresentadas sem indicação de que estava avaliando aquilo que produzia. Quando as 46

atividades eram conduzidas de forma mais monitorada, na maioria das vezes, iniciou a atividade respondendo com tentativa e erro. Porém, quando questionada, seja em relação a sua compreensão do comando ou a resposta emitida, modificava a resposta e até mesmo o padrão de comportamento, buscando apresentar as respostas esperadas, muitas vezes com sucesso. Isso demonstra que, em geral, essas habilidades e conhecimentos estavam em processo de consolidação, e, em alguns casos, até mesmo internalizados.

47

VI/ Consideração finais Foi possível perceber durante a pesquisa que a aluna apresenta condições de aprender, não apresentando maiores comprometimentos quanto a sua estrutura cognitiva ou mental. Durante o período da pesquisa, S demonstrou ter aprendido vários conceitos e que consegue realizar todas as etapas da consolidação, necessitando apenas de estímulo e espaço para que este se realize. Foi percebido também a interferência da questão cultural sobre o seu processo de alfabetização. S é uma pessoa que foi muito pouco estimulada para ler e aprender na sua vida pregressa. Sua mãe, vó, tia e outros membros do seu ciclo social tinham pouco, se não nenhum, conhecimento da língua portuguesa e também não sabiam ler e escrever. Fora do ambiente familiar (e mesmo dentro dessa), S tinha pouco contato com outras pessoas devido a sua deficiência e os problemas familiares que levaram com que vivesse uma vida bastante reclusa. A maior razão para estar aprendendo a ler e escrever é de motivação extrínseca, devida a preocupação de agentes externos, como a cuidadora. Por não apresentar uma razão própria para tamanho esforço, tende a realizar essa tarefa como faz com as outras que lhe são passadas sem contextos, em silêncio, sem se expressar e de forma automática. É importante que S perceba os benefícios que a língua escrita pode trazer para a sua vida e encontre a sua própria motivação para aprender. Possivelmente ao se tentar despertar o seu interesse pela a leitura e escrita, de forma menos mecânica, S apresentará melhores resultados e de forma mais autônoma. Ao conhecer sua utilidade prática, tanto pra ela como pra ajudar sua família, e apresentando o incrível mundo que se pode encontrar dentro de livros, revistas e outras formas de produção literária, é possível que esse processo seja facilitado e que se dedique com maior atenção a atividade que está sendo realizada. S ainda pode se abrir ao mundo, conhecê-lo, aproveitar essa nova oportunidade para não somente aprender a ler e escrever, mas também a conhecer outras realidades. Não só a das novelas que gosta de assistir, mas também de pessoas que conseguiram diferentes feitos, superaram seus obstáculos e conseguiram coisas incríveis, como ela também pode fazer. Ao apresentar para ela esse novo mundo da leitura e tudo o que ele pode lhe oferecer, é possível que isso desperte nela a vontade de se dedicar ao que está fazendo, como faz quando é acompanhada por alguém.

48

Nosso objetivo nesta intervenção psicopedagógica foi avaliar o nível de desenvolvimento da construção da escrita no qual S se encontrava, intervindo na construção das primeiras estruturas cognitivas relacionadas a essa construção a fim de conhecer, por meio da intervenção, se a aluna demonstrava condições favoráveis para ser alfabetizada na língua portuguesa. Na verdade buscamos indícios desta possibilidade devido ao pouco tempo disponível para maiores investigações.

