FACULDADE DE SÃO BENTO

September 23, 2022 | Author: Branca Flor Brunelli Stachinski | Category: N/A
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FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO

Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

Reflexões sobre a arte contemporânea à luz da Teoria da Formatividade de Luigi Pareyson

São Paulo 2013

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FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO

Reflexões sobre a arte contemporânea à luz da Teoria da Formatividade de Luigi Pareyson

Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Filosofia da Faculdade de São Bento do Mosteiro de São Bento de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Uchôa Fagundes Junior, OSB. Área de Concentração: Filosofia da Arte

São Paulo 2013

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Dedicatórias

Ao meu marido Luís Rodolfo, meu amor, companheiro de todas as horas e meu maior interlocutor, por tudo.

À minha mãe, Joanna Helena, por todo apoio e incentivo e pela incansável dedicação. A meu pai, Luiz Carlos (in memorian), que incetivou com entusiasmo os meus estudos de arte e filosofia.

Aos meus sogros, Regina e Roberto, pelo carinho e apoio. Dedico também aos meus queridos irmãos Paulo, Silvia e Marcia, aos meus cunhados Silvana, Mário, André, Flávia e Heloisa, e aos meus adorados sobrinhos Guilherme, Gabriela, Lucas, Bruna e Maria.

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Agradecimentos

Ao concluir esta dissertação sou imensamente grata ao meu orientador Prof. Dr. Carlos Eduardo Uchôa Fagundes Junior, OSB, pela confiança, paciência e zelo, sensibilidade e inteligência, sabedoria e generosidade que possibilitaram que este estudo pudesse ser concluído. Devo também um agradecimento especial ao Prof. Dr. Leon Kossovitch, de quem obtive lições fundamentais para o desenvolvimento desta dissertação, tanto nas aulas como na qualificação. Agradeço ainda o Prof. Dr. Ricardo Fabbrini, de quem colhi, no exame de qualificação, observações preciosas de meu trabalho. No decorrer do processo de pesquisa dessa dissertação, ainda tive a sorte de contar com a generosidade de diversos professores da Faculdade de São Bento: Prof. Dr. Djalma Medeiros, Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva, Prof. Dr. Ivo Assad Ibri, Prof. Dr. Joel Gracioso, Prof. Dr. José Carlos Bruni, Profa. Dra. Maria Carolina Alves dos Santos e Profa. Dra. Rachel Gazolla de Andrade, que sempre atentos e presentes contribuíram para o amadurecimento deste estudo, a eles devo meus sinceros agradecimentos.

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RESUMO

O presente estudo pretende analisar a relação que o artista estabelece com a realidade durante a produção da obra de arte, sobretudo da pintura, levando em conta que a obra de arte, antes de ser representação, é apresentação em si mesma, isto é, depois de acabada, tem autonomia e estatuto ontológico, é coisa entre coisas. Ou seja, pretende-se investigar como nos tempos atuais se vê e se lida com o pressuposto de que a produção da arte é imitação e ao mesmo tempo invenção que funda uma nova realidade. Para tanto, acreditamos que a Teoria da Formatividade de Luigi Pareyson fornece algumas chaves fundamentais para se pensar estas problemáticas que se destacam na arte contemporânea, em especial, na pintura, com o foco na produção pictórica de Gerhard Richter. E, partindo da premissa de que a implicação da arte como imitação, e, consequentemente sua pertinência, inicia-se nos primórdios do pensamento sobre arte na Grécia Antiga (em especial as contribuições de Platão e de Aristóteles), e considerando que o próprio Pareyson mostra como ambos, sobretudo Aristóteles, ainda são fundamentais, mesmo quando se trata de focar o olhar para uma teoria da arte atual, bem como para a produção artística contemporânea, a presente pesquisa estuda a intersecção de pontos centrais advindos dos filósofos gregos citados com os pontos centrais do pensamento pareysoniano sobre Arte. A proposta é construir uma ponte de intersecção entre os pensamentos de Pareyson, Aristóteles e Platão, e, ancorando-a nos conceitos cunhados na Teoria da Formatividade, expor como o filósofo italiano relê as problemáticas colocadas pelos filósofos gregos antigos e de que maneira esta interseção de pensamentos e conceitos contribuem para a reflexão sobre Arte na atualidade e em particular para a análise da produção pictórica de Gerhard Richter.

Palavras – Chave: Teoria da Formatividade, Gerhard Richter, mímesis, representação, pintura.

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ABSTRACT

The present study intends to analyze the relationship the artist establishes with (the) reality during the production of the work of art, especially in painting, considering that the work or art prior to its representation is a presentation of itself. That is, after completed it has autonomy and ontological status, it is a thing among things. Thus, how at present the presupposition that, the production of art is an imitation and, at the same time, an invention which uncovers a new reality, is seen and dealt with is the subject of the investigation. Therefore, we believe that Luigi Pareyson´s Theory of Formativity provides some fundamental keys to consider these issues, which stand out in contemporary art, especially in painting, and will thus also focus on Gerhard Richter´s pictorial production. Beginning with the premise of the concept that art is imitation - and therefore that its consequent pertinence starts with ancient Greek thought (especially Plato´s and Aristotle´s contributions), and considering that Pareyson shows that both, but especially Aristotle, are still fundamental even when the outlook is directed towards a current art theory and a contemporary artistic production, this research studies the intersection of the central points of the above Greek philosophers with those of Pareysonian thinking on Art. The proposal is to build an intersectional bridge of Pareyson´s, Aristotle´s and Plato´s thinking, grounding them in the concepts of the Theory of Formativity, and to discuss how the Italian philosopher re-reads the problems raised by the ancient Greek philosophers and this intersection of thoughts and concepts contributes to today´s art reflections and, in particular, for the analysis of Gerhard Richter´s pictorial production.

Key - Words: Theory of Formativity, Gerhard Richter, mímesis, representation, painting.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9

CAPÍTULO I: Tékhne e Poíesis nos pensamentos de Platão, Aristóteles e Pareyson ...... 13 1.1. Conceitos filosóficos platônicos e aristotélicos como recursos para a fundamentação da Teoria da Formatividade ...................................................................................................... 13 1.2 Tékhne como saber-fazer ................................................................................................ 19 1.3. Tékhne como fruto da experiência ................................................................................. 21 1.4. Tékhne e “inspiração” .................................................................................................... 23 1.5. Tékhne como operosidade humana e arte como parte das tékhnai ................................ 27 1.6. Tékhne e phýsis [natureza- entes naturais] ..................................................................... 31 1.7. Poíesis como produção .................................................................................................. 33 1.8. Tékhne poietikós............................................................................................................. 35 1.9. Poíesis versus práxis ...................................................................................................... 36 1.10. Apontamentos sobre definições de ars ........................................................................ 38 1.11. Arte como êxito............................................................................................................ 39 1.12. Intersecções entre tékhne, poíesis e ars na Teoria da Formatividade ......................... 42 CAPÍTULO II: Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson................................. 43 2.1. Definições de “forma” na Teoria da Formatividade ..................................................... 43 2.1.1. Polissemias da expressão “forma” ............................. ............................................ 44 2.1.2. “Forma” como “organismo” apartir de Aristóteles.............................. ................. 46 2.1.3. “Forma” como êxito na Teoria da Formatividade............................... .................. 55 2.1.4. Autonomia da “forma”: o estatuto ontológico da obra de arte ............................... 58 2.1.5. Obra de arte como “forma” e “mundo”........................................................... ........ 61 2.1.6. Relação entre os conceitos de “forma” e “pessoa” em Pareyson................... ......... 68 2.2. Os meandros da “formatividade” na Teoria da Formatividade..................................... 74 2.2.1. A cadeia produtiva da obra de arte: “forma”, “pessoa” e “formatividade” ............ 74 2.2.2. Correlação entre “forma formante” e “forma formada” ......................................... 76 2.2.3. A inseparabilidade do fazer e da invenção da obra de arte na Teoria da Formatividade ...................................................................................................................78 2.2.4. Legalidade da “forma” e a noção de intuição na Teoria da Formativida ............... 79 2.3. Outros aportes para a Teoria da Formatividade: .......................................................... 83

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CAPÍTULO III: Arte como mímesis e a autononia da obra de arte na Teoria da Formatividade .................................................................................................................................. 87 3.1. O conceito de mímesis sob a ótica da Teoria da Formatividade ................................... 87 3.2. A “negatividade” da mímesis em Platão ........................................................................ 88 3.3. Mímesis e phantasía em Platão ...................................................................................... 92 3.4. A “positividade” da mímesis em Aristóteles............................................................... .100 3.5. Phantasía e a imagem pictórica em Aristóteles. ........................................................ ..107 3.6. Imitação e autonomia da obra de arte em Pareyson ..................................................... 110 CAPÍTULO IV: Autonomia da obra de arte e mímesis na produção artística de Gerhard Richter à luz da Teoria da Formatividade. ............................................................................. 115 4.1. O estudo da “formatividade” no relato da experiência do artista .............................. 115 4.2. “Forma”e “formatividade” no Atlas de Gerhard Richter ............................................ 117 4.2.1. O Atlas e a pintura de Gerhard Richter: a imitação na abstração .......................... 118 4.3. Imaginação na abstração: a pintura de Gerhard Richter .............................................. 122 4.4. Representação na abstração ......................................................................................... 124 4.5. Imitação e imaginação na figuração ............................................................................ 127 4.6. Figuração e abstração ................................................................................................... 132 4.7. O estatuto ontológico ............................................................................................... ....137 CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 140 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 144

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INTRODUÇÃO O estudo sobre a história da produção artística no Ocidente, sobretudo a pictórica, revela um movimento pendular acerca do posicionamento de teóricos e artistas com relação à aceitação da pintura ora como imitação da realidade, ora como afirmação de si mesma enquanto coisa no mundo. Isto é, o questionamento da pintura como representação tem sido retomado na forma de outro (ou novo) movimento artístico de orientação figurativa e/ou abstrata.

E ainda, esse vai e vem de assertivas e oposições para com a arte como

representação fortalece o lugar comum da “morte da pintura” 1 , que em última análise questiona a pertinência da própria existência da pintura, se não da própria arte como um todo. Todavia, apesar das controvérsias, é possível constatar que parte do meio artístico da atualidade reabilitou a pintura e está relendo a problemática do jogo entre imitação e realidade na arte pictórica. E mais ainda: a produção de arte contemporânea,2 e em especial, a produção pictórica de Gerhard Richter (Dresden, 1932) possibilitam pensar que as dicotomias entre figuração e abstração, entre imitação e invenção, e entre imagem e objeto podem ser questionadas. Ao reconhecer o ressurgimento da pintura figurativa, de certa maneira, artistas e teóricos negaram os pressupostos de que a pintura deveria se libertar da imitação ou até mesmo deixar de existir. Contudo, ao reabilitar a retomada da pintura, não excluíram outras formas de arte, que negam a imitação ou que trazem novas formas de construção de imagens, inclusive, pondo em cheque a própria materialidade da arte. Nesse sentido, pode-se afirmar que essas hipóteses direcionam um estudo para uma investigação acerca da problematização da arte e da pintura enquanto imitação da realidade; 1

É possível identificar nesta expressão uma relação à ideia de “morte da arte” cunhada por Hegel em seus Cursos de Estética, que foram compilados e publicados ainda no início do século XIX; proposição esta, amplamente discutida por vários pensadores desde então, e que indubitavelmente muito influencia o pensamento sobre arte ainda hoje. Entretanto, nossa colocação não diz respeito exatamente à consciente filiação às ideias de Hegel, e sim a um movimento acéfalo e pouco ciente de suas antecedências. Ou seja, diz respeito a um locus que se formou entre artistas, professores de arte e críticos, que usam as expressões “morte da arte” e, sobretudo, “morte da pintura” de maneira até muitas vezes ingênua e inconsequente em ambientes de cursos de arte, ateliês e em textos de catálogos de exposição e afins. 2

A despeito das controvérsias inerentes aos rótulos utilizados para as classificações de períodos, estilos e movimentos artísticos, neste contexto a palavra “arte contemporânea” deve ser entendida na sua acepção de uso corrente da palavra contemporâneo, isto é, diz respeito à produção de arte vigente nos dias de hoje, de todo e qualquer artista que está em produção. Entretanto, uma vez que os artistas produzem suas obras no decorrer das décadas correspondentes as suas próprias vidas, logo, a produção de arte contemporânea igualmente pode corresponder à produção das últimas décadas. Portanto, neste contexto, “arte contemporânea” não determina um exato limite temporal, de início ou término, nem faz distinção de grupos, ou gerações de artistas, não se refere a um movimento em particular, mas sim, à atualidade, com todas as suas idiossincrasias.

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que culmina na intricada relação do artista para com a apreensão do mundo, e a consequente negação da possibilidade dessa relação, até o questionamento da pertinência da própria existência da pintura e/ou da arte. É possível constatar que estas problemáticas remontam à antiguidade grega e se estendem por toda a história da pintura, podendo ser resumidas no embate entre realidade e arte. Neste sentido, surge a necessidade de recorrer aos textos dos filósofos antigos, sobretudo, os de Platão e Aristóteles, a fim de identificar a origem das questões descritas acima, e que até hoje estão no núcleo da reflexão sobre a arte, sobretudo, pictórica. Uma chave para esse diálogo entre o pensamento da Grécia antiga e o pensamento da atualidade, no campo da investigação estética, pode ser encontrada no pensamento de Luigi Pareyson (1918-1991), que recorre, principalmente, a Aristóteles para a construção da sua teoria sobre arte. Portanto, tendo em conta este embasamento teórico, a presente pesquisa revisita a discussão da intrincada relação entre arte e realidade, isto é, retoma os questionamentos que envolvem a proposição de que a arte, em especial a pintura, é representação, embora também seja definida como apresentação de si mesma, visto que por meio das leituras dos textos de Pareyson e em especial, os que diretamente versam sobre a Teoria da Formatividade, constata-se a reivindicação do estatuto ontológico da arte como realidade em si mesma, ou seja, da arte, e em especial da arte pictórica como, necessariamente, invenção de nova visualidade, e, sobretudo, de nova realidade. Vale assinalar que o presente enfoque filosófico sobre a arte se dá, preferencialmente, acerca do processo de elaboração da obra, levando em conta que na Teoria da Formatividade, Luigi Pareyson propõe um modo de abordagem estética sob a ótica da produção artística: “Era mais que tempo, na arte, de por a ênfase no fazer mais que no simplesmente contemplar.” 3 Embora o filósofo reconheça e coloque em destaque a importância da experiência artística para o embasamento do estudo filosófico sobre a arte, ele não deixa de levar em conta a necessária investigação conceitual que a reflexão filosófica pressupõe. Desse modo, o 3

PAREYSON, L. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.9. (Prefácio do autor da edição de 1988)

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próprio Pareyson explicita alguns pontos que devem ser considerados para o estudo da Filosofia da Arte, que antes de tudo é, sobretudo, Filosofia: “Urge, pois, reconhecer que a estética é filosofia, e somente sob a condição de ser filosofia justifica a própria pesquisa e mantém sua autonomia [...]”.4 Em outra passagem ele destaca que a filosofia da arte é: [...] uma análise da experiência estética: não uma definição da arte considerada abstratamente em si mesma, mas um estudo do homem enquanto autor da arte e no ato de fazer arte. Em síntese, reflexão filosófica sobre a experiência estética e no intuito de problematizá-la no seu conjunto, de mostrar-lhe a possibilidade, estabelecer-lhe o âmbito e os limites [...] 5

Nesse sentido, partindo dos próprios apontamentos do filósofo, constata-se que se faz necessário um embasamento conceitual preliminar para o estudo da experiência artística, incluindo a pictórica. Igualmente, a partir das afirmações do próprio Pareyson, parece seguro afirmar que a Teoria da Formatividade teve nos pensamentos filosóficos de Platão, e, sobretudo, de Aristóteles importantes pontos de apoio e de diálogo para a construção de seus conceitos centrais. Portanto, na primeira etapa da pesquisa, propõe-se uma demarcação terminológica de alguns pontos importantes advindos do pensamento filosófico grego, em especial dos textos de Platão e Aristóteles, que dialogam com a concepção particular da filosofia de Pareyson, sobretudo, relacionada com a sua concepção de arte, servindo como ponto de apoio para o embasamento conceitual e teórico da Teoria da Formatividade. O segundo momento trata das ideias centrais da Teoria da Formatividade relacionando-a com o campo mais abrangente do pensamento filosófico de Pareyson. E, novamente, há uma delimitação dos aportes que embasam a conceituação pareysoniana, sobretudo os advindos de definições aristotélicas (embora tais definições não sejam necessariamente relacionadas exclusivamente às questões sobre arte que o estagirita discutiu).

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PAREYSON, L. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.19. “Bisogna, dunque ricoscere Che l’estetica è filosofia, e solo a patto d’esser filosofia giustifica la própria ricerca e mantiene la própria autonomia” [...] (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.4.) 5

Ibidem, op. cit., p.11. (Prefácio do autor da edição de 1988)

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Embasada pelas demarcações das definições conceituais elaboradas nos capítulos anteriores, a terceira etapa deste percurso investigativo discorre sobre as diferentes conceitualizações sobre imitação, intenção, imaginação, bem como representação no campo da arte, sobretudo, da arte pictórica, advindas dos pensamentos de Platão, de Aristóteles, em contraponto com os conceitos centrais advindos da Teoria da Formatividade. A quarta etapa desta pesquisa discorre sobre as obras do pintor alemão Gerhard Richter, para investigar as relações do artista com a realidade enquanto imitador desta, bem como, enquanto criador de uma nova/outra visualidade e realidade na contemporaneidade. E, consequentemente, a possibilidade da obra de arte, em especial a pintura, como apresentação de si mesma, isto é, como coisa entre coisas, sem que isso faça com que a imagem deixe também de fazer referência a um modelo. Vale ressaltar que toda esta reflexão traz, não só a questão da arte como imitação ao mesmo tempo, mas também como coisa nova e original. Em suma, este estudo discorre a respeito das problemáticas específicas da arte, sobretudo da pintura, na atualidade, tendo como base a teoria da arte pareysoniana em diálogo com os pensamentos de Platão e de Aristóteles. Esses aportes teóricos visam à compreensão do fenômeno artístico, com ênfase no pictórico; entendendo a arte como produção formante, que imita e representa ao mesmo tempo em que é invenção de coisa autônoma. Isto é, esta pesquisa visa investigar como o estatuto ontológico da obra de arte, ou seja, a dignidade de autonomia da arte que Pareyson reivindica, influencia na leitura sobre a problemática da questão da arte enquanto imitação. Logo, a proposta é mostrar como o reconhecimento destas três dimensões inseparáveis da arte, enquanto produção, imitação e invenção, possibilita uma leitura dos desdobramentos da produção artística pictórica no século XXI, tomando como ponto de investigação específica a obra pictórica de Gerhard Richter.

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CAPÍTULO I Tékhne e Poíesis nos pensamentos de Platão, Aristóteles e Pareyson

A ideia de que a estética é uma disciplina moderna, é pouco mais do que um lugar comum, mas que pode degenerar em um erro se se chegar ao ponto de rejeitar o mundo antigo como uma fonte de inspiração para o estudo da arte. Luigi Pareyson, 1966 6

1.1. Conceitos filosóficos platônicos e aristotélicos como recursos para a fundamentação da Teoria da Formatividade Conforme foi exposto na Introdução, um retorno às origens das definições e entendimentos sobre as questões centrais que permeiam o pensamento sobre a arte e a arte pictórica se faz necessário para que o pensamento de Luigi Pareyson 7 possa ser localizado no campo do pensamento sobre arte. Ele mesmo estabelece os limites desse diálogo ao citar frequentemente o pensamento da antiguidade grega, situando-a como ponto de partida para a conceituação das problemáticas artísticas pertinentes ainda hoje. Nas palavras dele, sobre a questão das definições de arte: 6

(Tradução nossa da tradução em espanhol.) “La idea de que la estética es una disciplina moderna es poco menos que un lugar común, pero puede degenerar en un error si se llega hasta el punto de rechazar el mundo antiguo como fuente de inspiración para el estudio del arte.” (PAREYSON, Luigi. Forma, organismo y abstracción In: ______. Conversaciones de estética. Trad. de Zósimo Gonzáles, Madrid: Visor, 1988, p.85.) 7

Italiano, nasceu em 1918, faleceu em 1991. Formou-se em filosofia em 1939 na cidade de Turim, e, em 1943 passou a ser professor de filosofia na Universidade de Turim, ficando na mesma instituição até 1988. Dirigiu a revista de estética (Rivista di Estética) da citada instituição por mais de 25 anos. As primeiras interlocuções filosóficas de Pareyson se deram com os filósofos alemães, com destaque para ensaios realizados sobre as obras de pensadores como Kant, Schelling, Schiller, Fichte, Kierkegaard e Goethe, sem deixar de mencionar o destaque ao estudo da obra de Karl Jasper. Além dos alemães, ele desenvolveu importantes ensaios sobre os pensamentos de Aristóteles, Vico e Valèry. Contudo, ainda estabeleceu interlocuções com pensadores contemporâneos a ele, como Heidegger, Gadamer, Dewey, Focillon e Gilson. Ainda, saindo do foco da interlocuções e diálogos com outros filósofos, como síntese do percurso filosófico de Pareyson, Sarto discorre: “Dotado de una profunda curiosidad científica y de una notable erudición, Pareyson fue capaz de elaborar una síntesis original: un pensamiento que parte del existencialismo, pasa por el personalismo, la estética y la hermenéutica, para acabar en la ‘ontología de la libertad’ [...]” (SARTO, Pablo Blanco. Hacer arte, interpretar el arte: Estética y hermenéutica en Luigi Pareyson.Pamplona: EUNSA, 1998, p.21.) Ver também: ECO, Umberto. A estética da formatividade e o conceito de interpretação, p.14-15. In: _____. A definição da arte. Tradução de José Mendes Ferreira. Lisboa: Ed. 70, 2008.

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As definições mais conhecidas da arte, recorrentes na história do pensamento, podem ser reduzidas a três, ora a arte como um fazer, ora como um conhecer, ora como um exprimir. [...] Na Antiguidade, prevaleceu a primeira: a arte foi entendida como tékhne como um fazer em que era, explícita ou implicitamente, acentuado o aspecto executivo, fabril, manual.

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Embora, como diz Pareyson: “Essas diversas concepções ora se contrapõem ora se excluem umas às outras, ora, pelo contrário, aliam-se e se combinam de várias maneiras” (1989, p.29) 9 , o presente estudo volta-se para o entendimento da arte como fazer e suas nuances, partindo da interpretação das variantes dos significados dos termos tékhne 10 e poíesis, visto que o aspecto fabril da obra de arte, bem como as definições advindas da filosofia grega, sobretudo de alguns textos de Aristóteles, são chaves capitais para o entendimento da Teoria da Formatividade11 do filósofo de Turim. 8

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,1989, p.29. “Le definizioni più famose dell’arte si possono ridurre a tre, ricorrenti nella storia de pensiero: l’arte è concepita ora come un fare, ora come un conoscere, ora come un esprimere. [...]Nell’antichità prevalse la prima: l’arte fu intesa come τέχνη, come un fare in cui era esplicitamente o implicitamente accentuato l’aspetto esecutivo, fabrile, manuale;[...]” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.229.) 9

Idem. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes,1989, p.29. “Queste diverse concezioni ora si contrappongono e si escludono fra loro, ora invece si alleano e si combinano variamente; ma in definitiva rimangono le tre definizioni principali dell’arte” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.229.) 10

Optou-se por transliterar todos os termos em grego para os caracteres latinos. Os parâmetros para a transliteração do alfabeto grego para o alfabeto latino seguiram os mesmos utilizados por GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007. (Cf. Op. cit. p. 5 a 8). Esses parâmetros só não foram usados nas citações onde os autores optaram por parâmetros diversos dos seguidos por Gobry, nesses casos, a grafia do texto original citado foi mantida. 11

A obra de Luigi Pareyson percorre desde textos de cunho historiográfico, estudos e comentários sobre as obras e outros filósofos, até textos teóricos autônomos como os dois livros específicos de Estética que serviram como base central para a presente dissertação, isto é: Estetica. Teoria della formatività, publicado pela primeira vez em 1954, e traduzido para o português em 1993; e ainda, o livro: I problemi dell'estetica, com a primeira edição italiana de 1966, e, publicado no Brasil em 1984. Segue uma lista das obras de Luigi Pareyson consideradas mais significativas, estão dispostas por ordem cronológica a partir da primeira publicação em italiano de cada obra: La filosofia dell'esistenza e Karl Jaspers (1939), Studi sull'esistenzialismo, (1943), Corso di estetica (1946), Etica ed estetica in Schiller (1949), L'estetica di Kant (1949), Etica ed estetica in Schiller (1949), Fichte. Il sistema della libertà (1950), Esistenza e persona (1950), Esistenza e persona (1950), L'estetica di Fichte (1950) L'estetica dell'idealismo tedesco, (1950), Unitá della Filosofia (1952), Estetica. Teoria della formatività (1954), Teoria dell'arte, (1965), I problemi dell'estetica,(1966), Conversazioni di estetica, (1966), Il pensiero etico di Dostoevskij, (1967), Verità e interpretazione (1971) L'esperienza artistica, (1974) Schelling,(1975), Rettifiche sull’esistenzialismo (1975), Dostoevskij: filosofia, romanzo ed esperienza religiosa, (1976); L´Ética e estética em Schiller (1983), Filosofia della libertà, (1989), Ontologia della libertà. Il male e la sofferenza, (1995 póstuma), entre outros livros e artigos publicados em revistas e anais. Atualmente, sob a rubrica de "Opere complete”, os livros de Pareyson estão sendo republicados pelo "Centro Studi Filosofico – Religiosi Luigi

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As diferentes acepções utilizadas para as palavras tékhne e poíesis são por si só, um empecilho para a leitura atenta dos diversos textos, não só de Platão e Aristóteles, mas também dos textos de outros autores antigos. As dificuldades iniciam, sobretudo, no entendimento de como esses autores pensavam as várias dimensões da atividade artística; da produção à fruição. Portanto, faz-se necessária uma breve demarcação terminológica a fim de evitarmos imprecisões, já que os termos em grego ainda povoam os textos atuais sobre arte. A palavra tékhne é comumente não traduzida em muitos textos sobre arte ainda hoje. Mas quando o é, é usualmente traduzida por arte para o português. Como em português a palavra que utilizamos é de origem latina [ars ou artis], e não existe nenhuma palavra em grego que abarque todos os complexos significados e delimitações que o vocábulo foi ganhando no decorrer dos séculos, muitos textos atuais acabam por aceitar que tékhne signifique simplesmente arte. Entretanto, a acepção da palavra “arte” que um grande grupo de pessoas tem em mente atualmente costuma vir acompanhada de qualidades como subjetividade, expressividade e beleza. Notadamente, porque a definição de arte acrescida das noções de subjetividade, expressividade e beleza diz respeito a um entendimento alicerçado na tradição do pensamento sobre arte que se cristalizou a partir do século XVIII, nos meios que de modo geral se identificam pelo pensamento idealista e romântico. Ideias que não estariam inteiramente presentes nas acepções gregas de tékhne, e que não correspondem mais a grande parte das concepções de arte mais amplamente aceitas nos dias de hoje, e, sobretudo, não vão de encontro com o que Pareyson propõe para a Teoria da Formatividade. O filósofo italiano faz esta distinção pontualmente: “De um lado, a arte como tékhne, saber fazer, perfeição formal; de outro a arte como inspiração e paixão” 12

Pareyson" da Universidade de Turim. Por isso muitos títulos originais, bem como a organização interna dos textos publicados foram reorganizados sob uma nova ordem. Cf. em: RAVERA, Marco. Premessa del Curatore In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.5-9. (Centro Studi Filosofico – Religiosi Luigi Pareyson, Opere Complete - Vol. 10) 11

PAREYSON, L. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.9. (Prefácio do autor da edição de 1988) 12

Idem. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.71. “Da un lato, l’arte come τέχνη, saper fare, perfezione formale,; dall’altro l’arte come inspirazione e passione.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.266.)

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Portanto, Pareyson chama a atenção sobre a importância de se pensar a arte como saber-fazer [tékhne], concepção, não só presentes nos pensamentos de ambos os filósofos gregos supracitados, mas, central nos textos da Grécia Antiga em geral. Parece claro que o professor de Turim o faz no intuito de retomar as definições primeiras de arte, como fica evidente na introdução do livro Estética: Teoria da Formatividade, quando ele expõe que quer: “[...] entrar imediatamente no tema propondo, ao invés dos princípios croceanos 13 da intuição e da expressão, uma estética da produção e da formatividade.” 14 Por isso, um olhar mais próximo das especificidades dos diversos significados dos termos gregos presentes nos textos antigos, e repetidos nos textos atuais, pretende ajudar a desfazer as imprecisões que ocorrem por falta de uma distinção criteriosa que respeite as variações conceituais de cada época. Em suma, nem para Platão, tão pouco para Aristóteles tékhne e poíesis têm um significado particular, e, sobretudo, não coincidem com as acepções de arte que costumamos utilizar no português corrente. Contudo, Pareyson resgata uma série desses sentidos presentes nos textos dos filósofos gregos para compor os conceitos que embasam a sua estética. Nesse intuito, foram elencados os principais sentidos de tékhne, poíesis e outros termos e conceitos correlatos presentes nos primeiros escritos sobre arte na Antiguidade Grega, com ênfase nos pensamentos de Platão e Aristóteles. Assim como, algumas definições relevantes de ars, advindas da tradição latina, mereceram atenção. No entanto, a proposta desta revisão terminológica não é de fazer uma extensa revisão histórica que proponha abarcar todo o pensamento sobre arte, de Platão à Pareyson. Foram destacados, sobretudo, aqueles significados e pontos de conjunção das acepções

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Referente às ideias de Benedetto Croce (Pescasseroli, 1866 - Nápoles, 1952), filósofo italiano amplamente influente na Itália na época de Pareyson. Croce, com uma estética baseada em aportes teóricos, sobretudo, advindos do idealismo romântico, foi um importante contraponto no discurso estético pareysoniano, entretanto, nota-se que Pareyson faz menção às ideias crocianas, na maioria das vezes, para marcar as diferenças entre estas e a Teoria da Formatividade, pontuando a necessidade de uma revisão na reflexão filosófica sobre arte. Portanto, embora Croce seja, por uns, apontado como o contraponto principal de Pareyson, pautados, provavelmente, nas inúmeras menções a Croce recorrentes no textos de Pareyson, todavia, em geral, estas menções são com o intuito de crítica e oposição. 14

Idem. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.9. (Prefácio do autor da edição de 1988)

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terminológicas relacionados às problemáticas contidas na Teoria da Formatividade, e que se encontram em alguns outros pensadores, sobretudo, Platão e Aristóteles. Antes de analisar algumas definições de tékhne e poíesis separadamente, vale lembrar que tanto Platão, quanto Aristóteles cotejam as diferentes modalidades de arte, tais como a pintura, a poesia, o teatro, escultura, utilizando parâmetros e definições gerais que abrigam qualquer linguagem artística. Isso permite que as definições cunhadas por Platão e Aristóteles sejam não apenas aplicadas à atividade teatral e à poesia textual em si, mas, que se estendam à produção da obra de arte de maneira geral, incluindo a da pintura e assim por diante. Por exemplo, apesar de um diálogo como o Íon de Platão ter como foco principal a apresentação de poesia homérica orquestrada por um rapsodo15, Sócrates - enquanto um dos personagens do diálogo - relaciona as atividades de Homero e de Íon às do pintor e do escultor. Como quando Sócrates cita um caso o caso da pintura para exemplificar seu argumento sobre o pouco alcance do “conhecimento técnico- racional” de Íon, que só fala de Homero, e não de todos os poetas (532 d – 533 a).16 Também, assim como na República , Platão ao discorrer sobre a distância que a poesia trágica está para com a verdade, i.e., três 15

Espécie de cantor-ator ou declamador profissional, que ornado com belas vestes e segurando um bastão, o rábdos, daí o nome rapsodo, recita a poesia de outros poetas. No caso de Íon, ele é um especialista em Homero. Íon não só recita, mas explica o conteúdo da poesia, a interpreta, acumulando, portanto, a ação de artista e de uma espécie de crítico- professor de arte. A sua especialidade em recitar somente Homero, é um dos argumentos usados por Sócrates para desmerecer um suposto conhecimento técnico adquirido por Íon para exercer o seu ofício. Cf. PLATÃO, Íon, 530c. 16

PLATÃO, Íon, 532 d- 533a: “- Sóc: [...]Partamos desse raciocínio: existe uma arte pictórica que é um conjunto? - Íon: Sim. - Sóc.: Portanto, também na pintura há e houve muitos pintores bons e muitos medíocres? - Íon: Perfeitamente. - Sóc: Então já viste alguém que é capaz de discorrer sobre Polignoto, filho de Aglaofonte, demonstrando ser perito sobre o que ele desenha bem e sobre o que não desenha e seja incapaz de fazer o mesmo sobre os outros pintores? E quando alguém aponta para as obras dos outros pintores, ele adormece, fica embaraçado, e não tem o que se conjecturar, mas quando é sobre Polignoto ou algum outro que queiras, havendo necessidade de demonstrar conhecimento de apenas um dos desenhos, desperta e presta atenção e bem transita no que diz?- Íon: Não, por Zeus, certamente, não!” (Tradução de André Malta. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2007.) [532d] ΣΩΚΡΑΤΗΣ:Οὐκοῦν ἐπειδὰν λάβῃ τις καὶ ἄλλην τέχνην ἡντινοῦν ὅλην, ὁ αὐτὸς τρόπος τῆς σκέψεως ἔσται περὶ ἁπασῶν τῶν τεχνῶν; Πῶς τοῦτο λέγω, δέῃ τί μου ἀκοῦσαι, ὦ Ἴων; ΙΩΝ:Ναὶ μὰ τὸν Δία, ὦ Σώκρατες, ἔγωγε· χαίρω γὰρ ἀκούων ὑμῶν τῶν σοφῶν. ΣΩΚΡΑΤΗΣ:Βουλοίμην ἄν σε ἀληθῆ λέγειν, ὦ Ἴων· ἀλλὰ σοφοὶ μέν πού ἐστε ὑμεῖς οἱ ῥαψῳδοὶ καὶ ὑποκριταὶ καὶ ὧν ὑμεῖς ᾄδετε τὰ ποιήματα, ἐγὼ δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ τἀληθῆ λέγω, [532e] οἷον εἰκὸς ἰδιώτην ἄνθρωπον. Ἐπεὶ καὶ περὶ τούτου οὗ νῦν ἠρόμην σε, θέασαι ὡς φαῦλον καὶ ἰδιωτικόν ἐστι καὶ παντὸς ἀνδρὸς γνῶναι ὃ ἔλεγον, τὴν αὐτὴν εἶναι σκέψιν, ἐπειδάν τις ὅλην τέχνην λάβῃ. Λάβωμεν γὰρ τῷ λόγῳ· γραφικὴ γάρ τίς ἐστι τέχνη τὸ ὅλον; ΙΩΝ:Ναί.ΣΩΚΡΑΤΗΣ:Οὐκοῦν καὶ γραφῆς πολλοὶ καὶ εἰσὶ καὶ γεγόνασιν ἀγαθοὶ καὶ φαῦλοι; ΙΩΝ:Πάνυ γε. ΣΩΚΡΑΤΗΣ:Ἤδη οὖν τινα εἶδες ὅστις περὶ μὲν Πολυγνώτου τοῦ Ἀγλαοφῶντος δεινός ἐστιν ἀποφαίνειν ἃ εὖ τε γράφει καὶ ἃ μή, περὶ δὲ τῶν ἄλλων γραφέων [533a] ἀδύνατος; Καὶ ἐπειδὰν μέν τις τὰ τῶν ἄλλων ζωγράφων ἔργα ἐπιδεικνύῃ, νυστάζει τε καὶ ἀπορεῖ καὶ οὐκ ἔχει ὅτι συμβάληται, ἐπειδὰν δὲ περὶ Πολυγνώτου ἢ ἄλλου ὅτου βούλει τῶν γραφέων ἑνὸς μόνου δέῃ ἀποφήνασθαι γνώμην, ἐγρήγορέν τε καὶ προσέχει τὸν νοῦν καὶ εὐπορεῖ ὅτι εἴπῃ; ΙΩΝ:Οὐ μὰ τὸν Δία, οὐ δῆτα.

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vezes distante desta; ele afirma que também a pintura é uma imitação três graus distante da verdade. (Livro X, 597 d) 17 Aristóteles igualmente recorre à pintura para tratar de questões de poesia, como na passagem do Capítulo VI da Poética, quando ele coteja a construção e especificidades da tragédia com a pintura da época, citando Zêuxis e Polignoto (1450a 22 -30)

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. Mais adiante,

a comparação entre poesia trágica e pintura se repete: [...] o mito é o princípio e como que a alma da tragédia; só depois vêm os caracteres. Algo semelhante se verifica na pintura: se alguém aplicasse confusamente as mais belas cores, a sua obra não nos comprazeria tanto, como se apenas houvesse esboçado uma figura em branco. (Ibidem, 1450b 1-5) 19

Portanto, é a partir do parâmetro de que tanto Platão como Aristóteles usavam a pintura e a escultura para falar de teatro e/ou poesia e vice e versa, sem discriminar inteiramente os mecanismos gerais de cada modalidade artística, que as referências e interpretações dos conceitos correlatos às questões da arte utilizados e cunhados por eles serão analisadas neste presente estudo.

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“Sóc.: Ora, exatamente como ele (pintor), encontra-se o poeta trágico, por estar, como imitador, três degraus abaixo do rei da verdade, o que aliás, se dá, com todos os imitadores.” (PLATÃO. República. Trad. de Carlos Alberto Nunes 3ª Ed. Belém: EDUFPA, 2000.) Ταῦτα δὴ οἶμαι εἰδὼς ὁ θεός, βουλόμενος εἶναι ὄντως κλίνης ποιητὴς ὄντως οὔσης, ἀλλὰ μὴ κλίνης τινὸς μηδὲ κλινοποιός τις, μίαν φύσει αὐτὴν ἔφυσεν. 18

“Sem ação não poderia haver tragédia, mas poderia havê-la sem caracteres. As tragédias da maior parte dos modernos não têm caracteres, e, em geral, há muitos poetas desta espécie. Também, entre os pintores, assim é Zêuxis comparado com Polignoto, porque Polignoto é excelente pintor de caracteres e a pintura de Zêuxis não apresenta caráter nenhum.” (ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. 1ª ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973, p. 448.) Ἔτι ἄνευ μὲν πράξεως οὐκ ἂν γένοιτο τραγῳδία, ἄνευ δὲ ἠθῶν γέ [25] νοιτ᾽ ἄν· αἱ γὰρ τῶν νέων τῶν πλείστων ἀήθεις τραγῳδίαι εἰσίν, καὶ ὅλως ποιηταὶ πολλοὶ τοιοῦτοι, οἷον καὶ τῶν γραφέων Ζεῦξις πρὸςΠολύγνωτον πέπονθεν· ὁ μὲν γὰρ Πολύγνωτος ἀγαθὸς ἠθογράφος, ἡ δὲ Ζεύξιδος γραφὴ οὐδὲν ἔχει ἦθος. 19

ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. 1ª ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973, p. 449. [1] εἰ γάρ τις ἐναλείψειε τοῖς καλλίστοις φαρμάκοις χύδην, οὐκ ἂν ὁμοίως εὐφράνειεν καὶ λευκογραφήσας εἰκόνα)· ἔστιν τε μίμησις πράξεως καὶ διὰ ταύτην μάλιστα τῶν πραττόντων. Τρίτον δὲ ἡ διάνοια· τοῦτο δέ [5] ἐστιν τὸ λέγειν δύνασθαι τὰ ἐνόντα καὶ τὰ ἁρμόττοντα, ὅπερ ἐπὶ τῶν λόγων τῆς πολιτικῆς καὶ ῥητορικῆς ἔργον ἐστίν· οἱ μὲν γὰρ ἀρχαῖοι πολιτικῶς ἐποίουν λέγοντας, οἱ δὲ νῦν ῥητορικῶς. Ἔστιν δὲ ἦθος μὲν τὸ τοιοῦτον ὃ δηλοῖ τὴν προαίρεσιν, ὁποία τις [ἐν οἷς οὐκ ἔστι δῆλον ἢ [10] προαιρεῖται ἢ φεύγει].

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1.2 Tékhne como saber-fazer Notadamente, para Platão, em muitos de seus diálogos, tékhne tem um sentido mais amplo e por vezes até antagônico para com algumas definições de arte atuais. A primeira diferença significativa entre tékhne e arte é a distinção que fazemos atualmente entre arte e técnica, de onde podem surgir várias possíveis interpretações errôneas.

Como lembra

Pareyson: “[...] O pensamento antigo pouco se preocupou em teorizar a distinção entre a arte propriamente dita e o ofício ou a técnica do artesão”. 20 Para o discípulo de Sócrates tékhne costumar ter um sentido de técnica na acepção simples do termo, ou seja, habilidade no fazer, destreza na profissão. E ainda, pode ser considerada como sinônimo de ciência, e, sobretudo, abarca todo tipo de atividade humana.21. Assim como Platão, Aristóteles frequentemente usa a palavra tékhne no sentido amplo do saber-fazer. E também, em ambos os pensadores, tékhne é, por vezes, encontrada como sinônimo ou em paralelo à ciência [epistéme].22 Entenda-se episteme aqui no sentido mais lato e primário do termo, isto é, todo e qualquer conhecimento verdadeiro e racional do universal.23 Como explica Giovanni Reali nos comentários de sua tradução da Metafísica de Aristóteles: “[...] “Arte” [tékhne] é algo muito próximo da ciência, enquanto implica,

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PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.29. “[...]ma il pensiero antico poco si preoccupò di teorizzare la distinzione fra l’arte propriamente detta e il mestiere o la técnica dell'artigiano[...]” (Idem. Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.229.) 21

Platão não utiliza o termo tékhne de maneira uniforme em seus diálogos. Entretanto, é possível afirmar que, diante de variadas acepções, persiste ao menos um aspecto semântico comum correspondente ao entendimento de que tékhne diz respeito a qualquer atividade humana que exige racionalidade e destreza, como, por exemplo, no diálogo Íon (538-541), onde Sócrates discorre sobre várias atividades que precisam da tékhne para serem “bem executadas”, como as do general, do barqueiro, do navegador, da fiandeira, do médico, e também da atividade dele mesmo. Sobre as variantes do sentido de tèkhne nos diversos diálogos de Platão, ver também em: BRISSON, L., PRADEAU, J-F. Vocabulário de Platão. Trad. de Claudia Berliner. São Paulo: Ed. Martins. Fontes, 2010, p. 70 -71. 22

Cf. PELLEGRIN, Pierre. Vocabulário de Aristóteles, Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 2010, (verbete: , p. 21- 22). e GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007. (Verbete: , p. 142-143.) 23

“O termo“epistême” pode ser entendido em dois sentidos. Há um estrito de “epistême”, definido nos Segundos analíticos: uma disciplina particular, confinada por um gênero particular, a respeito do qual prova por demonstrações, seus atributos per se. [...] Pode-se entender “epistême” em sentido mais lato, como ato cognitivo pelo qual apreendemos cientificamente determinada coisa, por exemplo, como conhecimento de uma determinada conclusão [...].”(ANGIONI, Lucas. Comentários In: ARISTÓTELES. Física I –II. Prefácio, tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Ed. Unicamp, 2009, p. 234-235.)

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justamente, conhecimento dos universais. Na linguagem moderna a palavra “arte” não tem mais o antigo sentido e, portanto, existe o risco de equívocos [...]” 24 Portanto, a tékhne grega configura com um conhecimento que se situa em oposição à natureza, à irracionalidade e ao acaso; como por exemplo, no sentido explicitado neste trecho da Ética a Nicômaco de Aristóteles: “Não obstante, hão de concordar que o homem que deseja tornar-se mestre numa arte [tékhne] ou ciência deve buscar o universal e procurar conhecê-lo tão bem quanto possível [...]”. (X, 1180b 20) 25 Todavia, nem sempre Aristóteles entende tékhne e ciência como sinônimas, como quando ele faz distinções importantes entre tékhne, práxis e theoria, distinções que serão comentadas mais adiante.26 Portanto, a tradução simplificada de tékhne como arte, no que diz respeito aos textos que tratam da arte no seu sentido estrito, pode não ser a melhor escolha. Muitas vezes, a melhor escolha poderia ser a palavra técnica, no sentido de saber adquirido e voltado ao fazer ou até mesmo ciência, no sentido do saber racional e verdadeiro. Esse cuidado na tradução é particularmente importante, especialmente nos casos dos textos sobre arte, para que tékhne não se confunda com os diversos conceitos que a palavra “arte” abarca nos dias de hoje. Angioni esclarece mais alguns pontos sobre essa questão, nos comentários da sua tradução da Física I-II de Aristóteles: [...] outra tradução para technê é “arte”. Em Ética a Nicômaco 1140 a 10, a technê é definida como “habilitação (ou disposição) produtiva, com discurso verdadeiro” (hexis meta logou alêthou poiêtikê). Trata-se da capacidade de produzir, de modo racional, “alguma coisa que admite ser e não ser” (algo 24

REALI, Comentários e notas (Metafísica, 981 a 7-12) In: ARISTÓTELES. Metafísica Vol III, tradução de Giovanni Reali e Trad. de Marcelo Perine. São Paulo: Ed. Loyola, 2002, p. 8-9. 25

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. 1ª. Ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973. (Coleção “Os Pensadores” V. IV), p. 434. (20) ἐπαρκέσαι. Οὐδὲν δ' ἧττον ἴσως τῷ γε βουλομένῳ τεχνικῷ γενέσθαι καὶ θεωρητικῷ ἐπὶ τὸ καθόλου βαδιστέον εἶναι δόξειεν ἄν, κἀκεῖνο γνωριστέον ὡς ἐνδέχεται· εἴρηται γὰρ ὅτι περὶ τοῦθ' αἱ ἐπιστῆμαι. Τάχα δὲ καὶ τῷ βουλομένῳ δι' ἐπιμελείας βελτίους ποιεῖν, εἴτε πολλοὺς εἴτ' ὀλίγους, νομοθετικῷ πειρατέον (25) γενέσθαι, εἰ διὰ νόμων ἀγαθοὶ γενοίμεθ' ἄν. 26

Cf. GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007. (verbete: epistéme p.56-57).

