A Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento de Luta Antimanicomial em João Pessoa - PB. Anna Luiza Castro Gomes

May 23, 2016 | Author: William da Conceição Neves | Category: N/A
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1 1 A Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento de Luta Antimanicomial em João Pessoa - PB por Anna Lu...

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“A Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento de Luta Antimanicomial em João Pessoa - PB”

por

Anna Luiza Castro Gomes

Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública.

Orientador principal: Prof. Dr. Paulo Duarte de Carvalho Amarante Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Tereza Medeiros

João Pessoa, agosto de 2013.

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Esta tese, intitulada

“A Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento de Luta Antimanicomial em João Pessoa - PB”

apresentada por Anna Luiza Castro Gomes

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. João Euclides Fernandes Braga Prof. Dr. Jorge Luiz Rocha de Vasconcellos Prof.ª Dr.ª Maria Helena Barros de Oliveira Prof. Dr. Fernando Ferreira Pinto de Freitas Prof. Dr. Paulo Duarte de Carvalho Amarante – Orientador principal

Tese defendida e aprovada em 19 de agosto de 2013.

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Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública

G633

Gomes, Anna Luiza Castro A Reforma Psiquiátrica no contexto do movimento de luta antimanicomial em João Pessoa - PB. / Anna Luiza Castro Gomes. -2013. 263 f. : il. ; tab. ; graf. ; mapas Orientador: Amarante, Francisco Paulo Duarte de Carvalho Medeiros, Ana Tereza Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2013. 1. Psiquiatria - história. 2. História da Medicina. 3. Reforma dos Serviços de Saúde – história. 4. Brasil. I. Título. CDD – 22.ed. – 362.2098133

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DEDICATÓRIA

À minha amada mãe, Maria das Neves cuja força e coragem no enfretamento das tormentas da vida dão um testemunho vivo de fé em Deus e me apoiam em todas as etapas da minha vida. Ao meu filho Rafael Augusto, que diariamente me inspira e me fortalece na busca de meus objetivos, minha razão de continuar apesar das adversidades que a vida apresenta.

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Agradecimentos Especiais: A Deus pelo dom da vida, da inteligência, da coragem e da perseverança e a Maria, Nossa Senhora e Mãe, pela sua constante intercessão; Aos meus pais, Maria das Neves e Francisco Diniz pelo amor, carinho e apoio incondicional; Ao meu avô, André de Almeida Castro, pelo seu estímulo, preocupação e compreensão (in memoriam); Aos meus irmãos Andréa e André Luiz, pela confiança e por escutar e acolher com paciência meus momentos de ansiedade, medo e dúvidas; A Jobson Pereira de Moura, meu grande companheiro nessa jornada, pelo incentivo, pela compreensão nos momentos difíceis, pela paciência e pelo amor que sempre me confortaram e ampararam; Ao meu orientador Paulo Amarante, um orgulho, um amigo sensível, carinhoso e parceiro, o maior exemplo de militância que conheci, pela confiança no meu potencial; À Profª. Drª. Ana Tereza Medeiros, um exemplo de vida, uma sábia e guerreira amiga com quem não me canso de aprender, pela aposta e confiança e por nunca me abandonar; À minha família, meus tios e tias, representados por Analice, Ana Gláucia Ana de Fátima e Ozanete pelo carinho e por torcerem e se alegrarem com as minhas conquistas; Às amigas Sheyla, Marília, Thaisa, Maíra, Janiza pelo incentivo nos momentos em que faltaram o ânimo, a confiança e a coragem; Aos colegas do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e de Psiquiatria representados pelos companheiros da área de saúde mental Maria do Monte, João Euclides e Maria Filha por compreenderem e apoiarem a realização deste sonho; Aos alunos, Edriene, Fagny, Madson, Cora, Késsia, Brena, que estiveram com a mão estendida dando força e coragem nas horas de angústia e desespero;

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Aos Professores do Doutorado Cristina Guilam, César Cavalcanti, Maria Helena Barros por todos os espaços oferecidos para reflexão e aprendizado; Aos trabalhadores, gestores e usuários da Rede de Atenção Psicossocial de João Pessoa, representados por Leandro Roque, Edineide, Ruy e Severina, pela valiosa contribuição durante a fase da produção do material empírico; Às colegas de turma Anubes, Liza, Nilza, Waglânia e Josineide com as quais compartilhei projetos e superei desafios e angústias; Ao pessoal do Laboratório de Estudos em Saúde Mental e Atenção Psicossocial – LAPS, Leandra, Diana, Camila, Wanda, Patrícia, Luciene, Fernando Freitas, Edvaldo, pelo acolhimento e apoio; À Luana Almeida e Felipe Candeia porque sempre me ajudaram a resolver os problemas técnicos urgentes e inesperados; Aos funcionários da Casa Amarela, em especial a Wellington, Eliete, Cláudia, Cátia e Arlete, pelo cuidado, carinho e atenção; Aos companheiros da jornada na Casa Amarela, Caroline Gomes, Diego Barônio, Adenilda Arruda, Iara Oliveira e Natalia Gonzalez; A todos aqueles que acreditaram, torceram e rezaram por mim para que eu conseguisse superar esse desafio, meu sincero sentimento de agradecimento! Que Deus lhes abençoe.

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“A complexidade é efetivamente o tecido dos acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a complexidade transcende apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza”. Edgar Morin

“A emancipação é a consciência dessa igualdade, dessa reciprocidade que, somente ela, permite [...] A liberdade não se garante por nenhuma harmonia preestabelecida. Ela se toma, ela se conquista e se perde somente pelo esforço de cada um”. Jacques Rancière

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RESUMO No Brasil, as mudanças na atenção à saúde mental são conquistas de lutas sociopolíticas em prol do reconhecimento dos direitos humanos das pessoas consideradas loucas e da transformação do lugar social da loucura e de suas instituições. Esse processo é denominado de Reforma Psiquiátrica (RP) e foi iniciado no final da década de 1970 pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) que, em 1987, ao lançar o lema “Por uma sociedade sem manicômios” convocou a sociedade para discutir a questão da loucura e do louco e para assumir sua responsabilidade na transformação da realidade opressora. O MTSM se transformou no Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA) que reivindica uma RP transformadora da realidade e questiona não somente as práticas e as instituições psiquiátricas, mas, principalmente os conceitos, os saberes, os valores e os significados que orientam e legitimam a relação de exclusão social estabelecida ente a sociedade, o louco e a loucura, ou seja, o Movimento defende uma RP como desinstitucionalização do paradigma psiquiátrico clássico. Nesse novo enfoque a RP é considerada um processo permanente de construção, de reflexões e de transformações que ocorrem a um só tempo em quatro dimensões interdependentes: a teórico-conceitual; a jurídico-política; a técnico-assistencial e a sociocultural (AMARANTE, 2007). Considerando que o avanço da RP na perspectiva transformadora e libertária envolve intervenções nas quatro dimensões e que o MNLA é o principal sujeito social que reivindica essa transformação, esta pesquisa teve o objetivo de investigar de que modo os principais temas que orientam o processo da Reforma Psiquiátrica são compreendidos pelos sujeitos-chave que participaram das atividades da I Semana Estadual da Luta Antimanicomial realizada em João Pessoa-PB. Trata-se de um estudo qualitativo, desenvolvido com 40 sujeitos sociais envolvidos na militância antimanicomial no município investigado. Os dados foram coletados por meio da entrevista, entre fevereiro e maio de 2012 e analisados conforme a técnica de análise de discurso proposta por Fiorin (1999). Foram construídas duas categorias empíricas: 1) A relação entre a RP e o MNLA em João Pessoa-PB: historicidade e perspectivas e 2) As concepções sobre a Reforma Psiquiátrica. Essa última comporta duas subcategorias: O aggiornamento no campo da atenção psicossocial: a Reforma Psiquiátrica como desospitalização e A Reforma Psiquiátrica na perspectiva de uma revolução sociocultural para a superação do paradigma psiquiátrico tradicional. A pesquisa revelou desafios para a militância antimanicomial como a falta de articulação e a descontinuidade das ações além da necessidade de sua reorganização; a tendência do encaminhamento da RP na perspectiva do aggiornamento uma vez que os investimentos ocorrem, sobretudo, na dimensão técnica-assistencial através da ampliação de serviços abertos e territoriais. No entanto, foram identificas algumas iniciativas tímidas, mas potentes de inovações no campo sociocultural que demonstram a possibilidade de superação do modelo tradicional e de transformação social do lugar do louco, da loucura e de suas instituições. Portanto, foi evidenciado que o contexto investigado vivencia um período de transição paradigmática entre o modelo asilar e o modelo da atenção psicossocial e que somente através de uma revolução sociocultural será possível a efetivação do processo da RP como uma desinstitucionalização. Para isso a atuação organizada da militância antimanicomial é imprescindível. Palavras-Chave: Saúde Mental; Desinstitucionalização; Movimento Nacional da Luta Antimanicomial; Direitos Humanos, Diversidade Cultural.