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Referências Bibliográficas:

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Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (2011) Censo escolar. Recuperado em: http://www.qedu.org.br/cidade/3110-jurua/aprendizado

Kurovski, A. Além das letras: Uma experiência junto aos Kulina do médio Juruá. (S/D) Recuperado de: http://www.ufmt.br/revista/arquivo/rev12/alem_das_letras.htm Leite, A. (Ed.) (1986) A conquista da escrita: Encontros de educação indígena. Kulina (cap. 9, pp.77-98) OPAN, São Paulo, SP, Brasil: Iluminuras – Projetos e produções editoriais Ltda. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental (1998) Referencial curricular nacional para as escolas indígenas. Brasília: MEC/SEF. Recuperado em: http://www.ufpe.br/remdipe/images/documentos/edu_escolar/ml_07.pdf

Neves, R. da S. P. & Fávero, M. H. (2012) A pesquisa de intervenção psicopedagógica: evidências sobre o ensinar e aprender matemática. Linhas Críticas, Brasília, DF, v. 18, n. 35, p. 47-68, jan./abr. 2012. Recuperado de: http://seer.bce.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/6824/5494 Piaget, J. & Inhelder, B. (2002) A psicologia da criança. (18ª ed.). Rio de Janeiro, RJ, Brasíl: Bertrand. Rotta, N. T. (2002) Paralisia cerebral, novas perspectivas terapêuticas. Jornal de Pediatria - Vol. 78, Supl.1. Recuperado em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/54628/000335650.pdf?sequence=1 doi: S48 00217557/02/78-Supl.1/S48 Copyright ©2002 by Sociedade Brasileira de Pediatria Vigotski, L. S. (2002) A formação social da mente: O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. (6ª ed.) São Paulo: Martins Fontes.

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ANEXOS

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ANEXO I TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Dados de identificação Título do Projeto: Intervenção psicopedagógica com sujeito indígena com foco na alfabetização em Português. Pesquisador Responsável: Juliana Fagg Instituição a que pertence o Pesquisador Responsável: Universidade de Brasília Telefones para contato: ___________________ Nome do voluntário: ___________________________________ Idade: 18 anos Responsável legal: ________________________________________ R.G. Responsável legal:

O Sr. (ª) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa de intervenção que encerra o curso de Psicopedagogia da Universidade de Brasília, com pesquisa e intervenção, de responsabilidade do pesquisador Juliana Fagg. Este trabalho de pesquisa objetiva a realização de uma intervenção Psicopedagógica com a supervisão da professora Doutora Denise de Oliveira Vieira, do curso de Psicopedagogia do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Serão realizadas entrevistas com o responsável e com a professora, além de serem realizadas sessões de intervenção psicopedagógica, com a aluna, por aproximadamente, duas vezes por semana, nos meses de abril e maio. As sessões serão gravadas e transcritas na integra e utilizadas como dados para elaboração do relatório da pesquisa. Esta participação é voluntária, não implicando em custo financeiro algum à colaboradora, podendo este consentimento ser retirado a qualquer tempo. Sendo todas as dúvidas, a respeito da pesquisa, sanadas à medida que forem aparecendo. A responsável pela aluna, poderá livremente, entrar em contato com a pesquisadora. As informações relativas à identidade do sujeito da pesquisa serão mantidas em sigilo.

Eu, _________________________________________________, RG nº ________________, responsável legal por ______________________________________________, declaro ter sido informada e concordo com a sua participação, como voluntária, no projeto de pesquisa acima descrito. Brasília, 16 de abril de 2013.