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contingente), “e cujo princípio está no produtor, não naquilo que se produz” (1140 a 12-4). Em expressões como “a arte da medicina”, “a arte do timoneiro” etc., temos perfeitamente o sentido pretendido por Aristóteles. Mas quando o termo “technê” é usado sem complementos, parece-nos mais adequado vertê-lo por “técnica” [...] 27

Veremos no decorrer deste capítulo como essa acepção de tékhne como “saber-fazer”, utilizada tanto por Platão como por Aristóteles, e acrescida de todas as nuanças que dela derivam, serviu como parâmetro para a teoria sobre a arte que Pareyson desenvolve.

1.3. Tékhne como fruto da experiência A noção de tékhne como fruto da experiência é outro aspecto da definição de tékhne que ajuda a entender como funciona esse mecanismo do saber que se configura em fazer nos meandros do processo artístico, que o professor de Turim explicita em sua teoria da arte. Também, como Platão, Aristóteles identifica a experiência como origem da tékhne. Mas, enquanto Platão opõe ciência [epistéme] e experiência [empería], sobretudo por desacreditá-la como meio de obter conhecimento, Aristóteles situa a experiência como conhecimento individual que precisa da tékhne e da epistéme para torná-la universal28. Nesses trechos da Metafísica, Aristóteles explica como se dá o conhecimento da tékhne a partir da experiência: A experiência parece um pouco semelhante à ciência e à arte. A experiência, como diz Polo, produz a arte, enquanto a inexperiência produz o acaso. A arte se produz quando, de muitas observações da experiência, forma-se um

27

ANGIONI, Lucas. Comentários. In: ARISTÓTELES, Física I –II. Prefácio, tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Ed. Unicamp, 2009, p.363. 28

“Tal como foi definida em Aristóteles (Eth. Nich. VI, 1140a) a tékhne é uma característica (hexis) mais dirigida à produção (poietike) do que à ação (praktike). Emerge da experiência (empeiria) de casos individuais e passa da experiência à tékhne quando as experiências individuais são generalizadas num conhecimento de causas[...]”() (PETERS, F.E., Termos filosóficos gregos- um léxico histórico. Trad. Beatriz Rodriguez Barbosa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1977, p. 225- 226.)

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juízo geral e único passível de ser referido a todos os casos semelhantes. (A 981a) 29

Ou seja, as tékhnai, como explica Aristóteles, estão no campo do saber-fazer técnico, habilidades do fazer, adquiridas através da sensação [aísthesis] e da experiência [empería] 30, podendo ser ensinadas, e possibilitando a produção humana das coisas no mundo através da competência adquirida. Esta é outra distinção fundamental que está presente na base do entendimento dos mecanismos da arte que Pareyson propôs estudar. Ou seja, diferente dos pensadores gregos, para o filósofo italiano, o saber-fazer, e, sobretudo, o artístico, é adquirido num fazer inventivo e simultâneo à produção da obra. Como Pareyson define: A arte é uma atividade na qual a execução e invenção [invenzione] procedem pari passu, inseparáveis, na qual incremento de realidade é constituição de um valor original. Nela concebe-se executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra operando, já que a obra existe só quando é acabada, nem é pensável projetá-la antes de fazê-la e, só escrevendo, ou pintando, ou cantando é que é encontrada e é concebida e é inventada. 31

Esta é uma das especificações fundamentais da fabricação da arte sob a ótica da Teoria da Formatividade, ou seja, a técnica da arte está constantemente em processo de se reinventar. No entanto, apesar de Pareyson indicar no núcleo da Teoria da Formatividade, que, na arte, o saber é adquiro no momento de fazer, não depois, nem mesmo antes: “Ela (arte) é um tal 29

Aristóteles. Metafísica. Tradução e comentários de Giovanni Reali, tradução para o português de Marcelo Perine, São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.3. Καὶ δοκεῖ σχεδὸν ἐπιστήμῃ καὶ τέχνῃ ὅμοιον εἶναι καὶ ἐμπειρία, ἀποβαίνει δ' ἐπιστήμη καὶ τέχνη διὰ τῆς ἐμπειρίας τοῖς ἀνθρώποις· ἡ μὲν γὰρ ἐμπειρία τέχνην ἐποίησεν, ὡς φησὶ Πῶλος, ἡ [5] δ' ἀπειρία τύχην. Γίγνεται δὲ τέχνη ὅταν ἐκ πολλῶν τῆς ἐμπειρίας ἐννοημάτων μία καθόλου γένηται περὶ τῶν ὁμοίων ὑπόληψις. 30

Cf. GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007. p.53 e p.143. 31

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.32. “L'arte è un'attività in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo, simultanee e inscindibili, e in cui l'incremento di realtà è costituzione d'un valore originale: in essa si concepisce eseguendo, si progetta facendo, si trova la regola operando, giacché l'opera esiste solo quancl'è finita, né è pensabile di progettarla prima di farla, e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si concepisce e la s'inventa.” (Idem. Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.232.)

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fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer.”.32 Ele esclarece que esse fazer que inventa o modo de fazer não é um mero acaso, ou seja, a experiência adquirida participa e ajuda a “organizar” o aparente caos do fazer artístico. Nas palavras dele: Tudo isto é contrário à experiência dos artistas, os quais embora arrastados pelo estro de veia fácil e abundante conhecem, todavia o inflexível rigor e a severa legalidade que preside ao êxito das suas obras, e não estão facilmente dispostos a conceder que a sua arte se reduza ao resultado de uma espontaneidade cega e incontrolada. 33

1.4. Tékhne e inspiração Nesse sentido, outro aspecto importante a ser destacado sobre os significados de tékhne, sobretudo em Platão, pode ser visto a partir da leitura atenta de um dos diálogos do discípulo de Sócrates: Íon. Nesse diálogo, Sócrates afirma que o poeta não tem arte [tékhne], transformando a fala do filósofo em algo estranho, para não dizer contraditório aos leitores desavisados de hoje. Ou seja, Sócrates diz que o artista não tem o conhecimento de uma arte [tékhne], faz o que faz por meio de uma força divina [theía dýnamis] 34, e é essa força que lhe dá a habilidade de recitar Homero e encantar o público e não um saber fazer adquirido racionalmente. Segundo este texto 35 , o rapsodo está fora de si no momento da produção [poíesis], ou seja, está possuído pela Musa, daí o caráter irracional da arte que é apontado no diálogo sobre a Ilíada.

32

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p 32. “[...]essa (L'arte) un tal fare che, mentre fa, inventa il da farsi e il modo di fare.” (Idem. Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.232.) 33

Ibidem, op. cit., p.138. “Tutto ciò è contrario all'esperienza degli artisti, i quali, per quanto trascinati dall'estro e di vena facile e abbondante, conoscono tuttavia l'inflessibile rigore e la severa legalità che presiede alla riuscita delle loro opere, e non sono facilmente disposti a concedere che la loro arte si riduca al risultato d'una spontaneità cieca e incontrollata.” (Ibidem, op. cit., p.324) 34 35

Cf. PLATÃO. Íon, 533 d- 534.

Ibidem, 532c: Sóc: Não é difícil imaginar isso, companheiro, mas a todos é evidente, que com técnica e ciência és incapaz de falar sobre Homero. Pois se tu fosses capaz de falar por técnica, serias capaz de falar também de todos os outros poetas, pois que há uma arte poética como um todo, não há?” (Tradução de André Malta. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2007) ΣΩΚΡΑΤΗΣ: Οὐ χαλεπὸν τοῦτό γε εἰκάσαι, ὦ ἑταῖρε, ἀλλὰ παντὶ

24

Outro diálogo que o assunto da inspiração no artista é mencionado é o Fedro36, aqui a ideia de inspiração é examinada sob a ótica da loucura divina, isto é, do delírio [manía]. Portanto, a partir dessas leituras entende-se que a concepção platônica de tékhne pode ser entendida, em alguns momentos, como antagônica à produção artística, tais como a pintura, poesia e música. Essas atividades teriam a inspiração [enthousiasmos] na forma de força divina [theía dýnamis] como propulsoras da produção [poíesis] da obra. Uma inspiração que se configura como uma espécie de loucura, porém de ordem divina, e, portanto benéfica.

δῆλον ὅτι τέχνῃ καὶ ἐπιστήμῃ περὶ Ὁμήρου λέγειν ἀδύνατος εἶ· εἰ γὰρ τέχνῃ οἷός τε ἦσθα, καὶ περὶ τῶν ἄλλων ποιητῶν ἁπάντων λέγειν οἷός τ' ἂν ἦσθα· ποιητικὴ γάρ πού ἐστιν τὸ ὅλον. Ἢ οὔ; Noutro trecho: Íon, 542 a-b: “Sóc. :[...]Assim, se você, não possui arte (aquilo que eu dizia agora pouco), depois de me prometer uma demonstração sobre Homero, fica agora, me enganando, você faz mal; mas se você não possui arte, e por porção divina, estando tomado por Homero e nada sabendo, diz muitas e belas coisas sobre o poeta ( conforme eu disse a seu respeito), você não faz nada de mal. Escolha então como você prefere ser considerado por nós: homem malfeitor ou divino... - Íon: Há muita diferença, Sócrates! Pois é mais belo ser considerado divino!- Sóc.: para nós então algo mais belo lhe pertence, Íon, ser divino e de Homero um louvador sem arte.]” (Tradução: Ibidem) ΣΩΚΡΑΤΗΣ:[...]Εἰ μὲν οὖν τεχνικὸς ὤν, ὅπερ νυνδὴ ἔλεγον, περὶ Ὁμήρου ὑποσχόμενος ἐπιδείξειν ἐξαπατᾷς με, ἄδικος εἶ· εἰ δὲ μὴ τεχνικὸς εἶ, ἀλλὰ θείᾳ μοίρᾳ κατεχόμενος ἐξ Ὁμήρου μηδὲν εἰδὼς πολλὰ καὶ καλὰ λέγεις περὶ τοῦ ποιητοῦ, ὥσπερ ἐγὼ εἶπον περὶ σοῦ, οὐδὲν ἀδικεῖς. Ἑλοῦ οὖν πότερα βούλει νομίζεσθαι ὑπὸ ἡμῶν ἄδικος ἀνὴρ εἶναι ἢ θεῖος. [542b] ΙΩΝ: Πολὺ διαφέρει, ὦ Σώκρατες· πολὺ γὰρ κάλλιον τὸ θεῖον νομίζεσθαι. ΣΩΚΡΑΤΗΣ:Τοῦτο τοίνυν τὸ κάλλιον ὑπάρχει σοι παρ' ἡμῖν, ὦ Ἴων, θεῖον εἶναι καὶ μὴ τεχνικὸν περὶ Ὁμήρου ἐπαινέτην. 36

Idem. Fedro, 244 a: “Sócrates: [...] Isto seria verdade se a loucura fosse apenas um mal; mas, na verdade, porém, obtemos grandes bens de uma loucura inspirada pelos deuses [...]” (Tradução de Jorge Paleikat. Rio de Janeiro/ Porto Alegre: Ed. Globo, s/ data) Σωκράτης [...]Εἰ μὲν γὰρ ἦν ἁπλοῦν τὸ μανίαν κακὸν εἶναι, καλῶς ἂν ἐλέγετο· νῦν δὲ τὰ μέγιστα τῶν ἀγαθῶν ἡμῖν γίγνεται διὰ μανίας, θείᾳ μέντοι δόσει διδομένης. [...] Ainda noutro trecho: Ibidem, 244d – 245a: “Sócrates: [...] Há ainda uma terceira espécie de delírio: é aquele inspirado pelas Musas. Quando ele atinge uma alma virgem e pura, transporta-a para um mundo novo e inspira-lhe odes e outros poemas que celebram as gestas dos antigos e que servem de ensinamentos às novas gerações.” (Tradução: Ibidem.) Σωκράτης:[...] Ἀλλὰ μὴν νόσων γε καὶ πόνων τῶν μεγίστων, ἃ δὴ παλαιῶν ἐκ μηνιμάτων ποθὲν ἔν τισι τῶν γενῶν ἡ μανία ἐγγενομένη καὶ προφητεύσασα, οἷς ἔδει ἀπαλλαγὴν ηὕρετο, καταφυγοῦσα πρὸς θεῶν εὐχάς τε καὶ λατρείας, ὅθεν δὴ καθαρμῶν τε καὶ τελετῶν τυχοῦσα ἐξάντη ἐποίησε τὸν [ἑαυτῆς] ἔχοντα πρός τε τὸν παρόντα καὶ τὸν ἔπειτα χρόνον, λύσιν τῷ ὀρθῶς μανέντι τε καὶ κατασχομένῳ τῶν παρόντων κακῶν εὑρομένη. E mais, no diálogo Fedro, 265: “Sócrates: Em seguida, classificamos o delírio divino em quatro espécies: um era o sopro profético de Apolo; outro, a inspiração mística de Dionísio; o terceiro, o delírio poético inspirado pelas Musas, e finalmente, a quarta espécie de delírio devia-se à influência de Afrodite e de Eros. Afirmamos que o delírio causado pelo amor é o melhor de todos. Não só como, nós que também somos atingidos pelo sopro do deus do amor, afastando e aproximando-nos da verdade ao fazer um discurso ao qual não faltava sentido - pudemos compor um hino mitológico ao amor, o deus dos jovens, o teu, o meu deus.” (Tradução: Ibidem) Σωκράτης: Τῆς δὲ θείας τεττάρων θεῶν τέτταρα μέρη διελόμενοι, μαντικὴν μὲν ἐπίπνοιαν Ἀπόλλωνος θέντες, Διονύσου δὲ τελεστικήν, Μουσῶν δ᾽ αὖ ποιητικήν, τετάρτην δὲ ἀφροδίτης καὶ Ἔρωτος, ἐρωτικὴν μανίαν ἐφήσαμέν τε ἀρίστην εἶναι, καὶ οὐκ οἶδ᾽ ὅπῃ τὸ ἐρωτικὸν πάθος ἀπεικάζοντες, ἴσως μὲν ἀληθοῦς τινος ἐφαπτόμενοι, τάχα δ᾽ ἂν καὶ ἄλλοσε παραφερόμενοι, κεράσαντες οὐ παντάπασιν ἀπίθανον λόγον, μυθικόν τινα ὕμνον προσεπαίσαμεν μετρίως τε καὶ εὐφήμως τὸν ἐμόν τε καὶ σὸν δεσπότην ἔρωτα, ὦ Φαῖδρε, καλῶν παίδων ἔφορον.

25

Isto é, o seu caráter de loucura evidencia o descontrole e a irracionalidade, distanciando ainda mais o saber artístico do científico, que é racional e controlado pelo homem, próprios daqueles que possuem um saber-fazer, uma tékhne. Conclui-se, então, que Platão opõe arte [tékhne] e inspiração. A tékhne sendo própria das ciências, incluindo a sua atividade de filósofo, e a inspiração como própria daquilo que hoje chamamos de arte de maneira geral, incluindo a atividade do pintor. O entendimento do descontrole humano no fazer artístico, que é visto em alguns diálogos platônicos como conflitante e oposto à racionalidade advinda da tékhne, entendida nesse contexto como saber-fazer racional, por vezes, sobrecai no estudo do fazer artístico velando o olhar às zonas intermediárias do fazer da obra de arte. Lugar onde é possível encontrar certa irracionalidade e certa racionalidade concomitantemente. Descortinar as zonas cinzentas da operosidade da obra de arte é fundamental para que se possa entender a Teoria da Formatividade que Pareyson propõe: ele não usa a palavra irracional propriamente dita, nem mesmo inspiração para falar do processo de produção da obra de arte. Mas, tampouco situa o processo artístico como um saber-fazer totalmente controlado e sabido previamente e completamente racional. Sobre os meandros do processo artístico, Pareyson explica: Eis como o processo artístico pode ser ao mesmo tempo criação e descoberta, liberdade e obediência, tentativa e organização, escolha e coadjuvação, construção e desenvolvimento, composição e crescimento, fabricação e maturação. O que caracteriza o processo artístico é precisamente esta misteriosa e complexa co-possibilidade, que, no fundo, consiste numa dialética entre a livre iniciativa do artista e a teleologia interna do êxito, donde se pode dizer que nunca o homem é tão criador como quando dá vida a uma forma tão robusta, vital e independente de impor-se a seu próprio autor, e que o artista é tanto mais livre quanto mais obedece à obra que ele vai fazendo; ante, o máximo de criatividade humana consiste precisamente nesta união de fazer e obedecer, pela qual na livre atividade do artista age a vontade autônoma da forma. 37

37

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 144. “Ecco come il processo artistico può essere al tempo stesso creazione e scoperta, libertà e obbedienza, tentativo e organizzazione, scelta e assecondamento, costruzione e sviluppo, composizione

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Seguindo esse raciocínio, não seria absurdo relacionar esta obediência à obra de arte que Pareyson repetidamente invoca no processo de fabricação artístico a uma força externa à vontade do artista presente no fazer artístico que tantos pensadores, entre eles e pioneiramente Platão, identificam. Nas palavras de Pareyson: “Eis aí o mistério da arte: a obra de arte se faz por si mesma, e, no entanto é o artista que a faz”.38 Portanto, aqui vemos um ponto onde Pareyson traz uma solução entre as duas visões divergentes dos dois filósofos gregos; ele traz a ideia que na arte o saber-fazer é adquirido no momento do fazer, por um inventar que segue a dinâmica da própria obra formante. Isto é, para Pareyson, o processo artístico não é completamente premeditado e controlado, como fruto de uma experiência prévia que foi racionalizada como Aristóteles descreve, tampouco é fruto de uma força divina incontrolada pelo artista como se vê em alguns diálogos de Platão. Em suma, se por um lado, Aristóteles entende as artes como racionais e passíveis de serem aprendidas através da racionalização da experiência, por outro lado, Platão identifica as artes como inspiradas, e, portanto, traz a ideia de que a arte não pode ser aprendida, e, nem sequer ser produzida por meios racionais, pois não haveria esse sentido específico de tékhne presente na atividade do artista. Esse entendimento de Platão ajuda a explicar porque o fundador da Academia não costuma incluir as atividades do poeta, do pintor e de outros artistas como similares às tékhnai em geral, como será mostrado a seguir.

e crescita, fabbricazione e maturazione. Ciò che caratterizza il processo artistico è appunto questa misteriosa e complessa compossibilità, che consiste in fondo in una ‘dialettica fra la libera iniziativa dell'artista e la teleologia interna della riuscita’, per cui si può dire che mai l'uomo è tanto creatore come quando dà vita a una forma così robusta e vitale e indipendente da imporsi al suo stesso autore, e che l'artista è tanto più libero quanto più obbedisce all'opera ch'egli va facendo; anzi, il massimo della crealività umana consiste appunto in questa unione di fare e obbedire, per cui nella libera attività dell'artista agisce la volontà autonoma della forma.” (Idem. Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.329.) 38

Idem. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.78. “Ché questo è il grande misterio dell’arte: l’opera d’arte si fa da sé, eppure la fa l’artista.” (Idem: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960, p.61.)

27

1.5. Tékhne como operosidade humana e arte como parte das tékhnai

Outro ponto de divergência entre Aristóteles e seu predecessor a respeito dos conceitos correlatos a tékhne é, como foi sugerido acima, a relação das artes com outras técnicas humanas, ou melhor, outras atividades tecnológicas humanas. Diferente de Platão, Aristóteles frequentemente inclui as atividades artísticas como uma das tékhnai. 39 Isto é, o estagirita entende a atividade artística paralelamente em conjunto com todas as outras atividades e saberes humanos de forma análoga. O fato de Aristóteles ter escrito a Poética, texto dedicado a discorrer exclusivamente sobre as questões concernentes à “poietiké tékhne” - expressão que neste contexto pode ser definida por “arte poética” mesmo, de poesia no sentido estrito do termo - comprova por si só, que ele incluiu as artes (na acepção que entendemos hoje) no âmbito do conjunto das tékhnai. E não como Platão normalmente indicava, em oposição para com as atividades racionais que são acompanhadas de conhecimentos técnicos, tal como a atividade do médico ou do marceneiro. Ou seja, tal como foi mostrado no item anterior, pode-se supor que Platão costumava isolar as artes tal como as entendemos hoje, i.e., a pintura, escultura, teatro, música, situandoas separadas das atividades racionais e técnicas; atividades estas, que em vários de seus diálogos aparecem circunscritas como atividades guiadas pelas Musas, enfatizando, assim, um caráter divino e irracional. Esse aspecto do conceito das tékhnai em Aristóteles, que inclui as atividades artísticas, tal como as entendemos hoje, no âmbito de todas as outras atividades e saberes humanos, é fundamental para o entendimento do pensamento de Pareyson, que também não separa a atividade do artista das outras atividades humanas. Diz ele que a formatividade não é exclusividade da arte, mas sim, de qualquer atividade produtiva humana: “[...] O aspecto

39

Cf. Verbete In: PELLEGRIN, Pierre. Vocabulário de Aristóteles, Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010, p.11-12.

28

essencial da arte é o produtivo, realizativo, executivo. Mas também aqui é preciso não esquecer que todas as atividades humanas têm um lado executivo e realizativo [...]”. 40 Esse raciocínio sobre a relação entre arte e as outras atividades humanas embasa a Teoria da Formatividade de forma central, como fica explícito nesse trecho do prefácio da edição de 1988 do livro homônimo: O livro estuda a formatividade em todo o âmbito da formatividade humana, indicando em cada operação do homem aquele caráter formativo pelo qual ela é, ao mesmo tempo, produção e invenção no sentido esclarecido. Mas demora-se

mais

a

considerar,

sobretudo

que

características

essa

formatividade assume uma vez que se especifica na arte no sentido propriamente dito. 41

Ainda nas palavras dele, retiradas do livro Os Problemas da Estética: “Mas a especificação da arte não deve isolá-la do resto: ela só tem sentido se considerada sobre o fundo da extensão da arte sobre toda a operosidade humana”. 42 Mais adiante, ele completa: “A arte, verdadeira e propriamente dita, não teria mais lugar se toda a operosidade humana não tivesse já um caráter “artístico”, que ela prolonga, aprimora e exalta”. 43 Nesses trechos acima citados fica evidente que a colocação de Pareyson não é apenas uma questão de equivalência, isto é, pensar as artes no conjunto das outras atividades sem discriminá-las ou isolá-las como dos outros fazeres. Mas é, sobretudo, uma questão de não separação das operosidades humanas como um todo.

40

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.31. “[...] che l'aspetto essenziale dell'arte è quello produttivo, realizzativo, esecutivo. Ma anche qui non bisogna dimenticare che tutte le attività umane hanno un lato esecutivo e realizzativo [...]”(Idem. Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.231.) 41

Idem. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.12-13 (Prefácio do autor da edição de 1988) 42

Idem. Os problemas da estética. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.37. “Ma la specificazione dell'arte non deve isolare l'arte dal resto: essa ha senso solo se accampata sullo sfondo dell'estensione dell'arte all'intera operosità umana”. (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.235.) 43

Ibidem, op. cit., p.38. “ L'arte vera e propria non avrebbe mai luogo se l'intera operosità umana non avesse già un carattere «artistico» ch'essa prolunga, raffina ed esalta.” (Ibidem, op. cit., p.235)

29

Todavia, esse entendimento de conexão indissolúvel entre o saber produtivo da arte e os outros campos dos saberes produtivos humanos não desqualifica ou nivela a arte; que claro, tem muitas especificidades, especificidades estas minuciosamente estudadas pelo professor de Turim. Vale ressaltar que essa relação da atividade artística para com as outras atividades humanas é uma das questões mais complexas para se pensar sobre a arte. Uma compreensão apressada sobre essa relação pode acarretar distorções sobre as reais diferenças e similaridades entre a produção da arte e de qualquer outra atividade, como Pareyson alerta:

Eis o problema das relações da arte com as outras atividades humanas, que é dos mais importantes da estética, e também dos mais complexos, dada a variedade dos liames que, mais ou menos estreita a inextricavelmente, instituem-se entre as atividades do homem.

44

Uma destas distinções, que não se localiza no interior do processo artístico propriamente dito, corresponde à eterna celeuma da relação arte-artesanato. Que, por um lado, pode identificar a atividade artística como um mero fazer “mecânico”, no sentido braçal, reduzindo a arte à mera técnica, sem que se verifique que arte não é e não pode ser reduzida à tecnicidade da produção de uma obra, pois é necessário que se leve em conta todo o processo de elaboração intelectual e imaginativa do artista. No entanto, por outro lado, a desvalorização do aspecto tecnicista e fabril da elaboração de uma obra de arte, pode, ainda, enveredar para uma noção de arte isolada de tudo, 45 localizando-a no âmbito de um fazer inexplicável, e inserida-a numa categoria do irracional, ou até mesmo, no campo do divino, como, por vezes, Platão o fez. 46

44

PAREYSON, L. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.38. “Ecco il problema dei rapporti dell'arte con le altre attività, ch'è uno dei più importanti dell'estetica, e anche dei più complessi, data la varietà dei legami che più o meno strettamente e inestricabilmente s'istituiscono fra le attività dell'uomo.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.236.) 45

Cf. Ibidem, op. cit., p.41-42.

46

Cf. Íon e Fedro de Platão.

30

Ou ainda, e, sobretudo na contemporaneidade, por parte de algumas linhas de raciocínio, há alguns que enveredaram por transformar em artística toda e qualquer atividade, como se tudo fosse embebido de arte, numa tentativa de inserir a arte em tudo e transformando todos em artistas, ignorando, assim, as várias especificidades da atividade artística e seus meandros. Isso até que pode ser benéfico, se for feito consciente das especificidades da operosidade artística e sua relação simbiótica com a operosidade humana. Contudo, essa problemática geralmente, envereda para um esvaziamento da arte em si, e para a perda do entendimento das especificidades que a operosidade artística pode trazer à vida, como se tudo fosse especial o tempo todo, nesse sentido o especial da arte perde sua razão de ser. Sobre esta questão, nas palavras de Pareyson: [...] hoje, não faltam aqueles que, reparando, precisamente, em como há um caráter artístico inerente a toda e qualquer atividade humana, intervindo em qualquer lugar onde se alcance um êxito, seja em que campo for, preocupam-se pouco, depois, com distinguir a arte verdadeira e propriamente dita, desta artisticidade genérica. Disso resulta que não se garante suficientemente a especificidade da arte e que não se lhe oferece um reino próprio, ainda que estreitamente unido com todo o resto. (1989, p.35) 47

47

PAREYSON, Luigi, Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.35. “[...] non mancano oggi coloro che, giustamente rilevando come un carattere artistico inerisce a tutta intera l'attività umana, intervenendo ovunque si raggiunga la riuscita in qualsiasi campo, si preoccupano poco, in seguito, di distinguere da questa generica artisticità l'arte vera e propria, col risultato di non garantire sufficientemente la specificazione del 'arte e di non offrirle un regno proprio, anche se strettamente congiunto con tutto il resto.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.233.)

31

1.6. Tékhne e phýsis48 [natureza - entes naturais] Outro ponto importante que vale ser destacado sobre como Aristóteles define as tékhnai, é a relação simétrica entre estas, como domínio dos conhecimentos e atividades humanos, e o domínio do conhecimento e atividade da phýsis [natureza], que serve como paradigma para a primeira.49 Esta simbiótica relação pode ser verificada na leitura da tão citada frase do filósofo grego: “he tékhné mimeîtai tèn phýsin”, isto é, [arte [tékhne] imita [mimeîtai] a natureza [phýsis]] (Física II, 194a) 50, nesta breve sentença, identifica-se os termos desta relação; ou seja, o entendimento de tékhne, em Aristóteles, está intimamente conectado com o conceito de phýsis51. Relação que define e fundamenta o conceito de tékhne [arte] como imitação, outra definição que é central no pensamento do estagirita. No entanto, a definição de arte como imitação da natureza não pode ser pensada como mera cópia servil, pois a relação entre arte e natureza que se pode fazer a partir da leitura de Aristóteles propõe a ideia da natureza como paradigma da técnica, ou seja, propõe uma correlação e um paralelismo entre tékhne e phýsis, que culmina no entendimento de que as tékhnai, por vezes, completam a natureza, fazendo aquilo que ela (a natureza) não faz. Outro ponto importante que esse binômio tékhnai-phýsis traz é a ideia de e que as coisas fabricadas 48

Phýsis, no contexto da frase, deve ser entendida como natureza como os “entes naturais” e não necessariamente como a natureza no sentido de “mãe natureza”. Como explica Lucas Angioni: “Ao leitor contemporâneo talvez seja estranho o uso que Aristóteles faz do termo "natureza" ("physis"). É preciso delimitar sob qual sentido, precisamente, tal termo designa o objeto de interesse do livro II da Física. Em Metafísica V 4, Aristóteles distingue vários sentidos de "physis": (i) "physis" no sentido de processo, pelo qual algo nasce (1014b 16-8; c f 193b 12-3); (ii) "physis" como princípio "de onde se dá o movimento primeiro em cada ente natural em si mesmo, enquanto ele é ele mesmo" (1014b 18-20; cf 192b 20-3); ( iii) "physis" no sentido de coisa ou substância a que atribuímos propriedades (1015' 11 -3; c f 193" 32-3) e, de modo mais geral, realidade subjacente ao discurso (cf. Metafísica 1003a 27; l053b 13; As partes dos animais 639a 10). É raro, no vocabulário aristotélico, o sentido de "natureza" que, para nós, é o mais corriqueiro: a "mãe-natureza", o conjunto de todos os seres naturais, o ambiente terrestre em seu todo, enquanto conjunto de seres naturais.” (ANGIONI, Lucas. Comentários In: ARISTÓTELES. Física I –II. Prefácio, tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Ed. Unicamp, 2009, p.195) Também cf. Em: PELLEGRIN, Pierre, Vocabulário de Aristóteles, Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 2010, p. 46-47. e PETERS, F.E., Termos filosóficos gregos- um léxico histórico. Trad. Beatriz Rodriguez Barbosa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1977, p. 189-190. 49

Esta passagem, que inicia o Livro II da Física é bastante exclarecedora sobre como Aristóteles entende os entes naturais e a relação da técnica com eles: Cf. BITTAR, Eduardo C.B. Curso de Filosofia Aristotélica – leitura e interpretação do pensamento aristotélico. Barueri: Ed. Manole, 2003, p. 382-385. 50

Em grego transliterado: he tékhné mimeîtai tèn phýsin (ARISTÓTELES, Física II, 2, 194 a) As problemáticas concernentes às definições de mímesis serão abordadas no capítulo III desta dissertação. 51

GORBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007, p.119.

32

pela tékhne têm mecanismos análogos às coisas fabricadas pela natureza52. Nas palavras de Aristóteles: Em geral, a técnica perfaz certas coisas que a natureza é incapaz de elaborar e a imita. Assim, se as coisas que são conforme ‘a técnica’ são em vista de algo, evidentemente também o são as coisas conforme ‘a natureza’, pois os itens posteriores e os itens anteriores comportam-se entre si de maneira semelhante nas coisas que resultam da técnica e nas coisas que resultam da natureza. (Física II, 199a 8- 20) 53

E assim como o estagirita, Pareyson faz uma correlação entre os entes naturais e as obras de arte, esse paralelismo se configura como a base da noção de “forma” como “organismo” que o filósofo de Turim cunha. Nas palavras dele: “Como as coisas da natureza, assim também as obras de arte possuem o traço de serem puras existências, que se dão inteiramente em sua presença física. [...]” 54. Tanto o destaque que Pareyson faz da relação arte-natureza, como as diferenças e similaridades para com a relação que Aristóteles faz entre tékhne e phýsis são aspectos fundamentais para entender o raciocínio sobre a ontologia e da autonomia da obra de arte no pensamento do filósofo italiano, que, por sua vez, é um dos pilares do conceito de arte como “forma”. Essa questão acerca do conceito de “forma” como “organismo”, a partir do estudo da filosofia aristotélica, será amplamente estudada no capítulo II desta dissertação. Pois, embora este também possa ser considerado um ponto de intersecção entre os pensamentos de Aristóteles e Pareyson, a maneira como Pareyson “toma” os conceitos aristotélicos ultrapassa 52

Ver mais nos comentários de Angioni In: ARISTÓTELES. Física I –II. Prefácio, tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Ed. Unicamp, 2009, p. 214-215. 53

ARISTÓTELES. Física I –II. Prefácio, tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Ed. Unicamp, 2009, p.58. Ἕνεκα ἄρα θατέρου θάτερον. Ὅλως δὲ ἡ τέχνη τὰ μὲν ἐπιτελεῖ ἃ ἡ φύσις ἀδυνατεῖ ἀπεργάσασθαι, τὰ δὲ μιμεῖται. Εἰ οὖν τὰ κατὰ τέχνην ἕνεκά του, δῆλον ὅτι καὶ τὰ κατὰ φύσιν · ὁμοίως γὰρ ἔχει πρὸς ἄλληλα ἐν τοῖς κατὰ τέχνην καὶ ἐν τοῖς κατὰ φύσιν τὰ ὕστερα πρὸς τὰ πρότερα. 54

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.117. “Come le cose della natura, così le opere dell'arte hanno il carattere d'esser pure esistenze, che si danno interamente nella loro presenza fisica[...]” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960, p.100.)

33

o sentido de diálogo e de interpretação, se configurando mesmo como uma apropriação que Pareyson fez de certos pontos da filosofia aristotélica, para assim construir uma das chaves fundamentais e centrais da sua Teoria da Formatividade, isto é, o conceito de “forma”. Outro ponto apenas esboçado aqui, ou seja, as problemáticas concernentes em torno das noções Platônica e Aristotélica de mímesis também serão esmiuçadas mais adiante, no capítulo III desta dissertação. Pois, também, embora sejam intersecções entre Platão, Aristóteles e Pareyson, as possibilidades de abordagem deste assunto prescindem ainda das definições de “forma” e “formatividade” pareysonianas, que serão assunto do capítulo II.

1.7. Poíesis como produção

Poíesis é outra palavra que não corresponde nem ao ars latino, muito menos aos muitos significados de arte empregados hoje. Algumas sutis, porém esclarecedoras diferenças valem ser ressaltadas. Tanto em Platão como em Aristóteles, poíesis pode ser entendida como sinônimo de criação; fabricação, confecção, fazer, produção, isto é, a ação de produzir alguma coisa. Contudo, ambos os filósofos também utilizam a palavra poíesis para se referir à poesia no sentido estrito do termo. Essa acepção corresponde a um dos sentidos de poesia que se usa ainda hoje, i.e., poesia como a poesia mesma, e.g., a poesia de Homero, podendo ser escrita, falada, cantada. Já o termo utilizado por eles no sentido lato, difere consideravelmente do entendimento de poesia que muitas vezes se lê em textos atuais, i.e., o sentido de poético como “artístico”, ligado às noções de sensibilidade e de expressividade. Pois, no caso de Platão e até mesmo em Aristóteles, poíesis é mais utilizada no sentido de produzir mesmo, o de produzir qualquer coisa, não necessariamente uma obra artística, ou poética (poesia mesma), e principalmente, sem o caráter de expressividade subjetiva que por vezes o termo carrega atualmente.

34

Todavia, é a ideia de poíesis na acepção lata do termo que os gregos usualmente utilizavam, isto é, o sentido de produção, é essa acepção que interessa aqui no momento, como nessa passagem de Aristóteles: [1140a 6] Dado que a arte de edificar é certa técnica e, precisamente, certa habilitação [hexis] racional para produzir, e dado que não há técnica alguma que não seja habilitação [hexis] racional para produzir, e não há nenhuma habilitação [hexis] desse tipo que não seja técnica, equivalem ao mesma “técnica” e “habilitação [hexis] para produzir por raciocínio verdadeiro”. [1140a10] Toda técnica diz respeito ao vir a ser, isto é, a empreender e examinar como se engendra algo que pode ser e não ser e cujo princípio reside no produtor, não na coisa produzida [...] (Ética a Nicômaco, 1140a 610) 55

Entendam-se aqui as palavras técnica e arte como tradução de tékhne e produzir como tradução de poíesis. Pois, parecer ser, claramente, essa a definição de poíesis, análoga ao sentido de tékhne, que foi retomada por Pareyson na base da Teoria da Formatividade, como fica explícito nesse trecho de seu livro homônimo: “Ocioso seria insistir no evidente aspecto realizativo, executivo e “poiético” da formatividade: formar significa, antes de mais nada, “fazer”, poien em grego”.56

55

Tradução de Lucas Angioni. In: Ética à Nicomaco, livro VI, In: Dissertatio nº34 - Revista de filosofia (Universidade Estadual de Campinas/CNPq), Campinas: 2011. ἐπεὶ δ᾽ ἡ οἰκοδομικὴ τέχνη τίς ἐστι καὶ ὅπερ ἕξις τις μετὰ λόγουποιητική, καὶ οὐδεμία οὔτε τέχνη ἐστὶν ἥτις οὐ μετὰ λόγου ποιητικὴ ἕξις ἐστίν, οὔτετοιαύτη ἣ οὐ τέχνη, ταὐτὸν [10] ἂν εἴη τέχνη καὶ ἕξις μετὰ λόγου ἀληθοῦς ποιητική. ἔστι δὲ τέχνη πᾶσα περὶ γένεσινκαὶ τὸ τεχνάζειν καὶ θεωρεῖν ὅπως ἂν γένηταί τι τῶν ἐνδεχομένων καὶ εἶναι καὶ μὴεἶναι, καὶ ὧν ἡ ἀρχὴ ἐν τῷ ποιοῦντι ἀλλὰ μὴ ἐν τῷ ποιουμένῳ: οὔτε γὰρ τῶν ἐξἀνάγκης ὄντων ἢ γινομένων ἡ. Outra tradução do trecho acima, disponível em português: “Ora, como a arquitetura é uma arte, sendo essencialmente uma capacidade raciocinada de produzir, e nem existe arte alguma que não seja uma capacidade desta espécie, nem capacidade desta espécie que não seja uma arte, segue-se que a arte é idêntica a uma capacidade de produzir que envolve o reto raciocínio.” (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. In: ______. Os Pensadores IV- 1ª. Ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973. p.343.) 56

PAREYSON, L. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.59. “Inutile insistire sull’evidente aspetto realizativo, esecutivo e poético della formatività: formare significa, anziutto, ‘fare’, poiên.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.43.)

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1.8. Tékhne poietikós

Na Metafísica, Aristóteles divide as ciências [epistême]

57

em três grupos: pratike

(práxis), poietike (tékhne poietike) e theoretike (theoria) 58, e o grupo que diz respeito às artes é o das “ciências produtivas” ou “artes poéticas” [tékhnai poietikós]. 59 Pensadas como sinônimos em algumas passagens do filósofo estagirita, e traduzidas como tal por alguns especialistas; a relação entre tékhne e poíesis em Aristóteles é fundamental para a demarcação e entendimento da sutil, porém fundamental, distinção entre a produção de uma obra e o saber que envolve este fazer produtivo e que possibilita a realização da obra em si. A relação do saber-fazer com o fazer produtivo é uma das chaves para entender como Aristóteles pensava a atividade artística, uma atividade que inclui um saber necessário para a possibilidade de um fazer produtivo. Partindo do conceito duplo de tékhne poietikós cunhado por Aristóteles60, Pareyson vai ainda mais longe para explicar a relação intrínseca entre o saber e o produzir da obra de arte; isto é, ele traz à tona que o saber-fazer da arte é adquirido no momento do fazer propriamente 57

“Aristóteles emprega com frequência, como os outros filósofos e cientistas gregos, os termos epistéme e tékhne (“arte”) como sinônimos. Contudo, a ciência não tem como finalidade a produção, exceto as “ciências poéticas”. A ciência também se distingue da percepção e da experiência, na medida em que se move na esfera do universal.” (Verbete: CIÊNCIA - epistéme) (PELLEGRIN, Pierre. Vocabulário de Aristóteles, Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 2010, p.21-23.) 58

“Aristóteles distingue três tipos de ciência (Cf. Metafísica E, 1). As ciências teoréticas – isto é, contemplativas – cujo objeto deve ser necessário e eterno. São elas que satisfazem mais completamente as condições da ciência. Aristóteles distingue três grandes teoréticas, cada uma das quais pode ser subdividida: a matemática, a física, e a teologia. Quanto às ciências práticas, elas tratam do que concerne às ações humanas; são elas a ética, o econômico e a política, que é, na ordem prática a ciência suprema (cf. Cidade). As “ciências poiéticas” são, na verdade, artes” PETERS, F.E. Termos filosóficos gregos- um léxico histórico. Trad. Beatriz Rodriguez Barbosa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1977, p. 78-79. 59

ARISTÓTELES, Metafísica, E, 1, 1025b 20-25: Pois bem, é evidente que a física não é ciência prática nem produtiva: de fato, o princípio das produções está naquele que produz, seja no intelecto, seja na arte ou noutra faculdade; e o princípio das ações práticas está no agente, na volição, enquanto coincidem com o objeto da ação prática e da volição. Portanto, se todo conhecimento racional é ou prático, ou produtivo ou teorético [...]]” (ARISTÓTELES. Metafísica - volume II. Tradução de Giovanni Reali, tradução para o português de Marcelo Perine, São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.270-271. Também ver a explicação sobre trecho em REALI. Comentários, In: Idem. Metafísica - volume III, tradução para o português de Marcelo Perine, São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.305.) περὶ [20] γὰρ τὴν τοιαύτην ἐστὶν οὐσίαν ἐν ᾗ ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως καὶ στάσεως ἐν αὐτῇ) δῆλον ὅτι οὔτε πρακτική ἐστιν οὔτε ποιητική (τῶν μὲν γὰρ ποιητῶν ἐν τῷ ποιοῦντι ἡ ἀρχή, ἢ νοῦς ἢ τέχνη ἢ δύναμίς τις, τῶν δὲ πρακτῶν ἐν τῷ πράττοντι, ἡ προαίρεσις · τὸ αὐτὸ γὰρ τὸ πρακτὸν καὶ προαιρετόν), [25] ὥστε εἰ πᾶσα διάνοια ἢ πρακτικὴ ἢ ποιητικὴ ἢ θεωρητική, ἡ φυσικὴ θεωρητική τις ἂν εἴη [...] 60

Por exemplo, como na passagem op. cit. da Ética à Nicômaco VI, 1140 a.

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dito, daí a diferença entre o saber técnico da arte e o das outras atividades humanas. Entretanto, isto não significa que a arte não prescinda de um conhecimento técnico ou de regras, apenas marca que essas técnicas e regras se configuram conjuntamente com o produzir e não previamente, como fica explicitado nesses dois trechos do livro Os Problemas da Estética: Analisando bem, nada pode fazer-se sem regra, nem mesmo uma obra de arte: o fato é que, enquanto nas outras atividades a regra se inspira em leis de caráter geral, na arte, pelo contrário, não há outra lei senão a regra individual. [...] E o fato de que a regra seja inventada pelo artista no ato de fazer a obra não elimina que a legalidade da arte seja rigorosa e muito severa: a operação artística consiste precisamente no instaurar com livre inventividade uma necessidade férrea e inviolável, uma vez que a obra falha se o artista não faz o que ela própria quer que ele faça. 61

1.9. Poíesis versus práxis E por fim, para Aristóteles, poíesis 62 também ganha uma distinção importante com relação a outro conceito, o de práxis.63 A primeira visando à produção de uma obra - coisa e a segunda caracterizada como a ação propriamente dita sem resultar numa obra em si; i.e., 61

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 130. “A ben vedere, nulla si può fare senza regola, nemmeno un'opera d'arte: il fatto è che, mentre nelle altre attività la regola s'ispira a leggi di carattere generale, invece nell’arte non c'è altra legge che la regola individuale. [...] E il fatto che la regola sia inventata dall’artista nell’atto di fare l’opera non toglie che la legalità dell’arte sia rigorosa e severissima: l’operazione artistica consiste precisamente nell'instaurare con libera inventività una necessità ferrea e inviolabile, giacché l'opera fallisce se l'artista non fa ciò ch'essa stessa vuole ch'egli faccia” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.317-318. ) 62

“Poíesis: Operação, fabricação, em oposição à ação imanente. Aristóteles mostra, alternadamente, a reflexão que preside à prâxis e à poíesis (Et. Nic. VI, I, 4-5), e depois insiste em marcá-las como duas atividades distintas (ibid., VI, IV, 5)” (GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007, p.119.) 63

“Prâxis: Ação oposta à atividade fabricadora (poíesis); é assim que a moral se distingue da arte (tékhne)” GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007, p.12. Embora, como explica Lucas Angioni, deva se tomar cuidado com esta distinção, nas palavras de Angioni: “Em Ética à Nicomaco1140a1-6, Aristóteles introduz uma distinção entre ação – aquilo que nós fazemos racionalmente (sem envolver necessariamente o engendramento de um produto distinto da ação) – e produção – um conjunto de operações racionais que conduzimos para engendrar um produto distinto da ação.Essa distinção deve ser avaliada com ponderação.” (ANGIONI, Lucas. Phronesis e Virtude do Caráter em Aristóteles: Comentários a Ética a Nicômaco VI. Dissertatio nº34. (p.303 – 345) - Revista de filosofia (Universidade Estadual de Campinas/CNPq), p.316. Campinas: 2011.)