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ABSTRACT In Brazil, changes in mental health care are achievements of sociopolitical struggles in favor of the recognition of human rights of the people considered crazy, the transformation of the social place of madness, and its institutions. This process is called Psychiatric Reform, and was started in the late of 1970, by the Movement of Workers in Mental Health(MTSM), which, in 1987 when launching the slogan “For a society without insane asylums”, convened the society to discuss the social place of madness and crazy, and to take responsibility in transforming of the oppressive reality. The MTSM became the National Movement of Anti-Asylum (NMAA), that claims na PR transformative of the reality and questions not only the practices and psychiatric institutions, but, especially the concepts, knowledge, values and meanings that guide and legitimize the relationship of social exclusion established between society, crazy and madness, so, the movement advocates a PR like deinstitutionalization of psychiatric paradigm classic. In this new approach, PR is considered a permanent process of construction, where reflections and transformations occur at the same time in four interdependent dimensions: theoreticalconceptual; legal-political; technical- assistance, and the sociocultural (AMARANTE, 2007). Considering that the advancement of PR in transforming and libertarian perspective involves interventions in four dimensions, and that the MNLA is the main social subject who claims this transformation, this research had the objective of investigate how the main themes that guide this process of psychiatric reform are comprehended by key individuals who participated in the activities of the First Week of the State Anti-Asylum held in Joao Pessoa. This is a qualitative study, developed with 40 social subjects engaged in militancy anti-asylum of the county investigated. The data were collected through interviews from February to May 2012, and analyzed according to the technique of discourse analysis proposed by Fiorin (1999). Were constructed two empirical categories: 1- The relation between the Psychiatric Reform and the Anti-Asylum Movement in Joao Pessoa-PB: historicity and perspectives and Conceptions about the Psychiatric Reform. The latter includes two subcategories: The aggiornamento in the field of psychosocial attention: Psychiatric Reform like deinstitutionalization and Psychiatric Reform in the perspective of a sociocultural revolution to overcome the traditional psychiatric paradigm. The research revealed challenges for militancy anti-asylum as lack of articulation, and discontinuity of actions beyond the need for your reorganization; The trend of the referral from the RP, in perspective of the aggiornamento since the investments occurs, especially in technical – care dimension through the expansion of services open and territorial. However, some shy initiatives were identified, but powerful in the field of sociocultural innovations that demonstrate the possibility of overcoming the traditional model and social transformation of the crazy’s place, madness and its institutions. So, it was evident that the investigated context experiences a period of paradigmatic transition between asylum model and model of psychosocial attention, and that only through a sociocultural revolution Will be possible the realization of the process of PR, like a institutionalization as a deinstitutionalization. For that, the organized performance of militancy antimanicomial is essential. Keywords: Mental Health; deinstitutionalization; National Movement Anti-Asylum, Human Rights, Cultural Diversity.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 01 - Imagens de pessoas institucionalizadas em um Hospital Psiquiátrico .............................................................................................................................. 34 FOTO 01 - Imagens de pessoas institucionalizadas em no Hospital Psiquiátrico de Barbacena-MG ................................................................................................. 34 FOTO 02 – Equipe de Saúde Mental liderada por Franco Basaglia em Trieste, na década de 1970 .................................................................................................................... 46 FIGURA 02 - Representação gráfica da relação entre as quatro dimensões estudadas por Amarante ........................................................................................................................... 70 FIGURA 03 – Representação gráfica das dimensões da Reforma Psiquiátrica defendidas por Amarante (2007) inspirada no espiral do conhecimento ...................................................................................................................... 71 QUADRO 01 – Portarias Ministeriais publicadas no triênio 2011-2013 ................................... 86 FOTO 03 – Pavilhão feminino do Hospital Psiquiátrico de Barbacena..................................... 94 FOTO 04 – Situação de um interno de uma enfermaria do Hospital Psiquiátrico de Barbacena ................................................................................................................................ 94 FOTO 05 - Pavilhão do CHPB onde internos dormiam no "leito único", nome oficial para substituição de camas por capim ....................................................................................... 97 FOTO 06 – Pátio do pavilhão masculino do CHPB ................................................................. 97 FOTO 07 – Carro funerário de tração animal utilizado para retirar os corpos do CHPB ........... 97 FOTO 08 – Abertura do Seminário “Diversidade, Cultura e Saúde Mental: outras dimensões para a compreensão da loucura” promovido pelo GESAM na reitoria da UFPB em dezembro de 2010 (arquivos pessoais da pesquisadora, 2010) .................................. 111 FOTO 09 - Grupo de capoeira de usuários do CAPS que se apresentou no Seminário promovido pelo GESAM na reitoria da UFPB .......................................................................... 111 FOTO 10 – Abertura da I SELA em João Pessoa-PB............................................................... 112 FOTO 11 – Conferência realizada no CPJM durante a I SELA em João Pessoa-PB................. 112 FOTO 12 – Apresentação dos usuários do CAPS Gutembergue Botelho, durante a I SELA em João Pessoa-PB (arquivos pessoais da pesquisadora, 2011) ...................................... 112 FOTO 13 – Apresentação dos usuários no pátio do CPJM, durante a I SELA em João Pessoa-PB ................................................................................................................................ 112 FOTO 14 – Marcha dos Usuários no 18 de maio, em João Pessoa-PB ..................................... 112

11 FOTO 15 – Grupo de usuários e trabalhadores do CAPS ad após apresentação do “Batucaps” na I SELA, em João Pessoa-PB ............................................................................. 112 FIGURA 11 – Mapa da distribuição dos serviços da Rede de Atenção à Saúde no território de João Pessoa-PB, em 2012 ..................................................................................... 118 FOTO 16 – Peças produzidas pelos usuários que participam da Oficina de Papel Marche do CAPS ad................................................................................................................. 207 FOTO 17 – Apresentação do grupo e percussão do CAPS Gutembergue Botelho .................... 207

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LISTA DE GRÁFICOS

GRAFICO 01 – Distribuição dos sujeitos segundo a faixa etária ............................................. 121 GRAFICO 02 – Distribuição dos sujeitos segundo o estado civil ............................................ 121 GRAFICO 03 – Distribuição dos sujeitos segundo a escolaridade ........................................... 121 GRAFICO 04 – Distribuição dos sujeitos segundo a religião .................................................. 121 GRAFICO 05 – Distribuição dos sujeitos segundo o tempo de atuação/acompanhamento em Saúde mental ............................................................................. 121 GRAFICO 06 – Distribuição dos sujeitos segundo a formação................................................ 121

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LISTA DE TABELAS

TABELA 01 – Distribuição dos Serviços e dos Dispositivos que compõem a RAPS em João Pessoa – PB, no ano de 2012 ............................................................................................ 116 TABELA 02 – Caracterização dos sujeitos quanto ao Segmento do Movimento da Luta Antimanicomial que Representa em João Pessoa – PB, no ano de 2012.................................... 120

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRASCO – Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva ABRASME – Associação Brasileira de Saúde Mental ABS – Atenção Básica em Saúde ACS – Agentes Comunitários de Saúde AIDS – Acquired Immune Deficiency Syndrome AIS – Ações Integradas de Saúde APS – Atenção Primária à Saúde CAIS – Centro de Atendimento Integrado em Saúde CAPS – Centros de Atenção Psicossocial CAPS ad – Centros de Atenção Psicossocial álcool e drogas CAPS i – Centros de Atenção Psicossocial infantil CBSM – Congresso Brasileiro de Saúde Mental CEBES – Centro Brasileiro de Estudos em Saúde CCS – Centro de Ciências da Saúde CHPB – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena CNSM – Conferências Nacionais de Saúde Mental Conasp – Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária CPJM – Complexo Juliano Moreira CSSM – Congresso Sulbrasileiro de Saúde Mental DAB – Departamento de Atenção Básica DESPP– Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e de Psiquiatria Dinsam – Divisão Nacional de Saúde Mental DS – Distrito Sanitário ECSM – Encontro Catarinense de Saúde Mental

15 ENMLAM – Encontro Nacional do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial ESF – Equipes de Saúde da Família GESAM – Grupo de Estudos em Saúde Mental IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MNLA – Movimento Nacional de Luta Antimanicomial MPAS – Ministérios da Previdência e Assistência Social MS – Ministério da Saúde MTSM – Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial OMS – Organização Mundial de Saúde OPAS – Organização Pan-americana de Saúde PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde PASM – Pronto Atendimento em Saúde Mental PB – Paraíba PNASH – Programa Nacional de Avaliação de Serviços Hospitalares Psiquiátricos PNDH – Programa Nacional de Direitos Humanos PSF – Programa de Saúde da Família RAPS – Rede de Atenção Psicossocial RP – Reforma Psiquiátrica SELA – Semana Estadual da Luta Antimanicomial SES – Secretaria Estadual de Saúde SF – Saúde da Família SINDSAÚDE – Sindicatos dos Profissionais de Saúde SMS – Secretaria Municipal de Saúde