_______________________________

____________________________

Nome e assinatura da responsável pela participante

Nome e assinatura da pesquisadora

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ANEXO II Entrevista com cuidadora P1: Você que está responsável pela S? R1:Tenho uma entidade chamada Grupo Assistencial Elo Perdido, cuida de doentes mentais, populaçao de rua, e indígenas desaldeados, só de S é aldeada, aí de vez em quando chega um indígena, pede o meu apoio e eu não sei dizer não. Mas não tenho nenhuma subversão do governo, tô atrás de um local, porque o meu me tomaram... o padre... Mas aí sempre arrumo... Quando pequenininha ela veio por intermédio de um missionário, né. E ele disse que a mãe ficou grávida de um cunhado. Aí fizeram de tudo para abortar. A própria mãe dela dava murro na barriga da mãe, eu tenho um relatóriozinho que ele trouxe. É que quando Deus determina, não adianta, né? Tomou remédio, tudo, e não abortou. E aí quando a menina nasceu, nasceu com paralisia cerebral, foi em decorrência dessa agressão que teve ainda na vida intrauterina. Aí o missionário me trouxe ela, e eu como sempre, fiz de tudo pra ajudar ela. Corri atrás do Sarah, consegui através de uma enfermeira internar ela e ficou cinco anos indo e voltando de lá e a mãe dizia até que ficava ruim vir aqui, mas... até que arrumaram dela fazer tratamento lá no Amazonas, só que lá ninguém deu a mínima, ela ficava jogada, né? Jogada entre aspas. Não tinha nenhum tratamento pra ela. Aí quando ela ficou mocinha a mãe arrumou um marido, a maioria é tudo alcóolatra, e ele começou a querer ela sexualmente, aí a mãe começou a ter ciúmes dela. A mãe barriguda, tem três filhos desse aí. Aí culminou dela vir de novo pra cá. A mão dela já assim, ficando enrijecida. Mas tava lá. Ele chegou a bater nela. P2: Ele chegou a abusar dela? R2: Não sei não. P3:Quantos anos ela tinha quando ela veio pra cá? R3: Eu tenho um papel (entrega um papel com informações sobre as visitas ao Sarah da S). Foi em 2008. Se ela tem 18 hoje... Eu tenho a identidade dela, ela tinha cara de neném, sabe? (A primeira vez que veio foi em 2002, tinha sete anos) O missionário trouxe ela aqui, e ela voltou. Quando ela veio ele trouxe a mãe dela. Aí ela foi pro Sarah, a mãe dela nem falava português, precisou de um interprete. Ela ficou até que a liberaram, a liberaram assim, pra que ela voltar todo ano. Ainda chegou a voltar por alguns anos, arrumando passagem, até que o Sarah liberou, mas achando que eles iam cuidar da saúde da menina. Mas aí não deram a mínima. Sobreviveu, mas agora ela não pode voltar porque ficou essa situação, o padrasto querendo ela pra ter filho, batendo nela, bate na mãe e a mãe com ciúmes dela com o padrasto. Coisa estranha. P4:Você sabe como ela era cuidada antes de vir pra cá? R4: Não porque eu nunca estive na aldeia dela. Eu sei que a aldeia dela é três dias de barco, é no velho Juruá, fica bem distante. P5: E a mãe dela não está aqui. 53

R5: Está não. P6: Ela está sozinha contigo? R6:Está com a tia. É o seguinte, ela também tem uma tia chamada B. Uma hora ela está comigo, na outra com B. Mas creio que oficialmente ela vá ficar com a tia, mas a tia quer o dinheiro dela também, né? Quer o amparo social. P7:Como é a relação dela com essa tia? R7: Aparentemente normal, mas a tia me relata o seguinte, que ela tá ensinando a fazer arroz, feijão, coisas que lá na aldeia dela não se faz, lá só se come biju. Aí ela não tem aquela iniciativa de fazer. Ai a tia reclama porque gostaria ver ela fazer, mas ela não vai fazer como a gente, né. Agora a professora dela disse que ela tá com problema de memoria, é isso que está acontecendo? P8: Estamos avaliando. R8: Com tudo que aconteceu com ela, e o padrasto batendo nela, pode ter afetado. P9: Quando foi que a mãe se juntou com o padrasto? R9: Ela já estava grande. P10: E como é a relação com a mãe? R10:Parece que ela gosta dessa mãe dela, mas com esse problema do padrasto, acho que ela não quer ficar com a mãe não. P11: E como é o contato delas, elas entram em contato com frequência? R11: Quando eles telefonam de TERFE... TERFE é um posto da FUNAI, que agora não é FUNAI e SENAI. Tem uns parentes dela que vem para este posto e pedem pro chefe pra ligar pra cá, mas eles não ligam muito não. P12:Como está sendo a adaptação dela com a vida em Brasília? R12:Eu acho que só vai melhorar, que tá melhorando porque ela veio pra essa só. Porque antes dela vir pra cá ela era trancada no quarto só, sempre recuada, ne? Eu acho que com esse apoio de vocês ela vai entender um pouquinho. Mas vive isolada porque parece que quando se trata de índio as pessoas tem medo. Acha que é estranho e eles por sua vez se trancam. Ela na rua não fala com ninguém. Parece que tem vergonha ou elas não aceitam. Fala quando tem parente dela que fala também. Mas ficar falando ela não fala. Por isso é bom vocês fazerem uma tabuada do dialeto dela. Quando tinha gente daquele instituto linguístico, que vinham aquelas missionárias que usavam gravador, que eram americanos. Ai ficavam falando “boi”, americano faz tudo para imitar, para se adaptar. Aí eu ficava observando. Índio ia e ficava falando e eles gravando e escrevendo. Assim que eles aprendiam o dialeto rapidinho. Eles davam qualquer coisa que eles gostavam e eles por sua vez iam ensinando, sem querer. 54