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práxis se configura, mormente, como um termo mais usado no sentido moral e ético. Como fica claro nessa passagem da Ética a Nicômaco: Entre as coisas que podem ser de outro modo, há aquilo que se pode produzir e aquilo que podemos fazer. São coisas distintas a produção e a ação (a respeito desse assunto, fiamo-nos também nas obras divulgadas). Consequentemente, também são coisas distintas a habilitação racional para agir e a habilitação racional para produzir. Por isso, essas coisas não estão contidas uma na outra: nem a ação é produção, nem a produção é ação. (1140 a 1-5) 64.

Portanto, a partir dessa breve análise, pode-se concluir que, em Aristóteles, a poética tem o sentido muito claro ligado à produção de uma obra, e não apenas num fazer somente; e, mais ainda, num fazer que produzisse coisas. É a partir desses entendimentos de poíesis, tanto no sentido estrito do termo, como no lato que Aristóteles escreve a Poietiké – Peri Poietikes [Do poético]. A Poética é, sobretudo, o estudo de um saber-fazer da produção poética [tékhne poietikós] que pode ser estudado minuciosamente. O tratado que apenas parcialmente chegou até nós, é uma espécie de texto normativo sobre o fazer artístico de produção de coisas, no caso ali, da obra teatral, a parte que conhecemos enfatiza as questões da Tragédia e da Epopeia, embora discorra sobre várias outras artes, inclusive a pintura. 65

64

Tradução de Lucas Angioni. Ética à Nicomaco, Livro VI. Dissertatio nº34 - Revista de filosofia (Universidade Estadual de Campinas/CNPq), Campinas: 2011. τοῦ δ᾽ ἐνδεχομένου ἄλλως ἔχειν ἔστι τι καὶ ποιητὸν καὶ πρακτόν: ἕτερον δ᾽ ἐστὶποίησις καὶ πρᾶξι(πιστεύομεν δὲ περὶ αὐτῶν καὶ τοῖς ἐξωτερικοῖς λόγοις): ὥστεκαὶ ἡ μετὰ λόγου ἕξις πρακτικὴ ἕτερόν ἐστι τῆς μετὰ λόγου ποιητικῆς ἕξεως. διὸ οὐδὲ περιέχεται ὑπ᾽ ἀλλήλων: οὔτε γὰρ ἡ πρᾶξις ποίησις οὔτε ἡ ποίησιςπρᾶξίς ἐστιν Outra tradução do trecho acima: “Na classe do variável incluem-se tanto coisas produzidas como coisas praticadas. Há uma diferença entre produzir e agir (quanto à natureza de ambos, consideramos como assente o que temos dito mesmo fora de nossa escola); de sorte que a capacidade raciocinada de agir difere da capacidade raciocinada de produzir. Daí, também, o não se incluírem uma na outra, porque nem agir é produzir, nem produzir é agir.” (Ibidem. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. In: ARISTÓTELES, 1ª. Ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973. (Coleção “Os Pensadores” v. IV), p.343.) 65

Cf. CARCHIA, Gianni e D’ANGELO, Paolo (direção). Dicionário de Estética, Tradução Abilio Queirós e José Correia Serra, Lisboa: Edições 70, 1999. p. 283-284..

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Aqui se destaca outro aspecto fundamental sobre o recurso aos conceitos gregos que Pareyson utiliza: a importância da obra de arte como resultado necessário. Ou seja, a arte é um tipo de fazer que visa à produção de uma obra; isto é, sem obra, sem resultado, e mais, sem produto, não há fazer, não há arte. Esse também é um dos pontos essenciais da estética do filósofo de Turim. Esse destaque à importância da obra fabricada, da coisa mesma, como central ao próprio fazer artístico leva a outro conceito de Aristóteles que Pareyson destaca como fundamental aos estudos de arte que são formulados por ele na Teoria da Formatividade: o de “organismo”. Como fica explicitado nesse trecho de Pareyson: Primeiro, a concepção antiga de arte como poieîn, como “fazer”, na qual, todavia, permanecerá à sombra a distinção entre arte no sentido verdadeiro e próprio e a arte mera técnica; e, em segundo lugar, o conceito não menos antigo de organismo, como foi admiravelmente definido e entregue à discussão de toda a história da Filosofia por Platão e, sobretudo, Aristóteles. Mas essa dupla tradição deveria ser considerada nos seus desenvolvimentos modernos.66

1.10. Apontamentos sobre definições de ars Feita a breve revisão dos principais sentidos dos termos gregos, poíesis e tékhne, vale retomar a origem do termo arte em português, que vem, não do grego, mas do ars latino. Em latim, o termo também aparece com definições similares às apontadas para poíesis e tékhne, unindo num só termo as acepções mais recorrentes das duas palavras em grego, como explica Umberto Eco: [...] a opinião dos medievais sobre a ars, de facto, salvo numerosas e típicas flutuações que uma análise minuciosa conseguiria explicar, manteve-se quase unânime e ancorada numa doutrina clássica e intelectualista do fazer humano. [...] As definições citadas implicam dois elementos basilares: um 66

PAREYSON, L. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.10. ( Pressário do autor à edição de 1988)

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cognitivo (ratio, cogitare) e o outro produtivo (faciendi, factibilium) e nesses pressupostos baseiam-se a doutrina da arte. 67

Isto é, dentre os vários significados em que ars aparece em textos latinos, na maioria das vezes, o mais recorrente é o sentido de ofício, de habilidade adquirida pelo estudo, prática. Nas palavras de Eco: “A arte é um conhecimento de regras através do qual podem ser produzidas coisas” 68 E mais adiante ele atenta: “A arte inscreve-se no domínio do fazer, não do agir...” 69, retomando, assim, a distinção entre poieîn (fazer-produzir) e práxis (agir) que Aristóteles estabeleceu.

1.11. Arte como êxito No entanto, um olhar para a etimologia da palavra em latim leva a outro sentido particular e com uma leve diferença entre os significados de tékhne em grego e do ars em latim. Do ponto de vista lexical, ars tem uma ligação com o termo artus [estreito], cujo sentido primitivo é também “bem ajustado”, “bem adaptado”; levando à noção de ajuste, harmonia, destreza, maestria; i.e., acepções que a palavra ars carrega consigo ainda hoje, entre outros significados. 70 Umberto Eco também chama a atenção para esse sentido particular de ars como destreza. Ele cita uma suposta origem etimológica que Cassiodoro e Isidoro de Sevilha atentaram “ars” como tendo vindo do grego aretés (virtude), correlato ao latim virtus [virtude]. 71 Embora alguns dicionários de latim indiquem essa origem etimológica de ars advindo do grego aretés, é provável que ela diga mais respeito ao sentido que o conceito ars 67

ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medieval. Tradução de Antônio Guerreiro, 2ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 2000, p.126. 68

ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medieval. Tradução de Antônio Guerreiro, 2ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 2000, p.126. 69

Ibidem, p.127.

70

Cf. LOMBARDO, Giovanni. A Estética na Antiguidade Clássica, Tradução de Isabel Tereza Santos, Lisboa: Ed. Estampa, 2003 p.33. 71

ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medieval. Tradução de Antônio Guerreiro, 2ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 2000, p.126-127.

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vinha adquirindo no decorrer dos séculos V, VI, VII da nossa era. Isso pode explicar porque, como cita Eco, Cassiodo e Isidoro de Sevilha teriam feito a ligação entre ars e aretés, sem que necessariamente se possa comprovar propriamente essa suposta origem grega que a palavra latina teria. O fato é que isso revela um aspecto importante do sentido que ars foi adquirindo com o tempo, e que é um dos importantes e mais recorrentes significados que a palavra “arte” traz nos dias de hoje, ou seja, o sentido de perfeição, de êxito, de completude. E aqui, perfeição entendida como o resultado de uma destreza da habilidade que resulta em alguma coisa excepcional, acima do padrão do simplesmente bom. Não que tékhne deixe de ter essa noção de bem-sucedido, do bem feito; sem dúvida, a ideia de saber-fazer, de habilidade traz implícita a noção de coisa bem feita. Como é possível verificar nesta passagem da Ética a Nicômaco de Aristóteles (1141 a 9): Nas técnicas, atribuímos sabedoria aos que são mais apurados na competência técnica, por exemplo, dizemos que Fídias é um sábio escultor e que Policleto é um sábio produtor de estátuas. Nesse caso, nada mais queremos dizer senão que a sabedoria é a excelência da técnica. [...] 72

Contudo, a valorização dessa noção ligada à ideia de arte, como um saber-fazer produtor melhor do que um simples fazer parece mesmo ser posterior e nascida no processo de tradução da tékhne grega para o ars latino. Embora não evoque a origem etimológica do termo latino, Pareyson, em várias passagens de seus muitos textos sobre arte, valoriza o aspecto da obra de arte que tem como uma de suas premissas o êxito, e a perfeição em si mesma, perfeição aqui entendida como

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Tradução de Lucas Angioni In: Ética à Nicomaco, Livro VI, In: Dissertatio nº34 - Revista de filosofia (Universidade Estadual de Campinas/CNPq), Campinas: 2011. τὴν δὲ σοφίαν ἔν τε ταῖς τέχναις τοῖς ἀκριβεστάτοις τὰς τέχνας ἀποδίδομεν, οἷον Φειδίαν λιθουργὸν σοφὸν καὶ Πολύκλειτον ἀνδριαντοποιόν, ἐνταῦθα μὲν οὖν οὐθὲν ἄλλο σημαίνοντες τὴν σοφίαν ἢ ὅτι ἀρετὴ τέχνης ἐστίν: εἶναι δέ τινας σοφοὺς οἰόμεθα ὅλως οὐ κατὰ μέρος οὐδ᾽ ἄλλο τι σοφούς, ὥσπερ Ὅμηρός φησιν ἐν τῷ Μαργίτῃ Em outra tradução: “A sabedoria, nas artes, é atribuída aos seus mais perfeitos expoentes, por exemplo, a Fídias como escultor e a Policleto como retratista em pedra; e por sabedoria, aqui, não entendemos outra coisa senão a excelência na arte”. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. 1ª. Ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973, p.345.)

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completude, esse aspecto é um dos pontos centrais da definição de arte que embasa a Teoria da Formatividade. Nas palavras dele: [...] A obra de arte consiste precisamente nisto: no não querer ter outra justificação que a de ser um puro êxito, uma forma que vive de per si, uma inovação radical e um incremento imprevisto de realidade, alguma coisa que primeiro não era e que é única no seu gênero, uma realização primeira e absoluta.73

Nesse sentido, pode-se concluir que a indagação e explicação do que significa uma obra ser bem sucedida; bem como, o entendimento do espectador com relação a esse êxito; e, sobretudo, esse entendimento relacionado ao conhecimento dos meandros do processo da criação de uma obra de arte em si; compõem parte da Teoria da Formatividade, como essa passagem indica: [...] a arte é um facere (fazer) que é perficere (aperfeiçoar), e a obra revela a própria insubstituível perfeição somente a quem souber captá-la no processo que se adequa consigo mesma. Somente então a obra se mostra imodificável no seu caráter de “completude” e fecunda em sua “exemplaridade”, e se vê como é absurdo aprisioná-la em uma pretensa insularidade, esquecendo-se das etapas do processo que ela encerra e ao mesmo tempo inclui, e esquecendo-se daquele tecido que une as diversas obras em continuidade de estilos, de escolas e tradições. E só então se pode verdadeiramente “ler” e “julgar” a obra. Porque, por um lado, ler significa executar, e executar significa dar vida e fazer a obra viver como obra tal qual é com aquilo que ela mesma pretendia ser. E tanto uma coisa como outra só são possíveis quando se compreende a obra como lei para si mesma. 74

73

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 37. “L'opera d'arte consiste precisamente in ciò: nel non voler avere altra giustificazione che d'esser una pura riuscita, una forma che vive di per sé, un'innovazione radicale e un incremento imprevisto della realtà, un qualcosa che prima non c'era e ch'è unico nel suo genere, una realizzazione prima e assoluta”. (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.235. 74

Idem. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993 p.13- 14. (Prefácio do autor para a edição de 1988)

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Em suma, a obra formada deve ser “bem sucedida” para ser considerada arte. E o êxito da obra formada é pressuposto necessário para o entendimento e o estudo do fazer artístico e seus meandros. 1.12. Intersecções entre tékhne, poíesis e ars na Teoria da Formatividade Após sucinta revisão das principais acepções de tékhne, poíesis e ars e as consequentes implicações desses sentidos no pensamento de Pareyson, pode-se resumir da seguinte maneira: Poíesis tem como principal acepção a ação produtiva em si, isto é, pressupõe um fazer que produza alguma coisa. Tékhne, mais comumente, diz respeito ao conhecimento necessário para a realização dessa ação, o saber-fazer para um fazer-produtor. No caso de Platão, tékhne costuma aparecer como o saber-fazer, o conhecimento técnico, habilidade adquiridos por meio da razão. Enquanto que em Aristóteles, o que mais prevalece é a acepção de tékhne como habilidade e conhecimento adquiridos por meio da sensação e da experiência, e sintetizados pela razão, Em Pareyson, o saber-fazer [tékhne] é inventivo e contemporâneo ao próprio ato de produção da obra [poíesis]. Outro aspecto importante que a revisão dos termos em grego suscita, sobretudo em Aristóteles, é a relação simbiótica entre tékhne – phýsis, que transforma o saber-fazer técnico como análogo aos processos da natureza [phýsis], bem como, a relação intrínseca entre o saber-fazer produtivo ligado à atividade artística e sua simetria entre os saberes-fazeres da operosidade humana como um todo; ideias igualmente presentes e importantes no pensamento do autor da Teoria da Formatividade. Enquanto, os sentidos mais recorrentes do ars latino, provavelmente cristalizados no decorrer dos séculos da nossa era, podem ser resumidos, como o saber-fazer produtivo acrescido da ideia da produção com domínio de habilidade de excelência, resultando na obra de arte como puro êxito.

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CAPÍTULO II: Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson

“É certo que na filosofia antiga e medieval falta precisamente uma estética, não tendo ali um nexo que relacione diretamente à poética e a retórica com a metafísica do belo; mas, seria absurdo duvidar da fecundidade que têm alguns conceitos antigos no campo da estética, mesmo que originariamente não referidos à arte, pelo menos segundo entendemos hoje.” Pareyson, 1966 75

2.1. Definições de “forma” na Teoria da Formatividade O capítulo anterior dedicou-se a examinar os diferentes sentidos dos conceitos de tékhne e poíesis. Enquanto, neste capítulo, o primeiro passo será o de esmiuçar as nuances do conceito pareysoniano de “forma”, para, então, investigar as fundamentações do conceito da “formatividade” propriamente dita. Pois, antes de adentrar mais ainda nos meandros da Teoria da Formatividade e estudar como esta teoria localiza o fazer artístico, faz-se necessário discorrer sobre o conceito de “forma” em Pareyson. E assim como arte [tékhne] e poesia [poíesis], “forma”, que costuma ser tradução de eidos, mas que também pode ser tradução de morphé, para citar dois exemplos de traduções possíveis, é outra palavra que acarreta interpretações diversas, já que “forma” é um termo que recepciona variadas significações nos campos da filosofia e dos estudos sobre arte.

75

(Tradução nossa.) “Es muy cierto que en la filosofía antigua y medieval falta precisamente un estética, no habiendo allí un nexo que relacione directamente la poética y la retórica con la metafísica de lo bello; pero sería absurdo olvidar la fecundidad que en el campo de la estética tienen algunos conceptos originariamente no referidos al arte, al menos según lo entendemos hoy.” (PAREYSON, Luigi. Conversaciones de estética. Traducción de Zósimo Gonzáles, Madrid: Visor, 1988, p.85.)

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2.1.1. Polissemias da expressão “forma” Como apontado acima, a primeira demarcação necessária diz repeito a uma possível confusão terminológica consideravelmente capciosa, pois algumas palavras gregas amplamente recorrentes nos textos antigos podem ser traduzidas para o português como “forma”. Como foi dito, certos termos recorrentes e significativos nos campos da filosofia e das teorias da arte tais como eidos76, seu cognato Idéa77 e morphé78, entre outros, podem ser encontrados em diversos textos, tanto antigos como atuais. Também são vistos, por vezes, como sinônimos, outras vezes, trazendo sentidos antagônicos, pois se observa que estas palavras podem aparecer com significados bastante distintos, tanto em textos de um mesmo pensador, como quando, por exemplo, se compara as peculiaridades da filosofia de Platão para com a de Aristóteles; ganhando assim, inúmeras acepções e sentidos. É o caso do termo eidos, por exemplo, que pode ser traduzido por ideia, aparência, espécie, essência e, claro, forma, entre outras palavras; contudo, essas simples traduções para o português, não chegam nem perto de dar conta das nuances e complexidades dos conceitos que esse termo pode carregar, sobretudo, quando se pretende distinguir os diversos usos e concepções dentre Platão e Aristóteles. Como algumas das acepções conceituais destes termos, sobretudo, as advindas do fundador da Academia, mas também outras com origem no pensamento aristotélico povoam 76

O termo “eidos” parace ter sua origem num verbo arcaico: ‘eídomai’, quer dizer apareço, ser visto, de onde deriva um dos sentidos de “eidos” como aprarência e aspecto, mas, com o tempo “eidos” ganhou um sentido de aspecto, espécie, utilizado por Aristóteles, entre outros textos, na Metafísica. No entanto, o sentido do termo varia desde a noção de “essência”, encontrado em laguns texto de Platão, como no Fedro, e como sinônimo de Idéa, ainda, em textos platônicos,como na República, VII. ligado. Aristóteles, em vários textos, como na Metafísica e na Física, também usa a palavra eidos na acepção simples de forma mesmo, como sinônimo de morphé. Entre outros significados em outros autores e em outros textos. Cf. em GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007, sobre eidos - idéa: p. 49, 50, 79; sobre morphé: p.95. 77

“Eídos: aparência, natureza constitutiva, forma, tipo, espécie, ideia”. Cf. verdete “eidos” In: PETERS, F.E. Termos filosóficos gregos- um léxico histórico. Trad. Beatriz Rodriguez Barbosa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1977, p.62 - 67. 78

“Várias palavras empregadas por Aristóteles podem ser traduzidas por forma. O termo mais amplo para designar forma em grego parece ser ‘morphé’. Fundamentalmente, essa palavra designa o aspecto de uma coisa e, mais precisamente, seu aspecto belo, agradável [...] A forma como ‘eidos’ pretende revelar, por trás do que é visível,o que constitui a verdadeira natureza das coisas” (PELLEGRIN, Pierre. Vocabulário de Aristóteles, Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 2010, p.32-33.) Outra palavra de possível tradução como forma é ‘schema’, porém mais específica,e, sobretudo, usada como sinônimo de sinal, como letras e números. Ver em Peters: “Schéma: Aparência, forma - aisthesis, stoicheion” (PETERS, F.E. Termos filosóficos gregosum léxico histórico. Trad. Beatriz Rodriguez Barbosa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1977, p.212.)

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as discussões filosóficas sobre arte ainda hoje, sendo encontradas em inúmeros textos sobre do século XX 79, sendo assim, surge uma possibilidade de se pensar que Pareyson estaria igualmente fazendo uso dessas tradições, o que não é o caso aqui. Todavia, por hora, não parece ser necessário discorrer mais sobre os inúmeros significados e conceitos correlatos às palavras gregas acima citadas, pois o importante é alertar que essas palavras e as suas respectivas e inúmeras acepções correlatas não são a origem do conceito pareysoniano de “forma”. Mas sim, o conceito de “organismo” advindo dos subsídios da leitura de alguns textos da filosofia aristotélica como será mostrado a seguir: Ademais, o conceito de “forma” é central para Pareyson, e só não deu nome à sua teoria exatamente por conta da quantidade de significados distintos que recepciona; o que poderia acarretar interpretações equivocadas sob uma leitura apressada. 80 Além disso, o filósofo italiano usa o termo de modo bem específico, como ele mesmo define no início do seu livro, Estética: Teoria da Formatividade. Segue a síntese da definição do conceito de “forma” cunhado por Pareyson: [...] aqui se compreende a forma como organismo, que goza de vida própria e tem sua própria legalidade intrínseca: totalidade irrepetível na sua singularidade, independente em sua autonomia, exemplar em seu valor, fechada e aberta ao mesmo tempo, finita e ao mesmo tempo encerrando um infinito, perfeita na harmonia e unidade de sua lei de coerência, inteira na adequação recíproca entre as partes e o todo. 81

Portanto, será a partir do entendimento da noção de “organismo”, no específico contexto pareysoniano, que se buscará definir e delinear o conceito de “forma”.

79

Como, por exemplo, nos textos de Erwin Panofsky, e.g., cf. PANOFSKY, Erwin. Idea: A evolução do conceito de belo. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p.23-25. Bem como, e.g, nos textos de Artur Danto, Cf. DANTO, Artur C. A transfiguração do Lugar Comum. Trad. de Vera Pereira. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.p.47. 80

Cf. PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 199, p.9. (Prefácio do autor para a edição de 1988) 81

Ibidem, p.9-10. (Prefácio do autor para a edição de 1988)

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2.1.2. “Forma” como “organismo” a partir de Aristóteles Assim como foi feito um movimento em direção aos pensamentos de Platão e Aristóteles para analisar alguns conceitos basilares do pensamento de Pareyson sobre arte, através da análise das diversas definições de tékhne e poíesis, também agora o caminho continua a seguir no diálogo entre Pareyson e a filosofia antiga. Inicialmente, algumas diferenças precisam ser demarcadas. A primeira distinção é que enquanto, no caso da revisão de definições concernentes à tékhne e poíesis, o percurso se voltou para os diversos significados obtidos das leituras tanto de Aristóteles, como de Platão. No caso que concernem as definições relacionadas à noção pareysoniana de “forma” como “organismo”, a revisão é exclusivamente a partir da leitura de Aristóteles. Pois, como o próprio Pareyson bem localiza, o sentido adotado por ele para definir “forma” advém, principalmente, dos aportes do que ele chama de conceito de “organismo”, encontrado nos textos de Aristóteles, nas palavras de Pareyson: [...] os conceitos de téchne e "organismo", que hoje são decisivos para uma compreensão adequada da arte, e que foi Aristóteles o primeiro a expor. Sem dúvida, a relevância estética desses dois conceitos reside em sua união, embora Aristóteles, não os tenha estudado em função da arte, nem tenha nem previsto nem intuído a sua possível relação; mas, todavia, a análise que ele fez ainda é o ponto de partida necessário para qualquer estudo que possa empreender e é, ao mesmo tempo, fonte de novas e criativas sugestões.

82

Um ponto importante sobre os conceitos advindos das filosofias de Platão e de Aristóteles e destacados por Pareyson, é que, como já foi mostrado a respeito da tékhne, que este não é um conceito exclusivamente relacionado às problemáticas concernentes à arte, tampouco é o conceito de “organismo”. Embora, tékhne ainda seja mais relacionada à arte, tal 82

(Tradução nossa.) “[…] por ejemplo, de los conceptos de téchne y de “organismo”, que hoy son decisivos para una adecuada comprensión del arte, y que fue Aristóteles el primero en exponer. Sin duda, la relevancia estética de estos dos conceptos reside en su unión, aunque Aristóteles, no habiéndolos estudiando en función del arte, ni previó ni intuyó su posible relación; pero el análisis que le hizo es todavía el necesario punto de partida de cualquier estudio que se pueda emprender y es, al mismo tiempo, fuente de sugerencias nuevas y creativas” (PAREYSON, Luigi. Forma, organismo y abstracción (PAREYSON. Conversaciones de estética. Traducción de Zósimo Gonzáles, Madrid: La Bolsa de la Medusa - Visor, 1988, p.85) (Cf. op. cit., p.88-89)

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como é comumente definidas nos das de hoje, e, pode até mesmo ser traduzida enquanto tal. Contudo, como também já foi abordada no capítulo anterior, essa possibilidade de se traduzir tékhne por “arte”, por vezes, pode não ser a melhor opção, sobretudo, pela distância que há nas definições usuais de arte entre o contexto particular da filosofia grega, sobretudo, em Platão e Aristóteles, e o contexto da atualidade. Por conseguinte, no caso da definição de “organismo”, a distância desse conceito com relação às discussões mais aceitas e mais comuns sobre arte é ainda mais acentuada. Até mesmo o próprio termo “organismo” não é exatamente um termo que pode ser facilmente encontrado em Aristóteles, embora o conceito que se relaciona com ele permeie toda a filosofia do estagirita. E assim como no caso de tékhne, outros conceitos correlatos presentes no pensamento de Aristóteles são fundamentais para um entendimento completo do recurso que Pareyson faz desta ideia buscada na filosofia aristotélica. A definição do conceito de cunho aristotélico que Pareyson nomeia como “organismo” pode ser encontrada na passagem abaixo citada da Poética,: [...] Além disto, o belo — ser vivente ou o que quer que se componha de partes — não só deve ter essas partes ordenadas, mas também uma grandeza que não seja qualquer. Porque o belo consiste na grandeza e na ordem, e portanto um organismo vivente, pequeníssimo, não poderia ser belo (pois a visão é confusa quando se olha por tempo quase imperceptível); e também não seria belo, grandíssimo (porque faltaria a visão do conjunto, escapando à vista dos espectadores a unidade e a totalidade; imagine-se, por exemplo, um animal de dez mil estádios.). Pelo que, tal como os corpos e organismos viventes devem possuir uma grandeza, e esta bem perceptível como um todo, assim também os mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória. (VII, 1450b 34 – 1451a 1-6) 83 83

Tradução: ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. In: Aristóteles, 1ª ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973. Ἔτι δ᾽ ἐπεὶ τὸ καλὸν καὶ ζῷον καὶ ἅπαν πρᾶγμα ὃ συνέστηκεν ἐκ τινῶν οὐ μόνον ταῦτα τεταγμένα δεῖ ἔχειν ἀλλὰ καὶ μέγεθος ὑπάρχειν μὴ τὸ τυχόν· τὸ γὰρ καλὸν ἐν μεγέθει καὶ τάξει ἐστίν, διὸ οὔτε πάμμικρον ἄν τι γένοιτο καλὸν ζῷον (συγχεῖται γὰρ ἡ θεωρία ἐγγὺς τοῦ ἀναισθήτου χρόνου γινομένη) οὔτε παμμέγεθες [1451a][1] (οὐ γὰρ ἅμα ἡ θεωρία γίνεται ἀλλ᾽ οἴχεται τοῖς θεωροῦσι τὸ ἓν καὶ τὸ ὅλον ἐκ τῆς θεωρίας) οἷον εἰ μυρίων σταδίων εἴη ζῷον· ὥστε δεῖ καθάπερ ἐπὶ τῶν σωμάτων καὶ ἐπὶ τῶν ζῴων ἔχειν μὲν μέγεθος, τοῦτο δὲ εὐσύνοπτον εἶναι, οὕτω [5] καὶ ἐπὶ τῶν μύθων ἔχειν μὲν μῆκος, τοῦτο δὲ εὐμνημόνευτον εἶναι. Outra tradução: “Além disso, uma coisa bela – seja um animal seja toda uma ação – sendo composta de algumas partes, precisará não somente de as ter ordenadas, mas também de ter uma dimensão que não seja ao

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No entanto, o uso do conceito de “organismo” se encontra, principalmente, nos textos de “Filosofia da Natureza”, sobretudo, no livro intitulado na tradição latina por “De Partibus Animalium” [As partes dos animais], quando Aristóteles tece definições de organismo vivo para tratar, sobretudo, dos estudos dos animais e suas causas, como também tece correlações entre os “entes naturais” e as “coisas fabricadas”, como nesta passagem: E é preciso que também não seja negligenciada a questão de saber se convém se pronunciar tal como os que antes efetuavam a investigação — "de que modo cada ente naturalmente vem a ser", mais do que "de que modo é". Pois a diferença entre isto e aquilo não é pequena. Mas afigura-se que se deve começar a partir deste ponto (tal como inclusive anteriormente dissemos): primeiramente, deve-se recolher aquilo que parece ser o caso a respeito de cada gênero, e em seguida deve-se tentar enunciar as causas disto — e também no que concerne ao vir a ser. Pois também no caso da construção de casa, tais e tais coisas sucedem uma vez que a casa é de tal e tal qualidade, e não é porque vem a ser assim que a casa é de tal e tal qualidade. Pois o vir a ser é em vista da essência, e não é a essência que é em vista do vir a ser. (De Part. An. I, 640 a 1) 84

Gianni Vattimo85 define de maneira precisa e sucinta o conceito de organismo em Aristóteles, aquele usado com paralelismo para a definição de obra de arte em algumas teorias da arte atuais, principalmente, em Pareyson:

acaso: a beleza reside na dimensão e na ordem e, por isso, um animal belo não poderá ser nem demasiado pequeno( pois a visão confunde-se quando dura um espaço imperceptível do tempo), nem demasiado grande (a vista não abrange tudo e, assim, escapa à observação d quem vê a unidade e a totalidade)” (Ibidem. Tradução Ana Maria Valente. 4ª ed. Lisboa: Fundação Galouste Gulbekian, 2011, p.51-51) 84

ARISTÓTELES, As partes dos Animais, Livro I, tradução e comentários de Lucas Angioni, in: Cadernos de História e Filosofia da Ciência, série 3, v.9, n. especial, 1999. Campinas: Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência – Unicamp. Πρὸς δὲ τούτοις, ἐπεὶ πλείους ὁρῶμεν αἰτίας περὶ τὴν γένεσιν τὴν φυσικήν, οἷον τήν τε οὗ ἕνεκα καὶ τὴν ὅθεν ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως, διοριστέον καὶ περὶ τούτων, ποία πρώτη καὶ δευτέρα πέφυκεν. Φαίνεται δὲ πρώτη, ἣν λέγομεν ἕνεκά τινος· λόγος γὰρ οὗτος, ἀρχὴ δ´ ὁ λόγος ὁμοίως ἔν τε τοῖς κατὰ τέχνην καὶ ἐν τοῖς φύσει συνεστηκόσιν. Ἢ γὰρ τῇ διανοίᾳ ἢ τῇ αἰσθήσει ὁρισάμενος ὁ μὲν ἰατρὸς τὴν ὑγίειαν, ὁ δ´ οἰκοδόμος τὴν οἰκίαν, ἀποδιδόασι τοὺς λόγους καὶ τὰς αἰτίας οὗ ποιοῦσιν ἑκάστου, καὶ διότι ποιητέον οὕτως. (Ver também em: ARISTÓTELES, De Part. An.: 640b 29, 641a 5, 645a 30 e 645 b 14. ) 85

Filósofo italiano e professor da Universidade de Turim. Foi aluno e orientando, além de ser discípulo assumido de Pareyson. Escreveu vários textos sobre Aristóteles, um com supervisão direta de Pareyson, que foi seu orientador para a sua tese acadêmica Il Concetto di fare in Aristotele, publicada em livro homônimo em 1961.

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Há um conceito aristotélico que é próprio do mundo natural, e precisamente da natureza vivente, que é o de organismo (conceito que não corresponde a uma única palavra em Aristóteles - organismo a título pleno é animal, mas também uma planta - mas que ainda é bem reconhecível e presente em seu pensamento: chamamos de organismo no sentido próprio de ser vivente organizado). O qual é hoje muito utilizado pelos teóricos da estética a fim definir as obras de arte. 86.

Isto é, entre outras acepções, Pareyson usa a noção de organismo aristotélico no sentido de ser vivo. Portanto, organismo aqui, configura como um conjunto dos órgãos, daí o nome “organismo”, mas não qualquer organismo, o de organismo vivente que carrega consigo tudo aquilo que Aristóteles pensava como ente dotado de vida; isto é, as ideias de geração, crescimento, morte, movimento, finalidade. E em especial para o presente estudo, a ideia de conjunto de partes que constituem um todo, que culminam nas ideias de totalidade e unidade das partes no todo. Por isso, o conceito de “organismo” em Pareyson aparece acrescido da ideia de “totalidade” que gera “unidade”, e, portanto, a acepção metafísica encontrada nos textos de Aristóteles também se faz presente através desses dois termos amplamente usados pelo estagirita. Isto é, o que realmente explica o entendimento aristotélico de “organismo” que Pareyson recorre é a íntima relação deste conceito com certas acepções específicas dos conceitos aristotélicos de “totalidade” [hólon] e “unidade” [hén]. 87 Gobry explica 88 que Aristóteles89 teria quatro sentidos para a palavra hén: “contínuo”, “unidade-forma”, “unidade-

86

(Tradução nossa.) “C’è un concetto aristotelico che è proprio del mondo naturale, e precisamente dellla natura vivente, quello di organismo ( concetto cui non corrisponde una parola unica in Aristotele – organismo a titolo pieno è l’animale, ma anche la pianta à tale – ma che è comunque bem riconoscibile e presente nel sue pensiero: chiamiamo organismo in senso proprio l’essere vivente organizzato). il quale è oggi molto utilizzato dai teorici dell’estetica per caratterizzare l’opere d’arte.” (VATTIMO, Gianni. Il prodoto come organismo, p. 147. In: ______. Opere Complete, Ermeneutica Tomo I, Roma: Ed. Meltemi, 2001, p. 147-174. Para maiores explicações também ver em: Idem. Opera d’arte e organimo in Aristotele. In: ______. Opere Complete IErmeneutica - Tomo 2, Roma: Ed. Meltemi, 2008, p. 223-226.) 87

Cf. verbete: In: PETERS, F.E. Termos filosóficos gregos- um léxico histórico. Trad. Beatriz Rodriguez Barbosa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1977, p.107. 88

Cf. verbete: In: GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007, p.70. 89

Cf. ARISTÓTELES. Metafísica I, 1 In: ______. Metafísica - volumes II. Tradução e comentários de Giovanni Reali, tradução para o português de Marcelo Perine, São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.436-437.

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indivíduo”, “unidade-universalidade”; e o sentido que se relaciona com a acepção de “organismo” para Aristóteles é o de “unidade-forma”. Portanto, neste contexto, sendo “o hólon (aqui entendido como totalidade), isto é, aquilo que constitui a unidade [hén] das coisas.” 90 Pode-se constatar a clara a ligação que Pareyson faz entre a noção de unidade da obra, enquanto “forma”, e unidade de organismo nesta passagem: “[...] é essencial à arte o princípio de unidade da obra, tal qual foi teorizado por Aristóteles.”.91 E o uso do subsídio conceitual aristotélico por Pareyson é ainda mais explícito neste trecho escrito no livro Estética: Teoria da Formatividade: Esse caráter dinâmico da unitotalidade da obra de arte pode explicar as relações nela existentes entre as partes e o “todo”. Na obra de arte as partes mantém um duplo gênero de relações: de cada parte com as outras e de cada uma com o todo. Todas as partes estão ligadas entre si numa indissolúvel unidade, de sorte que cada parte é essencial e indispensável [...] As partes assim ligadas e unidas entre si, constituem e delineiam o todo: a integridade da obra resulta da conexão das partes entre si. 92

Pode-se notar, nas palavras acima citadas, a evidente ligação do significado de “forma” com o significado aristotélico de “totalidade” na “unidade”, ou melhor, usando o termo utilizado por Pareyson: “unitotalidade” [unitotalità]. Por exemplo, outro ponto de diálogo entre Pareyson e Aristóteles se verifica através da análise de uma passagem da Metafísica, onde Aristóteles explica essa especial relação; isto é, 90

Verbete: In: GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007, p.74. 91

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. Trad. de Maria Helena Nery Garcez. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.26. “[...], e cioè essenziale all’arte, è il principio dell’unità dell’opera, qual è teorizzato da Aristotele;[...]” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.227.) 92

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.102. “Questo carattere dinamico dell'unitotalità dell'opera d'arte può spiegare i rapporti che in essa sussistono fra le parti e i l tutto. Nell'opera d'arte le parti intrattengono un doppio genere di rapporti: di ciascuna con le altre e di ciascuna col tutto. Tutte le parti sono connesse fra loro in un'indissolubile unità, si che ciascuna è essenziale e indispensabile [...]Le parti, cosi connesse e congiunte fra loro, costituiscono e delineano il tutto : l'integrità dell'opera risulta dalla connessione delle parti fra loro”(Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.86.)

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de um “todo” que não pode perder as partes, pois deixa de ser a unidade - totalidade que o define, perdendo a sua essência; essa concepção de “organismo-todo” cunhada pelo estagirita parece ser um acesso fundamental para o entendimento da definição de obra de arte que Pareyson trabalha. Segue o trecho da Metafísica de Aristóteles: O que é composto de alguma coisa, de modo que o todo constitua uma unidade, não é semelhante a um amontoado, mas a uma sílaba. E a sílaba não é só as letras das quais é formada, nem BA é idêntico a B e A, nem carne é simplesmente fogo mais terra: de fato, uma vez que os compostos, isto é, carne e sílaba, se tenham dissolvido, não existem mais, enquanto as letras, o fogo e a terra continuam existindo. Portanto, a sílaba é algo irredutível só às letras, ou seja, às vogais e às consoantes, mas é algo diferente delas. (Z, 17, 1041 b, 10-18) 93

Portanto, a ideia de unidade como um todo de partes que constituem uma totalidade em si mesma é uma das definições da “forma” pareysoniana, isso define a ideia de completude da obra de arte como “forma formada” resultando no êxito da “forma acabada” que Pareyson propõe na sua teoria da arte. Como ele explica nestas passagens: Unitotalidade da obra como totalidade do processo de sua formação: Quanto ao segundo problema, se a perfeição da obra de arte é apenas o levar a bom termo a sua formação, o seu duplo caráter, ou seja, por um lado a unidade, a harmonia e a proporção e, por outro, a totalidade, a integridade e a completude, não pode ter outro fundamento senão aquele “todo” em que o processo se “arredonda” quando chega ao termo. 94 “[...] a obra de arte é 93

ARISTÓTELES. Metafísica - volumes II. Tradução e comentários de Giovanni Reali, tradução para o português de Marcelo Perine. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.363. Ἐπεὶ δὲ τὸ ἔκ τινος σύνθετον οὕτως ὥστε ἓν εἶναι τὸ πᾶν, [ἂν] μὴ ὡς σωρὸς ἀλλ' ὡς ἡ συλλαβή - ἡ δὲ συλλαβὴ οὐκ ἔστι τὰ στοιχεῖα, οὐδὲ τῷ ταὐτὸ τὸ καὶ (οὐδ' ἡ σὰρξ πῦρ καὶ γῆ) διαλυθέντων γὰρ τὰ μὲν οὐκέτι ἔστιν, [15] οἷον ἡ σὰρξ καὶ ἡ συλλαβή, τὰ δὲ στοιχεῖα ἔστι, καὶ τὸ πῦρ καὶ ἡ γῆ· ἔστιν ἄρα τι ἡ συλλαβή, οὐ μόνον τὰ στοιχεῖα τὸ φωνῆεν καὶ ἄφωνον ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι, καὶ ἡ σὰρξ οὐ μόνον πῦρ καὶ γῆ ἢ τὸ θερμὸν καὶ ψυχρὸν ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι. 94

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.101. “Unitotalità dell'opera come totalità del processo della sua jormazione. - Quanto al secondo problema, se la perfezione dell'opera d'arte non è altro che i l compimento della sua formazione, il suo duplice carattere, e cioè per un verso l'unità, l'armonia e la proporzione, e per l'altro la totalità, l'integrità e la completezza, non può aver altro fondamento che quel « tuttto » in cui i l processo si « arrotonda » quando giunge ai proprio compimento.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.86-87.)

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expressiva enquanto é forma, isto é, organismo que vive por conta própria e contém tudo que deve conter.”. 95

Ainda neste contexto, entenda-se organismo como biológico e correlacionado às leis da phýsis [natureza]. Portanto, vale recordar que não pode ficar de fora dessa discussão do entendimento do conceito de forma enquanto organismo, a relação já mencionada entre tékhne e phýsis. Pois, quando Pareyson toma “organismo” como paradigma do seu conceito de “forma”, e aqui, justamente, “forma” como princípio da definição de obra de arte. Logo, o filósofo italiano assimila a ideia da obra de arte como “ser vivente”, fazendo com que a obra carregue toda a legalidade de um ente natural. E, desse modo, Pareyson toma a concepção proposta por Aristóteles na Física, que situa a produção das coisas “feitas por técnica” (artificiais) em paralelo às coisas “feitas pela natureza” (entes naturais ou a natureza simplesmente). Todavia, sem que isso tire as especificidades e diferenças dos “entes naturais” e dos “entes artificiais”, essas similaridades e distinções ficam claras nesta passagem da Física II: Entre os entes, uns são por natureza outros são por outras causas; por natureza são os animais e suas partes, bem como as plantas e os corpos simples, isto é, terra, fogo, ar e água (de fato, dizemos que essas e tais coisas são por natureza) e todos eles se manifestam diferentes em comparação com os que não se constituem por natureza, pois cada um deles tem em si mesmo princípio de movimento e repouso – uns, de movimento local, outros, de crescimento e definhamento, outros, de alteração; por outro lado, cama e veste, bem como qualquer outro gênero desse tipo, na medida em que encontram suas respectivas designações, isto é, enquanto lhes suceder ser de pedra, de terra ou misturados, eles o têm, por esses elementos, e nessa exata medida – pois é natureza. (192 b, 8) 96 95

Idem. Os problemas da estética. Trad. de Maria Helena Nery Garcez. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.30. “[...]l'opera d'arte è espressiva in quanto è ‘forma’, cioè: organismo che vive per conto suo e contiene tutto ciò che deve avere[...]” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.230.) 96

ARISTÓTELES. Física I –II. Prefácio, tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Ed. Unicamp, 2009, p.43. (§I) Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι φύσει, τὰ δὲ δι 'ἄλλας αἰτίας. (§2) Φύσει μὲν τά τε ζῷα καὶ τὰ μέρη αὐτῶν καὶ τὰ φυτὰ καὶ τὰ ἁπλᾶ τῶν σωμάτων, οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ἀὴρ καὶ ὕδωρ (ταῦτα γὰρ εἶναι καὶ τὰ τοιαῦτα φύσει φαμέν). (§3) Πάντα δὲ ταῦτα φαίνεται διαφέροντα πρὸς τὰ μὴ φύσει συνεστῶτα.Τούτων μὲν γὰρ ἕκαστον ἐν ἑαυτῷ ἀρχὴν ἔχει κινήσεως καὶ στάσεως, τὰ μὲν κατὰ τόπον, τὰ δὲ κατ 'αὔξησιν καὶ φθίσιν, τὰ δὲ κατ' ἀλλοίωσιν

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Por conseguinte, assim como Aristóteles, Pareyson reivindica a similaridade entre as coisas da natureza e as obras de arte enquanto “formas”, como se constata no texto abaixo: Pode-se, no entanto dizer que tanto as coisas da natureza como as obras artísticas são formas, o que atesta o poder do espírito humano, o qual, capaz de fazer com que haja produtos orgânicos e realidades vivas, pode também estender os confins do reino das formas, acrescentando sem solução de continuidade às formas naturais as inventadas pelo próprio homem. E desta sorte existe entre as coisas da natureza e as obras de arte uma semelhança profunda, e só ela pode explicar os casos em que elas se unem em uma feliz e admirável solidariedade. 97

Portanto, quando se diz do conceito de obra de arte como organismo vivente, se traz implicado todo um aspecto metafísico do conceito de vida aristotélico contido tanto na Física quanto na Metafísica, logo, em Pareyson, a própria obra de arte ganha um status de ser vivo, pois a relação tékhne e phýsis fundamenta essa implicação ao trazer um paralelismo e uma complementaridade entre os seres vivos e as coisas artificiais, incluindo as obras de arte. Como se constatou, a ligação do conceito de forma pareysoniano como organismo, advindo dos aportes teóricos da filosofia aristotélica é assinalada pelo próprio Pareyson. No entanto, a abordagem acima proposta, ligando a definição de organismo aos conceitos correlatos de “totalidade” [hólon] e “unidade” [hén] não é inteiramente explicitada pelo autor, embora seja sugerida em diversas passagens de seu texto, como foi demonstrado nas citações acima. Todavia, a definição de “organismo” como “unitotalidade” é o destaque que aqui se escolheu dar para localizar o conceito de organismo advindo de Aristóteles como aporte para κλίνη δὲ καὶ ἱμάτιον, καὶ εἴ τι τοιοῦτον ἄλλο γένος ἐστίν, ᾗ μὲν τετύχηκε τῆς κατηγορίας ἑκάστης καὶ καθ 'ὅσον ἐστὶν ἀπὸ τέχνης, οὐδεμίαν ὁρμὴν ἔχει μεταβολῆς ἔμφυτον, ᾗ δὲ συμβέβηκεν αὐτοῖς εἶναι λιθίνοις ἢ γηΐνοις ἢ μικτοῖς ἐκ τούτων, ἔχει, καὶ κατὰ τοσοῦτον. 97

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.117. “[...] ma intanto si può dire che sia le cose della natura che le opere dell'arte sono forme, il che attesta la potenza dello spirito umano, il quale, capace di far essere prodotti organici e realtà viventi, è i n grado di estendere i confini del regno delle forme, aggiungendo senza soluzione di continuità alle forme naturali quelle inventate da l u i ; si che v ' è fra le cose della natura e le opere dell'arte una somiglianza profonda, che sola può spiegare i casi i n cui esse si congiungono i n una felice e mirabile solidarietà.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960, p.100.)