16 Sosintra – Sociedade de Serviços Gerais para a Integração pelo Trabalho SRT’s – Serviços Residenciais Terapêuticos SUDS – Sistema Único e Descentralizado de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde UBS – Unidades Básicas de Saúde UFPB – Universidade Federal da Paraíba USF – Unidades de Saúde da Família WHO – World Health Organization

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 19 2 OBJETIVOS .............................................................................................................. 26 2.1 GERAL ..................................................................................................................... 26 2.2 ESPECÍFICOS .......................................................................................................... 26 3 MARCO REFERENCIAL......................................................................................... 27 3.1 A CONSTITUIÇÃO DO PARADIGMA PSIQUIÁTRICO TRADICIONAL E A POSSIBILIDADE DE SUA SUPERAÇÃO .................................................................... 27 3.1.1 A construção do paradigma psiquiátrico: o objeto, os meios, os modos e a finalidade ....................................................................................................................... 27 3.1.2 O paradigma da psiquiatria reformada: uma alternativa ao paradigma asilar 39 3.1.3 O paradigma da atenção psicossocial como possibilidade para a superação do paradigma médico-psiquiátrico tradicional ................................................................. 49 3.2 O MOVIMENTO NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL E A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA ..................................................................................... 53 3.2.1 Resgate dos principais acontecimentos históricos do processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira .................................................................................................. 55 3.2.2 Um novo sujeito social no Movimento da Luta Antimanicomial: algumas considerações sobre a ABRASME................................................................................ 67 3.3 AS DIMENSÕES DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA DE ACORDO COM O PENSAMENTO AMARANTIANO .................................................................. 70 3.3.1 A dimensão epistemológica ou teórico-conceitual ............................................... 72 3.3.2 A dimensão técnico-assistencial ........................................................................... 75 3.3.3 A dimensão jurídico-política ................................................................................ 83 3.3.4 A dimensão sociocultural ..................................................................................... 88 3.4 DIREITOS HUMANOS, CULTURA E DESISNTITUCIONALIZAÇÃO ................ 94 3.4.1 Os Direitos Humanos no contexto da atenção psicossocial ................................. 94 3.4.2 Diversidade cultural e cidadania ......................................................................... 104 3.5 A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM JOÃO PESSOA - PB: O MOVIMENTO DA LUTA ANTIMANICOMIAL E SUAS REPERCUSSÕES NA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL LOCAL.......................................................................................................... 105 4 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ............................................................... 114 4.1 TIPO DO ESTUDO .................................................................................................. 114

18 4.2 CENÁRIO DO ESTUDO .......................................................................................... 115 4.3 SUJEITOS DO ESTUDO.......................................................................................... 119 4.4 TÉCNICA PARA PRODUÇÃO DO MATERIAL EMPÍRICO ................................. 122 4.5 TÉCNICA PARA ANÁLISE DO MATERIAL EMPÍRICO ...................................... 124 4.5.1 Descrição da Técnica ............................................................................................ 124 4.5.2 Etapas do trabalho de análise e discussão dos dados empíricos ......................... 127 4.6 POSICIONAMENTO ÉTICO DO PESQUISADOR ................................................. 129 5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS EMPÍRICOS .......................................... 130 5.1 A RELAÇÃO ENTRE A REFORMA PSIQUIÁTRICA E O MOVIMENTO DA LUTA ANTIMANICOMIAL EM JOÃO PESSOA-PB: HISTORICIDADE E PERSPECTIVAS ............................................................................................................ 132 5.2 AS CONCEPÇÕES SOBRE A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM JOÃO PESSOAPB................................................................................................................................... 154 5.2.1 O aggiornamento no campo da atenção psicossocial: a Reforma Psiquiátrica como desospitalização ................................................................................................... 155 5.2.2 A Reforma Psiquiátrica na perspectiva de uma revolução sociocultural para a superação do paradigma psiquiátrico tradicional ....................................................... 197 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 219 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 224 APÊNCIDES ................................................................................................................. 240 ANEXOS ....................................................................................................................... 245

19 1 INTRODUÇÃO

O processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil tem apresentado vários caminhos e tendências, com avanços e retrocessos na luta pela transformação da relação que a sociedade estabeleceu com o louco, com a loucura e com suas instituições (AMARANTE, 2007). Esse processo foi iniciado com a criação do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e articulado a outros movimentos sociais que reivindicavam a redemocratização do país, na década de 1970, vem propondo ações revolucionárias para o campo da saúde mental e da atenção psicossocial. Amarante (2007) considera que o movimento proponente de uma Reforma transformadora da realidade nesses campos questiona não somente as práticas e as instituições psiquiátricas, mas, principalmente os conceitos, os saberes, os valores e os significados que orientam e legitimam a relação entre a sociedade, o louco e a loucura. Esses questionamentos foram elaborados a partir do final da II Guerra Mundial, quando os ideais libertários da Revolução Francesa foram anunciados à sociedade capitalista. Desde então, algumas experiências de Reformas Psiquiátricas foram desenvolvidas em vários países com diversos enfoques, sentidos e objetivos. A complexidade inerente ao processo de Reforma Psiquiátrica dificulta um recorte muito específico e impõe desafios para a sua análise. Por isso, optamos por tratar de temas relacionados à problemática investigada uma vez que tal recorte implicaria a perda de alguns elementos importantes para a compreensão do processo. Desse modo, registramos a impossibilidade de alcançar a totalidade da realidade neste estudo cuja pretensão é de analisar e articular os temas que envolvem o processo investigado. A proposta brasileira de Reforma Psiquiátrica se inspirou na experiência italiana da psiquiatria democrática, iniciada na década de 1960, pelo psiquiatra Franco Basaglia e colaboradores. Na atualidade, essa experiência é considerada a que melhor representa a possibilidade de um efetivo rompimento com o modelo manicomial de exclusão, segregação e reificação da pessoa em sofrimento psíquico, pois, incorporou fortes críticas ao modelo tradicional da psiquiatria e reconheceu a complexidade inerente à realidade de quem experimenta a loucura. Tal perfil consagrou o processo de Reforma Psiquiátrica italiano como uma experiência exitosa e de referência internacional. O êxito italiano se deve à noção de desconstrução/reconstrução do paradigma psiquiátrico e, consequentemente da práxis em saúde mental que foi incorporada ao conceito de desinstitucionalização, até então considerado como desospitalização. De

20 acordo com Rotelli et al (2001 p. 30), essa nova perspectiva exige a “recomplexificação do objeto (doença) e a construção de um novo objeto (existênciasofrimento e sua relação com o corpo social) a partir de um novo modelo que permita novas sociabilidades e a interlocução entre as singularidades”. Para Acioly (2009), o processo de desconstrução/reconstrução defendido pela psiquiatria democrática deve atingir os saberes e as práticas, os entrelaçamentos políticos e culturais mantenedores das instituições violentas, com destaque para o manicômio. Nesse enfoque, consideramos que a Reforma Psiquiátrica brasileira, ao incorporar a perspectiva da desconstrução do modelo asilar hegemônico como fundamento, assumiu o caráter de processo social, ético, democrático e complexo que abrange quatro dimensões articuladas e interdependentes: a teórico-conceitual, a técnico-assistencial,

a

jurídico-político

e

a

sociocultural

(ROTELLI,

2001;

AMARANTE, 1998; 2007). A identificação de tais dimensões, por Amarante (2007), constitui um recurso para a compreensão da complexidade intrínseca tanto à experiência da loucura quanto à processualidade e à historicidade dos movimentos sociopolíticos que lutam pela transformação do lugar social do louco e da loucura. No Brasil, o movimento social pela superação do modelo psiquiátrico tradicional foi iniciado, no final da década de 1970, pelos trabalhadores de saúde mental que posteriormente unidos a outros sujeitos sociais (intelectuais, usuários, familiares e sanitaristas) fundaram no ano 1987, o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. Esse movimento chamou a atenção da sociedade para a questão da situação das instituições psiquiátricas ao lançar lema “Por uma sociedade sem manicômio” e instituiu o dia 18 de maio como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Desde então, nessa data, todo o País é instigado a refletir sobre o tema da loucura, das internações psiquiátricas e da doença mental, a partir da própria produção cultural dos sujeitos sociais envolvidos com as questões da saúde mental e da realização de atividades políticas, acadêmicas, esportivas, entre outras (AMARANTE, 2007). Na atualidade, o Movimento da Luta Antimanicomial é considerado o movimento social mais potente e organizado do país que reivindica uma Reforma Psiquiátrica

transformadora

da

realidade,

pois

estimula

o

processo

de

desinstitucionalização, propõe a construção de uma política de saúde mental articulada às demais políticas públicas sociais e que extrapole o âmbito das ações e dos serviços de saúde e defende a produção de nova cultura que comporte a diversidade e a diferença para a transformação da relação entre a sociedade, a loucura, o louco e suas instituições.