P13:Você sabe se ela tinha amizade com pessoas da idade dela? R13: Sabe que eu não sei. Como só tive contato com ela aqui, não sei se tinha amizades com pessoas da tribo dela, mas aqui não. P14: Você sabe se tem alguém daqui da idade dela com quem ela interage mais? R14: Não, tem não. Agora, outra missão que estou tendo é que a vó dela, a mesma vó que batia na mãe, tá em recuperação e tá com saudades da aldeia. Aí P veio ontem pedir para eu ir na Funai exigir a passagem dela. Essa vó dela fala o dialeto dela com ela. Ela não intende muito, é daquelas índias bem fechadas. A vó... ela não gosta muito de branco. A S fala o dialeto deles com ela, só as duas. Mas quando é pra falar com os outros elas silenciam. É assim que too observando. P15: E como é que é S com a vó? R15: Dizem que lá que quando houve esse conflito e levaram ela pra casa da vó. Parece que nos últimos tempos ela tava com a avó. Já que estava o padrasto querendo ela, batendo nela e a mão com ciúme dela. É triste... P16:A senhora já viu ela cantando? R16:Não. Ela não faz nada ela é muito tímida. P17:Porque na pesquisa que a gente fez sobre a aldeia diz que a música é muito solicitada. R17:Sim, na aldeia. Mas aqui ela não canta não. P18:Ela não trouxe isso? Quando ela está distraída fazendo alguma coisa ela não canta? R18:Não, ela tem vergonha. P19:A gente percebe que ela vem muito arrumada, ela mesmo faz a maquiagem dela, passa batom, é ela mesma? R19:É, a tia dela também é muito vaidosa, deu algumas coisas pra ela. Ela é vaidosa, ela gosta de se arrumar. Ela não gosta de tênis. Ela gosta daquelas sandálias, ela gosta de coisas com flores, ela tem esse gosto. P20:E que tipo de coisa que ela gosta de fazer quando ela está no seu tempo livre? R20:Aí que tá, ela gosta muito de olhar a televisão. E tem aquelas codornas, eu comprei duas codornas e a vó dela adorou. Inclusive uma eu fui soltar e o gato comeu. Mas assim, é difícil quando a gente não sabe... essa aldeia, eu nunca fui nessa aldeia. Então não sei realmente como eles se comportam lá. Ela gosta de estar bem pintada, ele tem um horror de miçanga. Sim! Você perguntou, ela adora fazer colar. Quando ela tá com tempo ela adora sentar no cantinho e ficar fazendo. Faz pro pescoço, colar, pulseira, brinco, isso aí ela faz num tempo. P21:Tem mais alguma coisa que ela gosta de fazer? 55