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a conceituação de “forma” para a Teoria da Formatividade de Pareyson. Pois, parece que é a partir da definição de “forma” que Pareyson tece que se encontra a principal chave para decifrar como o filósofo italiano entende por conceito de “organismo” em Aristóteles. Sendo assim, a partir dessas nuances trazidas do conceito de “organismo” e seus correlatos cunhados por Aristóteles é que Pareyson constrói a base da Teoria da Formatividade a partir do conceito de “forma” como “organismo vivente”, dotada de uma “totalidade” advinda da sua singular “unidade”, de onde, entende-se que foi gerado o conceito pareysoniano de “unitotalidade” da obra de arte enquanto “forma”. Vattimo também mostra como o conceito de “organismo” permeia toda obra de Aristóteles, bem como, está interligado aos conceitos de phýsis, hólon e tékhne entre outros correlatos.98 Portanto, a análise de Vattimo sobre o conceito de “organismo” em Aristóteles como subsídio para uma definição de obra de arte corrobora com a leitura que propusemos ao estudar como Pareyson utiliza um amplo aporte aristotélico para definir a obra de arte como “forma”. E que a leitura que o professor de Vattimo faz do conceito aristotélico de “organismo” ultrapassa uma análise unilateral do texto da Poética de Aristóteles, e, até mesmo dos tratados de “Ciências da Natureza”; chegando, assim, aos textos que tratam das questões metafísicas, pois, embora a definição de “forma” pareysoniana parta da noção de organismo vivo, não se resume a ela.99 Ademais, Vattimo ainda explica que o conceito de organismo tem dois aspectos fundamentais e inseparáveis: o de totalidade e unidade entre as partes (que ele denomina de “formais”), e o outro, o de ser vivente e dotado de uma alma100, e que a comparação entre obra de arte e organismo deve considerar as duas definições. Como ele explica nesse trecho: 98

VATTIMO, Gianni. Opera d’arte e organismo in Aristotele. In: ______. Opere Complete I- Ermeneutica Tomo 2, Roma: Ed. Meltemi, 2008, p. 218. 99

Ver mais em: Idem. Il concetto di fare in Aristotele. In:______. Opere complete, vol. I, tomo 1. Roma: Ed. Meltemi, 2007, p. 19-180. 100

Segundo Peters, Psykhé (alma, em latim anima), pode ter muitas acepções e bastante complexas e variantes de filósofo para filósofo só no contexto grego. Entretanto, e, sobretudo no âmbito aristotélico de organismo, alma aqui pode ser definida como “respiração de vida” e “princípio vital”. (PETERS, F.E. Termos filosóficos gregos- um léxico histórico. Trad. Beatriz Rodriguez Barbosa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1977, p.14) E, segundo Gobry, Aristóteles adota uma noção de alma, não apenas para os seres humanos, mas para todos os seres. Ver mais no verbete Psykhé: alma. Latim: anima In: GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007. p.123-124.

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Se, como nos parece, esses dois significados estão intimamente relacionados, e, de fato, o primeiro depende do segundo, a aplicação do conceito de organismo à obra de arte não pode ser resolvida simplesmente aplicando-lhe os conceitos formais de unidade, inteireza, perfeição, ordem, etc.; mas é necessário verificar em que sentido a obra pode dizer-se um instrumento de uma alma, ou seja, viva. 101

O argumento de Vattimo traz um aspecto fundamental da filosofia de Aristóteles, que é a relação intrínseca e inseparável entre o “sensível” e o “inteligível”, aspecto que aparece na Teoria da Formatividade, sobretudo, quando a obra de arte é dita como tenho “fisicalidade” e “espiritualidade” inseparáveis (esse ponto será abordado mais adiantes nesse mesmo capítulo).

2.1.3. “Forma” como êxito na Teoria da Formatividade Outro sentido de “forma” que aparece no conceito cunhado por Pareyson é que “forma” é organismo enquanto perfeito em si mesmo e por isso autossuficiente, daí deriva a própria ideia de totalidade da obra como completude em si mesma e de perfeição enquanto “ser” único. Ou seja, “forma” é a obra de arte enquanto finalizada, é o como da Arte, que se mostra e se realiza.

Assim sendo, sem essas prerrogativas, não há arte sob a ótica

pareysoniana. Essa concepção de “arte-forma” fica clara nessa passagem: E aquilo por que a arte se distingue das outras atividades é a elaboração destes conteúdos; não tanto o “quê” mas antes o “como”, isto é, precisamente a forma, como quer que esta seja entendida: o estado final e conclusivo da arte, a elegância da representação ou da expressão, a perfeição da imagem, o êxito do processo artístico, a autossuficiência da obra.102 101

(Tradução nossa.) “Se, como a noi pare, questi due significati sono strettamente legati e anzi il primo dipende dal secondo, l’applicazione del concetto di organismo all’opera d’arte non si potrà risolvere semplicemente applicando a essa il concetti formali di unità, interezza, perfezione, ordine, ecc.; mas bisognerà vedere in che senso l'opera possa dirsi strumento di un’anima, cioè vivente.” (VATTIMO, Gianne, Opera d’arte e organismo in Aristotele In: ______, Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2, Roma: Ed.Meltemi, 2008, p. 211-212.) 102

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.53. “E ciò per cui l'arte si distingue dalle altre attività è l'elaborazione di questi contenuti: non tanto il «che cosa» quanto piuttosto i l «come», cioè, appunto, la forma, comunque questa s'intenda: lo stato finale e conclusivo dell'arte, la compiutezza della rappresentazione o dell'espressione, la

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Logo, a noção de “forma” ligada à ideia do êxito artístico se aplica a um dos sentidos de Arte discutidos no capítulo anterior. Isto é, a definição do termo ars latino trazendo a ideia de obra bem sucedida que exprime uma espécie de perfeição em si mesma que a “forma” acabada demanda. A ideia aqui é de completude, mas, não só da “forma-formada”, e sim no todo do processo de “formatividade” da “forma”. E completude que se explica no sentido da relação totalidade-unidade advinda dos aportes do pensamento aristotélico. Como fica evidente nesta passagem: “A perfeição da obra de arte consiste, portanto, na totalidade do processo que a formou, no sentido de sua unidade e sua totalidade dependerem respectivamente da univocidade e da improsseguibilidade do processo de sua formação” 103 Portanto, a perfeição da obra acabada tem uma relação embrionária e intrínseca com o fazer artístico; que neste sentido, se configura paralelamente a um processo orgânico próprio do ser vivo. Aqui, novamente retoma-se a definição aristotélica de organismo, no sentido de vida, que carrega implicitamente as noções de geração e finalidade. Desse modo o entendimento desta relação não só é fundamental para a própria compreensão do processo formativo da obra em si, ou seja, no âmbito do estudo do fazer artístico propriamente dito, mas é igualmente precioso e necessário para a leitura da obra de arte pelo espectador. Sobre a importância do estudo do processo artístico para acessar a obra acabada, Pareyson discorre: Há quem considere inessencial o processo artístico, no sentido que ele não interessa em nada o expectador da obra de arte, o qual deve fixar o olhar sobre aquela perfeição doravante imóvel e definitiva [...] A primeira concepção [acima descrita] é justa quando afirma que o processo artístico não interessa de per si, porque o que interessa é a obra na sua perfeição; mas arrisca não entender a própria perfeição da obra quando a vê na sua inerte e

perfezione ell'immagine, la riuscita del processo artistico, la sufficienza dell'opera in se stessa.”(Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.249.) 103

Idem. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.101. “La perfezione dell'opera d'arte consiste dunque nella totalità del processo che l’ha formata, nel senso che la sua unità e la sua totalità dipendono rispettivamente dall' univocità e dall' improseguibilità del processo della sua formazione.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.85.)

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imóvel estaticidade, e não como conclusão de um movimento que chegou ao seu acabamento natural e ao ponto preciso de sua maturação.104

E mais adiante ele completa: [...] A obra no seu acabamento [compiutezza]

105

não é,

portanto, separável do processo da sua formação, porque é, antes, este mesmo processo visto no seu acabamento. 106 Pois, nesse ponto parece residir uma das originalidades da Teoria da Formatividade para com as outras teorias que igualmente evocam a importância do estudo do processo artístico. Isto é, uma coisa é estudar a formação da arte enquanto parte do oficio do artista, para entender o processo criativo. Outra coisa, bem diferente, é estudar o processo de produção da obra de arte para entender a obra em si, suas especificidades, e, acima de tudo, para reconhecer suas qualidades intrínsecas e os limites da sua perfeição enquanto “arteforma” bem sucedida e completa em si mesma, ou seja, como “obra-de-arte- forma” acabada conforme seus próprios critérios internos. Daí sai o outro ponto fundamental que está no centro da ideia pareysoniana de arte como êxito, que é a ideia de legalidade interna da obra. Pois o êxito a ser perseguido é a própria “forma” acabada que conduz a “formatividade” em si, isto é, o núcleo do processo criativo, nas palavras de Pareyson:

104

PAREYSON, L. Os problemas da estética. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.146.“C'è chi considera inessenziale il processo artistico, nel senso ch'esso non interessa per nulla lo spettatore dell'opera d'arte, il quale deve fissare lo sguardo su quella perfezione ormai immobile e definitiva[...] La prima concezione è nel giusto quando afferma che il processo artistico non interessa di per sé, perché ciò che interessa è l'opera nella sua perfezione; ma rischia di non intendere la stessa perfezione dell'opera quando la vede nella sua inerte e immobile staticità, e non come conclusione d'un movimento giunto al suo naturale compimento e al preciso punto della sua maturazione.”(Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.331-332.) 105

Compiutezza, embora na tradução de Maria Helena Nery Garcez esteja traduzida como “acabamento”, “compiutezza” também poderia ser traduzida por “completude” ou até mesmo por “término”, no sentido de algo que está terminado, completo, e não por “acabamento”, pois acabamento pode dar um sentido equivocado de perfeição meramente formal, o que reduziria a complexidade própria definição de forma pareysoniana, que é muito mais dinâmica e metafísica do que a ideia de forma no sentido usual de configuração. 106

PAREYSON, L. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.147. Ver também em Ibidem, p.32 -33. “L'opera nella sua compiutezza non è dunque separabile dal processo della sua formazione, perché anzi è questo stesso processo visto nel suo compimento.”(Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.332.)

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[...] a arte propriamente dita é a especificação da formatividade, exercitada, não mais tendo em vista outros fins, mas por si mesma. O artista não tem em mira, uma obra que, para ser obra, deva ser também forma (isto é, um êxito especulativo, moral, técnico), mas uma obra que presume e aceita valer só como forma. (isto é, como mero êxito) A obra de arte consiste precisamente nisto: no não querer ter outra justificação que a de ser um puro êxito, uma forma que vive de per si, uma inovação radical e um incremento imprevisto de realidade, alguma coisa que primeiro não era e que é única no seu gênero, uma realização primeira e absoluta.107

Assim sendo, a Teoria da formatividade traz consigo a noção de inseparabilidade e simultaneidade dos “momentos” da forma–obra, isto é, todos os “tempos” da obra participam da obra acabada e existem por e para ela. Neste sentido, projetar, produzir, executar, contemplar a “forma”, ou seja, o processo de produção como um todo é uma coisa só. E tudo isso define e se define pela completude da forma - obra acabada como êxito em si mesma. Aqui parece possível entender que a “forma” é a própria “finalidade” da obra, e, portanto a formatividade se configura, enquanto processo artístico, como um movimento teleológico da obra de arte.

Nota-se que novamente, a “formatividade” pareysoniana

encontra-se em paralelismo ao processo orgânico.108

2.1.4. Autonomia da “forma”: o estatuto ontológico da obra de arte Nesse sentido, a produção a “forma-obra” é a produção de uma coisa que está entre coisas, que tem vida própria e que constitui o conjunto da realidade das coisas. Esse raciocínio leva a outra importante indagação diante da “forma-obra-de-arte”. Assim sendo, antes de se 107

PAREYSON, L. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.37. “L'artista non ha di mira un'opera che per esser opera dev'essere anche forma (cioè una riuscita speculativa, morale, tecnica), ma un'opera che presume e accetta di valere solo come forma (cioè come mera riuscita). L'opera d'arte consiste precisamente in ciò: nel non voler avere altra giustificazione che d'esser una pura riuscita, una forma che vive di per sé, un'innovazione radicale e un incremento imprevisto della realtà, un qualcosa che prima non c'era e ch'è unico nel suo genere, una realizzazione prima e assoluta.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.235.) 108

Em especial aquele que se mistura ao conceito de organismo aristotélico, visto que nos textos do estagirita um dos pilares para a definição de ser vivo (organismo) é a ideia e finalidade própria, pois é a finalidade de cada ser que determina a organização das partes que constituem a totalidade na unidade.

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perguntar o e ela quer dizer, vale perguntar o que ela é. Essa indagação possibilita a reivindicação do estatuto ontológico da arte, que é possível, justamente, a partir da definição de arte como “forma”, e, desse modo se configura como organismo autônomo dotado de existência própria. Pareyson diz: Mas a arte é produção e realização em sentido intensivo, eminente, absoluto, a tal ponto que, com frequência, foi, na verdade, chamada criação, enquanto é não só produção de organismos que, como os da natureza, são autônomos, independentes e vivem por conta própria, mas também alcança ser produção de objetos radicalmente novos, verdadeiro e próprio incremento da realidade, inovação ontológica. 109

Como descrito no texto acima, a partir da noção de “forma” com organismo, a obra de arte é realidade em si mesma. Isso traz à tona a noção de fisicalidade, de arte como “objeto” sensível. Portanto a própria fisicalidade da obra de arte, a relação “forma – matéria” toma um lugar importante e a define como coisa entre coisas no mundo. Como Pareyson completa:

Isto significa recordar que a obra de arte é antes de tudo um objeto sensível, físico e material, e que fazer arte quer dizer, antes de qualquer outra coisa, produzir um objeto que exista como coisa entre coisas, exteriorizado numa realidade sonora e visiva. 110

A implicação desse entendimento de obra de arte como “forma-obra”, traz, por sua vez, a ideia de organismo vivo, acarretando a emancipação ontológica da obra de arte, deixando de ser vista apenas como significado numa “forma” “vazia” que é “preenchida” por um “conteúdo” alheio e externo a sua existência física. Logo, questiona- se a própria noção de que a obra de arte é sempre referente e subordinada a um suposto “ente” externo, seja ele um 109

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.32. “Ma l'arte è produzione e realizzazione in senso intensivo, eminente, assoluto, al punto che spesso è stata chiamata addirittura creazione, in quanto non solo è produzione di organismi che, come quelli della natura, sono autonomi e indipendenti e vivono per conto proprio, ma giunge ad esser produzione di oggetti radicalmente nuovi, vero e proprio incremento della realtà, innovazione ontologica.” (Idem, I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.231.) 110

Ibidem, op. cit., p.55. “Ciò significa ricordale elle l'opera d'arte è anzitutto un oggetto sensibile, fisico e materiale, e che far arte vuol dire prima d'ogni altra cosa produrre un oggetto che esista come cosa fra cose, estrinsecato in una realtà sonora e visiva.” (Ibidem, op. cit., p.251.)

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modelo representado, ou o artista, ou um espectador, e que, estes sim, seriam dotados de estatuto ontológico, prenhes de significado em si mesmos, dotados de existência, e independentes de um referente e/ou modelo. Dito isto, se pode afirmar que “A forma, portanto, é antes de mais nada, expressão de si mesma, porque contém tudo aquilo que declara, e declara tudo aquilo que é” 111 Por isso, vale retomar a relação simbiótica que Pareyson reivindica entre arte-forma e as coisas da natureza, pois essa premissa cela o estatuto ontológico da arte e o seu status de coisa entre coisas.

Sendo assim, esse pressuposto leva a outra discussão, que está no

núcleo da história do pensamento sobre arte, a do entendimento da representação como sendo mecanismo inerente e necessário à arte. Isto é, o estatuto ontológico da arte culmina na conclusão de que a obra de arte é, sobretudo, presença em si mesma. Como sintetiza Pareyson: “[...] o corpo da obra de arte é toda a realidade dela. A pintura não é nada diverso de uma superfície colorida, a estátua nada diversa de bronze fundido, a poesia nada diversa de uma série de palavras [...]” 112 Outra passagem do texto de Pareyson completa esse raciocínio e esclarece como a ontologização da arte no interior da Teoria da Formatividade conduz e direciona a discussão sobre a relação entre obra de arte e a realidade no que diz repeito à implicação da arte como imitação: A arte é imitação da natureza não enquanto representa a realidade, mas enquanto a inova, isto é, enquanto incrementa o real, seja porque acrescenta ao mundo natural um mundo imaginário ou hetero-cósmico, seja porque no

111

Idem. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.272. “La forma, dunque, è anzitutto espressiva di sé stessa, perché contiene tutto ciò ch'essa dichiara e dichiara tutto ciò ch'essa è.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.247.) 112

Idem. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.119. “[...] il corpo dell'opera d'arte è tutta la realtà di essa. Il dipinto non è nient'altro che una superficie colorata, e la statua nient'altro che bronzo fuso, e la poesia nient'altro che una serie di parole[...]”(Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.307.)

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mundo natural acrescenta, às formas que já existem, formas novas que, propriamente, constituem um verdadeiro aumento da realidade. 113

Em suma, muito se fala da arte como representação, no entanto, não podemos deixar de lembrar que antes de ser representação, ela é apresentação de si mesma, ela é coisa entre coisas, e esse entendimento é também fundamental para entender a arte enquanto tékhne e poíesis, quando entendidas nas acepções aristotélicas anteriormente discutidas.

Por

conseguinte, esse é o assunto central do próximo capítulo, pois ainda há mais a se dizer a repeito desse ponto esboçado aqui, isto é, a intrincada questão da arte como imitação e/ou como representação, que leva à outra questão que é o delicado equilíbrio da simultaneidade na arte enquanto representação de outro e apresentação de si mesma.

2.1.5. Obra de arte como “forma” e “mundo” Embora a Teoria da Formatividade dê ênfase à definição de arte como “forma”, tékhne e poíesis; a estética pareysoniana não perde de vista a noção de “espiritualidade”, ou “expressão” que estão contidas na obra de arte. E, portanto, chama à atenção outro fundamental equilíbrio de simultaneidade na obra de arte, isto é, a relação entre “forma” e “mundo”, que também poderia se configurar, por exemplo, numa possível relação entre “interno” e “externo”. Como se constata nessa passagem do livro Estética – Teoria da Formatividade: [...] o espírito da obra não é algo diferente do seu corpo, como se na obra fosse possível distinguir interno e externo, vida imanente e manifestação visível, alma interior e invólucro exterior, pura espiritualidade e intermediário físico.114

113

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 70. “L'arte è imitazione della natura non in quanto rappresenti la realtà, ma in quanto la innova, cioè in quanto incrementa il reale, sia che aggiunga al mondo naturale un mondo immaginario o eterocosmico, sia che nel mondo naturale aggiunga alle forme che già ci sono delle forme nuove, che sono un vero e proprio aumento della realtà.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.264-265.) 114

Idem. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.113-114. “[...] lo spirito dell'opera non è qualcosa di diverso dal suo corpo, come se nell'opera si potesse distinguere interno ed esterno, vita immanente e manifestazione visibile, anima interiore e involucro esteriore, pura spiritualità e intermediario fisico.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.97.)

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Ou seja, ainda que para Pareyson “forma” seja coisa concreta no mundo, e, portanto, tenha fisicalidade e materialidade, sendo assim objeto sensível, isso não torna a sua teoria num mero “formalismo” versus “conteudismo”. Pois ele não exclui da noção de “forma” outros aspectos implícitos da Arte, como a ideia de espiritualidade. Por isso, não reduz o problema da obra de arte num simples jogo entre forma versus conteúdo, que, por sua vez, segundo Pareyson, não são separáveis, ou seja: conteúdo e forma são intrínsecos, e um é necessário para que o outro exista. Portanto, antes de qualquer coisa, é imprescindível demarcar o que Pareyson entende por “conteúdo” da obra de arte, que para o filósofo italiano se aproxima mais de uma noção de “estilo” do que propriamente como sinônimo de “tema”. Abaixo seguem dois trechos que esclarecem bem esse peculiar entendimento pareysoniano de “conteúdo”: Dizer conteúdo de uma obra de arte, portanto, significa dizer caráter pessoal e espiritual do estilo, considerado como espiritualidade que se tornou totalmente modo de formar. O conteúdo, então, é algo diferente daquilo que se costuma denominar tema, argumento ou assunto, pois a obra não precisa, a rigor, procurar o próprio conteúdo em um argumento ou tema, quando o estilo é já espiritualidade concreta que se tornou energia formante. 115

E mais adiante, noutro trecho, Pareyson acrescenta: “[...] estilo é próprio conteúdo, isto é, a espiritualidade que aí se faz modo de formar.” 116 Ou seja, para explicar essa simultaneidade e inseparabilidade entre “forma” e conteúdo na arte, Pareyson traz a ideia de “estilo” que é, sobretudo, definido como a “espiritualidade” do artista contida na obra.

115

PAREYSON, L. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p. 38. “Dire contenuto dell' opera d' arte, dunque, non significa altro che dire carattere personale e spirituale dello stile, considerato come spiritualità che si è fatta tutta modo di formare. Il contenuto, allora, è qualcosa di diverso da ciò che si suol chiamare tema, argomento o « soggetto », poiché l'opera non ha bisogno, a rigore, di cercare il proprio contenuto in un argomento o in un tema, quando lo stile è già spiritualità concreta diventata energia formante.” (Idem, Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.22-23.) 116

Ibidem, op. cit. 1993, p. 39. “[...]lo stile è la stessa spiritualità dell'artista fattasi modo di formare.” (Idem, op.cit. 1960. p.24.)

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Mas, antes ainda, diante desta relação, seria oportuno definir melhor o que significa, para Pareyson, “espírito” [spirito] 117 da obra de arte, bem como “espiritualidade da obra de arte”, eis aqui algumas delimitações importantes a respeito dessa consideração, nas palavras de Pareyson: “O espírito da obra é a organização unitária de seu corpo, a totalidade indivisível de suas partes sensíveis, a coerência indissolúvel de sua realidade física.” 118 Logo, vale ressaltar que neste contexto do pensamento pareysoniano, “espírito” e “forma” coincidem, e para entender melhor como se dá essa coincidência é necessário discorrer sobre a noção de “espiritualidade” em Pareyson, e, sobretudo, mais especificamente, “espiritualidade do artista”. Ou seja, neste contexto do texto pareysoniano sobre Arte, as acepções de “espiritualidade”, coincidem, na maioria das vezes, com o que o autor chama de “mundo do artista” contido na obra. Que, todavia, não se confunde com o que seria o tema da obra, mas sim, se encontra com a ideia pareysoniana de conteúdo, delimitado nas acepções análogas às noções de “espiritualidade” e “estilo”, bem como de “significado humano”. Nas palavras de Pareyson: Quando se conseguiu iluminar o substrato material e o aspecto sensível da obra de arte, a forma foi entendida como o resultado da formação de uma matéria, da produção de um objeto físico, como matéria formada, isto é, como uma configuração conseguida de palavras, sons, cores, pedras ou qualquer outra coisa. E, paralelamente, reparando no fato de que nem sempre as obras de arte representam objetos ou exprimem sentimentos, porque nenhum objeto real ou possível e nenhum sentimento determinado estão contidos num arabesco, numa música abstrata, numa obra arquitetônica que, 117

Importante ressaltar que “espírito” aqui, não corresponde à ideia de “espírito absoluto” que se encontra, por exemplo, sobretudo, em alguns textos sob a influência da filosofia hegeliana. Pois, em Pareyson, a noção de espírito está ligada à noção de pessoa, outro conceito fundamental na filosofia do professor de Turim. Nesse trecho Pareyson faz menção à distinção das acepções de “espírito”: “Só uma filosofia da pessoa tem condições para resolver o problema da unidade e distinção das atividades, por explicar, com base na indivisibilidade e na iniciativa da pessoa, como é que toda operação exige sempre simultaneamente a especificação de uma atividade e a concentração de todas as outras. Se o operar fosse do espírito absoluto, não haveria motivo para distinção entre as atividades, e todas se reduziriam a uma.” (PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.25). “Solo una filosofia della persona è in grado di risolvere il problema dell'unità e distinzione delle attività, poiché spiega, in base all'indivisibilità e all'iniziativa della persona, come ogni operazione richieda sempre insieme la specificazione d'un'attività e la concentrazione di tutte le altre: se l'operare fosse dello spirito assoluto, non vi sarebbe ragione di distinzione fra le attività e tutte si ridurrebbero a una.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.10.) 118

Ibidem. Op. cit., p.114. “Lo spirito dell'opera è l'organizzazione unitaria del suo corpo, la totalità indivisibile delle sue parti sensibili, la coerenza indissolubile della sua realtà fisica; [...]” (Idem. Op. cit., p.97.)

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não obstante, têm um significado humano e uma ressonância espiritual, procurou-se o conteúdo em um nível mais profundo e num campo mais vasto encontrou-se o “mundo” do artista: o seu modo de pensar, viver, sentir, a sua concepção do mundo e seu posicionamento frente à vida, a sua Weltanschauung e o seu ethos, as ideias, os pensamentos, os juízos que formulam na sua mente, os sentimentos, os ideais, as aspirações que nutrem no seu coração, as experiências, as escolhas, as crenças de que informa a sua vida, em suma, a sua personalidade concreta, toda a sua espiritualidade.119

Isto é, a noção de “mundo” utilizada aqui por Pareyson segue o conceito de Weltanschauung120, logo, advindo do contexto dos estudos de filosofia alemã, que para os aportes utilizados no texto sobre arte de Pareyson, pode ser resumido como “intuição do mundo”, “visão de mundo” ou “cosmovisão”, contudo, acrescido do conceito de “pessoa” pareysoniano, isto é, para Pareyson, Weltanschauung é uma “visão de mundo pessoal” que está diretamente ligada ao conteúdo da “forma” enquanto obra de arte, como ele mesmo explica: Um mundo é a realidade universal tal qual vista por uma pessoa: é um sentido pessoal do universo, uma visão pessoal da realidade, uma concepção

119

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.54-55. “Quando si giunse a mettere in luce il sostrato materiale e l'aspetto sensibile dell'opera d'arte, la forma fu intesa come il risultato della formazione d'una materia, della produzione d'un oggetto fisico, come materia formata, cioè come una configurazione riuscita di parole, suoni, colori, pietre, o altro che sia. E parallelamente, badando al fatto che non sempre le opere d'arte rappresentano oggetti o esprimono sentimenti, perché nessun oggetto reale o possibile e nessun sentimento determinato è contenuto in un arabesco, in una musica astratta, in un'opera architettonica, che pure hanno un significato umano e una risonanza spirituale, si cercò il contenuto a un livello più profondo e su un campo più vasto, e si trovò il «mondo» dell'artista: il suo modo di pensare vivere e sentire, la sua concezione del mondo e il suo atteggiamento di fronte alla vita, la sua Weltanschauung e il suo ethos, le idee i pensieri i giudizi che formula nella sua mente, i sentimenti gl'ideali le aspirazioni che nutre nel suo cuore, le esperienze le scelte le credenze di cui informa la sua vita: insomma, la sua personalità concreta, l'intera sua spiritualità.” (Idem, I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.250.) 120

Não há exatamente um consenso sobre a origem de “Weltanschauung” como conceito em textos filosóficos. Termo que também pode ter várias acepções, dependendo do aporte e do contexto em que está empregado. No entanto, uma referência segura é que é uma expressão que faz parte do contexto dos estudos filosóficos e artísticos alemães, abrangendo autores desde Kant a Goethe. É provável, que no caso de Pareyson, que a acepção seja advinda da filosofia de Karl Jaspers, já que ele dedicou uma parte importante de seus estudos sobre este autor. E que tenha uma acepção advinda de aportes da filosofia com veia existencialista, por isso, parece que em Pareyson, é possível vincular o conceito de Weltanschauung ao um conceito simples de espiritualidade singular, seja pessoal ou de um grupo de pessoas. Ver também verbete: In: ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de Filosofia. 6ª ed. Revisão e tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2012. p. 672.

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pessoal da vida, [...] uma Weltanschauung e um ethos: é um modo tipicamente pessoal de interpretar o mundo. [...] Um mundo é, isto sim, uma visão do universo que se torne carne e sangue de uma pessoa, que seja a própria pessoa em sua realidade viva; [...] 121

E, portanto, “espiritualidade do artista”, neste contexto coincide com a ideia de intuição pessoal e de personalidade do artista como um conjunto transposto na obra de arte, como Pareyson explica nas linhas transcritas abaixo: [...] na obra, fisicalidade e espiritualidade, significado e existência coincidem: na obra de arte, ser e dizer, corpo e espírito são a mesma coisa. A obra não diz senão o que ela é e o seu próprio ser é um dizer: só a sua presença é um significado. [...] 122

Em suma, os conceitos de “espiritualidade” e de “visão de mundo” se conjugam e se misturam para explicar que: embora a obra de arte enquanto “forma” seja a realidade sensível da obra e que seja o tudo que a obra de arte é, não basta para defini-la completamente. Sendo assim, é necessário recorrer à coexistência entre fisicalidade e espiritualidade para chegar ao conceito de “forma” enquanto unitotalidade em si mesma. Ou seja, para Pareyson, a obra está no mundo, mas ela também é mundo, como se constata nos trechos abaixo: Se a obra de arte não aceita valer senão como forma, isto não significa que nela se reduz a ser somente forma: ela é, ao mesmo tempo, uma forma e um mundo; uma forma que não exige valer senão como pura forma e um mundo espiritual que é um modo pessoal de ver o universo. 123 121

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p. 273. “Un mondo è la realtà universale qual'è vista da una persona: è un senso personale dell'universo, una visione personale della realtà, una concezione personale della vita, o, come ho detto altra volta, Weltanschauung ed ethos : e un personalissimo modo d'interpretare il mondo.[...] Un mondo è una visione dell'universo che diventi carne e sangue d'una persona, che sia la persona stessa nella sua realtà vivente;[...]” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.248.) 122

Idem. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.59. “[...] nell'opera fisicità e spiritualità, significato ed esistenza coincidono: nell'opera d'arte essere e dire, corpo e spirito sono la stessa cosa. L'opera non dice se non ciò ch'essa è, e il suo stesso essere è un dire: la sua sola presenza è un significato.” (Idem, I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, , 2009, p.250.) 123

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.45. “Se l'opera d'arte non accetta di valere se non come forma, ciò non significa ch'essa

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A relação “forma–mundo” contida na teoria de arte pareysoniana é tão simbiótica como todos os outros binômios descritos acima, e que estão no núcleo da formatividade da arte. Isto é, um se explica pelo outro, e um não existe sem o outro, como Pareyson mostra nessa passagem: Quando então se afirma que a obra artística exprime o mundo do artista, e certamente se pode e deve falar deste modo, importa não esquecer que esta expressão ocorre somente enquanto a obra artística é ao mesmo tempo um mundo e uma forma. E, se é verdade que ela não pode ser uma forma sem ser um mundo, não é menos verdade que também não pode ser um mundo sem ser uma forma. 124

Sendo assim, constata-se que Pareyson trabalha com vários conceitos correlatos que explicam como a arte pode ser coisa física e material, e, ao mesmo tempo ter outras características que a definem como algo tão extraordinário e único. Ou seja, essa rede de conceitos interligados que dão conta de explicar as vicissitudes do conceito de obra de arte como “forma” pode ser sintetizada como as relações entre: “conteúdo - forma”, “espiritualidade da forma” – “fisicalidade da forma” e, finalmente, “mundo-forma”. Como descrito nas linhas a seguir: Não obstante, as obras de arte são figuras espirituais: imagens que têm um significado humano, que falam à mente e ao coração, que transmitem sentidos interiores e profundos. Mas o aspecto espiritual e interior das obras de arte não é alguma coisa que transcenda o seu aspecto sensível e a sua realidade física, porque, antes, coincide imediatamente com eles. [...] Dizer que na obra de arte o corpo é tudo não significa negar-lhe a espiritualidade,

si riduca ad essere solo forma: essa è al tempo stesso una. forma e un mondo: una forma che non esige di valere che come pura forma, e un mondo spirituale ch'è un modo personale di vedere l'universo.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera. Milano: Mursia Editore, 2009, p.242.) 124

Idem. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p. 273. “Quando perciò si dice che l'opera d'arte « esprime » il mondo dell'artista, e certo si può e si deve dir cosi, non bisogna dimenticare che questa « espressione » avviene solo i n quanto l'opera d'arte è insieme un mondo e una forma, e, se è vero ch'essa non può essere una forma senza essere un mondo, non è men vero che non può essere un mondo senza essere una forma.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960, p.248.)

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mas apenas afirmar que esta espiritualidade deve ser vista no seu mesmo aspecto físico. 125

Ou seja, novamente a noção de simultaneidade é ressaltada na própria relação fisicalidade - espiritualidade que Pareyson marca de maneira eloquente nesta passagem a seguir: A magia da obra de arte não é a convergência ou a copresença, ou a mediação da sua espiritualidade e da sua fisicalidade, mas a coincidência destes dois termos: o fato de na obra não existir nada de físico que não seja significado espiritual, nem nada de espiritual que não seja presença física. 126

Esse equilíbrio não dualista e não oposicionista entre “fisicalidade” e “espiritualidade” e, consequentemente, entre “forma” e “conteúdo” destaca-se e permeia toda a Teoria da Formatividade127, e, desse modo, está na chave do entendimento do possível equilíbrio entre as noções de representação e apresentação para a interpretação das problemáticas concernentes às especificidades das artes visuais e em particular da arte pictórica.

125

Idem. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.119. “Eppure le opere d'arte sono figure spirituali: immagini che hanno un significato umano, che parlano alla mente e al cuore, che trasmettono sensi interiori e profondi. L'aspetto spirituale e interiore delle opere d'arte non è qualcosa che trascenda il loro aspetto sensibile e la loro realtà fisica, perché jiuttosto coincide immediatamente con essi. [...] Dire che nell'opera d'arte il corpo è tutto non significa negarne la spiritualità, ma solo affermare che questa spiritualità dev'essere vista nel suo stesso aspetto fisico.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, , 2009, p.308) 126

Ibidem, op. cit. p.120. “La magia dell'opera d'arte non è la convergenza o la compresenza o la mediazione del la sua spiritualità e della sua fisicità, ma la coincidenza di questi due termini il fatto che nell'opera non c'è nulla di fisico che non sia significato spirituali né nulla di spirituale che non sia presenza fisica.” (Ibidem. Op. cit., p.308) 127

Como sintetiza Pablo Sarto: “[...], la noción de forma que propone nuestro filósofo ofrece varias posibilidades. En primer lugar proporciona una articulación entre el mundo, la naturaleza, el arte y las actividades humanas, que recuerda algunas afirmaciones tanto de la estética clásica como de la romántica y contemporánea. Por otro lado, permite tener en cuenta tanto los aspectos materiales como los espirituales de la realidad, sin caer en dualismos o en los extremos del espiritualismo y del materialismo […].” (SARTO, Pablo. Blanco. Hacer arte, interpretar el arte: Estética y hermenéutica en Luigi Pareyson. Pamplona: EUNSA.1998, p.302.) Sobre a relação entre existência e transcendência em Pareyson, também discorre Giovanni Fornero:“O ponto focal do Existencialismo de Pareyson, que insiste na ontologicidade constitutiva do homem e na inseparabilidade de existência e transcendência é a interpretação do nexo existencial como coincidência de auto-relação e heterorrelação, de relação consigo e relação com o ser [...].”(FORNERO, Giovanni. Verbete: < Existencialismo> In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Revisão e tradução de Ivone Castilho Benedetti. 6ª ed. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2012, p.471)

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2.1.6. Relação entre os conceitos de “forma” e “pessoa” em Pareyson E por fim, outro conceito que participa dessa cadeia, acima descrita, de relações inseparáveis e correlatas é o conceito de “pessoa”, e, que por sua vez se estabelece como ponto de partida para os binômios “pessoa - forma” e “pessoa - formatividade”. A noção de “pessoa” é formulação basilar presente na filosofia de Pareyson como um todo, pensamento que muitas vezes é chamado de “personalismo”.128 E igualmente permeia todo o pensamento específico sobre Arte que Pareyson formula. Como ele mesmo explica: O estudo da interpretação da obra de arte explicita o incindível nexo que subsiste entre uma filosofia da forma e uma filosofia da pessoa, e revela dentre outros, a congenialidade que é uma das leis fundamentais do espírito humano e pode trazer à estética e à crítica uma fundamental contribuição, onde quer que se apresente cooperação dos homens, troca de ideias e difusão de civilização. 129

Não parece requerido discorrer sobre todas as complexidades e riquezas de como o conceito de pessoa se configura no pensamento filosófico pareysoniano, pois este seria por si só um assunto rico e vasto o bastante para um estudo inteiro 130. Entretanto, se faz necessário um delineamento do conceito de “pessoa” para o entendimento da relação entre “forma” e “pessoa”, fundamental para vislumbrar todas as dimensões do conceito de “forma”

128

Pareyson costuma ser identificado como figura expoente do existencialismo italiano, e é igualmente conhecido como um filósofo que desenvolveu um pensamento existencialista personalista, que muitas vezes é chamado de personalismo ontológico, representado, em especial pelo livro “Esistencia e Persona” (1950). O filósofo italiano também é identificado com o desenvolvimento de uma filosofia hermenêutica, representada, sobretudo, pelo seu livro de ensaios “Verità e Interpretazione” (1971) e por seus inúmeros livros sobre Estética. Cf. SARTO, Pablo. Blanco. Hacer arte, interpretar el arte: Estética y hermenéutica en Luigi Pareyson. Pamplona: EUNSA. 1998, p.16-17 e p.28-34. Ver também ‘Verbete Existencialismo’ de G.F. [Giovanni Forner] - In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6ª ed. Revisão e tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 2012, p.471. 129

PAREYSON, Luigi. L’interpretazione dell’opera d’arte. - Atti del III Congresso Internazionale di Estetica. 1956. Tradução de Francesco Napoli, p. 114 a 120 In: NAPOLI, Francesco. Luigi Pareyson e a estética da formatividade: um estudo de sua aplicabilidade à poética do ready-made. 2008. (121 p.) Dissertação (Mestrado em Filosofia), Ouro Preto: Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto. 130

Ver mais em: PAREYSON, Luigi. Sobre el concepto de persona - Actas del Primer Congreso Nacional de Filosofía. Mendoza, Argentina, marzo-abril, 1949. Universidad Nacional de Cuyo, Buenos Aires 1950, tomo II, p. 1079-1083. (Sesiones III: Filosofía de la existencia.)

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pareysoniano. Nas palavras dele: como se dá essa sutura dos conceitos de “forma”, espiritualidade e “pessoa”: A forma é ao mesmo tempo física e espiritual, porque se a matéria é formada é física, o modo de formá-la é espiritual; eis a conjunção de espírito e matéria na obra de arte, e não se poderá dizer somente “exprima” a pessoa do artista, pois ela é de certo modo inteira e indivisível a pessoa do artista feita objeto material, físico e existente, sem que isso se oponha, naturalmente, à evidente transcendência recíproca de obra e pessoa. 131

Desse modo, a concepção de “pessoa” em Pareyson, por vezes, coincide com a de “forma”; isto é, se alinhando ao conceito de “espiritualidade” a noção de “pessoa” se encontra com a definição metafísica de “organismo”, sobretudo, no sentido de totalidade trazida dos aportes aristotélicos e que embasam o entendimento de obra de arte como “forma”. Nas palavras de Pareyson: Com efeito, como totalidade, a pessoa é obra, e, como desenvolvimento, a pessoa é operar, atividade que culmina em obras. E a obra, por sua vez, é forma, uma definição que é ao mesmo tempo total e em si mesma completa, singular e irrepetível, universalmente válida e por todos reconhecível, dotada de coerência e legalidade interna, vida para si mesma e lei para si mesma, autônoma e independente, exemplar e paradigmática. 132

Ou seja, a noção de totalidade contida no conceito de “forma” também participa da definição de “pessoa”, daí a correspondência que Pareyson estabelece entre “forma” e “pessoa”. De fato, em várias passagens dos inúmeros textos sobre arte, Pareyson chega a 131

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.57. “La forma è insieme fisica e spirituale, perché se la materia formata è fisica, il modo di formarla è spirituale: ecco la congiunzione di spirito e materia nell'opera d'arte; la quale non si può dire che soltanto « esprima » la persona dell'artista, perché piuttosto essa in certo modo è, intera e indivisibile, la persona dell'artista fattasi tutta oggetto materiale, fisico ed esistente, senza che ciò contravvenga, naturalmente, all'evidente trascendenza reciproca di opera e persona.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.41.) 132

Ibidem, op. cit., p.176. “Infatti come totalità la persona è opera, e come sviluppo la persona è operare, attività che culmina in opere: e l'opera è una forma, cioè a dire una definitezza ch'è al tempo stesso totale e in sé conclusa, singolare e irripetibile, universalmente valida e onniriconoscibile, dotata di coerenza e legalità interna, vita a sé stessa e legge a sé stessa, autonoma e indipendente, esemplare e paradigmatica.” (Ibidem, op. cit., p.156.)

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afirmar que “forma” e “pessoa” coincidem; como neste exemplo: “Por isso, se a pessoa é forma, e se todo operar humano é sempre pessoal, o operar humano tem sempre um duplo caráter: por um lado, tende a executar formas e, pelo outro, exprime a totalidade da pessoa.”133 Contudo, antes de prosseguir na descrição da relação entre “forma” e “pessoa”, vale definir brevemente o conceito de “pessoa” por si só para Pareyson, no trecho abaixo há uma síntese do entendimento do filósofo italiano sobre a concepção de “pessoa” utilizada por ele: Na pessoa se podem encontrar dois aspectos: a totalidade e o desenvolvimento. Por um lado, com efeito, a pessoa é, em cada um de seus instantes, uma totalidade infinita e definida, fixa em uma forma singularíssima e inconfundível dotada de uma validade concluída e reconhecível; e por outro, é um variar contínuo, aberto à possibilidade de contestações e reelaborações, de revisões e enriquecimentos, de repetições de velhos motivos e novos atos. De um lado, é a obra definida e concluída a cada instante, e do outro, é obra de desenvolvimento, aberta e exigindo sempre novos atos e novos desenvolvimentos.134

Ademais, embora haja uma reconhecida influência das correntes de pensamento rotuladas sob as rubricas “romantismo” e “idealismo”, que podem ser detectadas permeando o pensamento de Pareyson, visto que ele cita frequentemente autores como Goethe e Schelling, não se pode confundir a ideia de “pessoa” com a noção de “sujeito” como ele mesmo explica nesta passagem:

133

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.177. Texto em italiano: “Perciò, se la persona è forma, e se ogni operare umano è sempre personale, l'operare umano ha sempre un doppio carattere: per un verso tende a por capo a forme, e per l ' altro esprime la totalità della persona.” (Idem, Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960, p.157.) 134

Ibidem. Op. cit., p.176. Texto em italiano: “Nella persona si possono rinvenire due aspetti: la totalità e lo sviluppo. Per un verso, infatti, la persona è, fn ciascuno dei suoi istanti, una totalità infinita e definita, fissata in una forma singolarissima e inconfondibile, dotata d'una validità conclusa e riconoscibile; e per l'altro è variare continuo, aperto alla possibilità di contestazioni e rielaborazioni, di revisioni e arricchimenti, di riprese di vecchi motivi e di nuovi atti. Da un lato la perssona è l'opera che io faccio di me stesso, conclusa e definita in ogni istante, e dall'altro è opera i n sviluppo, aperta a richiedere ed esigere nuovi atti e nuovi svolgimenti.” (Ibidem. Op. cit., p.155-156.)