21 Nessa perspectiva, reconhecemos que o Movimento da Luta Antimanicomial assumiu um papel político-social e estratégico fundamental para alcançar a efetivação do processo pela Reforma Psiquiátrica em suas quatro dimensões por compreender “um conjunto de estratégias que exigem iniciativas políticas, jurídicas, culturais e que criam, possibilitam e marcam a presença da loucura na sociedade” (SOALHEIRO, 2003, p. 5/26). Entretanto, apesar de historicamente, o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira ter alcançado significativos avanços, a exemplo da incorporação pelo Estado de várias propostas do movimento de luta antimanicomial como elementos da política de saúde mental, a realização das transformações incorporadas no plano teórico da política, ainda encontra vários conflitos, impasses e desafios. Entre os desafios destacamos o imaginário social impregnado por preconceitos e medos e as relações de exclusão estabelecidas em relação à loucura e ao louco que constituem a força motriz que alimenta as instituições totais, estudadas e denunciadas por Goffman (2001) (ALVERGA; DIMENSTAIN, 2006). Isto significa que, além do fechamento de serviços manicomiais e da ampliação de uma Rede de serviços e de dispositivos substitutiva e articulada intersetorialmente – ainda no plano das intenções da política, é fundamental a desconstrução da mentalidade manicomial e de seu aparato como também o desenvolvimento nos serviços de saúde/saúde mental, de ações e de estratégias inovadoras e potencializadoras de subjetividades e de trocas sociais. Ou seja, a loucura e o louco precisam ocupar os territórios sociais para produzir novas relações sociais e conquistar um novo lugar social que seja contrário à marginalidade experienciada nos manicômios. Tomamos como fundamento para o processo de desinstitucionalização na perspectiva da superação paradigmática do modelo tradicional o conceito sobre emancipação defendido por Rancière (2002) como a capacidade de tornar-se consciente de sua potência, de seu poder de decisão, de ser livre e autônomo, de aprender por suas próprias experiências, de ser aceito em sua diferença, de ser reconhecido pelo que é, ou seja, uma tomada de consciência da igualdade entre os homens. No campo da saúde mental, a efetivação do processo emancipatório do modelo psiquiátrico tradicional requer o envolvimento dos diferentes sujeitos coletivos que no contexto brasileiro tem ocorrido através das lutas e das reivindicações dos movimentos sociais, no sentido de provocar “processos de transformação social que apontem para a

22 desalienação dos sujeitos e para a emancipação dos seres humanos” (PAIM, 2006 p. 135). Assim, advogamos que a atuação dos movimentos sociais no processo de transformação da realidade exige um novo caminho que considere a intersecção entre os três modos de pensamento apontados por Deleuze e Guattari (2001) - ou seja, que envolva filosofia, ciência e arte e contemple as dimensões inerentes à existência humana, pois, historicamente, apenas o pensamento científico tem sido reconhecido para orientar a relação entre sociedade, loucura e suas instituições. Isso implica em admitir a complexidade da existência social do louco e da loucura, investir na produção de pensamentos, de ações e de valores que o considere em seu contexto e não apenas na dimensão biológica do fenômeno experimentado, e, sobretudo, construir uma nova cultura que comporte as diversas singularidades existentes na sociedade e se fundamente nos direitos humanos, na solidariedade e na igualdade social. Rosas (2001, p. 48) afirma que para a compreensão da complexidade dos aspectos que compõem o campo da saúde mental é necessário “buscar elos que articulam o processo saúde-doença mental com as questões políticas, sociais e culturais, nos contextos dos diferentes cenários históricos, em virtude das suas intersecções e interfaces com as diversas áreas do conhecimento e com os contextos históricos”. A autora verificou que a relação entre a Reforma Psiquiátrica e o Movimento da Luta Antimanicomial na Paraíba, é de mediação entre as políticas oficiais e os sujeitos coletivos, como movimento para que os pressupostos da Reforma se efetivem enquanto gesto ético, no atendimento às necessidades de saúde mental e não apenas como uma simulação desta. Nesse sentido, reconhecemos que, na atualidade, apesar de a política de saúde mental ter o enfoque teórico orientado por noções que comportam a complexidade da existência social e biológica de quem experimenta a loucura, seu encaminhamento na prática, está centrado, sobretudo, na doença e na atenção à saúde. Desse modo, propomos a adoção de uma nova compreensão sobre o fenômeno da loucura que reconheça a interseção e a interdependência entre as quatro dimensões (epistemológica, técnico-assistencial, jurídico-política e sociocultural) do processo investigado. Vale ressaltar que a dimensão sociocultural foi evidenciada já no I Encontro Nacional do Movimento da Luta Antimanicomial (1993) e considerada uma dimensão favorável à construção de um novo lugar social para a loucura e para o louco, pois ela intersecta com os diversos modos de pensamento e comporta a loucura como uma das diversidades da existência humana.

23 Em João Pessoa, capital do estado da Paraíba, estudo realizado por Silva (2003, p. 87) revelou que existia uma tendência de mudanças na qualidade da Reforma Psiquiátrica com o “significado de atualização no modelo de assistência psiquiátrica tradicional” que a autora denominou de “Reformismo”. Para a autora, tal processo se caracteriza por mudanças na aparência dos serviços, numa perspectiva de “modernização da Instituição, sem transformação de sua essência” e apresenta uma tendência que demonstra a manutenção de uma cultura manicomial, resultante de “certos modos de pensar o mundo” que impedem o avanço do processo de Reforma Psiquiátrica na perspectiva da emancipação dos sujeitos e da desconstrução da mentalidade manicomial (SILVA, 2003, p. 87). No Brasil, o movimento antimanicomial é propulsor da Reforma Psiquiátrica e reúne vários sujeitos sociais com desejos, necessidades e interesses diferentes e que ocupam diversos lugares sociais na cultura. Destarte, defendemos a importância de se investigar as concepções, os valores e os significados que esses sujeitos apresentam sobre o louco, sobre a loucura e suas instituições bem como a maneira como eles lidam com a realidade cotidiana, no sentido de compreender quais as implicações da práxis em saúde mental para o encaminhamento do processo da Reforma Psiquiátrica, na atualidade. Advogamos a necessidade de um novo aprendizado sobre a loucura, que na concepção de Morin (2010) significa uma produção cultural de novos conceitos, de novos valores e de novos significados sobre o fenômeno. O novo enfoque deverá estimular a produção de novas práticas e de novas relações sociais que além de se fundamentem nos direitos humanos, na solidariedade, na inclusão social deverá, sobretudo favorecer a emancipação dos sujeitos da mentalidade manicomial. Defendemos, portanto, o argumento de que para uma mudança transformadora da realidade social e com caráter emancipatório para os sujeitos sociais são necessárias mudanças simultâneas em todas as dimensões que caracterizam essa realidade, em especial na dimensão sociocultural onde são produzidas e articuladas as ações, as ideias, as políticas e os valores. Nesse contexto, foi recortado para constituir o cenário desta investigação, o município de João Pessoa, capital do estado da Paraíba que, desde o ano de 2010, ocupa o primeiro lugar nacional em número de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico por habitante, com o índice de 1,55 de Centros de Atenção Psicossocial por habitante (BRASIL, 2012 b). Em João Pessoa, apesar dos importantes desafios de cunho político partidário local, em 2010, foi iniciada a construção de uma nova conjuntura socio-