R21:Assim que eu saiba, não. Eu sou ainda leiga com ela, porque agora que tô tendo contato com ela. P22: Ela chegou aqui em que mês? R22: Janeiro. P23: Quando ela assiste televisão, que tipo de programa ela gosta de ver? R23: Deve ser novela, lá na casa de P tem: T, V e G, tudo já grande. Tem homem só e eles gostam muito de assistir jogo. A televisão é uma só, acho que só vê novela mesmo. P24: Ela demonstra interesse de namorar? Fala de namorar e essas coisas? R24: Não, ela não tá falando não, mas se arruma bem arrumadinha. P25: Quando ela está fazendo colares, que tipo de miçanga ela gosta de usar? Que tipo de material? R25: Esse material em Taguatinga tem muito. É aquelas miçanguinhas pequenininhas, é com aquilo. Mas lá na aldeia eles usam coquinho. Aqui não tem coco, né? Ela faz com miçanguinhas de todas as cores. P26: Ela sabe furar coco? R26: Sabe. Sabe lixar, mas eles tem uns métodos lá natural, mas a vó dela sabe muita coisa também. P27: E ela trouxe algum artesanato que ela fez lá? R27: Trouxe, mas eu nem peguei nenhum. Tá lá na casa de P. P28: Podia ver de alguma hora ela trazer um pra gente ver, pra saber como ela monta as coisas. R28: Exato, era bom que trouxesse a caixinha de miçanga. Ela faz, direitinho mesmo. Eu não sei muita coisa... mas sempre quando vem pra mim eu dou o apoio senão fica lá jogado. P29: Lá na FUNAI tem algum departamento que fala sobre a aculturação? Da cultura deles? Alguém que esteja informado sobre isso? R29: Tem claro. O Cláudio Romero, da Funai. É antropólogo. Tem a biblioteca lá também. É de livre acesso, a gente só não pode pegar. Tem os estudantes lá da PUC, lá de São Paulo. Tem o papelzinho, mas não pode pegar. Mas tem um site que tem um negócio irrisório da tribo dela. Tribo Kulina. P30: Quanto a personalidade dela você falou que ela é bem tímida, mas quando ela faz algo que não dá certo, como ela reage? 56