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Uma vez que a pessoa significa singularmente irrepetível, inconfundível, original, mas não tem nada a ver com o “sujeito”, que reduz a pura intimidade e atividade subjetiva tudo aquilo com que entra em relação: a pessoa é aberta, comunicativa, social, de modo que toda a atividade humana, e por isso também a arte, tem sempre um caráter pessoal e social a um só tempo [...] 135

Portanto, é diante da relação entre unidade singular e totalidade que o conceito de “pessoa” se distingue da acepção de sujeito mais comumente utilizada a partir de aportes advindos dos pensadores e artistas românticos. Logo, é na dupla definição de “pessoa” como “totalidade” e “desenvolvimento” que ela se encontra com a definição de “forma” (como totalidade) e de “formatividade” (como desenvolvimento). Logo, chega-se a outro aspecto fundamental que é acrescido nessa discussão: o sentido de desenvolvimento, e que está presente nas definições tanto de “pessoa” como de “forma” (enquanto fruto da “formatividade”). Sendo assim, o conceito de “pessoa” para Pareyson se configura, não só como base do conceito de “forma”, mas, mormente, como a base do conceito de “formatividade”, pois traz em si a noção de movimento, desenvolvimento, e a ideia de dinamismo presente na operosidade humana como um todo, e da qual a operosidade artística faz parte. Por conseguinte, aqui a “forma” também se encontra com os conceitos de tékhne e poíesis para se definir como resultado da “formatividade”; e, desse modo, e a arte é então definida como produção [poíesis] da forma, pela forma, na forma; isto é, a “arte é pura formatividade” 136. Porque é exatamente no ato de “formar” a obra que a “pessoa” do artista 135

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.91. “[...]; giacché persona significa sì singolarità irripetibile inconfondibile originalissima, ma non ha nulla a che fare col «soggetto», che riduce a pura intimità e attività soggettiva tutto ciò con cui entra in rapporto: la persona è aperta, comunicativa, sociale, sì che ogni aiti vita umana, e quindi anche l'arte, ha sempre un carattere personale e sociale a un tempo;[...]” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, , 2009, p.284.) 136

“A operação artística é um processo de invenção e produção, exercido não para realizar obras especulativas ou práticas, ou seja lá quais forem, mas só por si mesmo: formar por formar, formar perseguindo somente a forma por si mesma: a arte é pura formatividade.” (PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p. 26). “L'operazione artistica è un processo d'invenzione e produzione esercitato non per realizzare opere speculative o pratiche o altre che siano,

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se “exprime” e “empresta” para a “forma” a sua “espiritualidade” e, portanto, a sua “visão de mundo pessoal”. Pareyson explica essas intersecções nessa passagem: Na obra de arte, portanto, mundo e forma não são coisas diversas e alcançáveis somente em diversos níveis: a forma, justamente em sua existência física, é o seu mundo, e este é o sentido em que a expressividade da arte se reduz à sua formatividade. E este é justamente o aspecto que faz da arte algo extraordinário: estamos aqui diante de uma “coisa” e esta nos remete a um “mundo”. 137

Entretanto, a partir daí a forma se torna ela mesma “mundo”, descolando-se da “pessoa”

138

, por isso é importante ressaltar que a Teoria da Formatividade evoca que a obra,

enquanto autônoma e detentora de um estatuto ontológico, por isso não se confunde com o autor, embora tenha sido formada participando da espiritualidade da pessoa do autor e, por isso carrega consigo algo da “pessoa”, mas, ainda assim, é independente e tem existência própria. Nas palavras de Pareyson: A forma é expressão de si mesma e do autor, ao mesmo tempo: pessoal em duplo sentido, pessoal enquanto revela o autor, e pessoal enquanto dotada de uma própria e independente personalidade. Uma coisa também não se acha separada da outra, pois a forma só tem uma personalidade própria se uma pessoa é o seu autor, e tanto mais consegue revelar seu autor quanto mais consegue ter sua autônoma personalidade. Pois a expressão do autor se acha presente no esforço formativo deste e nele se resolve, e assim a forma é

ma solo per sé stesso: formare per formare, formare perseguendo unicamente la forma per sé stessa: l'arte è pura formatività.” (Idem, Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p. 11). 137

Ibidem. Op. cit, p.274. “Nell'opera d'arte, dunque, mondo e forma non sono cose diverse o attingibili a diversi livelli: la forma, proprio nella sua esistenza fisica, è il suo mondo, e questo è il senso in cui l'espressività dell'arte si riduce alla sua formatività. Ed è ben questa la cosa straordinaria dell'arte: trova davanti a una « cosa » e vi si rinviene un « mondo ».” (Ibidem. Op. cit., p.249-250) 138

Cf. PAREYSON. ‘A arte como formatividade pura, específica e intencional’ In: Idem, Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.25-26. “L’arte come formatività pura, specifica e intenzionale” In: Idem, Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p. 10-12.

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retrato completo de quem a fez porque é a expressão completa de si mesma.139

Ademais, Pareyson ainda vai mais longe nessa ligação entre “forma” e “pessoa” estabelecida por meio da especificidade do processo produtivo da arte, que ele denomina como “formatividade”; quando ele evoca a importância desse binômio para discorrer sobre a questão da interpretação da obra de arte. Ou seja, quando ele discorre sobre a relação da “forma – espectador”, que se dá a partir da relação “forma-pessoa”; entendida duplamente: tanto na “pessoa” do artista, como na “pessoa” do espectador. Nas palavras dele: Este insuprimível caráter pessoal da arte prolonga-se ainda na característica comunicabilidade da forma, que é universal somente enquanto é pessoal e vice-versa, porque fala a todos, mas fala a cada um no seu modo. De fato, não se tem acesso à obra de arte senão pessoalmente, no sentido de que a obra de arte exige interpretação, isto é, por si mesma, uma leitura multíplice, ou melhor, infinita, como infinitas e sempre diversas são as pessoas dos intérpretes e dos leitores. 140

Por conseguinte, é essa intersecção entre “forma” e “pessoa” encontrada no interior da Teoria da Formatividade que corresponde ao terceiro componente do tripé que pode ser identificado no pensamento pareysoniano como um todo. 141 Isto é: a “filosofia da pessoa”, a “filosofia da forma”, e a “filosofia da interpretação”

142

.

139

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.272. “La forma è espressiva di sé e del suo autore insieme: personale in duplice senso, poiché è personale in quanto rivela l'autore e personale in quanto dotata d'una propria e indipendente personalità; né l'una cosa è disgiunta dall'altra, perché la forma ha una sua personalità solo se persona è il suo autore, e tanto più riesce a rivelare il suo autore quanto più giunge ad avere la sua autonoma personalità; che l'espressione dell'autore è presente nello sforzo formativo di costui, e vi si risolve, e così la forma è ritratto compiuto di chi l'ha fatta perché è espressione compiuta di sé.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960, p. 247.) 140

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.86-87. “Questo insopprimibile carattere personale dell'arte si prolunga ancora nella caratteristica comunicabilità della forma, la quale è universale solo in quanto personale e viceversa, perché parla a tutti, ma a ciascuno parla nel suo modo. Infatti non si accede all'opera d'arte se non personalmente, nel senso che l'opera d’arte esige interpretazione, cioè suscita di sé una lettura molteplice, anzi infinita, come infinite e sempre diversi sono le persone gl’interpreti e dei lettori.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore , 2009, p.280.) 141

Sarto acentua a relação entre as ‘partes” da filosofia paresyoniana da seguinte maneira: “Vemos pues aquí nuevo los vínculos que existen entre el ‘personalismo ontológico’, la ‘metafisica da forma’ y esta ‘gnoseología de la interpretación’; y casi sin darnos cuenta, hemos pasado del concepto de ‘formatividade’ al de

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2.2. Os meandros da “formatividade” na Teoria da Formatividade Partindo do contorno já estabelecido de significado de “forma”, vários aspectos fundamentais podem ser identificados no interior dos mecanismos do processo artístico, portanto os meandros da “formatividade”. O primeiro ponto a ser destacado é o entendimento de que, como já foi dito, é a busca pela “forma” que move todo o processo de “formatividade”.

2.2.1. A cadeia produtiva da obra de arte: “forma”, “pessoa” e “formatividade” Por isso, um dos pontos de apoio da teoria estética de Pareyson é a premissa fundamental de que durante o percurso da produção da obra exista necessariamente um objetivo muito claro voltado à formação da coisa concreta (“obra-de-arte-forma”). Daí a importância do sentido de arte como fazer produtivo, e não de um simples fazer. Isto é, a arte é produção [poíen] que resulta numa “obra-forma”. Sem essas demarcações e entendimentos, não se pode concluir que na arte, o saberfazer se dá ao mesmo tempo da produção. Pois é exatamente por conta da busca pela “forma” que o saber se configura na hora do “formar” e não antes, nem mesmo depois, pois esse saberfazer está subordinado à “forma” e ao êxito da formação desta, não o contrário.

‘interpretación’. (SARTO, Pablo. Blanco. Hacer arte, interpretar el arte: Estética y hermenéutica en Luigi Pareyson. Pamplona: EUNSA.1998, p.34) 142

Esta parte da filosofia pareysoniana pode ser conferida em português no livro “Verdade e Interpretação”, que constitui uma coletânea de ensaios do fim dos anos 1960 e dos anos 1970. Ainda no prefácio desta coletânea, Pareyson delimita o conceito de interpretação que, segundo ele, teve no campo da estética um apronfudamento fundamental. Nas palavras dele: “O ponto central do pensamento que proponho é aquela solidariedade originária entre pessoa e verdade, na qual consiste a essência genuína do conceito de interpretação. Ao estudo do conceito de interpretação já me dedico a mais de vinte anos, mais precisamente a partir de quando me pus a refletir sobre o problema da unidade da filosofia e da multiplicidade das filosofias e sobre a possiblidade de um diálogo entre diversas perspectivas pessoais, desde que finalmente se abandone a concepção objetiva de verdade. No conceito de interpretação, tal como resultou daquela reflexão, e tal como foi apronfundado nas aplicações que dele fiz em outros campos, sobretudo no campo estético, permito-me indicar aquela nota hermenêutica e, portanto, ontológica, do personalismo que me distingue de qualquer forma de espiritualismo de origem idealista ou de derivação intimista.” (PAREYSON, Luigi. Verdade e Interpretação. Tradução de Maria Helena Nery Garcez e Sandra Neves Abdo. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.5.)

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Sendo a “forma” a geratriz das necessidades e das direções de determinada produção que complete e dê conta da realização da obra de arte acabada. Nesse intuito, Pareyson clama por: [...] colocar em evidência o caráter dinâmico da forma, à qual é essencial ser um resultado, ou melhor, a resultante de um “processo” de formação, pois a forma não pode ser vista como tal se não se vê no ato de concluir e ao mesmo tempo incluir o movimento de produção que lhe dá nascimento e aí encontra o próprio sucesso.143

A partir do texto acima, é possível afirmar que “forma” e o processo operativo desta são inseparáveis no âmbito da produção da obra de arte, e é isso que então Pareyson denomina como sendo “formatividade”. Isto é, um determina o outro e vice e versa, e por conta dessa relação simbiótica é que se conclui que o saber-fazer, e o produzir na arte são concomitantes e indissociáveis. Outro aspecto da “formatividade” que já foi mencionado quando se discorreu sobre a “forma”, é o papel da “pessoa” na “formatividade”, e é exatamente esse papel que define a ligação simbiótica entre “forma-pessoa”. Pareyson define a “[...] arte como atividade formativa, isto é, inventiva, original, criadora e consiste numa presença, ao mesmo tempo tríplice e única, da pessoa na arte: como energia formante, como modo de formar, como obra formada.”

144

E ainda, mais adiante Pareyson completa: [...] E se no operar artístico a pessoa do autor tornou-se, ela mesma, o seu próprio e insubstituível modo de formar, e se a arte não tem outro conteúdo que não a própria pessoa que é a sua energia formante, bem se pode dizer que a obra, a que ao processo artístico leva a cabo, é a própria pessoa do

143

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993 p.10. ( Prefácio do autor para a edição de 1988) 144

Idem. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.86. “[...] all'arte come attività formativa, cioè inventiva originale creatrice, e consiste in una triplice e insieme unica presenza della persona nell'arte: come energia formante, come modo di formare, come opera formata.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, , 2009, p.280.)

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artista encarnada completamente num objeto físico e real, que é, justamente, a obra formada. 145

Pareyson, então, explica que a ligação entre “forma” e “pessoa” é estabelecida por meio da especificidade do processo produtivo da arte, que ele denomina como “formatividade”. Portanto, é o modo de formar que se estabelece durante a formatividade da obra de arte, e que tem um caráter único exatamente pelo caráter único da “pessoa” que inventa o modo de formar ao mesmo tempo em que executa a produção da obra, que liga à pessoa à forma formada.

2.2.2. A relação entre forma formante e forma formada Essa hipótese de que o fazer-produzir e o saber-fazer estão interligados levam a necessidade de examinar mais de perto o processo de produção da obra arte. Por longos séculos o processo de formação da obra de arte não foi objeto de consideração filosófica, permanecendo quando muito no âmbito das poéticas e abandonando as regras da retórica [precettistica] 146. Começou a interessar à meditação filosófica quando os próprios artistas principiaram a meditar sobre o assunto, principalmente sob o estímulo de poéticas que queriam o artista consciente das próprias operações. 147

Estas frases de Pareyson acima citadas dão o tom de sua preocupação em teorizar o processo do fazer artístico e recolocar a ênfase da reflexão filosófica sobre a definição de arte 145

Ibidem. Op. cit., p.86: “[...] l'intera persona diventa gesto del fare, modo di formare, stile. E se nell'operare artistico la persona de l'autore è diventata essa stessa il suo proprio e insostituibile modo di formare, e se l'arte non ha altro contenuto che la persona stessa che ne è l'energia formante, si p u ò ben dire che l'opera cui mette capo il processo artistico è la stessa persona dell'artista incarnatasi completamente in un oggetto fisico e reale, qual è, appunto, l'opera formata.” (Ibidem. op. cit, p.280-281) 146 147

Aqui talvez a melhor tradução fosse “preceptiva”, ou “doutrina”.

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.139. “Per lunghi secoli il processo di formazione dell'opera d'arte non fu oggetto di considerazione filosofica, rimanendo tutt'al più nell'ambito delle poetiche e abbandonato alle regole della precettistica. Cominciò a interessare la meditazione filosofica quando gli artisti stessi presero a meditarci su, soprattutto sotto lo stimolo di poetiche che volevano l'artista consapevole delle proprie operazioni.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, , 2009, p.325.)

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como saber- fazer produtivo [tékhne – poíetikós], por isso o esforço no resgate das definições gregas e suas relações com as ideias centrais do filósofo italiano. A partir das variantes dos sentidos de arte apontados no item anterior, e, partindo da ideia de que um dos aspectos fundamentais para se pensar a arte é a ideia da arte como fazer [poieîn]. Mas não um simples fazer, é um saber-fazer [tékhne], mas não qualquer saber-fazer, e, sim, um saber-fazer adquirido no ato do fazer-produzir (teoria da formatividade) e que tem particularidades muito próprias. Como expõe Pareyson: E é justamente esta a condição do processo artístico, guiado por uma espécie de antecipação e de pressentimento do êxito, pelo qual a própria obra age antes ainda de existir: se é verdade que a forma existe somente quando o processo está acabado, como resultado de uma atividade que a inventa no próprio ato que a executa, é também verdade que a forma age como formante, antes ainda de existir como formada, oferecendo-se à adivinhação do artista, e, por isso, solicitando seus eficazes presságios e dirigindo as suas operações. 148

Como descrito acima, uma das particularidades do processo produtivo da arte é, conforme apontado previamente, a simultaneidade do saber-fazer e do produzir. Isso se deve ao fato de que o processo criativo da arte está subordinado à “forma”. No entanto, a “forma” não existe antes do processo, por isso, esse percurso do artista, ao produzir a obra, se configura num vai e vem dinâmico entre o “vir a ser” da “obra-forma” e a “forma” da obra intuída previamente, mas que ainda não é “forma formada”.

148

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.142. “Ed è appunto questa la condizione del processo artistico, guidato da una specie di anticipazione e di presentimento della riuscita, per cui l'opera stessa agisce prima ancora di esistere: se è vero che la forma esiste solamente a processo compiuto, come risultato d'un'attività che l'inventa nell'atto stesso che la esegue, è anche vero che la forma agisce come formante prima ancora di esistere come formata, offrendosi alla divinazione dell'artista, e quindi sollecitandone gli efficaci presagi e dirigendone le operazioni.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.327)

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2.2.3 A inseparabilidade do fazer e da invenção da obra de arte na Teoria da Formatividade A correlação entre “forma formante” e “forma formada”, central no percurso de fabricação da obra de arte tem como motor a invenção, que, indissociável da produção, gera a “formatividade”, resultando no êxito da “forma”. Portanto, eis um conceito chave para o entendimento do processo artístico como um todo: invenção [invenzione].

149

Isto é, a ideia de invenção como componente central da

“formatividade” que Pareyson indica na sua teoria, abaixo, segue uma síntese central do processo artístico visto à luz da teoria estética pareysoniana: O conceito central é a formatividade, entendida esta como a união inseparável de produção e invenção. “Formar” significa aqui “fazer” inventando ao mesmo tempo o “modo de fazer”, ou seja, “realizar” só procedendo por ensaio em direção ao resultado e produzindo desde modo obras que são “formas”. 150

Mas não é qualquer invenção, assim como o saber-fazer da arte ocorre simultaneamente ao fazer-produzir, a invenção ocorre junto à produção, completando um círculo contínuo da produção da obra arte que envolve a invenção do modo de fazer e a execução propriamente dita até a conclusão da “forma”. Nas palavras dele: O fato é que a arte não é somente executar, produzir, realizar e o simples “fazer” não basta para definir sua essência A arte também é invenção [invenzione]. Ela não é execução de qualquer coisa já ideada, realização de um projeto, produção segundo regras dadas ou predispostas. Ela é um fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer. A arte é uma atividade na qual a execução e invenção procedem pari passu, simultâneas e inseparáveis, na qual incremento de realidade é constituição de um valor 149

Entenda-se, neste contexto, “invenção” nos sentidos de criatividade, imaginação, e originalidade, como contraponto de cópia. Ademais, correntemente, Pareyson, utiliza tanto invenção como criação como sinônimas e em oposição à imitação. Cf. PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.137-139. 150

Idem. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993 p.12-13. ( Prefácio do autor para a edição de 1988)

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original. Nela concebe-se executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra operando, já que a obra existe só quando é acabada, nem é pensável projetá-la antes de fazê-la e, só escrevendo, ou pintando, ou cantando é que é encontrada e é concebida e é inventada.

151

Em suma, a simultaneidade do saber-fazer e do fazer-produzir se dá sob duas condições: a primeira, como já foi demonstrada, se dá pelo condicionamento do fazer artístico em busca do êxito da “forma”, que estabelece o jogo entre “forma formante” e “forma formada”. A segunda se dá por conta da dinâmica da “formatividade” que se define pela contemporaneidade entre a invenção e a produção - execução da arte. Eis, portanto, a definição capital da Teoria da Formatividade cunhada por Pareyson.

2.2.4. A legalidade interna da “forma” e a intuição na Teoria da Formatividade Ainda, Pareyson aponta para uma dinâmica que envolve o processo de formação da arte: “Com base nesta ‘dialética de forma formante e forma formada’ a obra de arte tem a misteriosa prerrogativa de ser ao mesmo tempo lei e resultado da sua formação, isto é, de existir como conclusão de um processo estimulado, promovido e dirigido por ela.” 152 É exatamente nesse aspecto do processo de fabricação da arte que se detecta a presença de descontrole aparente do “pessoa-artista”. Ou seja, aqui há certa nebulosidade que dificulta a identificação da origem e das prerrogativas de determinadas escolhas do artista, levando a conclusão de que uma força externa, ou distinta da razão, ou da vontade do artista está agindo. Como Pareyson descreve no texto abaixo: 151

Idem.Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.32. “Il fatto è che l'arte non è solamente eseguire, produrre, realizzare, e il semplice «fare» non basta a definirne l'essenza: l'arte è anche ‘invenzione’. Essa non è esecuzione di qualcosa di già ideato, realizazione d’un progetto, produzione secondo regole date o predisposte: ‘essa è un tal fare che, mentre fa, inventa il da farsi e il modo di fare’. L'arte è un'attività in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo, simultanee e inscindibili, e in cui l'incremento di realtà è costituzione d'un valore originale: in essa si concepisce eseguendo, si progetta facendo, si trova la regola operando, giacché l'opera esiste solo quancl'è finita, né è pensabile di progettarla prima di farla, e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si concepisce e la s'inventa.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.231-232) 152

Ibidem. Op. Cit. p.142. “In base a questa dialettica di forma formante e forma formata l'opera d'arte ha la misteriosa prerogativa d'essere al tempo stesso legge e risultato della sua formazione, cioè di esistere come conclusione d'un processo da lei stessa stimolato, promosso e diretto.” (Ibidem. Op. cit., p.327)

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De fato, é verdade, por um lado, que o artista é o único autor da sua obra, e que a diferença entre as condições e o resultado, entre os materiais coletados e o de combustão, é tal que permite falar de uma verdadeira e própria criação original, da qual não temos de agradecer a outros senão ao artista. Mas, por outro lado, é preciso também reconhecer que a obra tem uma independência e uma geração inteira, pela qual o artista, mal a concebeu, não é mais livre de fazer aquilo que quer, mas deve seguir a finalidade interna da mesma obra que ele ideou, quase como se fosse um germe que tende a se desenvolver em fruto maduro.

153

Esse raciocínio levou vários pensadores e artistas a atribuírem a origem do fazer artístico ou do saber-fazer artístico às forças divinas, ou à intuição. Como foi previamente demonstrado no primeiro capítulo. (Sentido de tékhne relacionado ao sentido de inspiração). Pareyson não nega o mistério que envolve o processo artístico, no entanto, não o entende como sendo algo externo ao processo em si, e, principalmente, como sendo externo ao artista. Muito pelo contrário, esse aparente descontrole é fruto da dinâmica da busca pela forma formada que se dá através da forma formante. E o mistério se desfaz assim que se tem a forma acabada; isto é, o êxito explica as escolhas e o percurso do artista e mostra a legalidade interna da “forma”, que é constituída exatamente no momento formativo. Portanto, a finalidade e as escolhas decorrentes e guiadas pela forma podem ser detectados ao final do processo, na própria forma formada. Nas palavras dele: É a própria obra que se forma, desenvolvendo-se daquele primeiro embrião grado e incubado na mente do artista, e tendendo para o termo natural da própria finalidade, a ponto de que se a atividade do artista não consistir no individual e no seguir este desenvolvimento natural, a obra aborta e falha. Que este caminho seja unívoco, é coisa que só aparece quando a obra está acabada: o artista o ignora no curso da produção, e é por isso que ele procede 153

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.142-143. Texto em italiano: “Infatti è vero, per un verso, che l'artista è l'unico autore della sua opera, e che la differenza fra le condizioni e il risultato, fra i materiali raccolti e l'atto di combustione, è tale da far parlare di una vera e propria creazione originale, di cui non abbiamo da ringraziare altri che l'artista. Ma per l'altro verso bisogna pure riconoscere che l'opera ha una sua indipendenza e una sua interna generazione, per cui l'artista, non appena l'ha concepita, non è più libero di fare quel che vuole, ma deve seguire la finalità interna dell'opera stessa ch'egli ha ideato, quasi che fosse un germe, il quale tende a svilupparsi verso il frutto maturo”. (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.328)

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tentando e excluindo pouco a pouco as possibilidades escolhidas e postas à prova; mas quando a obra é conseguida, refazendo o caminho às avessas e rememorando a aventura, ele compreende que só podia fazer a obra daquele modo. 154

Nesse sentido, a intuição pode ser entendida como parte do processo de produção da obra, e como a própria necessidade advinda da “forma”, como uma espécie de lei interna que determina certa finalidade e que conduz o artista no decorrer do caminho de formação da arte. Como Pareyson discorre nesta passagem abaixo: [...] os problemas apresentados pelo complexo e aventuroso itinerário através do qual o artista, tentando e corrigindo e refazendo, produz a obra: a inspiração, o exercício, a improvisação; o diálogo com a matéria e o domínio sobre ela conseguindo justamente através da obediência que ela reclama: a técnica e a linguagem da arte, e o aspecto herdado desde o “tema” ou “assunto” até ao “esboço” e à obra terminada. 155

Em suma, discernindo aquilo que a obra pede, satisfazendo essa lei interna da própria obra, respeitando aqueles ditames que a obra mesma estabelece, mas que paradoxalmente são advindas das próprias escolhas do artista, a obra dita sua necessidade e revela a sua finalidade ao artista. Por isso a “forma” é formante e é formada ao mesmo tempo, e desta maneira o artista segue o rastro da forma, como se ela lhe “dissesse” o que ele (artista) “deve” fazer. Nesse sentido, pode-se afirmar que essa parece ser uma maneira de entender aquilo que tantos pensadores, desde Platão a Pareyson, se preocuparam em definir: a intuição do artista ao produzir a obra de arte. E é essa parte misteriosa, e exposta por muitos como inexplicável, porém, tão palpável do processo artístico, que a teoria de Pareyson explicita na 154

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.143-144. “È l'opera stessa che si forma, sviluppandosi da quel primo embrione generato e incubato dalla mente dell'artista, e tendendo verso il termine naturale della propria finalità, al punto che se l'attività dell'artista non consiste nell'individuare e nel seguire questo naturale sviluppo l'opera abortisce e fallisce. Che questo cammino sia univoco è cosa che appare solo a opera compiuta: l'artista lo ignora nel corso della produzione, è per questo ch'egli procede tentando ed escludendo via via le possibihtà scelte e messe a prova; ma ad opera riuscita, rifacendo a ritroso il cammino e rimemorando l'avventura, egli capisce che solo in quel modo egli poteva fare l'opera”. (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.329) 155

Idem. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993 p.14-15. (Prefácio do autor para a edição de 1988)

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fundamental relação que se estabelece entre “forma formante” e “forma formada” no interior da “formatividade”. Sem deixar de ressaltar que nada disso seria possível sem outra cadeia de relações que se configura na base da produção do artista, isto é: a simbiose entre “forma”, “pessoa” e “mundo”. E, por fim, nas palavras de Pareyson, toda complexidade de copossibilidades e coexistências que definem a “forma” e consequentemente a “formatividade”:

Eis como o processo artístico pode ser ao mesmo tempo criação e descoberta, liberdade e obediência, tentativa e organização, escolha e coadjuvação, construção e desenvolvimento, composição e crescimento, fabricação e maturação. O que caracteriza o processo artístico é precisamente esta misteriosa e complexa copossibilidade, que, no fundo, consiste numa dialética entre a livre iniciativa do artista e a teleologia interna do êxito, donde se pode dizer que nunca o homem é tão criador como quando dá vida a uma forma tão robusta, vital e independente de impor-se a seu próprio autor, e que o artista é tanto mais livre quanto mais obedece à obra que ele vai fazendo; ante, o máximo de criatividade humana consiste precisamente nesta união de fazer e obedecer, pela qual na livre atividade do artista age a vontade autônoma da forma.

156

Em síntese, pode-se resumir a Teoria da Formatividade da seguinte maneira: no processo artístico enquanto “formatividade” coexistem a liberdade inventiva e a lei interna da “forma” advinda de uma legalidade e de uma finalidade intrínseca a ela; isto é, a formatividade se constitui na inventividade e na construção de um saber-fazer subordinado ao êxito da produção de uma “obra-de-arte-forma”. E durante o processo dialógico entre “forma formante” e “forma formada”, que decorre na relação “formatividade” e “pessoa”, e na 156

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.144. “Ecco come il processo artistico può essere al tempo stesso creazione e scoperta, libertà e obbedienza, tentativo e organizzazione, scelta e assecondamento, costruzione e sviluppo, composizione e crescita, fabbricazione e maturazione. Ciò che caratterizza il processo artistico è appunto questa misteriosa e complessa compossibilità, che consiste in fondo in una ‘dialettica fra la libera iniziativa dell'artista e la teleologia interna della riuscita’, per cui si può dire che mai l'uomo è tanto creatore come quando dà vita a una forma così robusta e vitale e intlipendente da imporsi tal suo stesso autore, e che l'artista è tanto più libero quanto più obbedisce all'opera ch'egli va facendo; anzi, il massimo della creatività umana consiste appunto in questa unione di fare e obbedire, per cui nella libera attività dell'artista agisce la volontà autonoma della forma.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.329)

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simultaneidade da obra de arte enquanto “forma” e “pessoa” coexistem a fisicalidade da existência da coisa como organismo vivo e autônomo e a espiritualidade da pessoa que imprime todo o seu “mundo”.

2.3. Outros aportes para a Teoria da Formatividade É bom lembrar que além dos já demonstrados aportes advindos de textos de Platão e de Aristóteles para os conceitos de tékhne e poíesis, como também o conceito de “organismo” Aristotélico, que Pareyson relaciona à Teoria da Formatividade; o próprio Pareyson demarca pontualmente alguns outros diálogos que contribuíram para a sua definição de arte como “forma”, e, consequentemente, para a sua definição da atividade artística como “formatividade”. Como se pode constatar no trecho abaixo: Os conceitos de forma e de formatividade parecem, portanto, os mais adequados para qualificar, respectivamente a arte e a atividade artística. Para a atualidade desta concepção contribuíram alguns desenvolvimentos do pensamento moderno, que, provindo de pontos de partida diversos, mostram uma convergência significativa de conclusões. Sobre o caráter formativo da atividade artística, Goethe, atento teorizador das relações entre arte e natureza, escreveu páginas memoráveis e atualíssimas; sobre analogia entre obra de arte e organismos da natureza, Schelling chamou a atenção; Focillon falou da vida das formas e grande parte da estética francesa contemporânea insistiu sobre a contemporaneidade da invenção e execução; a psicologia da forma convidou a meditar sobre os conceitos de totalidade e de estrutura; Whitehead renovou a problemática do conceito de organização e organicidade; Dewey insistiu sobre os conceitos de “acabamento” [compimento] e de “êxito” [riuscita]; na Itália, Augusto Guzzo mostrou como na atividade humana se nucleiam formas que, pelo seu exemplar sucesso, dão lugar a estilos; [...] 157

157

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 32-33. " I concetti di forma e di formatività sembrano dunque più adatti a qualificare rispettivamente l'arte e l'attività artistica. All'attualità di questa concezione hanno contribuito alcuni sviluppi del pensiero moderno, che, muovendo da punti di partenza diversi, mostrano una significativa convergenza di conclusioni. Sul carattere formativo dell'attività artistica ha scritto pagine memorabili e attualissime Goethe, attento teorizzatore dei rapporti fra arte e natura;' sull'analogia fra opere d'arte e organismi della natura ha

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Assim sendo, a partir da leitura desta breve síntese que Pareyson formulou , fica clara a abrangência de multiplicidade de diálogos que ele estabeleceu com as diversas correntes e pensadores contemporâneos. Ademais, Pareyson cita Dewey para explicar como ele entende todas as particularidades que o conceito de “forma” como “organismo” e sua respectiva formação, análoga ao ser vivente traz consigo: A filosofia de Dewey, pelo contrário, que é uma filosofia da operosidade humana vista no seu aspecto de busca, de tentativa, de precariedade, insiste muito no processo pelo qual, em geral, o homem chega às suas realizações e, em particular, quando o artista acaba as suas obras: ele fala do processo artístico como de um processo orgânico que, através de uma trajetória de gestação, incubação, nascimento, crescimento, maturação, chega à obra, como de uma série de atos reativos que se acumulam em direção de um cumprimento e de atos seletivos que contribuem para a interpretação de todos os fatores numa totalidade. 158

Ora, curioso que parte dessa descrição também poderia ser dita como sendo a própria noção de “organicidade” retirada da filosofia aristotélica. Assim sendo, consequentemente, volta-se novamente a identificar a forte presença de um diálogo com o estagirita em toda a Teoria da Formatividade. Visto que em outra passagem, Pareyson liga a “formatividade” a um processo orgânico, porém, neste caso, evidenciando a noção de “finalidade” como motor da “formatividade”. Citando Pareyson: attirato l'attenzione Schelling;" Focillon ha parlato della vita delle forme,' e gran parte dell'estetica francese contemporanea ha insistito sulla contemporaneità di invenzione ed esecuzione; la psicologia della forma ha invitato a meditare sui concetti di totalità e di struttura; Whitehead ha rinnovato la problematica del concetto di organizzazione e organicità; Dewey ha insistito sui concetti di«compimento» e di «riuscita»; in Italia Augusto Guzzo ha mostrato come nell'attività umana si nucleano forme che per la loro esemplare riuscita danno luogo a stili;* chi scrive queste pagine ha cercato di teorizzare un'estetica della «formatività», che concepisce le opere d'arte come organismi viventi di vita propria e dotati di legalità interna, e che propone una concezione dinamica della bellezza artistica. (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.232.) 158

Ibidem. Op. cit., p.140. “Invece la filosofia di Dewey, ch'è una filosofia dell'operosità umana vista nel suo aspetto di ricerca, di tentativo, di precarietà, insiste molto sul processo con cui in generale l'uomo giunge alle sue riuscite e in particolare 'artista compie le sue opere: egli parla del processo artistico come d'un processo organico, che, attraverso una vicenda di gestazione incubazione nascita crescita maturazione, giunge all'opera, e cioè come d'una serie di atti reattivi che si accumulano in direzione d'un compimento e di atti selettivi che contribuiscono all'interpretazione di tutti fattori in una totalità.” (Ibidem. Op. cit., p.326.)

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“Dizer que no processo artístico a forma é ao mesmo tempo formada e formante não significa interpretá-la com desenvolvimento orgânico? Também num processo orgânico o produto é, ao mesmo tempo, produtor. E a escolha e seleção das diversas possibilidades são reguladas por uma finalidade intrínseca que é a própria forma futura [...]”

159

Vale lembrar o quanto a ideia de “finalidade” é fundamental para a definição de “organismo” na filosofia de Aristóteles. E, ainda, considerando que, em Pareyson, há uma clara indistinção entre a operosidade artística e as outras operosidades, incluindo a da natureza; logo, conduz-se a discussão sobre o fazer artístico num campo de estudo muito mais abrangente do que apenas o campo da arte, gerando implicações importantes para se pensar a relação entre arte-mundo, mundo-artista, mundo-realidade durante o processo de produção e operosidade, pois a discussão transborda o fazer específico da arte. Ademais, Vattimo, num texto intitulado Opera d’arte e organismo in Aristotele também concorda que o conceito de “organismo” em Aristóteles contribui e permeia as teorias de arte atuais, não só a pareysoniana. Nas palavras dele: Em muitos estudiosos da estética de várias inspirações, hoje é possível verificar a ampla utilização do termo e do conceito de organismo para descrever o produto artístico. Tanto o conceito, como a sua utilização estética remontam a Aristóteles e é, portanto, útil, não só para um interesse filológico, mas para enriquecer e esclarecer às temáticas próprias da estética atual [...].

160

159

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade.Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.76. “Dire che nel processo artistico la forma è insieme formata e formante non significa interpretarlo come uno sviluppo organico? Anche i n un processo organico i l prodotto è, insieme, producente; e la scelta e selezione delle varie possibilità è regolata da una finalità interna c h ' è la stessa forma futura; [...]” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bolonha: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960.p.60) 160

(Tradução nossa.) “Presso molti studiosi di estética di varia ispirazione, è possiblie oggi trovare largamente impiegato il termine e il concetto di organismo per descrivere il prodotto artistico. Sia il concetto che il suo uso estetico risalgono ad Aristotele, ed è dunque utile, non solo per un interesse filologico, ma per arricchire e precisare la stessa tematica estetica attuale[...]” (VATTIMO, Gianne.“Opera d’arte e organimo in Aristotele” p. 211. In: VATTIMO, Gianne, Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2. Roma: Ed. Meltemi, 2008.)

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Nesse sentido, pode-se dizer que a abrangência de diálogos que permeiam o pensamento pareysoniano esboçada acima, não invalida a hipótese de que Pareyson valoriza os conceitos de “tékhne” e “poíesis” advindos do pensamento de Platão, e, sobretudo do pensamento de Aristóteles, acompanhados de suas variantes e conceitos correlatos, e também o conceito de “organismo” aristotélico, inclusive para uma reflexão sobre as especificidades da Arte ainda hoje. Como também utiliza como subsídio para definir seu conceito chave, isto é, “forma”, o conceito de “organismo” presente o pensamento de Aristóteles. Portanto, o estudo desses conceitos advindos das leituras tanto de Platão como de Aristóteles se configuram como chaves de leitura importantes para o entendimento dos meandros e especificidades da Teoria da Formatividade.

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CAPÍTULO III Arte como mímesis e a autonomia da obra de arte na Teoria da Formatividade

O problema da arte representativa e da arte abstrata reclama o problema mais vasto das relações entre arte e natureza. Também aqui se apresenta a antítese entre a mimese e a abstração: a imagem artística é, de um lado, signo – isto é, figuração do real – de outro lado é autônoma – isto é, criação‘ex novo’. Pareyson, 1966 161 Ora, uma vez que a visão é o sentido por excelência, a palavra «imaginação» [φαντασία] deriva da palavra «luz» [φάος] porque sem luz não é possível ver. Aristóteles162

3.1. O conceito de mímesis e a Teoria da Formatividade Como foi demonstrado nos capítulos I e II, Pareyson toma como ponto de partida para delinear o seu pensamento sobre as problemáticas da Arte, dois conceitos correlatos advindos do pensamento grego: tékhne e poíesis. Com efeito, esses conceitos acrescidos ao que Pareyson chama de conceito aristotélico de ‘organismo’ dão suporte fundamental para a 161

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Trad. de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.67. “Il problema dell'arte rappresentativa e dell'arte astratta richiama il problema più vasto dei rapporti fra arte e natura. Anche qui si presenta l'antitesi fra la mimesi e l'astrazione: l'immagine artistica da un lato è segno, cioè raffigurazione del reale, dall'altro è autonoma, cioè creazione ‘ex novo’”. (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.262.) 162

ARISTÓTELES, De Anima, 428b 30 - 429a 1-4: “a imaginação [429a] será um movimento gerado pela ação da percepção sensorial em atividade. Ora, uma vez que a visão é o sentido por excelência, a palavra «imaginação» [Φαντασία] deriva da palavra «luz» [Φάος] porque sem luz não é possível ver. E por permanecerem e serem semelhantes às sensações, os animais fazem muitas coisas graças a elas.” (ARISTÓTELES. Sobre A Alma. Tradução de Ana Maria Lóio e Revisão Científica de Tomás Calvo Martinez. Lisboa: Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda, 2010.) ἢ φαντασία [429ª] (τοῦτο δ 'ἐστὶ τὸ λεχθέν) ἡ φαντασία ἂν εἴη κίνησις ὑπὸ τῆς αἰσθήσεως τῆς κατ 'ἐνέργειαν γιγνομένη. Ἐπεὶ δ' ἡ ὄψις μάλιστα αἴσθησίς ἐστι, καὶ τὸ ὄνομα ἀπὸ τοῦ φάους εἴληφεν, ὅτι ἄνευ φωτὸς οὐκ ἔστιν ἰδεῖν.

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construção da definição de ‘forma’ e, consequentemente, de ‘formatividade’ no interior da Teoria da Formatividade pareysoniana. Por sua vez, a Teoria da Formatividade, ao definir a obra de arte como organismo vivo, reivindicou tanto um estatuto ontológico, como uma autonomia da “forma”, seja com relação ao artista seja com relação ao espectador que a interpreta. Entretanto, esta autonomia da “forma” com relação a um provável modelo demonstrada por Pareyson pode ser verificada nos meandros e fundamentos dos conceitos de mímesis, isto é, nos significados e definições de arte como mímesis encontrados tanto em alguns textos platônicos, como aristotélicos, como será demonstrado a seguir.

3.2. A “negatividade” da mímesis em Platão Retomando a questão da identificação da atividade da arte, em especial da pictórica, como mímesis - conforme brevemente esboçado nos capítulos I e II - constata-se que esta é uma definição primaz da arte, incluindo a arte pictórica abordada tanto em textos de Platão como nos de Aristóteles. No Livro X da República de Platão há uma passagem dedicada a discorrer sobre a mímesis, com destaque para a sua relação com a pintura. Esse trecho se inicia com a pergunta: “Poderia você me dizer o que é, em geral, a imitação?” [mímesin hólos...hó ti po’estín?] (República X, 595 c 7).163 E a partir deste ponto, enceta-se um longo diálogo sobre o assunto, tendo como exemplo central a atividade do pintor, para finalizar com a crítica à mímesis como atividade distante da verdade e enganadora, com a consequente expulsão da cidade dos que praticam esta atividade, isto é, tanto o pintor quanto o poeta. (República X, 605 a-c) 164 163

PLATÃO. A república de Platão. Tradução de J. Guinsburg (org.). 1ª ed. de 2006, 2ª reimpressão, São Paulo: Perspectiva, 2012. “Μίμησιν ὅλως ἔχοις ἄν μοι εἰπεῖν ὅτι ποτ’ ἐστίν.” 164

“- Podemos, pois, com justiça censurá-lo (poeta) e considerá-lo como o par do pintor; assemelha-se a ele, por produzir apenas obras sem valor do [b] com o elemento inferior da alma, e não com o melhor. Assim, eisnos bem fundamentados para não recebê-lo em uma cidade que deve ser regida por leis sábias, já que desperta,

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Muito se fala sobre a condenação platônica às artes que hoje se identificam como pictóricas e poéticas; contudo, o que interessa refletir aqui não é acerca da condenação propriamente dita, porque, é claro, não compartilhamos desta posição; embora esta discussão não deixe de ser instigante, com vários desdobramentos. 165O que de fato interessa discorrer sobre o citado diálogo é como se constrói o argumento que acarreta a condenação e, mais ainda, o que está na base deste argumento proposto por Platão, e quais as definições que foram propostas para se pensar os meandros da produção da pintura. Isto é, a reflexão que se propõe, a partir da leitura desta longa passagem, em primeiro lugar, é a definição da pintura como aparência, como fica evidente neste trecho: -Não é complicada - respondi; - é posta em prática amiúde e rapidamente; muito rapidamente mesmo, se quiseres apanhar um espelho e levá-lo contigo por toda a parte; num átimo farás o sol e os astros do céu, em menos tempo ainda a terra, e menos ainda a ti mesmo, e os outros seres vivos, e os móveis, e as plantas, e tudo quanto mencionamos há pouco. - Sim, - disse ele - mas serão meras aparências e não realidades. - Bem - disse eu - chegas ao ponto pretendido pelo discurso: pois, dentre os artesãos deste gênero, imagino que se deva incluir o pintor, não é? - Como não? - Mas tu me dirás, penso que o que ele faz não tem a menor realidade; no entanto, de certo modo, o pintor

nutre e fortalece o mau elemento da alma, e arruína, destarte, o elemento racional, como acontece numa cidade que é entregue aos perversos, ao se lhes permitir que fiquem fortes e ao fazer que pereçam os homens mais estimáveis; do mesmo modo, do poeta imitador, diremos que introduz um mau governo na alma de cada indivíduo, lisonjeando o que há nela de irracional, que é incapaz de distinguir o maior do menor, que, ao contrário, encara os mesmos objetos, ora como grandes ora como pequenos, que produz apenas fantasmas, e se encontra a uma distância infinita da verdade. – Certamente.” (PLATÃO. A república de Platão. Tradução de J. Guinsburg (org.). 1ª ed. de 2006, 2ª reimpressão, São Paulo: Perspectiva, 2012.) Οὐκοῦν δικαίως ἂν αὐτοῦ ἤδη ἐπιλαμβανοίμεθα, καὶ τιθεῖμεν ἀντίστροφον αὐτὸν τῷ ζωγράφῳ· καὶ γὰρ τῷ φαῦλα ποιεῖν πρὸς ἀλήθειαν ἔοικεν αὐτῷ, καὶ τῷ πρὸς ἕτερον τοιοῦτον [605b] ὁμιλεῖν τῆς ψυχῆς ἀλλὰ μὴ πρὸς τὸ βέλτιστον, καὶ ταύτῃ ὡμοίωται. Καὶ οὕτως ἤδη ἂν ἐν δίκῃ οὐ παραδεχοίμεθα εἰς μέλλουσαν εὐνομεῖσθαι πόλιν, ὅτι τοῦτο ἐγείρει τῆς ψυχῆς καὶ τρέφει καὶ ἰσχυρὸν ποιῶν ἀπόλλυσι τὸ λογιστικόν, ὥσπερ ἐν πόλει ὅταν τις μοχθηροὺς ἐγκρατεῖς ποιῶν παραδιδῷ τὴν πόλιν, τοὺς δὲ χαριεστέρους φθείρῃ· ταὐτὸν καὶ τὸν μιμητικὸν ποιητὴν φήσομεν κακὴν πολιτείαν ἰδίᾳ ἑκάστου τῇ ψυχῇ ἐμποιεῖν, τῷ ἀνοήτῳ αὐτῆς [605c] χαριζόμενον καὶ οὔτε τὰ μείζω οὔτε τὰ ἐλάττω διαγιγνώσκοντι, ἀλλὰ τὰ αὐτὰ τοτὲ μὲν μεγάλα ἡγουμένῳ, τοτὲ δὲ σμικρά, εἴδωλα εἰδωλοποιοῦντα, τοῦ δὲ ἀληθοῦς πόρρω πάνυ ἀφεστῶτα. - Πάνυ μὲν οὖν. 165

Como, por exemplo, expõe Pierre-Maxime Schuhl: “Se Platão se mostra tão severo com as artes, é seguramente porque lhes reconhece – por tê-las, sem dúvida, experimentado – a influência irracional que lhes atribuía Górgias: mais que qualquer outro, ele devia ser sensível a isso; contra ela, recorreu ao idealismo moral e matemático; contra os artifícios dos ilusionistas, à medida, ao número” (SCHUHL, P-M. Platão e arte do seu tempo. Trad. de Adriano Machado Ribeiro, São Paulo: Discurso Editorial: Editora Barcarolla, 2010, p. 63.)