24 político-estrutural com grande potencial para retomar a militância1 do Movimento de Luta Antimanicomial - por meio da aproximação entre os diversos sujeitos sociais interessados na questão da saúde mental e, consequentemente, para favorecer o avanço da Reforma no sentido de uma “desinstitucionalização completa” (VENTURINI, 2010). Em dezembro de 2010, o aprofundamento da discussão sobre as questões relacionadas à loucura e às suas instituições foi provocado pelo Grupo de Estudos em Saúde Mental (GESAM) do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e de Psiquiatria do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (DESPP/CCS/UFPB) a partir da realização do Seminário: “Diversidade, Cultura e Saúde Mental: outras dimensões para a compreensão da loucura”. O objetivo do evento foi reunir representantes dos diversos segmentos e movimentos sociais organizados para refletir sobre a relação entre relevantes temas da área da saúde mental – a inclusão social, o trabalho, a violência, do direito, as políticas de atenção à saúde, o uso abusivo de substâncias psicoativas e o controle social - e outras dimensões que inerentes à complexidade da loucura, de modo a subsidiar encaminhamentos para o avanço da Reforma Psiquiátrica na perspectiva transformadora da realidade no município e no estado. Em maio de 2011, foram realizadas a I Semana Estadual e a I Semana Municipal da Luta Antimanicomial que contou com a participação de diversos grupos, coletivos, instituições e entidades, tais como: coordenadores e trabalhadores de saúde mental de dezesseis municípios paraibanos, movimentos sociais organizados, universidades e faculdades, movimentos artístico-culturais, representantes políticos e gestores dos serviços públicos de saúde - que discutiram sobre o contexto e as perspectivas de avanço para a Reforma Psiquiátrica na vertente antimanicomial. A realização desses eventos significou um marco histórico para o processo da Reforma no município, pois, pela primeira vez, as questões da loucura extrapolaram o âmbito dos serviços de saúde e ganharam uma dimensão sociocultural. Considerando o cenário apresentado como também a escassez de estudos que relatem ou discutam o processo da Reforma Psiquiátrica e a atuação do Movimento da Luta Antimanicomial na capital paraibana, esta pesquisa investigou elementos para subsidiar a compreensão sobre os avanços, os desafios e as possibilidades de uma

1

O termo militância neste estudo tem o significado de ativismo (atividade, ações, atos, práticas compartilhadas), ou seja, uma construção em ação da práxis em saúde mental, das experiências de e com movimentos sociais. Portanto, implica a construção de relações horizontais entre os sujeitos sociais que participam das lutas políticas pela transformação no campo da saúde mental.

25 Reforma Psiquiátrica transformadora da realidade, contemplando a intersecção entre as dimensões da existência social da pessoa que experimenta a loucura. Desse modo, foram elaboradas as seguintes questões para nortear o desenvolvimento da pesquisa: Quais os significados que a Reforma Psiquiátrica assume, no contexto atual, para os sujeitos sociais envolvidos com o Movimento da Luta Antimanicomial, em João Pessoa – PB? Quais as perspectivas para o encaminhamento do processo da Reforma Psiquiátrica no município investigado, considerando as dimensões defendidas por Amarante (2007)? O interesse do estudo foi investigar de que maneira a práxis em saúde mental tem se articulado com os pressupostos da política de saúde/saúde mental, na atualidade, no cenário do estudo.

26 2 OBJETIVOS

2.1 GERAL  Investigar de que modo os principais temas que orientam o processo da Reforma Psiquiátrica são compreendidos pelos sujeitos-chave que participaram das atividades da I Semana Estadual da Luta Antimanicomial realizada em João Pessoa-PB.

2.2 ESPECÍFICOS  Identificar as concepções de sujeitos-chave que participaram das atividades da I Semana Estadual da Luta Antimanicomial da Paraíba sobre aspectos inerentes às dimensões da Reforma Psiquiátrica identificadas por Amarante (2007);  Identificar as contradições entre o discurso e a prática dos sujeitos sociais envolvidos com a militância antimanicomial no município de João Pessoa-PB;  Analisar os desafios e as possibilidades para o encaminhamento das propostas de Reforma Psiquiátrica, na perspectiva da desinstitucionalização e da transformação cultural, em João Pessoa-PB.

27 3 MARCO REFERENCIAL

3.1 A CONSTITUIÇÃO DO PARADIGMA PSIQUIÁTRICO TRADICIONAL E A POSSIBILIDADE DE SUA SUPERAÇÃO Libertar o pensamento dessa racionalidade carcerária é uma tarefa tão urgente quanto libertar nossas sociedades dos manicômios [...] é preciso recusar o Império da Razão (PELBART, 1991, p. 135).

3.1.1 A construção do paradigma psiquiátrico: o objeto, os meios, os modos e a finalidade.

A maneira como as sociedades concebem e interpretam a realidade em seus diversos aspectos e dimensões influencia decisivamente as relações sociais e as intervenções humanas no mundo. As concepções sobre os fenômenos humanos e naturais demarcam um conjunto de métodos, técnicas, instrumentos, instituições e leis que regem, mediam e controlam as complexas relações sociais e podem desencadear processos de segregação e de exclusão de grupos e segmentos da sociedade. O estabelecimento de paradigmas, ou seja, do conjunto de valores, significados, conceitos, padrões, normas e modelos organizados para interpretar a realidade influencia a visão de mundo das pessoas e as relações sociais. Como exemplo, temos o paradigma do conhecimento científico moderno que tem sido criticado por autores como: Thomas Khun, Ilya Prigogine, Edgar Morin e Boaventura de Sousa Santos, pela rigidez e reducionismo de seu método na interpretação da realidade e pelo seu caráter totalitário e absolutista que manipula, domina o real, no sentido de produzir a Verdade. Amarante (2010, p.170) afirma que falar de paradigma é falar de como o saber se organiza em torno da experiência humana. As críticas às características do paradigma científico da modernidade permitem afirmar que a sua superação pode significar um grande desafio e trazer vários problemas para o desenvolvimento das ciências, para o exercício dos saberes considerados “não científicos” e para o modo de organização das relações sociais. Na perspectiva dessa superação, destacamos o paradigma psiquiátrico tradicional que, decorrente da racionalidade médico-científico moderna, foi responsável pela produção de concepções reducionistas, simplistas e equivocadas em relação aos loucos e à loucura como também pela construção de valores e práticas sociais violentas, cruéis, segregadoras e

28 excludentes que ainda persistem na atualidade. Entre os conceitos fundantes desse paradigma encontram-se os conceitos sobre vários temas emblemáticos na área psi, como:

alienação,

isolamento,

cura,

doença/saúde desvio,

mental,

crise,

razão/desrazão,

tratamento/terapêutica,

normalidade/anormalidade,

incapacidade,

periculosidade, inimputabilidade, entre outros. Amparada por esses conceitos, a psiquiatria elaborou uma explicação para a complexa experiência humana da loucura, restringindo-a a categoria de “doença” e passou a deliberar e a controlar a vida das pessoas consideradas loucas. Em nome da ciência, dos interesses econômicos e políticos e dos bons costumes (moral) à época em que foi constituída, a psiquiatria com todo seu aparato (ideológico, político, jurídico, administrativo e institucional) tem cometido várias atrocidades, injustiças e violências que somente passaram a ser questionadas no final do século XVIII. Nesse enfoque, Basaglia (2008) considera que o reducionismo da experiência da loucura à condição de doença apresentou consequências práticas e implicou na: [...] objetivação do homem como premissa à cientificidade da intervenção médica e, portanto a expropriação das experiências corpóreas e da participação subjetiva nessas experiências; a tendência a confirmar somente como dado natural, biológico, fenômenos dependentes também de condições sociais, psicológicas e racionais; e a tendência a considerar patológicos fenômenos naturais, ampliando o campo da intervenção técnica (BASAGLIA, 2008, p.18).

Ancorada no paradigma newtoniano e no método cartesiano – que concebe o conhecimento científico como a maneira universal e legítima de revelar a natureza das coisas, a psiquiatria clássica passou a usurpar e a manipular as relações da sociedade com a diferença, com a pobreza, com a diversidade e com o sofrimento e trouxe obscurantismo para a interpretação da loucura por excluir outras interpretações sobre o fenômeno. Yasui (2010), ao descrever o paradigma psiquiátrico, recorre aos conceitos sobre discurso competente e razão instrumental para explicar como a psiquiatria em nome da produção científica, subjugou por meio do controle totalitário, os sujeitos e suas experiências de sofrimento a um saber reducionista, porém considerado inquestionável e universalizante. Chauí (2006) faz referência a aspectos importantes na construção do saber e aponta um caminho peculiar do conhecimento. De acordo com a autora, para ser eficaz, o conhecimento busca ocultar o que não tem um significado preciso e abre lacunas para as dúvidas, contradições, incertezas, para o não-saber que habita na experiência. Neste

29 último, as ideias assumem a forma de ideias instituídas que passam a ser veiculadas e apreendidas como independentes da realidade histórica e social, sendo tomadas como determinantes do processo histórico, quando na verdade, na concretude da vida, são por ele determinadas. Sobre o discurso competente a autora afirma: [...] é o discurso instituído. É aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser resumida: não é qualquer um que pode dizer qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institucionalmente permitida e autorizada, isto é, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos, como tendo direito de falar e de ouvir [...] (CHAUÍ, 2006, p. 19).