R30: Aí, não sei... Ó, o que eu observei, pode até estar errado o meu olhar. É que ela não gosta de brincadeira com criança. Eu tenho uma netinha que sempre quer brincar, e ela logo fica zangada, ela não gosta. Não sei se foi só naquele dia, mas parece que com criança ela não gosta. Ela é mais séria. Ela está triste, sempre, né. É difícil falar dela porque eu não conheço a vida pregressa dela. Não sei o que foi, o que viveu, como ela reagiu, né. Ela tem uma cicatriz grande aqui, né, não se sabe como é que isso foi, se foi proposital, se foi uma queda. Eu perguntei e ela disse que caiu m cima de um machado, mas será que foi? Quase decepada. Por exemplo, lá no Xingu, naquelas tribos, tem as malocas, tem as redes e tem a fogueira em baixo das redes. E muita mãe deixa a criança lá e dorme e cai os braços dela. Tem muita criança com o dedo entortado. De repente a mãe dela foi dormir também. P31: Ela dormiu algum tempo na sua casa? R31: Sabe, muito pouco. P32: Nesse meio tempo você sabe se ela teve algum pesadelo, se dorme a noite inteira? R32: Sim. Ela tem um pesadelo. Ela sempre vê alguém querendo matar ela. Ela acorda muito assustada. Tem um cara correndo atrás dela, querendo matar ela. Eu penso que é o padrasto dela, das brigas. E eles lá na aldeia são alcoólatras. Eles brigam muito, batem nas mulheres, pode ser isso. Mas sempre ela tem esse pesadelo, isso é quase que normal. Ela é sonambula e é perigoso, pois ela pode sair. Uma vez ela saiu, já era meia noite e ela abriu a porta e foi lá para o rio. A mãe sentiu falta dela, procurou ela e encontrou ela do lado do rio e ela não lembrava de nada. Então até falei: é perigoso pegar uma faca e matar alguém. Até pra se defender, pois pelo que eu vi alguém está perseguindo ela. Ela pode pegar sem querer uma faca e se defender. É um caso que mostra que ela não pode viver sozinha, e você vê que, por mais que ela esteja longe da aldeia dela... mas lá ela não tem proteção nenhuma! Então ela tem dois caminhos: voltar e ficar a mercê de uma barriga, ou do padrasto bater nela, e a mãe que não entende muita coisa e tá com ciúme, que é o mais cruel. Era pequenininha, agora cresceu e a mãe tem ciúme. P33: Ela se assusta com facilidade? R33: Sim, qualquer barulho... eu acho que é porque o medo que ela sentia lá era muito conflitante. P34: Sabe se tem alguma coisa que ela tenha medo. R34: Ela tem medo desse homem que a persegue. Só isso que eu sei. De bicho não sei se ela tem. P35: Ela come bem? Se alimenta bem? R35: Olha, na comida ela não gosta de nada de maionese (condimentos). Ela não gosta. Ela adora farinha de cuba, peixe, mandioca, assim ela gosta. Essas comidas com molho, creme de leite ela não gosta. Ela gosta mais de coisa assada. Beiju... Farinha. Se eu comprar farinha de cuba é só passar três dias que ela come tudo. É dura, né? Eu não gosto. Eles adoram farinha, a farinha de cuba. P36: Ela tem dificuldade para comer? Como é a sua apetite? 57

R36: Índio, você sabe né? Tem que estar comendo a toda hora. Mas como que eles gostam? Se por fruta alguns até que ela gosta, mas eles não tem aquele regime de comer em hora marcada. Ela come a toda hora. P37: E ela gosta de vir pra escola? R37: Eu vi que à princípio ela focou um pouquinho acuada, mas depois parece que ela gostou.

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ANEXO III Entrevista com professora P1: Ela começou a estudar aqui no começo do ano? R1: Não, ela começou... Fevereiro.... Lá pelo começo de março. E tudo isso que ela sabe até hoje, ela aprendeu aqui. P2: E como ela estava quando ela veio? R2: Nem falar ela falava. Ai eu fui conversando, falando com ela, falando "oh, não precisa ter medo. Porque o que acontece com ela, ela é uma criança que... Quero dizer, ela não é mais criança porque tem 18 anos. Ela sempre viveu escondida por conta dos problemas que ela tem na tribo. Ela foi separada da família dela. Por exemplo, isso ela fez no primeiro dia dela, eu pedi porque queria saber como era o traçado dela, para trabalharmos as partes do corpo a sua noção de corpo. O palhaço, a bailarina... Tudo isso falado e depois fizemos os cartazes e botamos aí. Fizemos um cartaz de higiene. Isso daqui foi a Ingrid que escreveu, porque nenhuma das meninas escrevem. Escrevem assim, se eu escrever ela cópia, (o nome dela). Porque na verdade o nome dela é ..., eu acabei acostumando de chamar ela de S e todo mundo acabou chamando. Então na realidade ela não tem conhecimento nem do mundo lá, nem do mundo aqui. Ela vivia escondida, pelo menos essa é a estória que nós ouvimos. Eu pedi um laudo, devido ao fato de você falar e ela não lembrar. Quero descobrir até aonde eu consigo ir com ela para ver se consigo, até o final do ano, alfabetizá-la. P3: E que mudanças você conseguiu perceber de quando ela começou até agora? R3: Ela não falava. Eu não sei porque. Uma vez eu sentei com ela... Eu faço as perguntas e ela responde "ah, não sei... Ah, não sei" aí eu questiono "S, como você não sabe?" Ela passou uma semana chegando duas e meia, aí eu perguntei pra ela "S, porque você está chegando duas e meia da tarde? Quando você chega duas e meia, eu já estou a uma hora e meia trabalhando com as meninas". É trabalho diferenciado, mas para ela socializar é importante ela trabalhar com elas. Aí ela fica meio assim.... Ela é meio tímida, retraída, ela não consegue muito interagir. Você viu como ela estava agora quando as meninas puxaram ela pro meio (estava tendo uma celebração do dia do índio e os alunos estavam dançando em roda), ela foi, mas rapidinho ela volta pro canto dela. P5: E como ela é com as outras meninas? R5: Ela não fala. Ela conversa comigo. Eu chego "e aí S, tudo bem?" "Bem". As pronuncias dela são pouquíssimas, entendeu? Eu explico as tarefas pra ela, médio elas. Aí pergunto " S, terminou?" Se ela terminou ela me entrega e fica na dela, se não terminou também fica na dela e continua fazendo, entendeu? Às vezes eu peço de uma cor e ela faz de outra, é complicado. P6: que tipo de atividade que você percebe que ela gosta? R6: Eu ainda não observei que tipo de atividade ela gosta, sabe porquê? Eu tô variando muito. Eu peguei elas três esse ano. Por exemplo, a Verônica, a questão dela é só música. Botou música ela já vai pro meio da sala e dança, mexe, tal. A D (outra aluna). Já não se mexe pra nada. Quando você diz "vai D, mexe! Coisa e tal"? Sabe aquele receio que as pessoas tem de ir sem ninguém mandar? Ela nem se move do lugar. 59