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também faz uma cama. Ou não? - Sim - redarguiu - ao menos uma cama aparente. (República X, 596 d-e) 166

Dito que a pintura é aparência, o segundo ponto levantado e longamente analisado no diálogo é a distância da mímesis, incluindo a pintura, para com a verdade, e, consequentemente, o perigo do engano que a pintura poderia acarretar, como fica claro nesta passagem: - Agora, considera este ponto; qual desses dois objetivos se propõe a pintura relativamente a cada objeto: o de representar o que é tal como é, ou o que parece tal como parece? É ela imitação da aparência ou da realidade? - Da aparência - disse ele. - A imitação está, portanto, longe do verdadeiro, e se ela modela todos os objetos, é, segundo parece, porque toca apenas uma pequena parte de cada um, a qual não é, aliás, senão uma imagem (eídolon) 167 . O pintor, diremos nós, por exemplo, nos representará um 166

PLATÃO. A república de Platão. Tradução de J. Guinsburg (org.). 1ª ed. de 2006, 2ª reimpressão, São Paulo: Perspectiva, 2012. Οὐ χαλεπός, ἦν δ’ ἐγώ, ἀλλὰ πολλαχῇ καὶ ταχὺ δημιουργούμενος, τάχιστα δέ που, εἰ ’θέλεις λαβὼν κάτοπτρον [596e] περιφέρειν πανταχῇ· ταχὺ μὲν ἥλιον ποιήσεις καὶ τὰ ἐν τῷ οὐρανῷ, ταχὺ δὲ γῆν, ταχὺ δὲ σαυτόν τε καὶ τἆλλα ζῷα καὶ σκεύη καὶ φυτὰ καὶ πάντα ὅσα νυνδὴ ἐλέγετο. - Ναί, ἔφη, φαινόμενα, οὐ μέντοι ὄντα γέ που τῇ ἀληθείᾳ. - Καλῶς, ἦν δ’ ἐγώ, καὶ εἰς δέον ἔρχῃ τῷ λόγῳ. Τῶν τοιούτων γὰρ οἶμαι δημιουργῶν καὶ ὁ ζωγράφος ἐστίν. Ἦ γάρ; -Πῶς γὰρ οὔ; -Ἀλλὰ φήσεις οὐκ ἀληθῆ οἶμαι αὐτὸν ποιεῖν ἃ ποιεῖ. Καίτοι τρόπῳ γέ τινι καὶ ὁ ζωγράφος κλίνην ποιεῖ· ἢ οὔ; -Ναί, ἔφη, φαινομένην γε καὶ οὗτος. Outra tradução: “–Se pegares um espelho e o mostrares em todas as direções, em um instante farás o sol e os astros do céu, em um instante a terra, em um instante você mesmo e os outros animais e os móveis e as plantas e todos os objetos dos quais falamos ainda há pouco. – Sim, ele diz, mas não são objetos aparentes (phainómena), desprovidos de existência real. – atingistes perfeitamente o ponto que eu precisava para o meu argumento. Com efeito, entre esses artífices conta também, julgo eu, o pintor, Não é assim?- É!– E, de certo modo, o pintor também faz uma cama, ou não? – Sim, ele diz, uma cama aparente (phainoménen), ela também.” (VERNANT, Jean- Pierre, Nascimento de Imagens, tradução de José Otávio Nogueira Guimarães p. 55-56, In: COSTA LIMA, Luiz. (org.). Mímesis e a reflexão contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2010.) [“Si tu veux prendre un miroir et le présenter de tous côtés, en moins de rien tu feras le soleil et les astres du ciel, en moins de rien la terre, en moins de rien toi-même et les autres animaux et les meubles et les plantes et tous les objets dont on parlait tout à l'heure. — Oui. dit-il, des objets apparents (phainomena), mais sans aucune réalité véritable. [...] — Et d'une certaine façon le peintre aussi fait un lit, n'est-ce pas ? — Oui. dit-il, un lit apparent (phainomenên), lui aussi. (Rép., 596 d-e.) ” (VERNANT, Jean Pierre, Naissance d’images In _____. Religions; histoires, raisons. Paris: François Maspero, 1979. (PCM / Petit Collection Maspero), p. 108-109.)] 167

A palavra em grego εἴδωλον [eídolon] foi traduzida por J. Guinsburg por “simulacro”, entretanto, no cotejo das várias traduções consultadas, optou-se por traduzir por “imagem”, tal como está em Vernant (Nascimento das Imagens, p.60), pois, pareceu mais apropriado e preciso, já que simulacro é um termo que pode acarretar possíveis interpretações carregadas de significados não correspondentes a contextualização do texto platônico. Segue o trecho referido acima da República de Platão (X 598 b-c):“- Relativamente a cada objeto, qual a finalidade da pintura? É de representar a realidade, como ela realmente é, ou a aparência, como ela aparece (tò phainómenon, hos phaínetai)? É imitação da aparência ou da realidade? – Da aparência, diz ele. - A arte de imitar (he mimetiké) está portanto bem distante do verdadeiro; se pode tudo realizar, é porque atinge apenas uma pequena parte de cada coisa, sendo que esta parte não é mais que uma imagem (eídolon).” (Tradução de

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sapateiro, um carpinteiro ou outro, artesão qualquer sem ter nenhum conhecimento do ofício (c) deles; entretanto, se for bom pintor, tendo representado um carpinteiro e mostrando-o de longe, enganará as crianças e os homens privados de razão, porque terá dado à sua pintura a aparência de um autêntico carpinteiro. (República X 598b-c)

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Continuando mais adiante, o diálogo evolui para a conclusão de que a pintura é como uma ilusão, isto é, Platão descreve os efeitos da ilusão que a imagem visual pode provocar, usando mais este ponto como mais um argumento contra a arte pictórica: - Do seguinte: a mesma grandeza, encarada de perto ou de longe não parece igual. - Não, por certo. - E os mesmos objetos parecem quebrados ou retos conforme os olhemos dentro ou fora da água, ou côncavos e convexos, devido à ilusão visual produzida pelas cores; e é evidente que tudo isso lança a perturbação em nossa alma. Ora, dirigindo-se a essa disposição de nossa natureza, a pintura sombreada não deixa sem emprego nenhum processo de magia, como também é o caso da arte do charlatão e de muitas outras invenções do gênero. - É verdade. - Ora, não descobriu na medida, no cálculo e na pesagem, excelentes preventivos contra tais ilusões, de tal modo que o que prevalece em nós não é a aparência de grandeza ou de pequeneza, de quantidade ou de peso, mas antes o julgamento de quem contou, mediu e pesou? - Como não? (República, X 602 c-d) 169 José Otávio Nogueira Guimarães, da tradução para o francês de Jean- Pierre Vernant In:VERNANT, JeanPierre, Nascimento de Imagens, p. 60. In: COSTA LIMA, Luiz. (org.). Mímesis e a reflexão contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2010.) [“Quel but se propose la peinture relativement à chaque objet ? Est-ce de représenter ce qui est tel qu'il est, ou ce qui paraît, tel qu'il paraît (to phainomenon, hôs phainetai) ? Est-ce l'imitation de l'apparence ou de la réalité ? — De l'apparence, dit-il. — L'art d'imiter (hê mimêtikê) est donc bien éloigné du vrai et, s'il peut tout exécuter, c'est qu'il ne touche qu'une petite partie de chaque chose et cette partie n'est qu'image (eidôlon).(Rép., 598 bc.)” (VERNANT, Jean Pierre, Naissance d’images In _____. Religions; histoires, raisons. Paris: François Maspero, 1979. (PCM / Petit Collection Maspero), p. 112-113.)] 168 Tradução: PLATÃO. A república de Platão. Tradução de J. Guinsburg (org). 1ª ed. de 2006, 2ª reimpressão, São Paulo: Perspectiva, 2012. Τοῦτο δὴ αὐτὸ σκόπει· πρὸς πότερον ἡ γραφικὴ πεποίηται περὶ ἕκαστον; πότερα πρὸς τὸ ὄν, ὡς ἔχει, μιμήσασθαι, ἢ πρὸς τὸ φαινόμενον, ὡς φαίνεται, φαντάσματος ἢ ἀληθείας οὖσα μίμησις; - Φαντάσματος, ἔφη. - Πόρρω ἄρα που τοῦ ἀληθοῦς ἡ μιμητική ἐστιν καί, ὡς ἔοικεν, διὰ τοῦτο πάντα ἀπεργάζεται, ὅτι σμικρόν τι ἑκάστου ἐφάπτεται, καὶ τοῦτο εἴδωλον. Οἷον ὁ ζωγράφος, φαμέν, ζωγραφήσει ἡμῖν σκυτοτόμον, τέκτονα, τοὺς ἄλλους δημιουργούς, [598c] περὶ οὐδενὸς τούτων ἐπαΐων τῶν τεχνῶν· ἀλλ’ ὅμως παῖδάς γε καὶ ἄφρονας ἀνθρώπους, εἰ ἀγαθὸς εἴη ζωγράφος, γράψας ἂν τέκτονα καὶ πόρρωθεν ἐπιδεικνὺς ἐξαπατῷ ἂν τῷ δοκεῖν ὡς ἀληθῶς τέκτονα εἶναι. 169

PLATÃO. A república de Platão. Tradução de J. Guinsburg (org). 1ª ed. de 2006, 2ª reimpressão, São Paulo: Perspectiva, 2012.

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Portanto, apesar de outras passagens do diálogo A República, como no livro III (373 b 44-8), que discorrem sobre a pintura como sendo produto da mímesis, é no Livro X que Platão discorre longamente sobre o problema da pintura, levantando dois pontos: o primeiro é a definição de pintura como aparência, afirmando que a pintura não imita a realidade, mas sim imita a aparência de realidade. O segundo ponto decorre do primeiro: se a pintura é aparência, se o pintor não conhece verdadeiramente o que imita, está longe da verdade 170, e a pintura, logo, é ilusão, é engano. Logo, o que fica claro, a partir da leitura dos trechos da República destacados acima, é que Platão não entende a mímesis como uma servil duplicação da realidade, tampouco a pintura enquanto decorrente da mímesis.

3.3. Mímesis e phantasía em Platão O conceito de phantasia - em correspondência ao conceito de mímesis - tal como se encontra no diálogo platônico O Sofista, é outro ponto chave para o estudo do papel da imitação e sua relação com o estatuto ontológico da pintura proposto pela Teoria da Formatividade. Ademais, a proposição acerca da correlação entre mímesis e phantasía formulada por Platão no Sofista fica ainda mais evidente quando se estuda outro de seu diálogo, o Crátilo. Portanto, há que se recorrer à leitura destes outros diálogos para entender como Platão pensava a problemática da pintura relacionada à mímesis. Ou seja, também no Sofista, Platão discorreu sobre a ideia de mímesis, no entanto, aqui, neste diálogo, ele propõe o entendimento da mímesis como um tipo de produção

Τοῦ τοιοῦδε· ταὐτόν που ἡμῖν μέγεθος ἐγγύθεν τε καὶ πόρρωθεν διὰ τῆς ὄψεως οὐκ ἴσον φαίνεται. - Οὐ γάρ. Καὶ ταὐτὰ καμπύλα τε καὶ εὐθέα ἐν ὕδατί τε θεωμένοις καὶ ἔξω, καὶ κοῖλά τε δὴ καὶ ἐξέχοντα διὰ τὴν περὶ τὰ χρώματα αὖ πλάνην τῆς ὄψεως, καὶ πᾶσά τις ταραχὴ δήλη [602d] ἡμῖν ἐνοῦσα αὕτη ἐν τῇ ψυχῇ· ᾧ δὴ ἡμῶν τῷ παθήματι τῆς φύσεως ἡ σκιαγραφία ἐπιθεμένη γοητείας οὐδὲν ἀπολείπει, καὶ ἡ θαυματοποιία καὶ αἱ ἄλλαι πολλαὶ τοιαῦται μηχαναί. - Ἀληθῆ. -῏Αρ’ οὖν οὐ τὸ μετρεῖν καὶ ἀριθμεῖν καὶ ἱστάναι βοήθειαι χαριέσταται πρὸς αὐτὰ ἐφάνησαν, ὥστε μὴ ἄρχειν ἐν ἡμῖν τὸ φαινόμενον μεῖζον ἢ ἔλαττον ἢ πλέον ἢ βαρύτερον, ἀλλὰ τὸ λογισάμενον καὶ μετρῆσαν ἢ καὶ στῆσαν; - Πῶς γὰρ οὔ; 170

Três vezes longe da verdade, quando se expõe a distinção entre a cama como modelo primeiro, isto é, a ideia de cama, a segunda seria a cama fabricada, e a terceira, a pintura da cama, para mostrar o quanto a imagem pictórica estaria longe da verdade, no entendimento de Platão, e seria, portanto, uma ilusão enganadora. (Cf. República X 597 a – 598).

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(poíesis) de imagens (eídola), e incluiu a pintura como parte desta produção de imagens, que seriam “segundos objetos iguais”. E ainda, Platão definiu a imagem (eídolon) distinguindo-a em dois tipos: um é a imagem do tipo eíkones (cópias- ícones) e o outro é a imagem do tipo fanthásmata (simulacros-fantasmas) 171. Ou seja, nos escritos de Platão, há uma passagem do Sofista onde Platão faz uma distinção entre os dois tipos de “produção de imagens” [eídôlopoiikés], uma seria a “arte da cópia” [eἰkastikén], quando a imagem é fruto da imitação do modelo tal como ele é e, portanto, esta seria uma imitação fidedigna. E a outra, que Platão chamou de “arte da fantasia” [fantastikén], perante a qual a produção da imagem não é servil ao modelo, mas sim, à aparência do modelo, que até mesmo distorce as medidas reais em favor da aparência, para produzir uma ilusão, e enganar o espectador fazendo com que a imagem pareça aquilo que não é, mas apenas parece ser. Platão, O Sofista (236 b-c-d): Estrangeiro: — Ora, não é neste caso que se encontra uma grande parte da pintura e da mimética, em seu todo? Teeteto: — Sem dúvida. Estrangeiro: — Mas à arte que, em lugar de uma cópia, produz um simulacro, não caberia, perfeitamente, o nome de arte do simulacro?Teeteto:-— Sim, perfeitamente. Estrangeiro:-— Aí estão as duas formas que te anunciei da arte que produz imagens: a arte da cópia e a arte do simulacro. Teeteto:— Isso mesmo. 172

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Seguindo aqui os termos equivalentes português–grego a partir das traduções propostas por Vernant, como neste texto: “[...] a distinção que opera o Sofista entre duas formas de mimética ou de fabricação de imagens (eidolopoiiké) – a primeira produzindo cópias-ícones (eikónes) semelhantes a seus modelos, dos quais reproduzem as proporções reais; a segunda produzindo, ao contrário, simulacros-fantasmas (phantásmata) que sacrificam as proporções exatas para substituí-las, com suas figuras, por aquelas que provocam ilusão aos olhos dos espectadores [...]” (VERNANT, Jean- Pierre, Nascimento de Imagens, p. 59-60. In: COSTA LIMA, Luiz. (org.). Mímesis e a reflexão contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2010.) [“[...] la distinction qu'opère Le Sophiste entre deux formes de mimétique ou de fabrication d'images (eidôlopoiikê), la première produisant des copies-icônes (eikones), ressemblant à leurs modèles dont elles reproduisent les proportions réelles, la seconde produisant au contraire des simulacres-fantasmes (phantasmata) em sacrifiant les proportions exactes pour y substituer, dans leurs figures, celles qui feront illusion aux yeux des spectateurs [...]”(Sophiste, 235 e 236 c)” (VERNANT, Jean Pierre, Naissance d’images In: _____. Religions; histoires, raisons. Paris: François Maspero, 1979. (PCM / Petit Collection Maspero), p. 112.)] 172

PLATÃO, Diálogos / Platão; seleção de textos de José Américo Motta Pessanha; tradução e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. Ξένος: - Οὐκοῦν πάμπολυ καὶ κατὰ τὴν ζωγραφίαν τοῦτο τὸ [236c] μέρος ἐστὶ καὶ κατὰ σύμπασαν μιμητικήν; Θεαίτητος : - Πῶς δ' οὔ; Ξένος: -Τὴν δὴ φάντασμα ἀλλ' οὐκ εἰκόνα ἀπεργαζομένην τέχνην ἆρ' οὐ φανταστικὴν ὀρθότατ' ἂν προσαγορεύοιμεν; Θεαίτητος: -Πολύ γε. Ξένος: - Τούτω τοίνυν τὼ δύο ἔλεγον εἴδη τῆς εἰδωλοποιικῆς, εἰκαστικὴν καὶ φανταστικήν. Θεαίτητος: - Ὀρθῶς.

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Portanto, na citada passagem, fica claro que há um entendimento que a produção de imagens, incluindo a pictórica, não se resume a um mero exercício de cópia servil e fiel a um suposto modelo, pois o filósofo grego pressupõe uma produção de imagem não fidedigna ao modelo, e ainda diz ser esta a prática comum. Segue uma reflexão de Pareyson sobre o assunto: Se, portanto, a arte mimética é a arte de produzir imagens (eidôla), que é imitação (mimémata) e semelhança (homoiômata) de um modelo, há duas espécies de imagens: a cópia (eikón), assim chamada porque copia exatamente (éoike), e a aparência (phántasma), assim chamada porque parece (phaínetai) que copia. Platão acrescenta que a arte fantástica é muito mais ampla que a arte icástica, sobretudo, na pintura, e em geral em todas as artes miméticas. A imagem, em quanto não ser, é falsidade: o problema da imitação se reconecta com o do erro. 173

Portanto, Platão ao marcar que estas imagens são apenas as aparências das coisas e não as coisas mesmas admite que as imagens estejam num “estranho jogo” entre o “ser” e o “não ser”, como também identifica as imagens como falsidades. Abaixo segue outro trecho do citado diálogo: Estrangeiro: — O que há de comum entre todos esses objetos que tu dizes serem múltiplos mas que honras por um único nome, que é o nome de imagem, e que entendes como uma unidade sobre todos eles. Fala agora, e sem permitir-lhe vantagem alguma, repele o adversário. Teeteto: — Que outra definição daríamos à imagem, estrangeiro, se não a de um segundo objeto igual, copiado do verdadeiro? Estrangeiro: — Teu "segundo objeto igual" significa um objeto verdadeiro, ou, então, que queres dizer com esse "igual"? Teeteto: — De forma alguma um verdadeiro, certamente, mas um que com ele se pareça. Estrangeiro: — Mas, por verdadeiro, tu entendes "um

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(Tradução nossa.) PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 32. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009. “Se, dunque, l'arte mimetica è l'arte di produrre immagini (εἰδωλα), che sono imitazioni (μιμήματα) e somiglianza (ὁμοιώματα) d'un modello, vi saranno due specie d'immagini: la copia (εἰκών), così detta perché copia esattamente (ἔοικε), e la parvenza (φάντασμα), così detta perché pare (φαίνεται) che copi. Platone aggiunge che l'arte fantastica è molto più estesa dell'icastica, soprattutto nella pittura, e in genere in tutte le arti mimetiche. L'immagine, in quanto pare senza essere, è falsità: il problema dell'imitazione si ricollega con quello dell'errore.”

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ser real"? Teeteto: —Certamente. Estrangeiro: — Então? Por não-verdadeiro tu entendes o contrário do verdadeiro? Teeteto: — Certamente. Estrangeiro: — O que parece é, pois, para ti, um não-ser irreal, pois o afirmas não verdadeiro. Teeteto:— Entretanto, há algum ser. Estrangeiro: — Em todo o caso, não um ser verdadeiro, é o que dizes. Teeteto: — Certamente não; ainda que ser por semelhança seja real. Estrangeiro: —Assim, pois, o que chamamos semelhança é realmente um não-ser irreal? Teeteto: — Temo que em tal entrelaçamento: que o ser se enlace ao não-ser, de maneira a mais estranha. (Sofista, 240 a).174

Pareyson explica este aspecto presente no pensamento de Platão: A imagem, portanto, consiste em ser e não ser: é, enquanto é em si mesma, e não é, enquanto não é o objeto imitado. A imagem, isto é, traz em si mesma a alteridade e a identidade: é outra do objeto imitado, embora não seja totalmente diferente; se assimila ao objeto imitado, mesmo não sendo totalmente igual, ou seja, idêntica a ele. A semelhança, portanto, consiste em uma síntese de alteridade e identidade. O fundamento da alteridade é a matéria qual se representa o objeto imitado; o fundamento da identidade é o ato de assimilação que impede a imagem de ser diversa, ainda que seja outra, do modelo.175

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PLATÃO, Diálogos / Platão; seleção de textos de José Américo Motta Pessanha ; tradução e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. — 5. ed. — São Paulo : Nova Cultural, 1991.) Ξένος Τὸ διὰ πάντων τούτων ἃ πολλὰ εἰπὼν ἠξίωσας ἑνὶ προσειπεῖν ὀνόματι φθεγξάμενος εἴδωλον ἐπὶ πᾶσιν ὡς ἓν ὄν. λέγε οὖν καὶ ἀμύνου μηδὲν ὑποχωρῶν τὸν ἄνδρα. Θεαίτητος Τί δῆτα, ὦ ξένε, εἴδωλον ἂν φαῖμεν εἶναι πλήν γε τὸ πρὸς τἀληθινὸν ἀφωμοιωμένον ἕτερον τοιοῦτον; Ξένος Ἕτερον δὲ λέγεις τοιοῦτον ἀληθινόν, ἢ ἐπὶ τίνι τὸ [240b] τοιοῦτον εἶπες; Θεαίτητος Οὐδαμῶς ἀληθινόν γε, ἀλλ' ἐοικὸς μέν. Ξένος Ἆρα τὸ ἀληθινὸν ὄντως ὂν λέγων; Θεαίτητος Οὕτως. Ξένος Τί δέ; Τὸ μὴ ἀληθινὸν ἆρ' ἐναντίον ἀληθοῦς; Θεαίτητος Τί μήν; Ξένος Οὐκ ὄντως [οὐκ] ὂν ἄρα λέγεις τὸ ἐοικός, εἴπερ αὐτό γε μὴ ἀληθινὸν ἐρεῖς. Θεαίτητος Ἀλλ' ἔστι γε μήν πως. Ξένος Οὔκουν ἀληθῶς γε, φῄς. Θεαίτητος Οὐ γὰρ οὖν· πλήν γ' εἰκὼν ὄντως. Ξένος Οὐκ ὂν ἄρα [οὐκ] ὄντως ἐστὶν ὄντως ἣν λέγομεν εἰκόνα; [240c] Θεαίτητος Κινδυνεύει τοιαύτην τινὰ πεπλέχθαι συμπλοκὴν τὸ μὴ ὂν τῷ ὄντι, καὶ μάλα ἄτοπον. 175

(Tradução nossa.) PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 33. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009. “L'immagine, perciò, consta di essere e non essere: è in quanto è se stessa, non è in quanto non è l'oggetto imitato. L'immagine, cioè reca in sé l'alterità e l'identità: è altra dall'oggetto imitato, pur non essendone del tutto diversa; si assimila all'oggetto imitato, pur non essendogli del tutto eguale, e cioè identica con esso. La somiglianza, dunque, consiste in una sintesi di alterità e identità. Il fondamento dell'alterità è la materia nella quale si rappresenta l'oggetto imitato; il fondamento dell'identità è l'atto di assimilazione che impedisce all'immagine d'essere diversa, pur essendo altra, dal modello.”

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Na passagem acima, Pareyson discorre acerca do problema da semelhança e da subordinação da imagem para com seu modelo, e ao mesmo tempo levanta a questão de que a imagem, mesmo parecida com o modelo, nunca será o modelo, pois sempre haverá um aspecto de alteridade na imagem. E é exatamente esta aparente contradição que a reivindicação do estatuto ontológico da arte na Teoria da Formatividade pretende resolver, pois, mesmo sendo cópia, a imagem tem autonomia com relação ao modelo, inclusive a imagem pictórica, como explica Pareyson: Evidentemente, o problema não é o de corroborar se a imagem artística tem ou não relações com a natureza. [...] o essencial é que a imagem artística seja acabada na sua estrutura autônoma. Que a arte copie ou transfigure, o essencial é que ela “figure”; que a arte deforme ou transforme, o essencial é que ela “forme”. 176

Ademais, Platão disse ainda que as imagens produzidas pelos pintores seriam como um sonho acordado, como um reflexo.

(Sofista 239 c-d 177 e 266c 178 ), reiterando esse

entendimento da imagem pictórica como um “não ser” e como uma ilusão. 176

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.68. “Il problema, evidentemente, non è di assodare se l'immagine artistica abbia o non abbia rapporti con la natura. Sul piano della poetica si potrà discutere se l'arte debba copiare o deformare, e sul piano della critica si potrà caratterizzare in tali modi una determinata forma d'arte; ma sul piano dell'estetica l'essenziale è che l'immagine artistica sia compiuta nella sua autonoma struttura. Che l'arte raffiguri o trasfiguri, l'essenziale è ch'essa «figuri»; che l'arte deformi o trasformi, l'essenziale è ch'essa «formi».” (PAREYSON, Luigi. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.263.) 177

“Estrangeiro: — Em consequência, se afirmamos que ele possui uma arte de simulacro, o emprego de tais fórmulas lhe tornaria fácil a resposta. Facilmente ele voltaria contra nós as nossas fórmulas, e quando o chamássemos de produtor de imagens ele nos perguntaria o que, afinal de contas, chamamos de imagens. Devemos, pois, procurar, Teeteto, o que se poderia responder, com acerto, a este espertalhão. Teeteto- — Evidentemente que responderemos lembrando as imagens das águas e dos espelhos, as imagens pintadas ou gravadas, e todas as demais, da mesma espécie.” (PLATÃO, Diálogos / Platão ; seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991) Ξένος Τοιγαροῦν εἴ τινα φήσομεν αὐτὸν ἔχειν φανταστικὴν [239d] τέχνην, ῥᾳδίως ἐκ ταύτης τῆς χρείας τῶν λόγων ἀντιλαμβανόμενος ἡμῶν εἰς τοὐναντίον ἀποστρέψει τοὺς λόγους, ὅταν εἰδωλοποιὸν αὐτὸν καλῶμεν, ἀνερωτῶν τί ποτε τὸ παράπαν εἴδωλον λέγομεν. Σκοπεῖν οὖν, ὦ Θεαίτητε, χρὴ τί τις τῷ νεανίᾳ πρὸς τὸ ἐρωτώμενον ἀποκρινεῖται. Θεαίτητος Δῆλον ὅτι φήσομεν τά τε ἐν τοῖς ὕδασι καὶ κατόπτροις εἴδωλα, ἔτι καὶ τὰ γεγραμμένα καὶ τὰ τετυπωμένα καὶ τἆλλα ὅσα που τοιαῦτ' ἔσθ' ἕτερα. 178

PLATÃO, Sofista, 266c: “Estrangeiro:— Mas que diremos de nossa arte humana? Não afirmaremos que, pela arte do arquiteto, se cria uma casa real, e, pela arte do pintor, uma outra casa, espécie de sonho apresentado pela mão do homem a olhos despertos?” (PLATÃO, Diálogos / Platão ; seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.)

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E, por fim, no Crátilo, Platão também disserta sobre a imagem pictórica repetindo, tal como no Sofista, o entendimento que há uma distância e uma diferença entre a imagem produzida pela arte e seu suposto modelo, isto é, ele diz que se se pudesse imitar o modelo tal como ele realmente é, na sua totalidade, não seria uma imagem, mas sim, a coisa mesma: Sócrates - [...] Vê se tenho razão. Se fossem postos juntos dois objetos diferentes: Crátilo e a imagem de Crátilo, e uma divindade não imitasse apenas a tua figura e tua cor, como fazem os pintores, mas formasse todas as entranhas iguais às tuas, emprestando-lhes o mesmo grau de ductibilidade e calor, além de movimento, alma e raciocínio, tal como há em ti; em uma palavra: tudo exatamente como és, e colocasse ao teu lado essa duplicata de ti mesmo: tratar-se-ia de Crátilo e uma imagem de Crátilo, ou de dois Crátilos? Crátilo - Quer parecer-me, Sócrates, que seriam dois Crátilos. (Crátilo, 432 b-c)

179

Pareyson, analisando algumas passagens do citado diálogo conclui: Reconectando o problema da imitação com o problema do erro, Platão, retoma, do Sofista, o problema no Crátilo. [...] Consequentemente, o semelhante não é nem o totalmente outro, isto é, o diverso, nem é totalmente igual, isto é, idêntico [...] 180

Portanto, pode-se concluir que: tanto no Sofista, no Crátilo, quanto na República, Platão aponta para a relação entre modelo, mímesis [imitação], imagem, distinguindo, de um Ξένος Τί δὲ τὴν ἡμετέραν τέχνην; ἆρ' οὐκ αὐτὴν μὲν οἰκίαν οἰκοδομικῇ φήσομεν ποιεῖν, γραφικῇ δέ τιν' ἑτέραν, οἷον ὄναρ ἀνθρώπινον ἐγρηγορόσιν ἀπειργασμένην; [266d] Θεαίτητος Πάνυ μὲν οὖν. 179

Tradução: PLATÃO. Teeteto e Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 3ªed. Belém: EDUFPA, 2001. Σωκράτης - [...] τοῦ δὲ ποιοῦ τινος καὶ συμπάσης εἰκόνος μὴ οὐχ αὕθ ἡ ὀρθόθς, ἀλλὰ τὸ ἐναντίον οὐδὲ τὸ παράπαν δέῃ πάντα ἀποδοῦναι οἷόν ἐστιν ᾧ εἰκάζει, εἰ μέλλει εἰκὼν εἶναι. Σκόπει δὲ εἰ τὶ λέγω. Ἆρ᾽ ἂν δύο πράγματα εἴη τοιάδε, οἷον Κρατύλος καὶ Κρατύλου εἰκών, εἴ τις θεῶν μὴ μόνον τὸ σὸν χρῶμα καὶ σχῆμα ἀπεικάσειεν ὥσπερ οἱ ζωγράφοι, ἀλλὰ καὶ τὰ ἐντὸς πάντα τοιαῦτα ποιήσειεν οἷάπερ τὰ σά, καὶ μαλακόθτας [432c] καὶ θερμόθτας τὰς αὐτὰς ἀποδοίη, καὶ κίνησιν καὶ ψυχὴν καὶ φρόνησιν οἵαπερ ἡ παρὰ σοὶ ἐνθείη αὐτοῖς, καὶ ἑνὶ λόγῳ πάντα ἅπερ σὺ ἔχεις, τοιαῦτα ἕτερα καταστήσειεν πλησίον σου; πότερον Κρατύλος ἂν καὶ εἰκὼν Κρατύλου τότ᾽ εἴη τὸ τοιοῦτον, ἢ δύο Κρατύλοι; Κρατύλος - Δύο ἔμοιγε δοκοῦσιν, ὦ Σώκρατες, Κρατύλοι. 180

(Tradução nossa.) PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 32. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009. “Ricollegando il problema dell'imitazione col problema dell'errore, Platone riprende, nel Sofista, il problema del Cratilo. [...]Quindi il simile non è né il totalmente altro, e cioè il diverso, né il totalmente eguale, cioè l'identico.[...]”

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lado, a coisa, e de outro, a pintura. Entretanto, como a imagem não é um duplo do modelo, esta pressupõe um espectador que a apreenda, que a identifique, e que a julgue. Como expõe Pareyson: A imitação implica três elementos: o objeto imitado, que é o modelo em relação ao qual se julga a imitação; uma matéria, que é o meio no qual se concebe e se representa o objeto imitado; um ato de assimilação, isto é, o que torna a imagem aproximada ao objeto imitado. 181

Portanto, pode-se dizer que é por isso que Platão idenfica o perigo que imagem pode acarretar, pois o espectador poderia incorrer no erro de não entender que a imagem é ilusão, e apenas aparência da coisa, e não a coisa mesma. Nesse sentido, é esta relação tríplice que define a pintura enquanto imagem, e não apenas a relação dupla imitação-modelo, pois o espectador é quem identifica e interpreta a imagem, mesmo que este espectador seja o próprio artífice da obra. Interessante que esta identificação do espectador como o terceiro vértice da cadeia produtiva da obra de arte está igualmente presente em outro diálogo de Platão, o Íon (535d -536a) 182, o que demonstra o quanto Platão se preocupou com a questão de como a imagem é recepcionada e interpretada. E ainda, a partir das leituras dos trechos tanto da República como nas passagens do Sofista e do Crátilo citados anterioremente, também se pode afirmar que: Platão mostra que a imagem pictórica tem uma significativa diferença com relação ao modelo, ganhando uma autonomia, que Platão via de maneira negativa, pois nunca é uma imitação fiel da coisa,

181

(Tradução nossa.) PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 33. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009. “L'imitazione implica tre elementi: l'oggetto imitato, che è il modello in rapporto al quale si giudica dell'imitazione; una materia, ch'è il mezzo nel quale si rende e si rappresenta l'oggetto imitato; un atto d'assimilazione, ch'è ciò che rende l'immagine vicina all'oggetto imitato.” 182

"Sóc.: Sabes então que o próprio espectador é o último dos anéis de que eu falava, a receber o poder que, sob o efeito da pedra de Hércules, (536) passa de um para o outro? O do meio és tu, rapsodo e o ator, e o primeiro é o próprio poeta. O Deus, através de todos eles, dirige a alma dos homens para onde quiser, fazendo passar o poder de uns para os outros[...]” (Tradução: PLATÃO. Sobre a inspiração poética (Íon) e sobre a mentira (Hípias Menor) Trad. de. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2007.) ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οἶσθα οὖν ὅτι οὗτός ἐστιν ὁ θεατὴς τῶν δακτυλίων ὁ ἔσχατος, ὧν ἐγὼ ἔλεγον ὑπὸ τῆς Ἡρακλειώτιδος λίθου ἀπ' ἀλλήλων τὴν δύναμιν λαμβάνειν; ὁ δὲ μέσος σὺ ὁ [536a] ῥαψῳδὸς καὶ ὑποκριτής, ὁ δὲ πρῶτος αὐτὸς ὁ ποιητής· ὁ δὲ θεὸς διὰ πάντων τούτων ἕλκει τὴν ψυχὴν ὅποι ἂν βούληται τῶν ἀνθρώπων, ἀνακρεμαννὺς ἐξ ἀλλήλων τὴν δύναμιν.[...]

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sempre se configura como outro, mas que tanto Aristóteles como Pareyson verão de maneira positiva, como discorre Pareyson: Platão reconhece que este mundo da arte é “outro” do objeto imitado, todavia tal “alteridade” é, na compreensão dele, “inferioridade”, derivada de uma transposição de “matéria” diversa, e não como criação de um mundo novo devido à originalidade do artista. 183

Embora Platão entenda que isto faça da pintura uma falsidade, uma ilusão, atribuindo à produção de imagens pictóricas uma “negatividade” e condenando-as, como, por exemplo, se vê na República. E apesar da condenação da imagem pictórica contida em alguns diálogos de Platão, o reconhecimento de que a produção da imagem pictórica nunca é fiel ao modelo, abre a discussão sobre o significado da imitação e da imaginação nestes diálogos, mostrando que esta é uma questão latente em Platão, e continua fundamental até hoje, como expõe Pareyson: [...] uma primeira referência à atividade positiva do artista pode-se encontrar na arte “fantástica”: a semelhança produzida da arte fantástica é aparência, que altera o objeto em vista da exigência do espectador. Trata-se, sim, de uma falsificação do real e de um engano em que se atrai o espectador, e este é o lado negativo da concepção platônica; mas se trata, ainda, de uma elaboração intencional da realidade, e este é o primeiro aceno positivo de um princípio de abstração com relação ao objeto representado. Vê-se, portanto, em Platão, um primeiro reconhecimento da “autonomia” do mundo da arte, mesmo que essa tal autonomia venha a ser entendida como “alteridade”, e que seja “degeneração” devido à presença da “matéria” e seja um “engano”.184 183

(Tradução nossa.) PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 34. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009. “Platone riconosce che il mondo dell'arte è «altro» dall'oggetto imitato, senonché tale «alterità» è intesa da lui come «inferiorità», derivante da una trasposizione di una «materia» diversa, e non come creazione di un mondo nuovo dovuto all'originalità dell'artista.” 184

(Tradução nossa.) Ibidem., p. 34. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009. “Un primo accenno all'attività positiva dell'artista si può, invece, rinvenire nell'arte fantastica: la somiglianza prodotta dall'arte fantastica è parvenza, che altera l'oggetto in vista dell'esigenza dello spettatore. Si tratta, sì, d'una falsificazione del reale e di un inganno in cui si attira lo spettatore, e questo è il lato negativo della concezione platonica; ma si tratta, anche, d'una elaborazione intenzionale della realtà, e questo è il primo accenno positivo a un principio di astrazione rispetto all'oggetto rappresentato. V'è dunque, in Platone, un primo riconoscimento dell’«autonomia» del mondo dell'arte anche se tale autonomia viene intesa come «alterità», ch'è «degenerazione», dovuta alla presenza della «materia» e a un «inganno».”

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Outro ponto que se pode identificar a partir da leitura do Crátilo é a demarcação da diferença entre os conceitos ainda hoje pertinentes: imitação e imaginação, pois, se de um lado a imitação pode ser identificada com o conceito de mímesis, e, para Platão, quanto mais fiel ao modelo melhor, por outro lado o conceito de imaginação pode ser identificado com o conceito de phantasía, já que a produção da imagem pictórica parte de uma interpretação de um suposto modelo, e, não só do artista, mas também, como propõe Platão, resulta numa interpretação do próprio espectador. Logo, Platão no Crátilo e no Sofista, ao propor uma ligação quase indissociável entre imitação e imaginação, pois ambos estariam abarcados no próprio conceito de mímesis, que neste caso, não pode ser entendida como imitação no sentido de mera cópia, define o conceito de arte como representação, no sentido de phantasía como produto da interpretação do modelo pelo artista, e não apenas, a arte como mera imitação. Sobre esta tese, Pareyson discorre: A arte como interpretação da realidade para representar [rappresentare] é conceito que se apresenta em todo o curso da história da estética, e Platão nos dá, neste ponto, um primeiro vislumbre. Com tal conceito se derruba a concepção de arte como semelhança [somiglianza] estética e passiva: a semelhança mesma torna-se esforço de assimilação, e, assim, implica o artista numa atividade original, comprometida em penetrar no modelo para apreender a sua natureza íntima. 185

3.4. “Positividade” da mímesis em Aristóteles No capítulo I discorreu-se sobre uma passagem da Física de Aristóteles, onde está explicitado que a tékhne [arte] é imitação [mímesis] da phýsis [natureza], usando aqui os termos advindos destas leituras. No cap. II refletiu-se que, a partir do conceito de “organismo” que Pareyson identifica em vários textos aristotélicos, concluiu-se que a arte é imitação da 185

(Tradução nossa.) PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 34. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009. “L'arte come interpretazione della realtà da rappresentare è concetto che si presenta in tutto il corso della storia dell'estetica, e Platone ne dà, a questo punto, un primo accenno. Con tal concetto si rovescerà la concezione dell'arte come somiglianza statica e passiva: la somiglianza stessa diventa sforzo d'assimilazione, e quindi implica nell'artista un'attività originale, intesa a penetrare il modello per coglierne l'intima natura.”

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natureza, mas não enquanto cópia fiel, e sim, como complemento e preenchimento do que a natureza não produz, trazendo assim, o novo. Nas palavras de Pareyson: Sendo assim as coisas, o verdadeiro significado da concepção tradicional de arte como imitação da natureza é aquele, já muitas vezes emergido da estética, pelo qual a arte opera como a natureza, isto é, produz objetos com uma estrutura unitária, coisa entre coisas, organismos autônomos, formas vivas. 186

Isto é, a partir dessa constatação que a arte mimética é pensada como incremento da natureza e a renova, logo, pode-se afirmar que a arte é preenchimento do que falta, é a presença da ausência. Neste sentido, a arte, enquanto mímesis é a presença do ausente (outro) e não a repetição de outro presente (modelo), portanto, mesmo que haja um modelo, o produto advindo da técnica-arte é sempre outro, sempre novo, podendo reivindicar autonomia ontológica com relação ao suposto objeto referente. E como completa Pareyson: “Fazer arte significa, em primeiro lugar, realizar: é só secundariamente que ela é significação, ou imitação ou qualquer outra coisa.” 187 Todavia, como se mostrou anteriormente, quando Aristóteles discorre sobre Arte, não diz das Artes, em strictu sensu como definimos hoje, mas de toda e qualquer produção humana, incluindo as Artes em geral. Entretanto, na Poética, Aristóteles discorre especialmente sobre o que entendemos por Arte atualmente, e, diferente de Platão, expõe a atividade da mímesis de forma positiva. Para discorrer e explicar o que significa arte enquanto mímesis, Aristóteles elenca dois argumentos a favor da mímesis; um, que a mímesis é congênita ao homem e faz parte de sua natureza, e o outro, que a mímesis gera prazer, justamente por ser congênita e mais ainda, por proporcionar o aprendizado, nas palavras dele, da Poética: 186

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.70. “Così stando le cose, il vero significato della concezione tradizionale dell'arte come imitazione della natura è quello, già spesso emerso nella storia dell'estetica, per cui l'arte opera come la natura, cioè produce oggetti con una struttura unitaria, cose fra cose, organismi autonomi, forme viventi.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.264. ) 187

Ibidem. Op. cit., p.69. “Far arte significa anzitutto realizzare: solo secondariamente essa è signilicazione o espressione o raffigurazione o altro che sia.”(Ibidem. Op. cit., p.264. )

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Ao que parece, duas causas, e ambas naturais, geraram a poesia. O imitar é congênito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções), e os homens se comprazem no imitado. Sinal disto é o que acontece na experiência: nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância, por exemplo, [as representações de] animais ferozes e [de] cadáveres. Causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos, mas também, igualmente, aos demais homens, se bem que menos participem dele. Efetivamente, tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens: olhando-as, aprendem e discorrem sobre o que seja cada Uma delas, [e dirão], por exemplo, "este é tal". Porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, nenhum prazer lhe advirá da imagem, como imitada, mas tão-somente da execução, da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie. (Poética, 1448 b 4-19) 188

Outro aspecto da imitação que é repetido não só na Poética, mas também em outros textos é que o que gera prazer, não é a mímesis apenas enquanto imitação, pois a mímesis não é imitação de outro igual, mas, e, sobretudo, é complemento do que falta. Portanto, Aristóteles aponta que o proporciona prazer está no “bem fazer” da tékhne [arte], como fica claro nesta passagem da Retórica: 188

Tradução: ARISTÓTELES. Poética, Tradução de Eudoro de Souza. 1ª ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973, 1450 a ou §33, p 448. Ἐοίκασι δὲ γεννῆσαι μὲν ὅλως τὴν ποιητικὴν αἰτίαι [5] δύο τινὲς καὶ αὗται φυσικαί. Τό τε γὰρ μιμεῖσθαι σύμφυτον τοῖς ἀνθρώποις ἐκ παίδων ἐστὶ καὶ τούτῳ διαφέρουσι τῶν ἄλλων ζῴων ὅτι μιμητικώτατόν ἐστι καὶ τὰς μαθήσεις ποιεῖται διὰ μιμήσεως τὰς πρώτας, καὶ τὸ χαίρειν τοῖς μιμήμασι πάντας. Σημεῖον δὲ τούτου τὸ συμβαῖνον [10] ἐπὶ τῶν ἔργων· ἃ γὰρ αὐτὰ λυπηρῶς ὁρῶμεν, τούτων τὰς εἰκόνας τὰς μάλιστα ἠκριβωμένας χαίρομεν θεωροῦντες, οἷον θηρίων τε μορφὰς τῶν ἀτιμοτάτων καὶ νεκρῶν. Αἴτιον δὲ καὶ τούτου, ὅτι μανθάνειν οὐ μόνον τοῖς φιλοσόφοις ἥδιστον ἀλλὰ καὶ τοῖς ἄλλοις ὁμοίως, ἀλλ᾽ ἐπὶ βραχὺ [15] κοινωνοῦσιν αὐτοῦ. Διὰ γὰρ τοῦτο χαίρουσι τὰς εἰκόνας ὁρῶντες, ὅτι συμβαίνει θεωροῦντας μανθάνειν καὶ συλλογίζεσθαι τί ἕκαστον, οἷον ὅτι οὗτος ἐκεῖνος· ἐπεὶ ἐὰν μὴ τύχῃ προεωρακώς, οὐχ ᾗ μίμημα ποιήσει τὴν ἡδονὴν ἀλλὰ διὰ τὴν ἀπεργασίαν ἢ τὴν χροιὰν ἢ διὰ τοιαύτην τινὰ ἄλλην αἰτίαν.[20] Outra tradução: “Das coisas que por elas próprias vemos de maneira dolorosa, destas provamos prazer ao contemplar (θεωροῦντες) as imagens (είκονας) mais cuidadas, como, por exemplo, configurações (μορφάς) dos bichos mais desprezíveis e dos cadáveres. A causa disso é o fato de que aprender [ou 'compreender"] (μανθάνειν) é coisa prazerosíssima não só para os que se deleitam com o saber (φιλοσόφοις ) mas de maneira semelhante também para os outros, ainda que participem disso por breve tempo. Por isso, com efeito, gostam de ver as imagens (είκόνας), já que acontece que, contemplando (θεωροῦντας ) aprendam [ou 'compreendam"] e raciocinem (συλλογίζεσθαι) o que é cada coisa (τί ἓκαστον ), como, por exemplo, que "este é aquele" (οὗτος ἑκεῖνος). Porque, caso aconteça nunca o ter visto antes (μὴ τύχη προεωρακώ) não uma imitação (οὐχὶ μίμημα) [sem a emendatio de Hermann [1802] (p. 105) (οὐχ ᾗ μίμημα) "não enquanto imitação", presente em muitas edições] produzirá o prazer, e sim por causa da execução ou da cor ou de uma outra causa parecida. (Poética 4, 1448b 10-19). (ARISTÓTELES. Da Lembrança e da Rememoração. Tradução, notas e comentários de Cláudio Veloso. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, v. 12, n. especial, janeiro a dezembro de 2002. Campinas: Centro de Lógica e Epistemologia e História da Ciência – Unicamp. 2002, p. 96.)