Nesse enfoque, Dalmolin (2006) afirma que o discurso psiquiátrico foi artificializando as relações com o sujeito que sofre por meio da suposta categorização que, de antemão, traduziria sua ‘doença’. Para a autora, o papel de reguladora do espaço social, por meio da disciplina e de regras de convívio da psiquiatria se respaldou na racionalidade e nos métodos científicos, assumiu a explicação da loucura e negou outras formas de compreensão do fenômeno como as interpretações da mitologia, da religião, da psicologia e a explicação orgânica.

A razão instrumental nasce quando o sujeito do conhecimento toma a decisão de que conhecer é dominar e controlar a Natureza e os serres humanos [...] Na medida em que a razão de torna instrumental, a ciência vai deixando de ser uma forma de acesso ao conhecimento para tornar-se instrumento de dominação, poder e exploração (CHAUÍ, 1995, p. 283).

Costa-Rosa (2000), propôs a composição do paradigma psiquiátrico a partir de quatro parâmetros fundamentais: a definição do objeto e dos meios teórico-técnicos de intervenção; as formas de organização dos dispositivos institucionais; as modalidades de relacionamento com os usuários e a população; e as implicações éticas dos efeitos de suas práticas em termos jurídicos, teóricos, técnicos e ideológicos. Por objeto de intervenção, o modelo tradicional tomou a ‘alienação mental’ como perda da razão, do juízo, das capacidades e da subjetividade. Uma condição caracterizada pela anormalidade, pela incapacidade civil e pela periculosidade social dos sujeitos acometidos, ou seja, uma questão moral. Cabe destacar o conceito de anormalidade como algo/alguém em desacordo, inadequado e incoerente com os padrões sociais vigentes e estabelecidos pelos grupos sociais dominantes que foi considerado um forte parâmetro para a determinação da alienação mental.

30 Em relação aos dispositivos institucionais foram criadas instituições psiquiátricas para o exercício do saber-poder médico-jurídico que implicou, inicialmente, no desenvolvimento de práticas como o isolamento social, a medicalização, a terapeutização dos corpos, a anulação civil e, consequentemente, a expropriação dos direitos dos alienados. Portanto, as estratégias terapêuticas utilizadas à época consistiam em práticas controladoras, disciplinadoras, punitivas e violentas que caracterizavam a relação de dominação dos médicos sobre os loucos como reprodução da relação de dominação das classes dominantes burguesas sobre pobres, marginalizados, desviantes, subversivos, e diferentes. Ou seja, sobre os segmentos que não se enquadravam ou que atropelavam o projeto político de desenvolvimento econômico burguês e ameaçavam o status quo. Nesse contexto, lembramos que a burguesia – classe social que ascendia ao poder naquele período pós-Revolução Francesa, mesmo revestida dos ideais libertários de “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”, foi a maior defensora e responsável pela criação das “instituições totais” – identificadas por Goffman (1992), e pela produção do processo

de

desafiliação

como

ruptura

ou

desagregamento,

degradação

e

vulnerabilidade social (CASTEL, 2007). Castel (2007, p.22) considera que uma situação de exclusão social reúne “todas as modalidades de miséria do mundo”, significando uma fratura social que envolve “todos os que se encontram fora dos circuitos vivos de trocas sociais”. O autor alerta que a fixação no termo “exclusão” corre o risco de funcionar como uma armadilha e apresenta vários problemas e limitações em relação a esse engodo. Para Castel (2007, p. 21), excluir significa “rotular com uma qualificação puramente negativa, designar a falta sem dizer no que ela consiste nem de onde provém”. O sociólogo destaca três subconjuntos de práticas ou modalidades de exclusão social: a supressão completa da comunidade, a construção de espaços fechados e isolados da comunidade e a imposição de um status “especial” aos grupos excluídos, mas com privação de certos direitos e de participação em certas atividades sociais.

Expulsão ou condenação à morte dos heréticos, caça às bruxas, execução de criminosos de ‘direito comum’ (aí compreendidos frequentemente os crimes contra bens), banimento ou prisão de vagabundos e sediciosos, repressão de desvios sexuais, como a bigamia ou a sodomia, e mesmo de casos que hoje seriam qualificados de patológicos como a lepra ou a loucura [...] toda uma gama de procedimentos de exclusão foi vista nesse espaço europeu entre os séculos XIV e XVIII (CASTEL, 2007 p.38).

31 No caso dos loucos, foram aplicadas todas as modalidades de exclusão apontadas por Castel (2007). Porém, a mais importante e nefasta foi a expropriação de seus direitos (políticos, sociais, econômicos e culturais) e a supressão de sua participação na vida social. Aos loucos, somente restou o direito ao tratamento e ao asilo. De acordo com o autor, essa condição pode ser considerada como a modalidade mais radical de exclusão social por se caracterizar pela degradação absoluta da situação política e social desses sujeitos. De acordo com Amarante (2007), o processo de exclusão da loucura/louco foi iniciado e favorecido quando ocorreu a medicalização dos hospitais, ou seja, a ocupação e apropriação dessas instituições pela medicina. Na concepção do autor, a medicalização do hospital teve duas faces: tornou o hospital uma instituição médica e a medicina um saber-fazer predominantemente hospitalar. Nesse sentido, podemos inferir que a instauração do modelo médico-hospitalar ocidental (1822), baseado na Anatomia patológica, permitiu à psiquiatria objetivar a experiência da loucura, torná-la através de seus métodos, uma verdade positiva e observável e estabelecer a primeira enfermidade mental (YASUI, 2010). Foucault (1995), ao estudar as origens da medicina moderna e da psiquiatria, informa que até o final do século XVII, os hospitais não tinham o caráter de uma instituição médica e que, até meados do século XVIII, o mundo ocidental ainda não tinha formulado um saber especializado sobre a experiência da loucura. Foi a partir do pensamento moderno que esse fenômeno foi capturado pelo conceito médico da “alienação” que, posteriormente, foi denominado de doença mental. Em 1656, foi criado o Hospital Geral cuja fundação desencadeou um processo de transformação dos antigos hospitais - antes direcionadas à prática da caridade, em instituições que cumpriam uma função de ordem social e política. O Hospital Geral se tornou o lócus para o “depósito” daqueles considerados indesejados e ameaçadores do status quo e através de seu poder institucional investiu-se de um caráter custodial, tutelar e asilar definindo assim um novo ‘lugar social’ para o louco e para loucura na sociedade ocidental. Rosas (2001) relata que o fenômeno conhecido como a “Grande Internação” ou “Grande Enclausuramento”, que ocorreu após a criação do Hospital Geral, favoreceu o nascimento da Psiquiatria enquanto especialidade médica que passou a se dedicar a produzir uma explicação e uma solução para o “problema” da loucura e a realizar o “saneamento” dos espaços urbanos e a manutenção da ordem social instituída pela classe dominante – a burguesia. Dessa maneira, o hospital se transformou em uma

32 genuína instituição total que disciplinava os corpos, impunha regras, condutas, horários e regimentos. Barros (1994, p. 57) considera o manicômio como “o lócus de uma psiquiatria que é a administração de figuras de miséria, periculosidade social, marginalidade e improdutividade”. A nova modalidade institucional contribuiu para que a psiquiatria por estar situada entre a política e a justiça e com um mandato social de controle, disciplina e extirpação dos males sociais, assumisse a função de repressão, de segregação e de reclusão para as pessoas consideradas socialmente perigosas e economicamente improdutivas, como eram também considerados os loucos. Assim, baseada no modelo biológico da História Natural das Doenças, a ciência, por meio da psiquiatria e com o apoio do Estado começou a dispor as relações sociais (TORRE; AMARANTE, 2001; AMARANTE, 2007). O contexto apresentado favoreceu a prática psiquiátrica que, naquele momento, encontrou as condições favoráveis à sua constituição enquanto ciência e especialidade médica e buscou o seu desenvolvimento conforme os princípios e métodos das ciências naturais. Através de Philippe Pinel – considerado o fundador da psiquiatria e um dos responsáveis pela clínica médica moderna, a psiquiatria estabeleceu o conceito de alienação mental como um distúrbio das paixões, uma situação em que alguém perde a Razão, está fora da realidade e de si, sem o controle de suas próprias vontades e desejos; um estranho, sem juízo, sem capacidade de discernir; um errante, alguém perigoso e ameaçador; um animal e, portanto, não-humano (AMARANTE, 2007). Pinel que também era filósofo, matemático e enciclopedista, elaborou em 1801, o Traité médico-philosophique sur l’aliénation mentale ou la mania (Tratado médicofilosófico sobre a alienação mental ou a mania), considerado o mais importante dos livros da história da psiquiatria por ser o primeiro a tratar exclusivamente da loucura. O psiquiatra participava de um grupo influente no pensamento francês, no final do século XVIII, conhecido como Os Ideólogos que buscava uma base verdadeiramente científica e defendia que o conhecimento empírico se construía a partir da observação da realidade. Desse modo, Pinel determinou o método científico do isolamento e instaurou o primeiro modelo de terapêutica psiquiátrica – o “tratamento moral” como técnica para restituir a razão e a liberdade aos alienados. “O tratamento moral consistia na soma de princípios e medidas que, impostos aos alienados, pretendiam reeducar a mente, afastar os delírios e ilusões e chamar a consciência à realidade” (AMARANTE, 2003a p.33). Amarante (2003a) esclarece que o isolamento também foi considerado como um método terapêutico, pois possibilitava a separação do objeto (a alienação) das