P7: E a S? Não dança? Canta? R7: Não. P8: Ela fala na língua dela aqui na sala? R8: Ela não fala língua de índio. O que ela fala... A dificuldade que ela tem é que ela não passou tempo na tribo. Ela viveu um tempo escondida em algum lugar. Veio pra Brasília pequenininha, depois foi pra outro local. Então passaram a vida inteira assim. Correndo com ela de um lado para outro. Eu até questionei a E (cuidadora) "poxa E, porque vocês não colocaram ela na escola mais cedo? Porque menor era mais fácil de trabalhar com ela, coisa e tal. E ela não me deu justificativa "ah, eu que too cuidando dela e trouxe, tô tentando aposentar, tô tentando coisas..." Mas eu ainda não entendi, pra mim a história dela ainda é uma coisa irreal, e acredito que é também para a própria escola. A gente tá trabalhando assim, hoje é que as meninas pegaram ela para fazer o diagnóstico. Porque eu falei "oh, eu tô trabalhando dessa forma, mas eu não sei se está correto, eu não sei se posso continuar dessa forma". Não sei se tenho que avançar, não sei se posso. Fica difícil trabalhar dessa forma. P9: como é que ela reage quando tem dificuldade? R9: Ela não tem dificuldade porque ela senta aqui do meu lado. Como as outras... Bom, eu não acredito que as pessoas não podem ser alfabetizadas. Eu não acredito, tem que ter uma forma. Os livros diz que não, que no caso de Williams, que é o caso da V, diz que não, que se tem que explorar aquilo que ela gosta e ela desfila para escola de samba. A D... Ela não participa de nada. Eu ainda não consegui conversar com a mãe. E a S... ela não... Ela é apática. Aí esses dias como ela tava chagando tarde, eu descobri que ela estava morando numa casa nova, porque até então ela estava na quadra 02, aí agora ela está morando no império dos nobres "S, você está morando com quem no Império?" "com minha tia, P" que é uma tia dela que está aqui. Aí eu falei "então porque você tá chegando tão tarde? Você está fazendo todo o trabalho de casa?" E ela "tô". Então assim, ela responde por monossílaba, então você não sabe nem o que está acontecendo. É complicado, é difícil, mas assim, que ela melhorou em termos de comunicação, melhorou. Porque pelo menos você pergunta e ela responde, mas ela só fala se você perguntar. Essa parte eu queria melhorar dela, assim dela falar. Tem umas palavras dela, por exemplo, que ela troca o "o" pelo "u". Quero dizer, isso aí para mim, não significa muita coisa, porque criança normais fazem essas trocas por causa da dislexia. É complicado. Eu já trouxe até a minha filha pra observar ela, a minha filha é psicopedagoga no jardim, né. Aí eu trouxe a minha filha pra observar, mas ela não pode ficar muito tempo. Então eu tenho que usar os recursos que tenho aqui mesmo. P10: Tem alguma coisa que ela não gosta de jeito nenhum? R10: eu não sei se é por medo ou por receio, não sei se você observou, mas quando ela não sabe, ela já põe a mão na cabeça, balança a cabeça, já fica retraída. Eu não sei se é por causa do medo, eu ainda não... Ela procura fazer, mesmo que esteja errado, ela procura fazer. Pra você falar "oh, você pelo menos tentou, você pelo menos se esforçou" e quando eu digo " ah, S, não é assim, é dessa forma, é dessa cor", aí eu pego a folha dela, dou outra folha e ela faz. Tem hora que ela fica muito cansada. Ela fica fadigada. Ainda bem que tem esses intervalos. Essa fadiga dela eu acho que é mais um cansaço de casa ou talvez também... E estou esperando o laudo médico para ver se é também alguma coisa, mas eu acho que não porque ela é a única aluna que fica aqui quieta. Ela é a única aluna que eu deixo, porque geralmente ela saí daqui 6:20. Então ela fica aqui sentada o tempo inteiro esperando alguém chegar. Ela é alguém que eu acho que algum dia vai dar pra 60