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E, como aprender e admirar é agradável, necessário é também que o sejam as coisas que possuem estas qualidades; por exemplo, as imitações, como as da pintura, da escultura, da poesia, e em geral todas as boas imitações, mesmo que o original não seja em si mesmo agradável; pois não é o objeto retratado que causa prazer, mas o raciocínio de que ambos são idênticos, de sorte que o resultado é que aprendemos alguma coisa. (Retórica, 1371 b 4) 189

Essa questão, apontada na passagem acima por Aristóteles, de que o prazer ao ver uma pintura, não é necessariamente o prazer de identificar o modelo, mas sim, o prazer de identificar a imagem mesma enquanto imagem, retomando, assim, o entendimento da definição de Arte como produção [poíesis]. E a partir deste ponto, encontra-se outra chave para o diálogo que Pareyson estabeleceu com a filosofia aristotélica, e que se relaciona com a distinção entre modelo e “forma” proposta na Teoria da Formatividade; “forma”, aqui, identificada com a imagem pictórica e escultórica. Nas palavras de Pareyson: Sem insistir, agora, sobre o caráter intelectualístico que seria de tal modo atribuído ao prazer estético, é indubitável que esta distinção aristotélica entre o objeto imitado e a imitação bem feita é uma primeira menção à teoria moderna da indiferença ao conteúdo e da relevância estética da representação em si mesma. Colocar ênfase sobre a representação, ao invés do conteúdo, é um convite para considerar a obra de arte em si mesma, como um mundo em si, que é autônomo em relação aquele a partir do qual se extrai a inspiração para a representação mesma.190

189

ARISTÓTELES. Obras Completas: Retórica. Tradução de Manuel Alexandre Junior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do nascimento Pena, 3ª ed. Lisboa: Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa Lisboa - Imprensa Nacional-Casa da moeda, 2006, Livro 1. Cap.11.23, p.138. ἐπεὶ δὲ τὸ μανθάνειν τε ἡδὺ καὶ τὸ θαυμάζειν, καὶ τὰ τοιάδε ἀνάγκη ἡδέα εἶναι, οἷον τό τε μιμούμενον,ὥσπερ γραφικὴ καὶ ἀνδριαντοποιία καὶ ποιητική, καὶ πᾶν ὃ ἂν εὖ μεμιμημένον ᾖ, κἂνᾖ μὴ ἡδὺ αὐτὸ τὸ μεμιμημένον: οὐ γὰρ ἐπὶ τούτῳ χαίρει, ἀλλὰ συλλογισμὸς ἔστινὅτι τοῦτο ἐκεῖνο, ὥσε μανθάνειν τι συμβαίνει. 190

(Tradução nossa.) PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 35 In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009.) “Senza insistere, ora, sul carattere intellettua listico che verrebbe in tal modo attribuito al piacere estetico, è indubitato che questa distinzione aristotelica fra l'oggetto imitato e l'imitazione ben fatta è un primo accenno alla teoria moderna dell'indifferenza del contenuto e della rilevanza estetica della sola rappresentazione. Il porre l'accento sulla rappresentazione anzi che sul contenuto è un invito a considerare l'opera d'arte in sé, come un mondo a sé, ch'è autonomo rispetto a quello da cui si trae lo spunto per la rappresentazione medesima”

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Pois, esta descrição da Poética de que a imagem gera prazer independente do motivo possibilita a definição da imagem como autônoma com relação ao modelo, e ainda, igualmente autônoma da própria noção de identidade e semelhança. Outro ponto que a separação entre a noção de arte e de cópia permite vislumbrar é a própria ideia de originalidade que a arte carrega desde o romantismo até hoje, que Pareyson identifica como tenho o seu início embrionário aqui mesmo, tanto em Platão como em Aristóteles, nas palavras do filósofo italiano: É a primeira menção a uma concepção positiva da autonomia do mundo da arte, autonomia que já havia sido reconhecida por Platão, a qual, todavia, tinha sido concebida negativamente. Trata-se do caminho de reconhecer uma ampla margem para a atividade original do artista, para ir além do caráter extrínseco da referência da imagem ao modelo. A relação de semelhança é ainda concebida como extrínseca a obra de arte, mas após o convite para se considerar a representação em si mesma, não se tardará a seguinte concepção da semelhança como esforço subjetivo e original de objetividade e de fidelidade ao real.191

E por fim, há ainda, outra uma passagem da Poética que expõe mais um ponto fundamental para entender como Aristóteles entendia os meandros e complexidades da mímesis, onde ele expõe que a relação da arte como imitação está atrelada ao conceito de verossimilhança: “O poeta é imitador, como o pintor ou qualquer outro imaginário; por isso, sua imitação incidirá num destes três objetos: coisas quais eram ou quais são, quais os outros dizem que são ou quais parecem, ou quais deveriam ser.” (Poética 1460b 8-10) 192

191

(Tradução nossa.) PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 35-36 In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009.) “È il primo accenno a una concezione positiva dell'autonomia del mondo dell'arte, autonomia ch'era già stata riconosciuta da Platone, il quale, tuttavia, l'aveva concepita negativamente. Si è sulla strada di riconoscere un ampio margine all'attività originale dell'artista, e di oltrepassare il carattere estrinseco del riferimento dell'immagine al modello. Il rapporto di somiglianza è ancora concepito come estrinseco all'opera d'arte, ma dopo l'invito a considerare la rappresentazione in se stessa non tarderà a seguire la concezione della somiglianza come sforzo soggettivo e originale di oggettività e di fedeltà al reale.” 192

ARISTÓTELES. Poética, Tradução de Eudoro de Souza. 1ª ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973, XXV, 161, p.468. Ἔπεὶ γάρ ἐστι μιμητὴς ὁ ποιητὴς ὡσπερανεὶ ζωγράφος ἤ τις ἄλλος εἰκονοποιός, ἀνάγκη μιμεῖσθαι τριῶν ὄντων τὸν [10] ἀριθμὸν ἕν τι ἀεί, ἢ γὰρ οἷα ἦν ἢ ἔστιν, ἢ οἷά φασιν καὶ δοκεῖ, ἢ οἷα εἶναι δεῖ.

105

Ora, o conceito de verossimilhança, que é normalmente entendido no âmbito da poesia pode ser estendido à pintura, já que o próprio Aristóteles inicia este mesmo período do texto acima citado, falando da pintura: que assim como a poesia, é arte imaginária. Ainda, outra passagem da Poética esmiúça o conceito de verossimilhança: “Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade.” (Poética, 1451a 36) 193 No caso da imagem pictórica, pode-se substituir o acontecível, pelo possível, como explica Pareyson: Ora, o acontecível pode ser definido com relação à realidade, enquanto de fato não é acontecido, e no que diz repeito a possibilidade, enquanto logicamente não é impossível de acontecer. Aristóteles completa a fórmula dizendo “o acontecível é o possível” (καὶ τὰ δινατά). Portanto a história expõe o acontecido e a poesia o possível. 194

Ou seja, a tékhne [arte], através da própria atividade da mímesis, novamente é identificada como aquela que complementa e até melhora o que já existe. Enquanto a implicação de que a arte deveria mostrar o que o deveria acontecer, e não o que aconteceu, segundo a verossimilhança, deixa claro que a mímesis não se refere à cópia, mas à interpretação e à invenção. Essa premissa fica clara nesta passagem no final da Poética de Aristóteles: Com efeito, na poesia é de preferir o impossível que persuade ao possível que não persuade. Talvez seja impossível existirem homens quais Zêuxis os pintou; esses porém correspondem ao melhor, e o paradigma deve ser superado. E depois, a opinião comum também justifica o irracional, além de

193

ARISTÓTELES. Poética, Tradução de Eudoro de Souza. 1ª ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973, IX, §50, p 451. Φανερὸν δὲ ἐκ τῶν εἰρημένων καὶ ὅτι οὐ τὸ τὰ γενόμενα λέγειν, τοῦτο ποιητοῦ ἔργον ἐστίν, ἀλλ᾽ οἷα ἂν γένοιτο καὶ τὰ δυνατὰ κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον. 194

(tradução nossa) PAREYSON, Luigi. Il Verisimile Nella Poética Di Aristotele. ______.Problemi dell’estética II. Storia. a cura de Marco Ravera. Milano: Mursia Editore, 2000. p.95. “Ora, l'accadibile può essere definito rispetto alla realtà, in quanto di fatto non è accaduto, e rispetto alla possibilità, in quanto logicamente non è impossibile che accada. Infatti Aristotele completa la formula dicendo « l’accadibile è il possibile» (καὶ τὰ δινατά) Dunque la storia espone 1'accaduto e la poesia il possibile.”

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que às vezes irracional parece o que o não é, pois verossimilmente acontecem coisas que inverossímeis parecem. (Poética 1461b) 195

E, sobre as especificidades da ideia de arte como mímesis, tanto em Platão como Aristóteles, Pareyson conclui: A definição da arte como semelhança em Platão e Aristóteles não se refere à arte de uma mímesis fotográfica e especular, quase como se ao artista não restasse outra atividade que a aplicação de suas habilidades técnicas, e a arte não seria mais que imitação servil e passiva. Esta definição baseia-se na consciência de que um dos problemas fundamentais da arte consiste em conciliar a fidelidade à realidade, que parece ser inerente à representação, com a irreprimível autonomia do mundo da arte. O mundo da arte é um mundo em si mesmo: como, então, pode existir representação de uma realidade? A resposta a esta questão não pode ser consistente em uma concepção que confere um caráter ativo na imitação mesma, mas sim se a imitação advenha de um esforço subjetivo e original com o qual o artista penetra e interpreta essa realidade, que filtrada pelo seu subjetivo e original modo de ver, será representada na obra de arte. 196

A partir da leitura do texto citado acima, é possível vislumbrar a solução da antítese entre imitação e imaginação que Pareyson propõe, isto é, a questão não é ser ou não fiel ao

195

ARISTÓTELES. Poética, Tradução de Eudoro de Souza. 1ª ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973, XXV 36 ou IX, § 177, p 469. Ὅλως δὲ τὸ ἀδύνατον μὲν πρὸς τὴν [10] ποίησιν ἢ πρὸς τὸ βέλτιον ἢ πρὸς τὴν δόξαν δεῖ ἀνάγειν. Πρός τε γὰρ τὴν ποίησιν αἱρετώτερον πιθανὸν ἀδύνατον ἢ ἀπίθανον καὶ δυνατόν· . . . τοιούτους εἶναι οἷον Ζεῦξις ἔγραφεν, ἀλλὰ βέλτιον· τὸ γὰρ παράδειγμα δεῖ ὑπερέχειν. Πρὸς ἅ φασιν τἄλογα· οὕτω τε καὶ ὅτι ποτὲ οὐκ ἄλογόν [15] ἐστιν· εἰκὸς γὰρ καὶ παρὰ τὸ εἰκὸς γίνεσθαι. Τὰ δ᾽ ὑπεναντίως εἰρημένα οὕτω σκοπεῖν ὥσπερ οἱ ἐν τοῖς λόγοις ἔλεγχοι εἰ τὸ αὐτὸ καὶ πρὸς τὸ αὐτὸ καὶ ὡσαύτως, ὥστε καὶ αὐτὸν ἢ πρὸς ἃ αὐτὸς λέγει ἢ ὃ ἂν φρόνιμος ὑποθῆται. 196

(Tradução nossa.) PAREYSON, Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 36. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009. “La definizione dell'arte come somiglianza presso Platone e Aristotele non riporta l'arte a una mimesi fotografica e speculare, quasi che all'artista non rimanga altra attività che l'applicazione della propria abilità tecnica, e l'arte non sia che imitazione servile e passiva. Quella definizione si basa sulla consapevolezza che uno dei fondamentali problemi dell'arte consiste nel conciliare la fedeltà al reale, che sembra inerire alla rappresentazione, con l'insopprimibile autonomia del mondo dell'arte. Il mondo dell'arte è un mondo a sé: come dunque può esser rappresentazione d'una realtà? La risposta a questa domanda non può consistere che in una concezione che conferisca un carattere attivo alla stessa imitazione, sì che l'imitazione divenga lo sforzo soggettivo e originale con cui l'artista penetra e interpreta quella realtà che, filtrata dal suo soggettivo e originale modo di vedere, sarà rappresentata nell'opera d'arte.”

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modelo, mas é entender que Arte, enquanto é mímesis, é também interpretação e “forma”, isto é, dotada de estatuto ontológico e autonomia. E, portanto, é também nesse sentido que é legítimo afirmar que mímesis, tanto na acepção platônica como no sentido aristotélico não pode ser definida como simplesmente imitação, como bem expõe Luiz Costa Lima: [...] embora o Estagirita tenha usado mímesis a partir do contexto platônico, sua acepção diferirá a partir mesmo de sua distinta base ontológica. Assim como a forma se realiza na concreção da matéria, assim a mímesis se cumpre na concreção de um mímema. Mais do que nunca, mímesis não pode ser tomada como imitatio. Víramos que isso não seria correto sequer em Platão, pois a imagem não é o duplo da coisa a que se refere e porque é incapaz de representar as Ideias. A mímesis é sinônimo de um campo fantasmal, é o outro da sombra, nem sequer a própria sombra, pois esta ainda supõe um corpo que a projeta. Em Aristóteles, ao invés, a mímesis partilha das leis que governam a physis, é uma potencialidade (dynamis) que explode em um produto (ergon). 197

3.5. Phantasía e a imagem pictórica em Aristóteles Para finalizar a análise sobre como Aristóteles definiu a imagem pictórica (pintura e desenho) e suas especificidades, no De Memoria et Reminiscentia [Da lembrança e da Rememoração] 198 quando discorre sobre a memória, Aristóteles expõem a relação da imagem pictórica com a imagem imaginária ou aparição [phantasma] 197 198 199

199

, fruto da imaginação

COSTA LIMA, Luiz. Mímesis e modernidade: Formas das sombras. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1980, p.47. Segundo livro do Parva Naturalia de Aristóteles.

Sobre a tradução dos termos gregos e a equivalência com conceitos aqui implicados, Claudio Veloso explica: “‘Imagem’ é a tradução corrente de Φάντασμα, mas eu uso esse termo para traduzir εἰκών, enquanto Φάντασμα, lembro, é sempre traduzido por mim com 'aparição'. É imprescindível não confundir as duas noções. Ao contrário, os comentadores tendem a esquecer que a comparação sugerida por Aristóteles não é entre a lembrança e a pintura - o que faria desta última uma artificiosa memória (Rouveret [1989], p. 303 s.). O que é comparado à pintura tout court, é a aparição, Φάντασμα. A lembrança é comparada propriamente à imagem, εἰκών.” Mais adiante, sobre a mesma passagem, Veloso ainda alerta para outra possível confusão entre termos e conceitos advindos da tradução dos textos citados: “[...] É preciso, todavia, não confundir εἰκών (‘imagem’) e όμοίωμα (‘simulacro’).” (VELOSO, Claudio. Nota sobre Da Lembrança e da Rememoração,449b 30-1. In:

108

[phantasía].200 Phantasía, entendida aqui, como o processo de imaginação, isto é, como a formação de imagens mentais, que faz ver mentalmente o que não está diante dos olhos. Sobre a analogia entre aparição e desenho, Aristóteles discorre: “Mas, dado que se falou da representação [φαντασία]

201

antes nos [livros] sobre a alma, também [se sabe que]

não é possível pensar sem uma aparição [φάντασμα] [450a], pois no pensar acontece exatamente a mesma afecção que acontece no traçar.” (De memoria, 449 b – 450 a 1)

202

Ademais, Aristóteles mostra que um aspecto importante da imagem pictórica acarreta é a correlação entre ausência-presença, sobretudo quando a pintura se propõe representação de uma ideia ou até mesmo quando é um retrato de um ausente. Sobre a imagem do ausente, isto é, a lembrança, Aristóteles discorre: E são coisas lembráveis por si aquelas de que há aparição

[ὦν έστι

φαντασία], enquanto [são lembráveis] [25] por concomitância todas as que [o] são não sem uma aparição. Alguém pode, todavia, encontrar uma dificuldade, ou seja, como, estando presente a afecção, mas ausente a coisa, é lembrado o que não está. É evidente, com efeito, que se deve pensar essa

ARISTÓTELES, Da Lembrança e da Rememoração. Tradução, notas e comentários de Cláudio Veloso. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, v. 12, n. especial, janeiro a dezembro de 2002. Campinas: Centro de Lógica e Epistemologia e História da Ciência – Unicamp. 2002, p. 87.) 200

Tradução para o título proposta por Claudio Veloso In: ARISTÓTELES, Da Lembrança e da Rememoração. Tradução, notas e comentários de Cláudio Veloso. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, v. 12, n. especial, janeiro a dezembro de 2002. Campinas: Centro de Lógica e Epistemologia e História da Ciência – Unicamp. 2002. 201

Veloso explica sobre a tradução para o texto “Da Lembrança e da Rememoração: “ ‘Representação’ traduz φαντασία tradicionalmente traduzido por 'imaginação', enquanto 'aparição' traduz φάντασμα, mas também φαντασία, quando usado como equivalente a φάντασμα” (VELOSO, Claudio. Nota sobre Da Lembrança e da Rememoração, (449b 30-1) In: ARISTÓTELES, Da Lembrança e da Rememoração. Tradução, notas e comentários de Cláudio Veloso. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, v. 12, n. especial, janeiro a dezembro de 2002. Campinas: Centro de Lógica e Epistemologia e História da Ciência – Unicamp. 2002, p. 80.) 202

ARISTÓTELES, Da Lembrança e da Rememoração. Tradução, notas e comentários de Cláudio Veloso. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, v. 12, n. especial, janeiro a dezembro de 2002. Campinas: Centro de Lógica e Epistemologia e História da Ciência – Unicamp. 2002, p.28. Περί φαντασίας είπομεν ήδη εν τη περί Ψυχής πραγματεία και ότι άνευ εικόνος της φαντασίας δεν είναι δυνατόν να νοώμεν. Συμβαίνει δηλ. εις την νόησιν το αυτό φαινόμενον, όπερ και εις την διαγραφήν γεωμετρικού σχήματος.

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afecção - cuja posse dizemos que é uma lembrança i.e. a alma perceptiva] tem, como que uma certa pintura [30]. (De memoria, 450a 23-30)

203

E por fim, nesta outra passagem Aristóteles, ao definir a memória igualmente define a imagem da pintura e/ou do desenho: E se em nós há realmente semelhante a uma marca ou a um desenho, por que a percepção disso seria lembrança de outra coisa, e não desse mesmo algo? Quem está em atividade com a lembrança contempla essa afecção e percebe isso. Como, então, lembra o que não está presente? Então, também seria possível ver [20] e ouvir o que não está presente. Ou se pode [ver e ouvir o que não está presente] porque é possível [lembrar o que não está presente], e isso acontece? Por exemplo, o animal desenhado em uma tábua é, com efeito, um animal e uma imagem - essa mesma e única coisa é ambos, mas o ser não é o mesmo para ambos - e é possível contemplá-lo tanto como um animal quanto como imagem. Desse modo é preciso supor que [25] aparição em nós é ela mesma, também, tanto algo por si quanto aparição de uma outra coisa. (De memoria, 450b 15- 26)204 203

ARISTÓTELES, Da Lembrança e da Rememoração. Tradução, notas e comentários de Cláudio Veloso. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, v. 12, n. especial, janeiro a dezembro de 2002. Campinas: Centro de Lógica e Epistemologia e História da Ciência – Unicamp. 2002, p.28-29. Και εκείνα τα πράγματα είναι καθ' εαυτά αντικείμενα μνήμης, τα οποία είναι αντικείμενα και της φαντασίας, κατά συμβεβηκός δε (εμμέσως) εκείνα, όσα δεν δύνανται να υπάρξωσιν άνευ της φαντασίας. ύναται τις να ερωτήση : πώς άρά γε, ενώ το πάθος μόνον είναι παρόν (εν τη ψυχή), το δε πράγμα είναι απόν, όμως ανακαλείται εις την μνήμην το μη παρόν (πράγμα); Αλλ' είναι φανερόν ότι πρέπει να νοήσωμεν, ότι το διά της αισθήσεως γινόμενον εις την ψυχήν πάθος (η εντύπωσις) και εις το μέρος του σώματος όπερ έχει (αντιλαμβάνεται) αυτήν, ης την κατοχήν καλούμεν μνήμην, είναι όμοιον με ζωγράφημα. 204

ARISTÓTELES, Da Lembrança e da Rememoração. Tradução, notas e comentários de Cláudio Veloso. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, v. 12, n. especial, janeiro a dezembro de 2002. Campinas: Centro de Lógica e Epistemologia e História da Ciência – Unicamp. 2002, p.30-31. Αλλ' εάν τοιούτον είναι το συμβαίνον εις την μνήμην, ποίον εκ των δύο, το πάθος τούτο (την εντύπωσιν) ενθυμείται η ψυχή ή το αντικείμενον, εκ του οποίου έγεινεν; Εάν την εντύπωσιν ενθυμώμεθα, τότε δεν ενθυμούμεθα ουδέν εκ των απόντων. Εάν ενθυμώμεθα το αντικείμενον, πώς, ενώ αισθανόμεθα την εντύπωσιν, όμως δυνάμεθα να μνημονεύωμεν εκείνο, το οποίον δεν αισθανόμεθα, το απόν αντικείμενον {184}; και αν η μνήμη είναι εντός ημών ομοία με τύπον ή με ζωγράφημα {185}, πώς ενώ αισθανόμεθα μόνον τούτο, όμως ενθυμούμεθα άλλο και όχι αυτόν τούτον τον τύπον; Διότι ο ενεργών διά της μνήμης θεωρεί και αισθάνεται μόνον την εντύπωσιν ταύτην. Πώς λοιπόν ενθυμείται πράγμα, όπερ δεν είναι παρόν; Τούτο θα ήτο το αυτό ως να βλέπη και να ακούη το μη παρόν. Ή υπάρχει τρόπος καθ' ον τούτο είναι δυνατόν και πράγματι συμβαίνει; Π. χ. το εζωγραφημένον ζώον είναι και ζώον και εικών, το αυτό δηλ. πράγμα είναι αμφότερα ταύτα συνάμα• αλλά ο τρόπος της υπάρξεως αυτών (του ζώου και της εικόνος) δεν είναι ο αυτός, και δυνάμεθα να θεωρήσωμεν το ζωγράφημα και ως ζώον και ως εικόνα. Και την εν ημίν λοιπόν εικόνα της φαντασίας δυνάμεθα ομοίως να υπολάβωμεν και πρέπει να θεωρήσωμεν αυτήν ως τι καθ' εαυτό (μίαν παράστασιν) και συνάμα ως εικόνα άλλου τινός. Και καθ' όσον μεν θεωρούμεν αυτήν καθ' εαυτήν, αύτη είναι μία ιδέα ή παράστασις της φαντασίας (φάντασμα), καθ' όσον δε θεωρούμεν αυτήν ως αναφερομένην εις άλλο είναι ως εικών ή μνημόνευμα.

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Logo, conclui-se que a pintura pensada como produto da representação [phantasía] em De memoria et Reminiscentia, não quer dizer mímesis no sentido simples de imitação tal como se encontra no Sofista de Platão, seja ela copiosa ou imaginativa. Mas quer dizer representação no sentido de substituição e presentificação de uma ideia, de um pensamento, e, portanto, está de acordo com a compreensão de mímesis tal como vista na Física de Aristóteles, isto é, mímesis no sentido de complementação. Nesse sentido, a partir da leitura do De memoria et Reminiscentia de Aristóteles, conclui-se que a pintura como imagem pode ser definida como a aparição que tem materialidade, ou seja, transformada em coisa entre coisas no mundo, e na alteridade do pensamento, sem, contudo, deixar de ser também pensamento, ou seja, ideia. Como também fica claro nesta passagem do De anima [Da Alma], quando Aristóteles diz que “as imagens são, pois, como sensações, só que sem matéria.” (432a 9)205 Diante disto, a imagem pictórica produzida pode ser entendida, ao mesmo tempo, como ideia e coisa, como pensamento e matéria, como conceito e sensação. Pois o processo de representação e/ou imaginação é análogo ao processo de fabricação da imagem pictórica, e, por conseguinte, ao processo de assimilação da imagem pelo espectador, que por sua vez, se constitui como parte fundamental do processo de elaboração do raciocínio, possibilitando que a sensação se transforme em pensamento.

3. 6. Imitação e autonomia da obra de arte em Pareyson Sendo assim, Pareyson, na Teoria da Formatividade, ao mostrar o estatuto ontológico da arte, e consequentemente da pintura, redimensiona o problema da mímesis, e ainda, identificando, tanto em Platão como em Aristóteles o embrião da definição de autonomia da arte. Portanto, a partir da leitura da intersecção entre Pareyson, Platão e Aristóteles; conclui-se que a questão principal não é se a pintura é imaginativa ou é imitativa. Pois, como discorre Pareyson, o problema da imitação da Arte acaba sendo muito mais um problema de 205

ARISTÓTELES. Sobre A Alma. Tradução de Ana Maria Lóio e Revisão Científica de Tomás Calvo Martinez. Lisboa: Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda, 2010. τὰ γὰρ φαντάσματα ὥσπερ αἰσθήματά ἐστι, πλὴν ἄνευ ὕλης.

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“Poética”, entendida na acepção pareysoniana como “programa de arte” 206 , do que um problema de definição conceitual de Estética, isto é, nos termos pareysonianos, Filosofia da Arte207, nas palavras dele: [...] na definição tradicional da arte como imitação da natureza, definição que, pouco a pouco, foi-se concretizando em significados diversos e, às vezes, opostos: da cópia mais fiel e fotográfica da realidade à mais polêmica deformação ou à abstração mais decidida, através de todos os matizes da verossimilhança, da caracterização, da idealização, da estilização, da invenção mais livre, desenfreada e fantástica. [...] Mas desembaraçamo-nos facilmente de tais dificuldades se pensamos que, na realidade, trata-se mais de “poéticas” do que de estéticas: o que está em jogo não é uma definição geral da arte, mas um programa de arte, e trata-se sempre de relações da imagem artística com a realidade natural, mesmo quando tais relações vêm 206

“A poética é programa de arte, declarado num manifesto, numa retórica ou mesmo implícito no próprio exercício da atividade artística, ela traduz em termos normativos e operativos um determinado gosto, que por sua vez, é toda a espiritualidade de uma pessoa ou de uma época projetada no campo da arte.” (PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.21.) “La poetica è programma d'arte, dichiarato in un manifesto o in una precettistica oppure implicito nello stesso esercizio dell'attività artistica: essa traduce in termini normativi e operativi un determinato gusto, il quale a sua volta è l'intera spiritualità d'una persona o d'un'epoca proiettata nel campo dell'arte.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.223.) 207

“A estética, pelo contrário, não tem um caráter normativo nem valorativo, ela não define nem normas para o artista nem critérios para o crítico. Como filosofia, ela tem um caráter exclusivamente teórico: a filosofia especula, não legisla.” (PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.22.) “L'estetica, invece, non ha carattere né normativo né valutativo: essa non -defìnisce né norme per l'artista né criteri per il critico. Essa, come filosofìa, ha un carattere esclusivamente teorico: la filosofìa specula, non legifera.” (Idem. Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.223.) Em outra passagem, mais adiante no texto, Pareyson discorre pontualmente sobre a necessidade desta distinção que ele propõe entre os significados de “Estética” e “Poética”: “Do ponto de vista estético todas as poéticas são igualmente legítimas: não importa que a arte seja compromissada ou evasiva, realista ou idealista, naturalista ou lírica, figurativa ou abstrata, pura ou carregada de pensamento, douta ou popular, espontânea ou refinada, e assim pó diante, o essencial é que seja arte. O estético, como tal, não toma posição em questões poéticas. Diante das frequentes batalhas que elas travam entre si, ele evita, com cuidado, transformar em divergência filosófica aquilo que é, substancialmente, uma polêmica de gostos. Antes, ele deverá esforçar-se o mais possível por não fazer intervir seu próprio gosto na sua própria teoria, a fim de evitar que esta seja somente a conceitualização de um gosto histórico e nada mais do que uma poética travestida.” (Idem. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.25.) “Dal punto di vista estetico tutte le poetiche sono egualmente legittime: non importa che l'arte sia impegnata o d'evasione, realistica o idealistica, naturalistica o lirica, figurativa o astratta, pura o pensosa, dotta o popolare, spontanea o raffinata, e così via; l'essenziale è che sia arte. L'estetico, come tale, non prende posizione in fatto di poetiche: di fronte alle frequenti battaglie ch'esse impegnano fra di loro, egli evita con cura di trasformare in di vergenza filosofica quella ch'è in sostanza una polemica di gusti. Anzi, egli dovrà sforzarsi quanto possibile di non far intervenire nella propria teoria il proprio gusto, ad evitare ch'essa non sia che la concettualizzazione d'un gusto storico e nient'altro che una poetica travestita. (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.226.)

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negadas, como nos casos de deformação e de abstração ou de invenção surrealista, onde a relação não é superada, mas apenas polemicamente revirada. 208

Nesse sentido, pode-se afirmar que independente de ser ou não imitativa, de ser ou não imaginativa, a pintura é “forma”, ou seja, antes, é coisa; ela é “presença de si mesma”, e não apenas “ausência de outro”. Nas palavras de Pareyson: A arte produz imagens que valem em si e não pela sua relação (positiva ou negativa) com a realidade. Sobre este ponto, afirmar que uma imagem artística vale porque imita bem a natureza é tese equivalente aquela de quem afirmasse que uma imagem artística vale enquanto não se propõe copiar a natureza: ambas são teses absurdas. Mas quem quiser penetrar no significado de uma imagem artística deve dar-se conta de seu intento de fidelidade, ou de deformação, ou de revolta, ou de negação com respeito à natureza: somente aprofundando esta referência poder-se-á penetrar no mundo de uma obra. 209

Todavia, pode-se entender que na Teoria da Formatividade, a obra de arte, enquanto “forma” é também representação, mas não enquanto é imitação de algo, mas enquanto é 208

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.67. “[...] nella definizione tradizionale dell'arte come imitazione della natura, definizione che si è via via concretata in significati diversissimi e talora opposti: dalla copia più fedele e fotografica della realtà alla più polemica deformazione o all'astrazione più decisa, attraverso tutte le sfumature della verisimiglianza, della caratterizzazione, dell'idealizzazione, della stilizzazione, dell'invenzione più libera, sbrigliala e fantastica. Questa definizione ha pesato su tutto il corso della storia dell'estetica, involgendola, almeno sino al romanticismo, in una serie di difficoltà degne forse di miglior causa. Ma di tali difficoltà ci si sbarrazza facilmente non appena si pensi che in realtà si tratta più di «poetiche» che di estetiche: ciò è in gioco non è una definizione generale dell'arte, ma un programma d'arte, e si tratta sempre di rapporti dell'immagine artistica con la realtà naturale, anche quando tali rapporti vengono negati, come nei casi di deformazione e di astrazione o di surrealistica invenzione, ove il rapporto non è superato, ma solo polemicamente rovesciato.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.262-263.) 209

Ibidem. Op. cit., p.68. “L'arte produce immagini che valgono in sé e non per il loro rapporto (positivo o negativo che sia) con la realtà, ma l'individuazione di tale rapporto è indispensabile per comprenderne esattamente il senso. Il valore dell'immagine artistica non dipende affatto dalla maggiore o minore somiglianza con la realtà, anzi non dipende per nulla dal suo riferimento positivo o negativo alla realtà: su questo punto, affermare che un'immagine artistica vale perché raffigura bene la natura è tesi equivalente a quella di chi affermasse che un'immagine artistica vale in quanto non si propone di raffigurare la natura: entrambe le tesi sono assurde. Ma chi voglia penetrare il significato d'un'immagine artistica deve rendersi conto del suo intento di fedeltà o di deformazione o di rivolta o di negazione rispetto alla natura: solo approfondendo questo riferimento si potrà penetrare il mondo d'un'opera.” (Ibidem. Op. cit., p.263.)

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imaginação, é ideia, isto é, enquanto, é interpretação de uma visão pessoal de mundo da “pessoa–artista” produtora da “obra-forma”. Portanto, embora a pintura como representação seja normalmente vista como sendo a imagem de uma referência externa, o significado da pintura está, sobretudo, contido na forma por ela mesma, e não no modelo ou no referente, como explica Carlos Eduardo Uchôa sobre a pintura: A ela não corresponde um significado anterior de que seja apenas o registro fixado; sua virtude não está no seu apagamento enquanto representante para dar transparência a um representado. [...] Não é representante nem representada a não ser de si mesma: nela significante e significado geram-se mútua e continuamente. 210

Logo, a imitação e a relação com um suposto modelo não muda o estatuto da arte como representativa, pois a representação não está na relação de identificação da obra com o modelo, e sim, na identificação da obra como interpretação, isto é, como fruto da visão de mundo pessoal contida na própria obra, e não fora dela. Nesse sentido, Pareyson afirma que: “[...] para compreender bem o significado da obra será necessário dar-se conta do esforço de penetração que o artista fez com relação ao objeto real, que ele teve de saber olhar e interpretar, para pôs-se em condição de revelá-lo e de enfrentá-lo.”211 E, ainda, esta “forma”, que foi fruto da representação de uma ideia, de uma visão de mundo, será novamente representação enquanto for objeto de interpretação da “pessoaespectador”, daí a multiplicidade da interpretação da obra de arte. E, portanto, é nessa cadeia, tal como a cadeia dos elos das Musas proposta no diálogo Íon de Platão, que arte se configura como representação de uma ideia, ou de infinitas ideias, já que as interpretações são inexauríveis, tal qual é a infinidade das diferentes “pessoas” que interpretarem uma única

210

FAGUNDES Jr., Carlos Eduardo Uchôa. O beijo da história: Picasso como emblema da contemporaneidade. São Paulo: Ed. 34, 1996, p.19-20. 211

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.69. “[...]per comprendere bene i l significato dell'opera bisognerà rendersi conto dello sforzo di penetrazione che l'artista ha fatto rispetto a un oggetto reale, ch'egli ha dovuto saper guardare e interpretare per mettersi in grado di rivelarlo e renderlo.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.264.)

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obra de arte; sendo assim, esta cadeia poderia ser definida como: pessoa (artista) - visão de mundo - forma (obra de arte) - pessoa (espectador). Nas palavras de Pareyson: De fato, a interpretação é o encontro de uma pessoa com uma forma; e se pensarmos que tanto a pessoa quanto a forma ao são realidade simples, mas não um infinito encerrado em algo definido, teremos, de pronto, a ideia do quanto é positiva a infinidade da interpretação, a ser considerada antes como inexaurível riqueza do que como reino da imprecisão e arbitrariedade. 212

E é neste ponto que a obra, como “forma” acabada e realizada, torna-se coisa autônoma, não só com relação ao modelo, mas ao próprio artista que a forjou; pois, na alteridade do mundo, estará sujeita a sempre novas e possíveis interpretações e movimentos. Contudo, sem que esta autonomia descaracterize a obra e retire dela sua “forma” completada e pronta, fruto da produção proposta e levada a cabo pelo artista; embora, como coisa entre coisas, estará sujeita ao movimento e a constante transformação, assim como um organismo vivo.

212

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.167. “Infatti ‘l'interpretazione è l’incontro d'una persona con una forma’, e se si pensa che tanto la persona quanto la forma non sono realtà semplici, ma sono un infinito racchiuso in una definitezza, si avrà subito l'idea di quanto sia positiva l'infinità dell'interpretazione, da considerarsi piuttosto come un'inesauribile ricchezza che come il regno dell'imprecisione e dell'arbitrarietà.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.346.)

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CAPÍTULO IV: Autonomia da arte e mímesis na obra de Gerhard Richter à luz da Teoria da Formatividade

O ato do artista entendido como uma reprodução é distinto do objeto reproduzido e da obra produzida: e enquanto é distinto do objeto reproduzido é um ato de imitação, com qual se representa, se refigura, se exprime alguma coisa; enquanto é distinto da obra produzida, é um ato de criação, que é um agir que não se exaure em si mesmo, mas coloca em existência alguma coisa. Luigi Pareyson, 1946 213

4.1. O estudo da “formatividade” no relato da experiência do artista Partindo do entendimento de que o problema da imitação e da imaginação, e consequentemente, da abstração versus a figuração não é um problema de estatuto de arte, mas um problema de escolha e interpretação “pessoal” do artista; tomamos esta escolha ou estas escolhas dos artistas como chaves de interpretação dos movimentos da “forma”, não como proposições definitivas, mas como interpretações “pessoais” de cada artista no percurso da “formatividade” de sua obra, que, uma a uma formam o conjunto de obras que possibilita a especulação e reflexão filosófica. Portanto, a experiência da obra de arte em si, e da reflexão e dos dizeres dos artistas sobre a sua experiência na “formatividade”, constituem material indispensável a esta pesquisa. Sobre a importância do estudo da experiência direta da “formatividade” para a Filosofia da Arte, Pareyson discorre: É bem verdade que o filósofo, sozinho, não tem condições para formular uma estética. Deve ele recorrer à experiência estética, e os testemunhos mais 213

(Tradução nossa.) “L'atto dell'artista inteso come un riprodurre vien distinto dall'oggetto riprodotto e dall'opera prodotta: in quanto è distinto dall'oggetto riprodotto è un atto d'imitazione, col quale si rappresenta, si raffigura, si esprime qualcosa; in quanto è distinto dall'opera prodotta, è un atto di creazione, ch'è un agire che non si esaurisce in se stesso, ma pone in essere qualcosa.” PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione), p. 28. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009.

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diretos dessa experiência lhe advêm – não só dos contempladores e amantes o belo natural ou intelectual - mas precisamente dos artistas e dos críticos, cujas declarações lhe são não apenas muito úteis, mas até diria indispensáveis e essenciais, visto que o filósofo não consegue discorrer sobre a arte a não ser prolongando em um plano especulativo o discurso do artista e do crítico.214

Isso não quer dizer que a “palavra” do artista deva ser entendida como lei ou lida sem ressalvas, pois, como o próprio Pareyson chama a atenção em outra passagem: “[...] nem sempre os testemunhos dos artistas sobre sua arte são dignos de atenção, pelo menos na sua formulação literal, querem uma peneirada, uma escolha, um dimensionamento que lhes restitua o seu exato significado e revele seu possível alcance no campo da estética.”.215 E, como visto acima, a noção de autonomia da Arte proposta na Teoria da Formatividade, e acrescida dos entendimentos dos conceitos de mímesis já explicitados, desconstroem a antítese entre imitação e imaginação; bem como, podem contribuir para uma análise da pintura no tempo presente, uma vez que estas ainda são questões pertinentes nas problemáticas propostas sobre a arte na atualidade, sobretudo, na pintura. Sendo assim, ao estudar o conjunto de algumas obras produzidas por artistas nos dias de hoje, a fim de refletir sobre os desdobramentos atuais das problemáticas com relação à pintura enquanto imitação e enquanto autônoma em si mesma, como propõe a Teoria da Formatividade; buscaram-se artistas que pudessem não apenas enriquecer a presente pesquisa com o conjunto de suas obras enquanto tais, isto é, nas “formas”, nas obras acabadas e postas como coisas entre coisas; mas, que também pudessem fornecer textos, para que a reflexão

214

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p.18. “È verissimo che il filosofo, ‘da solo’, non è in grado di formulare un'estetica: egli deve ricorrere all'esperienza estetica, e le testimonianze più dirette di questa esperienza gli sono fornite — oltre che dai contemplatori e amatori del bello sia naturale che intellettuale — precisamente dagli artisti e dai critici, le cui dichiarazioni gli sono non solo utilissime, ma direi indispensabili ed essenziali, giacché il filosofo non riesce a parlare dell'arte se non prolungando su un piano speculativo il discorso dell'artista e del critico.” (Idem. Estetica: Teoria della Formitività. Bologna: Editore Zanichelli. 2ª Edizione, 1960. p.4.) 215

Idem. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.19. “[...] non sempre le attestazioni degli artisti sulla loro arte sono attendibili, almeno nella loro formulazione letterale: ci vuole un vaglio, una scelta, un proporzionamento che restituisca ad esse il loro esatto significato, e ne sveli la possibile portata nel campo dell'estetica.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.220.)

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acima referida também se voltasse para a “formatividade” propriamente dita, isto é, para o processo de produção da pintura enquanto tal. Nesse intuito, encontrou-se um campo de investigação na obra do artista alemão Gerhard Richter 216 , cujo conjunto de obras, sobretudo das obras pictóricas, tem sido produzido por mais de cinco décadas, e analisando atentamente o conjunto destas obras, pôdese constatar que o axioma imaginação- imitação se desfez. Além disso, Richter, concomitante à produção de sua obra pictórica, elaborou um conjunto, igualmente ininterrupto, de escritos publicados que compreendem notas, cartas, e, sobretudo, entrevistas por ele concedidas a críticos e outros espectadores atentos a suas obras, possibilitando assim, não só a análise de suas obras em si, mas também a análise da “formatividade” destas, pois boa parte destes textos diz respeito diretamente aos meandros da “formatividade” em si, não a análises ou sugestões de intenções de significação de sua obra.

4.2. “Forma” e “formatividade” no Atlas de Gerhard Richter E ainda, além das obras pictóricas e escritos de Richter, tem-se disponível o Atlas. Ou seja: em 1962 o pintor alemão iniciou suas pinturas a partir de fotografias, e, desde então tem se dedicado não só à pintura, mas também à coleta e catalogação destas fotografias (obtidas desde álbuns da família do artista a recortes de revistas e jornais); ademais, Richter igualmente coletou e catalogou seus desenhos e esboços que foram e são ponto de partida para a sua produção pictórica, dando início assim aos trabalhos para a formação do que seria a monumental obra intitulada Atlas. Portanto, o Atlas é uma espécie de diário artístico e inventário de trabalho, que foi exposto pela primeira vez em 1972 como quadros dispostos lado a lado em paredes, exposição 216

Artista alemão, nascido em Dresden em 1932, graduou-se em 1956 na Academia de Arte de sua cidade natal, iniciando uma carreira como pintor “realista” na então Alemanha Oriental. Em 1961, um pouco antes da construção do muro de Berlim, migrou para a Alemanha Ocidental, quando retomou seus estudos sobre arte em Düsseldorf e iniciou suas incursões com fotografia e pintura. Nas últimas décadas consolidou-se como um dos principais expoentes da arte contemporânea internacional, participando, não só de grandes exposições coletivas como Documentas de Kassel, Bienais de Veneza e de São Paulo, como também, fez grandes exposições retrospectivas de sua obra. Sua última grande exposição individual, intitulada “Panorama”, ocorreu entre os anos de 2011-2012, e viajou pela Inglaterra (Tate Modern, Londres), França (Centre George Pompidou, Paris) e Alemanha (Neue Nationalgalerie, Berlin), (Cf. GODFREY, Mark; SEROTA, Nicholas; RICHTER, Gerhard e outros. Gerhard Richter- Panorama. Londres: Tate Publishing, 2011, p.10 -13. e p. 281-194).

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esta que foi acompanhada de publicação análoga de um livro-catálogo, com o total de 315 laudas. De lá para cá, houve inúmeras reedições, tanto da exposição como do livro, na medida em que páginas e mais páginas foram sendo acrescidas com o desenrolar e formação da obra pictórica de Richter; a última publicação, em 2007, contou 783 quadros - laudas. Sendo assim, pode-se dizer que o Atlas ainda está em “formatividade”, já que é uma espécie de relato e registro visual em tempo real da produção artística de Gerhard Richter. Assim discorre Helmut Friedel no prefácio do Atlas da edição de 2007: Como uma obra de arte total, o Atlas é um "organismo" o qual desenvolve e muda. É uma biografia espelhada, fatos históricos e artísticos. Muitas considerações que precedem trabalhos de pintura de Gerhard Richter encontram expressão nas fotografias, esboços, planos e colagens. 217

Mais do que um amontoado de imagens, por vezes, aparentemente desconexas, o trabalho de coleta e catalogação feito pelo próprio artista prolonga a obra acabada, constituindo material de acesso único à “formatividade” do artista, pois permite vislumbres ao processo de “formatividade” mesmo após da “forma” estar concluída. Ademais, acrescida à evidente ligação do Atlas à formatividade da pintura de Richter em si, não se pode deixar de lado o fato que o próprio Atlas, enquanto livro e obra formulada e publicada pelo artista é forma, é obra de arte, híbrida, com certeza, mas assim mesmo, obra de arte.

4.2.1. O Atlas e a pintura de Gerhard Richter: a imitação na abstração A título de demonstração, segue uma “página” do Atlas, a de número [93] (Figura I), as imagens mostram estudos, que podem ser relacionados com a pintura “Detalhe” (Figura II).

217

(Tradução nossa.) “As a total art work, the Atlas is an "organism" which develops further and changes. In is a mirrored biographical, artistic and historical facts. Many considerations which precede Gerhard Richter's painterly works find expression in the photographs, sketches, plans and collages.” (HELMUT, Friedel (editor). Gerhard Richter - Atlas (Photographs, Collages and Sketches 1962-2006) 1ª ed., New York: D.A.P./Distributed Art Publishers, 2007, p. 17.)

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Figura I 218

Figura II 219 218

Gerhard Richter, “Ausschnittfotos von Farbproben” [Detalhes fotográficos de Amostras de Cores], 1970, 36,7 x 51,7 cm. (Página do “Atlas”: nº 93). Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013. 219

Gerhard Richter, “Ausschnitt (kreutz)” [Detalhe (Kreutz)], 1971, 200 x 200cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné: 290). Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013.