33 interferências que prejudicavam a observação e a separação das condições prejudiciais que afetavam as paixões e causavam as doenças. Fazendo uma analogia à atuação do botânico, o autor esclarece que a psiquiatria incorporou métodos das ciências naturais como o isolamento de seu objeto para conhecimento e intervenção e assim ratificar seu saber-fazer-poder. Amarante (2003a) considera também que o isolamento foi o princípio mais importante para a constituição do paradigma psiquiátrico, pois enraizou no saber médico e no imaginário social a necessidade de isolar os loucos e de inviabilizar a convivência social com segmentos considerados indesejáveis. De acordo com o autor foi o método do isolamento que operou a passagem do conceito de loucura para o de alienação mental. Citando Esquirol, um dos seguidores de Pinel, Amarante (2003a) apresenta as cinco razões utilizadas pelo psiquiatra para justificar o isolamento: 1. Garantir a segurança pessoal dos loucos e de suas famílias; 2. Liberá-los das influências externas; 3. Vencer suas resistências pessoais; 4. Submetê-los a um regime médico; 5. Impor-lhes novos hábitos intelectuais e morais. Tais justificativas evidenciam a dominação, a manipulação e o controle exercidos pelo saber-poder do psiquiatra na sua relação com os alienados e demonstram que tais medidas sequestravam a subjetividades das pessoas internadas e as submetiam a uma situação de opressão intransponível, pois eram consideradas incapazes de se autocontrolar, imprevisíveis e acima de tudo perigosas. O “sequestro” de vidas sob a égide de uma atitude terapêutica determinou um processo de institucionalização que Goffman (1992) define como a mortificação do ‘eu’ e que se caracteriza pela desfiguração, pela profanação e pela violação do sujeito institucionalizado. Sobre a institucionalização dos loucos, Basaglia (1981, p.259) afirma que esse processo acarreta no sujeito institucionalizado um “complexo de ‘danos’ derivados de uma longa permanência coagida no Hospital Psiquiátrico que determinam uma progressiva perda de interesse e que, através de um processo de regressão e de restrição do EU, o induz a um vazio emocional” (grifos nossos).

34

Figura 01 - Imagens de pessoas institucionalizadas em no Hospital em um Hospital Psiquiátrico (MUSEU DA LOUCURA, 2013).

Outra técnica implementada por Pinel foi a ordenação do espaço asilar. Essa técnica permitiu a separação e a classificação das manifestações mentais e assim o estabelecimento da nosografia psiquiátrica. O procedimento consistia no agrupamento das pessoas a partir de sinais e sintomas semelhantes ou diferentes em quadros patológicos e implicava uma observação constante e regular dos internos. Esse método era denominado de afastamento e favoreceu a separação geográfica dos alienados no interior no hospital (AMARANTE, 2003a). Assim, o espaço asilar, além de funcionar como observatório do fenômeno da loucura e como laboratório das experiências alienistas, também assumiu a função de remédio que contribuiria para a cura dos alienados.

Foto 01 - Imagens de pessoas institucionalizadas em no Hospital Psiquiátrico de Barbacena-MG (SIMONE; 2008).

35 A terceira e mais perversa tecnologia recomendada por Pinel, na concepção de Amarante (2003a) foi, sem dúvida, o estabelecimento de uma relação de saber-poder entre o médico e o sujeito considerado alienado mental. Nesse enfoque, pode-se dizer que ao incorporar a função social de “delegado da razão”, protagonista do ambiente asilar e detentor de um poder soberano e irrefutável - conquistado através do discurso competente, o médico estabeleceu uma relação de distância abissal entre ele e o alienado, a quem restou o estatuto jurídico e civil de “doente” e o ingresso na “carreira moral”. Tais implicações produziram um aniquilamento subjetivo, social e político do louco. O grande médico do asilo [...] é ao mesmo tempo aquele que pode dizer a verdade da doença pelo saber que dela tem, e aquele que pode produzir a doença em sua verdade e submetê-la na realidade, pelo poder que sua vontade exerce sobre o próprio doente (FOUCAULT, 1979, p.122).

Naquela época, acreditava-se que a cura da alienação se dava pela reeducação da mente, no sentido de que o alienado deveria aprender a controlar impulsos e a afastar ilusões, devaneios e distorções. A partir dessa compreensão, a prescrição do trabalho como instrumento terapêutico se tornou um dos principais elementos do tratamento moral por ser considerado à época, um meio de reeducação das mentes desregradas e das paixões incontroláveis. Além disso, a submissão a trabalhos pesados servia para cansar e exaurir os corpos e diminuir os gastos da instituição psiquiátrica com mão-deobra (AMARANTE, 2003a). Foi baseada nessa concepção que se instaurou nos asilos um regime de vigilância, disciplina, controle, repressão e punição. Posteriormente, a psiquiatria se adequou aos princípios da medicina positivista que concebia o corpo como a soma dos órgãos e defendia que quando um desses órgãos/partes se estragasse, deveria ser tratado. Assim, “o doente mental” deixou de ser uma pessoa que sofre e foi reduzido a um cérebro com defeito e sem razão. Como não se conhecia remédio para tratá-lo, a doença mental era considerada incurável. Nessa perspectiva, Amarante (2007) afirma que os hospitais tornaram-se lugares de verdade, de saber e de positividade onde a subjetividade não tinha valor algum. Apesar de a doença mental ser considerada uma condição irreversível, a hospitalização do doente mental foi mantida como recurso terapêutico no intuito de livrar a sociedade desse incômodo. Mas, na verdade, esse recurso não produzia nada além da perda da identidade social desses sujeitos e da reafirmação da psiquiatria como responsável pelo controle da loucura e manutenção da ordem social.

36 Ao conjunto de tecnologias pinelianas, Castel (1978) denominou de “síntese alienista”, que traz em seu bojo as práticas marcantes do paradigma psiquiátrico clássico: segregação e disciplinarização da loucura, exclusão social dos loucos e a violação dos direitos humanos. Considerando o contexto apresentado, é possível afirmar que o paradigma psiquiátrico se constituiu a partir do processo de medicalização do hospital, no final século XVIII e da institucionalização da loucura. Esses processos além de subjugar a loucura ao diagnóstico médico de doença mental determinaram um novo papel para as instituições psiquiátricas: submissão dos corpos, vigilância perpétua e constante, introjeção das normas do pacto social, reificação das subjetividades, normalização dos cidadãos, e desvirtuamento da noção de cidadania. [...] até o fim do século XVIII os lugares que os loucos eram postos, os lugares que serviam para disciplinar as existências loucas não eram lugares médico [...] no século XIX, vamos encontrar, gora de maneira absolutamente geral, a afirmação, de uma lado,d e que aquilo que os loucos necessitam é de uma direção, de um regime e, de outro lado, a afirmação paradoxal e, até certo ponto, não implicada na primeira, de que essa direção deve estar nas mãos de um pessoal médico [...] o asilo é o corpo do psiquiatra, alongado, distendido [...] é a esse corpo que o doente deve ser submetido (FOUCAULT, 1974).