chegar em algum ponto com ela. Eu só não tô sabendo... assim, quero dizer, eu tô fazendo o que sei. Só não tô sabendo intermediar aquilo que eu posso... Que eu queria que ela fizesse.... Por exemplo perdesse medo de falar, de contar, de pronunciar, como por exemplo, o final de semana " S o que você fez no fim de semana?" "Não sei" "S você fez alguma coisa, o que você fez?" "Não sei". P11: o que pode ter haver com o medo de fazer errado? R11: Eu faço esses questionamentos mas ainda não cheguei a nenhuma conclusão. Alguma hora ela vai ter que se abrir. (Mostra a disposição da sala. Tem quatro carteiras colocadas juntas e uma separada. O lugar da S é encontrado na parede.) Eu deixo ela aqui porque eu passo uma atividade e ela não demora. Aqui por exemplo (mostra uma atividade onde elas tinham que colar as letras do alfabeto). Eu corto as letras com elas, mostro as letras, mostro as vogais. Falo que isso faz parte do alfabeto. Mas aqui você viu, ela só acertou uma letra. Aí tentei fazer de outra forma, faço de várias formas, além das outras atividades das escolas. Recortei várias letras do nome dela, recortei palavras e figuras do nome dela. Isso daqui eu também fiz pra ela (Mostra umas folhas com atividades de cartilha, de ligar, circular, etc.) para ela entender maiúsculo e minúsculo, números. Com intermediação ela faz, mas sozinha não. Sem família é mais difícil ainda de fazer, pois você não sabe a história direito. Sabe o que foi contato, mas não sabe direito. P12: E a tia? Você já conhece ela? R12: Não conheço. Só quem vem aqui é a E. Quem é a E, eu não a conheço. A E diz que tem uma ONG e que quando acontece esse tipo de problema nas tribos eles vem e ficam com ela. Mas eu acho que isso é meio que furada. Pois ela veio ainda pequena, isso a S me explicando, voltou pra tribo, depois foi para um lugar que ela não soube explicar. Depois voltou, não sei, é tudo meio confuso.

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