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Como pode ser constatado nas imagens acima, ficam evidentes as inúmeras possibilidades expostas a respeito do acesso à experiência de “formatividade” que o artista proporciona através do Atlas, e evidentemente, através das próprias obras. Portanto, a observação da imagem conjuntamente com a página do Atlas a ela relacionada, deixa claro que o procedimento desta pintura, pertencente ao conjunto das pinturas intituladas “Detalhe” (Figura II), pode ser analisado sob uma ótica diferente de que se não houvesse o acesso à referência visual utilizada para a elaboração da pintura. Pois, apesar destas pinturas nos remeterem à ideia de pura abstração, a pintura aparentemente abstrata de Richter foi feita a partir de detalhes visuais definidos, ou melhor, a partir de imagens fotográficas, registros visuais precisos e prévios; passando, assim, por um processo análogo ao processo de imitação a um modelo qualquer disponível, isto é, análogo à construção de uma pintura figurativa, tal como fosse uma imagem reconhecível e que remetesse a uma figura nomeável. E, ainda, ao observar a obra, o olhar do observador é direcionado para as curvas e para as nuances das passagens de cores e seus sobretons, como também para uma relação de claro e escuro, tal como se observássemos um trabalho de panejamento, onde se encontram efeitos ilusórios de profundidade e movimento. Inclusive, vista ao vivo, a pintura citada permite uma experiência corporal própria da pintura, advinda não só da dimensão do quadro, que tem quatro metros quadrados, bem como da materialidade da obra em si, no que diz respeito à escolha da tinta a óleo, dando à pintura um característico brilho aveludado, embora, neste caso, sem que a pincelada fique aparente ou se observe textura e espessura, corroborando para o efeito ilusório de tridimensionalidade que a imagem produz. Logo, a experiência a partir da observação da “forma”, isto é, da pintura mesma; seja ao vivo, ou mesmo através da reprodução neste papel, acrescida do acesso à “formatividade” através do Atlas, levam a constatação de uma ambiguidade entre abstração e ilusão tridimensional, própria da imitação de uma figura, que a obra permite vislumbrar. A despeito da relação abstração – fotografia que pode ser identificada na observação das obras de Richter acima dispostas, igualmente, seus textos também apontam para as problemáticas que o advento da fotografia possibilitou à pintura vislumbrar. E, ao contrário do senso comum, Richter elucida que a foto não necessariamente se contrapõe à pintura como imitação ou até mesmo como cópia, mas, paradoxalmente, também instaura a possibilidade da

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abstração propriamente dita como fruto da observação e da imitação, isto é, a relação “pessoaforma-mundo” que o pintor estabelece com o suposto modelo pode levar à observação de um conteúdo vazio do ponto de vista da representação de ideias, mas ainda assim a imitação da imagem, da aparência continua possível. Como na passagem de uma nota de Richter, abaixo transcrita, que deixa claro o entendimento, por parte do artista, dessa tênue relação entre abstração e figuração que a imagem pictórica percorre em sua obra, sobretudo quando esta imagem tem a possibilidade de decorrer de uma imagem previamente elaborada e produzida, advinda de uma fotografia: Quando eu desenho - uma pessoa, um objeto - Eu tenho que me fazer consciente de proporção, da precisão, a abstração ou distorção e assim por diante. Quando eu pinto a partir de uma fotografia, o pensamento consciente é eliminado. Eu não sei o que estou fazendo. O meu trabalho é muito mais próximo do Informal do que de qualquer tipo de "realismo". A fotografia tem uma abstração em si mesma, o que não é fácil de enxergar. É o que todo mundo acredita que nos dias de hoje: é 'normal'. E se isso se torna "outro", o efeito é muito mais forte do que qualquer distorção, do tipo que você encontra em figuras de Bacon ou de Dali. (Gerhard Richter - Notes, 19641965)220

Outra passagem que esclarece novamente a intricada relação do artista com o modelo nos meandros da “formatividade” da pintura, e de como o advento da fotografia mudou esta compreensão de que modo se capta a imagem e se constrói a pintura propriamente dita, bem como o limite entre abstração e imitação que o artista muitas vezes ultrapassa no decorrer da produção pictórica: E quando eu ignoro o fato de que se entende a fotografia como um pedaço de papel que tenha sido exposto à luz, então eu faço fotos com outros meios, não imagens que de alguma forma se assemelham a uma fotografia. E vistas 220

(Tradução nossa.) “Gerhard Richter - Notes, 1964-1965: When I draw - a person, an object - I have to make myself aware of proportion, accuracy, abstraction or distortion and so forth. When I paint from a photograph, conscious thinking is eliminated. I don't know what I am doing. My work is far closer to the Informel than to any kind of 'realism'. The photograph has an abstraction of its own, which is not easy to see through. It's what everyone believes in nowadays: it's 'normal'. And if that then becomes 'other', the effect is far stronger than any distortion, of the sort you find in Dali's' figures or Bacon's. Such a picture can really scare you.” (GERHARD, Richter. Writings - 1961-2007, New York: D.A.P./Distributed Art Publishers, 2009, p.29.)

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desta forma, minhas pinturas, que foram feitas sem um modelo de foto (abstrações, etc.) também são fotos. (Gerhard Richter em entrevista com Rolf Schön, 1972) 221

4.3. Imaginação na abstração: a pintura de Gerhard Richter Contudo, as pinturas intituladas “Detalhe” não constituem o único conjunto de obras que Richter pintou e que podem ser identificadas como abstratas, há ainda inúmeras pinturas intituladas por ele como “Pintura abstrata” (Figura IV), que foram produzidas, todavia, concomitantemente a outros inúmeros grupos de pinturas, que podem ser identificadas como sendo figurativas, tal como retratos, paisagens, e composições com variados objetos que permitem novas e diferentes constatações sobre as possíveis relações e variações que os binômios e as aparentes antíteses entre abstração e figuração, ou melhor, entre imitação e imaginação acarretam, levando à constatação da importância da noção de autonomia da obra para a definição da arte como mímesis no conjunto de obras de Richter. Isto é, a diferença entre as pinturas intituladas “Detalhe” e as intituladas “Pintura abstrata” (Figura IV), não é apenas com respeito ao título, que indica claramente a vontade do artista em direcionar o olhar do espectador a uma imagem não nomeável, e não identificável como produto de uma imitação (embora o título em si possa ser ignorado pelo espectador), mas também, o próprio processo de fabricação também não passou pela imitação de uma foto, como no caso das pinturas do conjunto intitulado como “Detalhe” (Figuras II e III). Além disso, ao contrário das primeiras pinturas descritas acima (Figuras II e III), ao observarmos esta pintura ao vivo (Figura IV), é possível verificar textura e espessura advindas da tinta a óleo empastada, o que nos transporta inevitavelmente à materialidade da tinta, que neste caso não gera o mesmo tipo de ilusão de espaço, volume e movimento que as obras intituladas “Detalhe”. (Figura II e Figura III). Portanto, no segundo caso, a ideia de coisa fica

221

(Tradução Nossa.) And when I ignore the fact that one understands photography as a piece of paper that has been exposed to light, then I make photos with other means, not images that somehow resemble a photograph. And viewed in this way, my paintings which were made without a photo model (abstract, etc.) are also photos. (Gerhard Richter em entrevista com Rolf Schön, 1972 In: Obrist, 1993, p.68 apud HELMUT, Friedel (editor). Gerhard Richter - Atlas (Photographs, Collages and Sketches 1962-2006) 1ª ed., D.A.P./Distributed Art Publishers, 2007, p. 13.)

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mais evidente, pois as sensações de textura, claro - escuro e profundidade são reais e não ilusórias.

Figura III

222

Figura IV 223 222

Gerhard Richter, “Ausschnitt (karmin)” [Detalhe (carmim)], 1971, 200 x 200cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné: 289). Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013. 223

Gerhard Richter, “Abstraktes Bild” [Pintura Abstrata], 1995, 51x71cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné: 829-5) Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013.

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4.4. Representação na abstração Entretanto, o limite entre abstração e figuração é novamente posto em contradição pelo artista em questão quando se constata que muitas pinturas que aparentemente “deveriam” ser intituladas como “abstratas” ganham títulos, como a pintura intitulada “Haggadah” (Figura V), aqui, o título sugere ao espectador um entendimento da imagem como representação de uma ideia, embora não haja indício de imitação de figura reconhecível, muito menos de referência direta ao significado proposto pelo título. Título este que poderia remeter a ideia de texto, de narrativa, para tomar o significado literal da palavra hebraica que nomeia a pintura, mas também poderia significar passagem, libertação, já que a narrativa em questão é a do êxodo bíblico narrado tradicionalmente nas festas do Pessach [Páscoa judaica], mas também poderia ser referência aos livros iluminados medievais ou a tantos outros sentidos advindos das possíveis camadas de significados que o termo pode acarretar; isto é, o título abre para inúmeras possibilidades de interpretação, sem dúvida. A respeito da questão da relação nome-pintura, Pareyson nos chama à atenção para uma passagem do Tópicos de Aristóteles224 onde o estagirita explica que os artistas “antigos” faziam inscrições em suas pinturas para que os espectadores pudessem reconhecer o que elas representavam (Tópicos, 140 a 20)

225

, deixando claro que a imagem em si não

necessariamente tem sempre uma relação clara e indubitável com um suposto modelo, sobretudo, quando lida como continuação de outra passagem, algumas linhas acima, onde o estagirita afirma que a imagem é fruto da mímesis. (Tópicos, 140 a 15) 226.

224

(Tradução nossa.) “E tão importante é a semelhança na arte, que os artistas primitivos, não conseguindo retratar bem os aspectos dos objetos figurados, eles sentiram a necessidade de escrever o nome sobre o desenho [...] (Topicos 140 a 20).” (PAREYSON, Luigi. Corso Di Estetica,, Capítulo II - Imitazione e Creazione, p.35. In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009.) “E così importante la somiglianza nell'arte, che gli artisti primitivi, non riuscendo a ritrar bene le sembianze degli oggetti raffigurati, sentivano il bisogno di scriverne il nome sul disegno[...](Topici 140 a 20)” 225

“[...] nas obras dos pintores antigos, se não havia uma inscrição, as figuras eram geralmente irreconhecíveis.” (Arstóteles, Tópicos. Trad. de Eudoro de Souza. In: Aristóteles, 1ª ed. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973. p. 105.) [...] ἀλλὰ καθάπερ τὰ τῶν ἀρχαίων γραφέων, εἰ μή τις ἐπέγραψεν, οὐκ ἐγνωρίζετο τί ἐστιν ἕκαστον. 226

“[...] a imagem é uma coisa produzida por imitação, [...]”(Ibidem, p.104) (εἰκὼν γάρ ἐστιν οὗ ἡ γένεσις διὰ μιμήσεως · τοῦτο δ 'οὐχ ὑπάρχει τῷ νόμῳ)

125

Portanto, a pintura, mesmo enquanto imagem, não pode ser sempre entendida como representação. Principalmente, porque a escolha de se fazer a relação título-nome e imagem é do espectador. E, além disto, isso se o espectador tomar conhecimento do título, e quiser realmente levar em conta o título. Ademais, a importância que um eventual título tenha para o espectador, como recurso para a interpretação da imagem, fica ainda mais evidente no caso da pintura “Haggadah” (Figura V), pois o título é acrescido como fundamento de identificação da imagem como representação, se o interpretante tentar achar indícios dos significados referentes ao título nas marcas de cor e forma presentes na pintura e, por conseguinte, tirando dessa correlação (pintura- título) infinitas leituras. Portanto, no caso da referida obra, o fato é que a representação está no título e não na imagem por si mesma, que por si só é pura abstração, ou seja, a rigor, a pintura abaixo só diz de si mesma.

Figura V 227

227

Gerhard Richter, “Haggadah”, 2006, 152-152 cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné: 895-10) Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013.

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Logo, em decorrência das análises destas obras de Richter, bem como dos trechos acima citados do Tópicos de Aristóteles, é possível entender que o axioma abstraçãofiguração pode ser uma falsa contradição, construída muito mais por uma crítica disposta a colocar parâmetros de análise do que por uma constatação da necessidade da formação e da construção da imagem pictórica pelo artista, como se pode constatar claramente nesta nota de Richter: Quando eu pinto uma pintura abstrata (o problema não é diferente com as outras), eu nem sei de antemão o que ela deverá parecer, nem enquanto estou pintando sei onde eu quero ir, nem o que deveria ser feito para alcançar o quê. É por isso que a pintura é um esforço desesperado, quase cego, como o de alguém preso sem recursos, em um ambiente incompreensível - como de alguém que tem uma variedade específica de ferramentas, materiais e capacidades e o desejo ardente de construir algo significativo, útil, mas deseja que não seja nem uma casa nem um banco nem qualquer outro objeto nomeável, e que, por isso, começa a construir numa vaga esperança de que sua acurada especialidade produzirá algo certo, algo significativo. (Gerhard Richter, 1985) 228

As palavras acima são significativamente parecidas com a descrição pareysoniana de “formatividade”, isto é: o fazer artístico é um fazer que “inventa o por fazer e o modo de fazer” na medida do “formar”, e que é invenção e execução “pari passu”. 229

228

(Tradução nossa) When I paint an Abstract Painting (the problem is not dissimilar with the others), I neither know beforehand what it should look like, nor whilst painting where I want to go, what should be done in order to achieve what. This is why painting is an almost blind, desperate effort like that of someone stranded without means in an incomprehensible environment — like that of someone who has a specific assortment of tools, materials and capabilities and the ardent desire to build something meaningful, useful, but which must be neither a house nor a stool nor any other nameable object, and who, therefore, starts building in the vague hope that his accurate, specialized doing will produce something right, something meaningful. (Gerhard Richter, 27/ 12/1985) (Gerhard Richter – Paintings (Catálogo de exposição) Bozen: Museum Für Moderne Kunst, 1996, p.28) 229

Cf: PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.32 e 33.

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4.5. Imitação e imaginação na figuração Todavia, o conjunto de obras de Richter ainda levanta outras possibidades de quebra desta aparente antítese entre abstração e figuração; ou seja, como foi apontado anteriormente, ele não só produziu pinturas aparentemente abstratas, mas também produziu pinturas diretamente relacionas a figuras reconhecíveis e nomeáveis, e por procedimentos imitativos propriamente ditos e, por conseguinte, análogos às pinturas sob o título “Detalhes” (Figuras II e III); sobretudo, a partir de fotografias, como, por exemplo, o retrato de “Betty” (Figura VI).

Figura VI 230

A fotografia que foi modelo para a pintura “Betty” encontra-se na página 445 do Atlas (Figura VII), disposta junto com fotos de motivos diversos, sem nenhum aparente parentesco temático ou de procedência; entretanto, chama a atenção uma foto de uma composição de “garrafa com maçã”, remetendo aqui às composições de naturezas mortas, quase tão 230

Gerhard Richter, “Betty” [Betty], 1988, 102 x 72 cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné: 663-5). Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013.

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tradicionais quando são as pinturas de retratos, além do mais, um fato sobre esta foto que chama à atenção é que ela gerou mais de uma pintura (Figura VIII e Figura IX), evidenciando que, no caso de Richter, a foto é o ponto de partida para a elaboração da imagem pictórica, e não seu paradigma instransponível.

Figura VII 231

Figura VIII 232

Figura IX 233

231

Gerhard Richter, “Verschiedene Motive” [Vários Motivos] , 1978, 51,7 x 66,7 cm. (Atlas: página 445) Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013. 232

Gerhard Richter, “Flasche mit Apfel” [Garrafa com maça], 1988, 83 cm x 62 cm, óleo sobre tela (Catalogue Raisonné: 663-2) Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013. 233

Gerhard Richter, “Flasche mit Apfel” [Garrafa com maça], 1988, 82 cm x 62 cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné: 663-6) Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013.

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Ou seja, as imagens acima, embora remetam a um modelo fotográfico, não são fiéis às fotos, pois além de uma pintura estar mais desfocada que a outra - recurso que o artista utiliza constantemente -, elas trazem colorações diferenciadas, sem contar com a textura aveludada característica da tinha a óleo. Pois, embora a imitação a um modelo seja evidente, a imitação aqui não é mera cópia, principalmente quando se tem o acesso à foto – modelo, que deixa claro que aqui o procedimento de imitação presente nestas pinturas estaria muito mais próximo às ideias e nuances dos conceitos de mímesis encontradas nos textos de Platão e, sobretudo nos textos analisados de Aristóteles, e, mais ainda, na abordagem da ideia de imitação proposta por Pareyson. Ampliando, assim, a questão para além da particularidade da obra de Richter, levando a problemática à arte pictórica de maneira geral. Ademais, nesta outra passagem onde o pintor alemão discorre sobre a relação entre a pintura abstrata e figurativa, fica igualmente claro que o modelo não é ponto de referência fixo para a elaboração da imagem pictórica em Richter, mas o início do processo: As pinturas abstratas são não menos arbitrárias do que as representações concretas (que são baseadas em um dos muitos motivos possíveis que podem tornar-se pinturas), elas diferem apenas no sentido em que o seu “motivo” é apenas desenvolvido no decorrer da pintura (Gerhard Richter, 1985) 234

Ainda noutra nota, de 1962, Richter diz: “A ideia de que a arte copia a natureza é um grande equívoco. A arte sempre operou contra a natureza e com razão.”235 Esta frase é parte uma longa nota que poderia ser entendida como uma espécie de diálogo com as refelexões platônicas sobre a incapacidade da imagem pictórica em captar a realidade, e, consequentemente, como sendo meras ilusões. Também pode ser entendida em diálogo com a posição aristotélica de que a mímesis completa a phýsis [natureza]. Sobre essas mesmas questões, numa outra entrevista, Richter discorre:

234

(Tradução nossa.) “The Abstract Paintings are no less arbitrary than the concrete representations (which are based on one of many possible motifs which should become paintings), they differ only in the sense that their "motif is only developed during the painting.” (Gerhard Richter, 1985) (Gerhard Richter – Paintings (Catálogo de exposição) Bozen: Museum Für Moderne Kunst. 1996, p.19.) 235

(Tradução nossa) Gerhard Richter, Notes, 1962: “The idea that art copies nature is a fatal misconception. Art has always operated against nature and for reason.” (GERHARD, Richter. Writings - 1961-2007. New York: D.A.P./Distributed Art Publishers. 2009, p.14-15.)

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Robert Storr: Quando você primeiro se apropriou de fotografias para fazer pinturas, você estava procurando assumir a objetividade de uma câmera? Gerhard Richter: As pinturas têm a vantagem de que eu ainda posso adicionar um pouco de alguma coisa, porque a noção de neutralidade e objetividade é uma ilusão, é claro. Isso é algo impossível. Cada pintura inclui automaticamente a minha incapacidade, minha impotência, a minha relação com a realidade, coisas que são subjetivas. Portanto era legítimo que fosse pintada [cada pintura]. Não se tratava sobre a pureza absoluta, mas sobre a maior pureza possível.236

Outro exemplo é uma pintura de uma cadeira (Figura XI), que aparentemente traz um tema mais banal que os das demais pinturas analisadas aqui. E, novamente, quando se compara a pintura da cadeira com a lauda correspondente do Atlas (nº 11) (Figura X), que mostra inúmeras imagens díspares, tanto de imagens particulares, como retiradas de jornais, com os mais variados temas, fica evidente como os modelos e referências de Richter são múltiplos; e novamente, indicando que em sua obra pictórica, a suposta contradição entre figuração – abstração é substituída com a possibilidade de convivência entre ambas e não mais da exclusão e/ou escolha entre uma e outra. Sobre esta pintura (Figura XI), o pintor discorre: Esta foi uma das cadeiras que eu tive e que eu fotografei. Foi parte da minha pesquisa de objetos banais - uma cadeira em si, uma mesa, um rolo de papel higiênico. Embora a maioria das minhas fotos-pinturas seja derivada de fotografias de fontes alheias, esta é uma das fotos que eu tirei pessoalmente.237 236

(Tradução nossa.) “RS: When you first appropriated photographs to make paintings were you also assuming such a cameralike objectivity? GR: The paintings have the advantage that I can still add a little something— because the notion of neutrality and objectivity is an illusion, of course. That is somehow impossible. Every painting automatically includes my inability, my powerlessness, my relation to reality, things that are subjective. Therefore, it was legitimate to be painted. It was not about absolute purity but about the greatest possible purity.” (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter, concedida em alemão e inglês em abril de 2001. In: STORR, Robert. Gerhard Richter Doubt and belief in painting. New York: The Museum of Modern Art, 2003, p.173.) 237

(Tradução nossa.) "This was a chair I owned and photographed. It was part of my search for banal objects – the chair itself, the table, the toilet roll. Although the great majority of the photo-paintings are based on photos which came from outside sources, this was one I took myself." (Gerhard Richter: Comments on some works, 1991 In: Gerhard Richter: Text. Writings, Interviews and Letters 1961–2007, Thames & Hudson, London, 2009, p. 261/262. apud: Disponível em: Acesso em: 04/08/2013)

131

Figura XI 238

Figura X 239

238

Gerhard Richter, “Zeitungsfotos” [Imagens de jornais e fotografias (álbum)], 1963, 51,7 x 66,7 cm, Página do Atlas: nº 11. Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013. 239

Gerhard Richter, “Küchenstuhl” [Cadeira de cozinha], 1965, 100 x 80cm, óleo sobre tela, (Catalogue Raisonné: 97) Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013.

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4.6. Figuração e abstração Mais um conjunto de pinturas onde a relação entre imitação e abstração fica instigante é a que o pintor alemão fez a partir da pintura “A Anunciação” do pintor veneziano Ticiano (Figura IX), pois, há um movimento claro que se inicia de leve desfocamento e se dirige em direção à pura abstração (Figuras X e XI, XII), como se ele quisesse desconstruir a imagem para chegar ao esqueleto da composição cromática.

Figura IX240

Figura X241

Figura XI242

Figura XII243

240

Gerhard Richter, “Verkündigung nach Tizian” [Anunciação a partir de Ticiano], 1973, 125 x 300cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné:343-1). Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013. 241

Gerhard Richter, “Verkündigung nach Tizian”, [Anunciação a partir de Ticiano], 1973, 150 x 250 cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné: 344-3). Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013. 242

Gerhard Richter, “Verkündigung nach Tizian”¸[Anunciação a partir de Ticiano], 1973, 150 x 250 cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné: 344-11). Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013. 243

Gerhard Richter ,Verkündigung nach Tizian, [Anunciação a partir de Ticiano], 1973 , 150 x 250 cm, óleo sobre tela. (Catalogue Raisonné: 344-2). Fonte: Disponível em: < http://www.gerhard-richter.com/> Acesso em agosto de 2013.

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Ou seja, aqui também, assim como no conjunto das obras do artista como um todo, se verifica a desconstrução entre abstração e figuração, e, por conseguinte, a desconstrução da aparente dicotomia entre imitação ou imaginação, que podem ser identificadas não só na sua produção pictórica, mas também lidas nos relatos de Gerhard Richter sobre a produção de inúmeras pinturas. Portanto, retirando, desse modo, a nossa análise da simples suposição e vazia especulação do que o artista teria ou não feito, e possibilitando que a interpretação da obra se enriqueça com o relato da experiência do processo da pintura, devido certo acesso do espectador à “formatividade” da obra e não só à “forma” acabada propriamente dita. Como na passagem desta entrevista concedida por Richter a Robert Storr, onde Richter mostra como ele se relaciona com a questão da imitação nos meandros do processo da elaboração de suas pinturas: Gerhard Richter: É uma realidade que é inacessível. É um sonho. Acabou. Mas eu sou antiquado o suficiente ou estúpido o suficiente para aguentar. Eu ainda quero pintar algo como Vermeer. Mas é a hora errada e eu não posso fazê-lo. Eu sou muito burro. Bem, eu nãosou capaz. Robert Storr: Mas eu estou pensando mais sobre fenômenos visuais que podem ser capturados do que nos precedentes históricos para capturá-los. O que acontece quando o assunto não é um Ticiano, mas um rolo de papel higiênico? Isso significa que a própria realidade fez, a realidade cotidiana, é algo que nós perdemos a capacidade de agarrar em uma foto? Gerhard Richter: Não, isso nunca foi problema. Eu nunca quis captar e apreender a realidade numa pintura. Talvez num momento de fraqueza eu tenha querido, mas eu não me lembro. Entretanto, isso nunca foi minha intenção. Mas eu quero pintar a aparência da realidade. Esse é o meu tema ou meu trabalho. 244

Outro aspecto que deixa a obra de Richter ainda mais significativa para a presente reflexão é quando se verifica que aqui a variação entre as características de sua pintura não é 244

(Tradução nossa.) “GR: It is a reality that is unreachable. It is a dream. It's over. But I am old-fashioned enough or stupid enough to hang on. I still want to paint something like Vermeer But it is the wrong time and I cannot do it. I am too dumb. Well, I am not able to. RS: But I think more about visual phenomena that can be captured than the historical precedents for capturing it. What happens when the subject is not a Titian but a toilet paper roll? Does that mean that reality itself, everyday reality, is something we've lost the ability to hold onto in a picture? GR: No, that's never the problem. I never wanted to capture and hold reality in a painting. Maybe at a weak moment I did, but I don't remember. However, that was never my intention. But I wanted to paint the appearance of reality. That is my theme or my job.” (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter, concedida em alemão e inglês em abril de 2001. In: STORR, Robert. Gerhard Richter Doubt and belief in painting. New York: The Museum of Modern Art, 2003, p.172.)

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uma questão de fases, como no caso de diversos artistas cujo conjunto da obra sofre inúmeras reviravoltas e mudanças no decorrer de suas vidas, mas em Richter não é uma questão de mudança e sim de proposta de copossibilidade daquilo que poderia ser visto como produção díspar ou incoerente, ou até mesmo antagônica, mas que se configura como pluralidade em harmonia de aparentes contrários como uma proposta artística, verificável não só na observação das obras em si e de sua variedade e concomitância cronológica, mas também nas leituras dos textos do artista. Sendo assim, interessante notar que as abordagens na possibilidade dessas multiplicidades e na desconstrução desta aparente antítese entre mímesis e imaginação tanto em Richter quanto em Pareyson se completam se complementam e se explicam. Embora em Richter - o que só poderia ser constatado com o cotejo de todas as fontes de informação (obra, textos, fotos, esboços) – seja um relato singular de uma experiência de uma “formatividade”, bem como de um programa de arte pautado por uma escolha pessoal, e, em Pareyson, seja uma análise de algo inerente a toda e qualquer pintura, como Pareyson discorre: Como quer que se conceba a relação entre imagem artística e a realidade natural, seja como uma fiel representação, ou uma livre interpretação, ou uma arbitrária reconstrução, ou uma deliberada idealização, ou uma voluntária deformação, ou até uma criação absoluta, ou uma construção completamente nova, ou pura invenção sem pretexto de realidade, o importante é que a imagem artística se sutente apenas pela sua própria estrutura. 245

Mais adiante, continuando o trecho acima, Pareyson discorre sobre a relação do artista com a realidade diante da elaboração da pintura e aponta para a possibilidade de se confundir o grau de imitação da obra com relação a um modelo, como se esse grau indicasse se a pintura foi ou não, de fato, bem sucedida:

245

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.68. “Comunque si concepisca il rapporto fra l'immagine artistica e la realtà naturale, sia esso una fedele rappresentazione o una libera interpretazione o un'arbitraria ricostruzione o una deliberata idealizzazione o una voluta deformazione, oppure una creazione assoluta o una costruzione completamente nuova o una pura invenzione senz'appigli nella realtà, l'importante è che l'immagine artistica si regga unicamente sulla propria struttura.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.263.)

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Sobre este ponto, pelo contrário, acumulam-se intensamente diversos equívocos, que, de acordo com a antítese supracitada, podem ser reduzidos às duas teses seguintes e opostas: de um lado há quem afirme que o valor da imagem artística depende de sua relação com a realidade; de outro lado, há quem afirme que a relação da imagem artística com a realidade não tem nenhuma relevância na arte. 246

Ora, se a pintura não se define por seu grau ou não de imitação ou invenção, isto não quer dizer que a sua relação com a realidade não seja fundamental para interpretar a obra em si, como explica Pareyson: Mas, por outro lado, é preciso não se exceder a ponto de dizer que se a referencia à realidade não determina o valor da arte, ela é irrelevante. Bem entendido, a figura artística vale pelos seus valores estilísticos, pictóricos, ou poéticos, ou musicais; mas não é indiferente que ela seja o resultado de uma imitação, ou de uma idealização, ou de uma invenção, ou de uma pura criação. Segundo estes diversos caracteres ela há que ser lida diversamente e diversamente interpretada. Sobre este ponto a estética tem o dever de elaborar os conceitos que, segundo as diversas poéticas, podem explicar a relação entre a imagem artística e a realidade natural. 247

Portanto, há que se levar em conta não só a “forma”, mas se possível, também a “formatividade”, isto é, a relação que o artista estabeleceu com a realidade no decorrer da produção da pintura aumenta os subsídios para o entendimento da obra na sua totalidade. Como foi possível no caso da obra de Richter, pois além de se vislumbrar a obra acabada, há a 246

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.68. “Su questo punto invece si sono pesantemente addensati i più di versi equivoci, che, conformemente all'antitesi su citata, si possono ridurre alle seguenti due tesi opposte: da un lato v'è chi afferma che il valore dell'immagine artistica dipende dal suo rapporto con la realtà; dall'altro c'è chi afferma che il rapporto dell'immagine artistica con la realtà non ha alcuna rilevanza nell'arte.” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.263. ) 247

Ibidem, op. cit, p.69. “Ma per l'altro verso non bisogna trascorrere a dire che se il riferimento alla realtà non determina il valore dell'arte esso è irrilevante. Beninteso la figura artistica vale per i suoi valori stilistici, pittorici o poetici o musicali che siano; ma non è indifferente ch'essa sia il risultato d'una raffigurazione o d'un'idealizzazione o d'un'invenzione o d'una pura creazione. A seconda di questi diversi caratteri essa ha da esser letta diversamente e diversamente interpretata. Su questo punto l'estetica ha i l compito di elaborare i concetti che, a seconda delle diverse poetiche, possono spiegare il diverso rapporto fra l'immagine artistica e la realtà naturale” (Ibidem, op.cit. p.264.)

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contribuição dos relatos escritos do artista, como ainda, também há as imagens dos rastros do processo da produção da obra, como os esboços e fotos referenciais (Atlas), que permitem que entendamos as escolhas e opções do artista e parte da trilha por ele percorrida na formatividade da obra, tudo isso pode ser uma porta de entrada fundamental para interpretação da obra, como tantas vezes Pareyson apontou. Entretanto, três pontos devem ser esclarecidos aqui: o primeiro é que o estudo da “formatividade” não é o estudo da suposta intenção do artista, pois a intenção, na maioria das vezes, nem mesmo o artista em questão tem necessariamente consciência, e este pode ser um campo minado que muitas vezes envereda para a pura especulação sem que se chegue a fornecer elementos consistentes o bastante para a análise da obra propriamente dita; isto é, o estudo da “formatividade” é o estudo dos rastros do que de fato foi executado e não daquilo que se quis executar. E em segundo lugar, a interpretação da obra de arte, entendida sob a ótica pareysoniana, também não é um simples juízo de valor, pois as escolhas e posições do artista perante a realidade não desvalorizam nem valorizam a pintura enquanto obra de arte boa ou ruim, bem sucedida ou não, pertinente ou não, mas a identificam e a definem, sendo chaves importantes para o acesso ao significado da obra enquanto “forma” e, mais ainda, enquanto “pessoa”, pois revela a sua personalíssima visão de mundo através da “forma formada”. Sobre esta particularidade, Pareyson discorre no trecho a seguir: Assim, na pintura a obra muda de significado, mesmo não mudando de valor, segundo for uma imagem figurativa ou imagem abstrata. É evidente que o valor artístico de um retrato não depende de um confronto externo da imagem com o original, confronto para o qual, de resto, não pode haver regras fixas, sendo o conceito de “semelhança” extremamente complexo e difícil, sobretudo quando está em jogo o resto da pessoa viva, isto é, uma realidade dinâmica e espiritual justamente na sua delineação física. 248

248

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.69. “Così nella pittura l'opera cambia di significato, pur non cambiando di valore, a seconda che sia immagine raffigurativa o immagine astratta. È evidente che il valore artistico d'un ritratto non dipende da un confronto esterno dell'immagine con l'originale, confronto che del resto non può avere regole fisse, essendo il concetto di «somiglianza» estremamente complesso e difficile, soprattutto quando sia in gioco i l volto d'una persona vivente, cioè una realtà quanto mai dinamica e spirituale proprio nella sua delineazione

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E o terceiro ponto é que embora se admita a multiplicidade e até a inexauribilidade da interpretação da obra, essa multiplicidade não é extensiva à própria obra, que permanece a mesma, nas palavras de Pareyson: [...] em primeiro lugar, que a unidade é da obra e não da interpretação, enquanto a multiplicidade é da interpretação e não da obra, uma vez que a obra permanece idêntica e igual a si mesma na multiplicidade das suas interpretações; e, em segundo lugar, que a originalidade e a novidade da interpretação não são um programa, mas um resultado, no sentido de que o intérprete as consegue espontaneamente, quanto maior for o seu esforço pessoal de colher a obra na sua verdadeira realidade [...] 249

4.7. O estatuto ontológico E ainda, um último ponto do pensamento do pintor alemão que chama a atenção, atenta para algo que igualmente se verifica na Teoria da Formatividade, isto é, a reivindicação do estatuto ontológico da obra de arte operada por Pareyson, diz Richter: A invenção do readymade me atenta como tendo sido a invenção da realidade, isto é, a descoberta incisiva de que a realidade, em contraste com a imagem da vida, é a única coisa de relevância. Desde então, a pintura já não retrata a realidade, mas é a própria realidade em si (que apresenta a si mesma). E em algum momento, vai voltar a ser uma questão de recusar-se a creditar esta realidade com qualquer valor, a fim de produzir imagens de um mundo melhor (como era antes). 250

fisica[...]” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.264.) 249

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2ª ed. Tradução de Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.172. “[...] anzitutto che l'unicità è dell'opera e non dell'interpretazione, mentre la molteplicità è dell'interpretazione e non dell'opera, giacché l'opera rimane identica ed eguale a se stessa nella molteplicità delle sue interpretazioni; e in secondo luogo che l'originalità e la novità dell'interpretazione non sono un programma, ma un risultato, nel senso che l'interprete le consegue spontaneamente quanto maggiore è stato il suo sforzo personale di coglier l'opera nella sua vera realtà [...]” (Idem. I Problemi Dell’Estetica In: Problemi Dell’Estética I. Teoria – a cura di Marco Ravera, Milano: Mursia Editore, 2009, p.354.) 250

(Tradução nossa.) “The invention of the readymade strikes me as being the invention of reality, that is to say, the incisive discovery that reality, in contrast to the picture of life, is the only thing of relevance. Since then,

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Ou seja, na passagem acima, fica evidente que: mais do que a obra de Duchamp ou o que ele tenha querido propor, mas sim, o que está em jogo aqui são as inúmeras decorrências e desdobramentos que suas proposições geraram em outros artistas, como no caso de Gerhard Richter. Pois como bem explica Carlos Eduardo Uchôa, sobre o movimento entre o moderno e o contemporâneo: A crisálida vira borboleta, sofre metamorfose, mas ainda é o mesmo ser vivo. Houve ruptura ou continuidade? [...] a modernidade cria algumas questões, e, depois, saturando-as, leva à inversão de ênfases que poderiam indicar ruptura, marcando o pós-moderno. Mas de fato houve quebra? É por isso que considero crisálida e borboleta como o mesmo ser vivo chamado contemporaneidade.251

Nesse sentido, por maior que seja a continuidade e os desdobramentos para com a arte do século XX que Gerhard Richter e outros artistas atuais possam indicar, sua produção é outra e é a mesma com relação ao passado recente, assim como ocorre igualmente com a relação da imagem imitativa, ela é ao mesmo tempo referente e outra. Por isso, independente das primeiras e/ou “originais” intenções de Duchamp e de outros artistas de sua geração, que propuseram, não só os ready-mades, mas as assemblages de Picasso, também os objets-trouvés dos dadaístas e surrealistas, o que se verifica em Richter é uma assertiva de que as obras de arte em geral, incluindo as imagens pictóricas e fotográficas, têm um estatuto ontológico e uma autonomia, como propõe Pareyson; sendo elas imitativas ou não, mecânicas ou manuais; e esta autonomia se dá, não só com relação ao artista, mas, sobretudo, com relação ao modelo, e com relação ao espectador. Nesse sentido, pode-se verificar que a despeito de todos os esforços ocorridos no século passado para ampliar os limites da pintura, entretanto, Richter não precisou expandir a pintura para a tridimensionalidade da escultura e, nem para o espaço das instalações e painting no longer depicts reality but is reality itself (which presents itself). And at some point, it will again be a matter of refusing to credit this reality with any value in order to produce images of a better world” (as it once was). (Gerhard Richter, 1990) (Gerhard Richter – Paintings (Catálogo de exposição) Bozen: Museum Für Moderne Kunst, 1996, p.22.) 251

FAGUNDES Jr., Carlos Eduardo Uchôa. O beijo da história: Picasso como emblema da contemporaneidade. São Paulo: Ed. 34, 1996, p.13.

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arquiteturas, e nem precisou transpor para a sua obra coisas alheias ou materiais inusitados que não a própria tinta e o suporte plano, para mostrar que as pinturas, enquanto “formas”, se constituem como coisas entre coisas, e têm estatuto ontológico, embora também possam ser representações de ideias, como ele também mostrou. Outro aspecto significativo sobre a obra de Richter foi que ele também não precisou se restringir à imagem como pura imaginação e invenção, nem como pura imitação para afirmar sua autonomia, isto é, Richter pôde continuar a propor a pintura como mímesis, entendida aqui nas diversas acepções encontradas tanto nos textos platônicos como aristotélicos. E, portanto, a pintura de Gerhard Richter, como mímesis, é imitação, sem que isso a transforme em mera cópia, antagônica e incompatível com a inventividade e singularidade que a arte pode e deve proporcionar, sem que isso retire dela a sua dignidade ontológica, e, sobretudo, a sua autonomia.

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CONCLUSÃO

A proposta de intersecções entre os pensamentos de Luigi Pareyson, Aristóteles e Platão possibilitaram pensar a “forma” enquanto organismo, como fruto da poíesis [produção], que como “tékhne poietikós” [arte poética] estabelece uma simbiótica relação com a phýsis [natureza], relação esta entendida como mímesis. Mímesis não na acepção de simples imitação, mas como uma leitura pessoal da realidade, por isso a “arte-forma” é entendida como a introdução do sempre novo, pois a “formatividade”, geratriz da mímesis, é sempre única e pessoal, por ser produto da visão de mundo da “pessoa – artista”. Nesse sentido, pode-se afirmar que é a “pessoa” do artista que faz com que a formatividade sempre seja “carregada” de invenção, seja qual for o grau de fidelidade da imitação. Sendo assim, sem deixar de ser mímesis, a “arte-forma” é também phantasía na acepção presente no Sofista de Platão, pois a imagem que é derivada da phantasía é fruto da imaginação e da invenção do artista, que modifica o que vê. Por conseguinte, tal como Richter discorre em tantas de suas entrevistas e notas, é a “inabilidade” do artista - ao não conseguir copiar tal como vê, ou não querer copiar o que vê - que dá à imagem pictórica a possibilidade de ser sempre produto novo, que “acrescenta” ou que “completa” a natureza [phýsis], tal como Aristóteles discorre na Física I. Ademais, a “arte-forma” é igualmente imaginação na acepção aristotélica de phantasía, presente tanto no Da Alma, como no De Memória e Rememoração, uma vez que, como propõe Aristóteles em De Memória e Rememoração, a imagem é presença, mesmo se é lembrança, pensamento, e está em nós; logo, phantasía aqui é imaginação no sentido de aparição, isto é: de imagem que advem da memória do ausente tornado presença na aparição. Entretanto, ao contrário da memória propriamente dita, que não se externaliza do pensamento, a “imagem” produzida pela arte se externaliza, descolando-se de um pensamento singular e se definindo como presença em si mesma, portanto, se ontologiza como “forma”, “formaformante” e “forma-formada”.

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Sendo assim, pode-se concluir que a obra de arte, independente de sua materialidade ou não, de sua perenidade ou não, de ser imitação fiel ou não, abstração ou não, ao ser produzida e registrada de alguma maneira na alteridade do artista, ao deixar de ser mero pensamento ou “potência de arte” para concretizar-se como coisa entre coisas; enfim, ao se “presentificar”, pode ser chamada de “forma”. E ainda, como phantasía, na acepção dos textos aristotélicos acima citados, a arte é também representação, não só no sentido de representação como presença de um ausente, mas também como produto do pensamento que se concretiza na “forma”. E, portanto, a “forma” também não é apenas presença de um ausente que é representado, tonando-o novamente presente; mas a “forma” é igualmente autônoma com relação ao representado, na medida em que é uma totalidade, pois, depois de formada, a “forma” é também presença em si mesma. E ainda, na medida em que a “forma” é fato novo, tem autonomia ontológica, pois constitui uma alteridade; e, portanto, é autônoma, não só do artista que a forjou, mas também do representado, e mesmo com relação ao fruidor.

Portanto, a “forma” enquanto um “outro” é como um espelho, que reflete a alteridade ao mesmo tempo em que reflete o próprio espectador da obra. Uma vez que é na fruição da obra de “arte - forma” que a visão de mundo pessoal do espectador se reflete e se mistura com a visão de mundo pessoal contida na obra, daí a “inexauribilidade da interpretação” da obra de arte definida por Pareyson, daí o organismo vivo e irrepetível, e em constante movimento, com que o filósofo italiano define o conceito de obra de arte como “forma”. Ademais, vale ressaltar que a autonomia da “forma” é independente de sua materialidade e de sua temporalidade, pois a “presença” que concretiza a sua autonomia ontológica se dá, sobretudo, no espaço-tempo da fruição, e não necessariamente na sua perenidade temporal, ou na sua concretude material enquanto coisa. Pois, nem a falta de concretude, nem a falta de perenidade muda a sua característica de ser uma visão de mundo pessoal de um artista, e, portanto fruto dessa relação “pessoa-forma-formante”.

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Nesse sentido, o entendimento da dimensão não material da “forma” se faz necessário, sobretudo, nos dias de hoje, quando o acesso às obras de arte pode ser virtual ou a partir de cópias mecânicas, ou até mesmo quando a obras de arte propriamente ditas deixam de existir, como no caso de instalações e performances, pois, independente da concretude material da obra de arte, a “forma”, na alteridade do pensamento, permanece na fruição do outro. E, se por um lado é possível identificar que a produção artística na atualidade, ao reivindicar um estatuto ontológico para a obra de arte, estabelece a obra como coisa, entretanto, por outro lado, a produção nos dias de hoje também permite que a arte se desmaterialize, pois ao tomar a arte como fruto da imaginação, a “forma”, enquanto pensamento na alteridade pode existir como puro pensamento, sem que seja necessária a sua materialização, ou seja: para que ela se concretize e possa ser identificada como “forma”, basta que ela esteja fora do pensamento singular de uma só pessoa. Por isso, no âmbito das manifestações artísticas nos dias de hoje, embora a própria materialidade da arte foi e é questionada, e a possibilidade da virtualidade da obra é fato consumado, a “forma”, tal como foi concebida na teoria da arte pareysoniana, ainda parece ser uma maneira adequada de definir uma obra de arte, já que autonomamente em relação a sua materialidade, a “forma” é alteridade do pensamento. Concluindo, a partir dos estudos da Teoria da Formatividade em diálogo com determinados conceitos das filosofias de Platão e de Aristóteles, estudos que posteriormente instrumentalizaram a leitura da experiência pessoal do pintor alemão Gerhard Richter, conclui-se que há três maneiras distintas, porém concomitantes, em que a obra de arte, em particular a pintura, se presentifica como “forma”: a primeira é aquela pela qual a pintura é imagem mimética, ou seja, a imagem advinda de um processo de imitação, e que mesmo perante o maior esforço de fidelidade ao modelo, é sempre acrescida da imaginação do artista, que interpreta, modifica e “completa” o modelo. O segundo modo de presentificação da pintura como “forma” é a imagem representativa, ou seja, aquele pelo qual a imagem substitui a ausência de outra coisa, imagem ou pensamento; isto é, a pintura como representação de uma ideia. Contudo, aqui também a imaginação participa do processo de formatividade, pois a representação é sempre intervenção

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“inventiva” do artista. Portanto, a pintura se dá como outra presença da ausência, e também, muitas vezes, como visibilidade do invisível. E finalmente, a terceira presentificação da imagem pictórica enquanto “forma” é o modo em que a imagem da pintura é ela mesma, ou seja, não imita nem representa nada além daquilo que apresenta. E é nesse jogo entre essas três co-possobilidades (mímesis, representação e apresentação) que a pintura é coisa entre coisas, inclusive passível de vir a ser paradigma para outra pintura. Sendo assim, ao analisar algumas obras pictóricas, dizeres e escritos de Gerhard Richter, no intuito de investigar sobre os desdobramentos da pintura na atualidade sob um aspecto mais pontual, pôde-se concluir que as obras do artista alemão são exemplos de pinturas que se apresentam ao mesmo tempo como mímesis e phantasía, isto é, como imitação, imaginação, representação. Ademais, as obras Richter mostram ainda que não se precisa escolher entre umas e outras, pois não há contradição, não há antítese, pode haver convivência e complementaridade entre a mímesis, imaginação, representação e estatuto ontológico da “forma”, pois a pintura pode ser ao mesmo tempo, conforme pudemos atestar durante a elaboração desta dissertação, imagem de outra coisa, imagem de si mesma, e coisa autônoma.

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