Ao buscar o status de ciência, a psiquiatria, enquanto primeira especialidade médica, estabeleceu relações sociais fundamentadas na dominação/subordinação entre os homens que geraram profunda desigualdade social e fortaleceram a hegemonia da racionalidade médico-científica. Para manter tal posição, a psiquiatria negou outras possibilidades de interpretação para um fenômeno que é essencialmente humano e, portanto complexo, mas que encontra outras significações em outras formas de conhecimento como na filosofia, na religião e na arte. O conhecimento científico do psiquiatra como um saber específico, verticalizado e hierarquizado privilegiou a doença enquanto objeto abstrato e natural, desconsiderou o sujeito em sua experiência de sofrimento e o subtraiu de seu contexto de vida. Nesse enfoque, pode-se dizer que o rigor e a simplificação do discurso e do método médico-psiquiátrico suscitaram vários questionamentos que assim como na racionalidade científica moderna começou a apresentar sinais de uma crise paradigmática (YASUI, 2010 p. 89). Entre os primeiros questionamentos sobre os fundamentos, as técnicas, os instrumentos e as finalidades do modelo psiquiátrico, destacam-se as descobertas de Freud sobre o inconsciente, a partir do século XX. Os estudos de Freud mostraram que a

37 consciência humana é uma pequena parte da vida psíquica, levando-o à concepção psicodinâmica, que supõe a doença mental como uma patologia do psiquismo a ser tratada pela Psiquiatria Analítica. Freud defendeu a divisão do psiquismo em dois planos: o consciente e o inconsciente. O primeiro, também denominado de razão, foi considerado por Chauí (1995), como uma qualidade da vida psíquica e não a “essência da vida psíquica”. Yasui (2010) relata que a crítica e os debates produzidos por pensadores importantes como Thomas Kunh, Bachelard, Morin, Canguilhem e Foucault, no início do século XXI, geraram um profundo questionamento das bases da racionalidade moderna e, portanto da racionalidade médica. Entre as novas concepções destacaram-se: a ideia de que não há uma linearidade e continuidade na produção científica que leve ao seu progresso, ou seja, são necessárias rupturas e revoluções para o desenvolvimento científico; o mito da neutralidade dos saberes ditos científicos; o questionamento sobre a Verdade; e a noção de complexidade. De acordo com Morin (2010), noção de complexidade se refere a uma atitude, uma aliança entre as ciências naturais e humanas que caminha no sentido da superação do paradigma clássico e por aspirar um conhecimento universal, envolve dificuldades, incertezas e incompletude. Isto significa considerar a complexidade como a articulação entre diversos tipos e modos do conhecimento que tratam de determinados fenômenos, não como um saber dado, mas como uma construção dinâmica e incompleta.

A palavra complexidade é uma palavra-problema e não uma palavra-solução [...] Trata-se de exercer um pensamento capaz de lidar com o real, de com ele dialogar e negociar [...] o pensamento complexo integra o mais possível os modo simplificadores de pensar, mas recusa as consequências mutiladoras, redutoras, unidimensionais e finalmente ofuscantes de uma simplificação que se considera reflexo do há de real na realidade (MORIN, 2010 p.6).

Yasui (2010) ao discutir a crise do paradigma científico da modernidade recorre aos estudos de Santos (1995) que defende o período atual como um momento de transição paradigmática desencadeada por quatro condições teóricas: a teoria sobre a relatividade (Einstein); o questionamento na noção de neutralidade e na separação entre sujeito e objeto do conhecimento (Heisenberg e Bohr); o teorema da incompletude (Gödel); e a teoria das estruturas dissipativas (Prigogine). Santos (1995, p.37) afirma que o processo de transição paradigmática decorre do colapso das distinções básicas do paradigma dominante que, ao entrar em crise, prenuncia a emergência de um novo paradigma, denominado por ele de “paradigma de

38 um conhecimento prudente pra uma vida decente”. O autor segue sua argumentação, fundamentado nas seguintes teses: todo conhecimento é científico-natural e científicosocial, local e total; autoconhecimento e visa constituir-se em senso comum. Santos (1995) defende a intersecção entre o conhecimento científico e o senso comum como condição precedente à origem de uma nova racionalidade, pois, ao produzir uma ruptura epistemológica, a nova aliança promoverá um salto qualitativo para o campo do conhecimento, na medida em que o novo paradigma poderá comportar os diversos saberes existentes para a interpretação da realidade. Os estudos do autor sobre a crise do modelo dominante e o processo de transição paradigmática permitem a seguinte consideração: a crise do paradigma psiquiátrico clássico está relacionada ao não cumprimento da promessa da medicina de localizar, definir e curar os problemas mentais – como é possível nas demais especialidades médicas; e à incapacidade e inadequação desse modelo para atender às necessidades sociais que o novo contexto sócio-histórico e político tem demandado. Foi no contexto de Pós-Guerra Mundial que foram identificadas várias fragilidades no modelo de assistência psiquiátrica e formuladas várias críticas às instituições psiquiátricas e ao saber psiquiátrico que as autorizavam. A conjuntura à época motivou o surgimento da Psiquiatria Social que recortou um novo objeto de interesse da Psiquiatria: a saúde mental. Desse modo, foram possíveis novas interpretações para loucura e o desenvolvimento de distintas e diversas abordagens sobre o processo saúde-doença mental. As contradições do modelo asilar foram evidenciadas por alguns movimentos sociais que a partir do período pós-guerra, começaram a questionar e a colocar em xeque o paradigma psiquiátrico. Esses movimentos passaram, portanto, a defender a necessidade da reversão do modelo de assistência psiquiátrica e a reivindicar direitos para os loucos. Considerando as características e os fundamentos do paradigma psiquiátrico tradicional, reconhecemos as inúmeras dificuldades para a sua superação e os vários desafios que permeiam o campo da atenção psicossocial, principalmente o desafio da transformação da relação entre sociedade, louco, loucura e suas instituições. No entanto, as diversas experiências mundiais nos mostram tentativas alternativas para reparar os equívocos cometidos pela psiquiatria em nome da ciência: as psiquiatrias reformadas.

39 3.1.2 O paradigma da psiquiatria reformada: uma alternativa ao paradigma asilar.

Após as duas Grandes Guerras Mundiais, em especial após a Segunda, em 1945, a humanidade começou a refletir mais profundamente sobre os diversos aspectos da vida inclusive sobre as relações sociais estabelecidas entre os diferentes segmentos da sociedade. Foi evidenciada a situação de privação de liberdade e de desrespeito aos direitos humanos a que eram submetidas as pessoas internadas em instituições psiquiátricas. Tal situação foi comparada a daqueles que vivenciaram os campos de concentração durante o Holocausto. Em decorrência da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1948), várias tentativas de reparação foram desencadeadas em todo mundo. A crise do saber psiquiátrico se instaurou e as propostas de Reforma Psiquiátrica assumiram diferentes enfoques, significados e tendências de acordo com contextos sócio-históricoculturais das localidades que em foram experimentadas. Rotelli (1990) denominou os primeiros movimentos reformistas do campo psiquiátrico de “psiquiatria reformada” pela ênfase dada às questões da estrutura asilar e às soluções exclusivamente técnicas ou administrativas. Amarante (1995, 2003, 2007) baseado nas reflexões de Birman e Costa (1994) sobre a organização das instituições psiquiátricas dividiu as experiências reformistas mundiais em três grupos, de acordo com a abordagem utilizada. Foram elas:

1) - Comunidade Terapêutica (1959) e Psicoterapia Institucional - as críticas ao modelo asilar estavam direcionadas à melhoria da estrutura e do funcionamento das instituições; 2) Psiquiatria de Setor e Psiquiatria Comunitária ou Preventiva (1960) – enfoque na comunidade para o tratamento e defesa da expansão da psiquiatria para o espaço público sob a justificativa de diminuir as internações psiquiátricas, prevenir doenças e promover saúde mental, agora considerado o novo objeto de intervenção da psiquiatria; 3) Antipsiquiatria e Psiquiatria Democrática – questiona os fundamentos da psiquiatria em si.

Em relação à experiência da Comunidade Terapêutica vale destacar as seguintes situações que favoreceram a implantação desta proposta: a denúncia das condições de abandono, de miséria e de precariedade dos hospitais psiquiátricos que

40 impediam a instituição de exercer sua função de recuperação para as pessoas com problemas mentais; a escassez de profissionais para atuar nessas instituições; a necessidade de recuperar mão-de-obra, pois existia um contingente de jovens “desperdiçados” nos hospitais psiquiátricos devido aos danos causados pela Guerra; a defesa da democracia e da participação coletiva através do envolvimento dos próprios pacientes e funcionários nas discussões institucionais (grupos operativos, de discussão ou de atividades); e o reconhecimento de que a função terapêutica era de todos os envolvidos no processo de fortalecimento das trocas sociais. A Psicoterapia Institucional assim como a anterior, também se referia à reestruturação dos hospitais no sentido de torná-los terapêuticos. Essa proposta questionava a segregação na instituição psiquiátrica e criticava o poder médico, a verticalidade das relações intra-institucionais, o autoritarismo, a exclusão e a violência na sociedade (AMARANTE, 2003). Iniciada na França com Tosquelles, essa proposta buscava resgatar o hospital como lugar de tratamento e cura, pois reconhecia que a psiquiatria teria tomado um caminho equivocado ao desconsiderar as circunstâncias políticas-sociais e transformado o hospital psiquiátrico em um lugar de violência e repressão. Tosquelles utilizou duas abordagens para construir a sua proposta: a “terapêutica ativa” de Herman Simon e a psicanálise francesa. Simon, psiquiatra alemão do início do século XX, ao observar que os pacientes do hospital psiquiátrico melhoravam com o trabalho propôs que eles participassem das atividades para que eles pudessem assumir responsabilidades. Como experiência pioneira de participação e construção coletiva desenvolvida por esta abordagem temos os clubes terapêuticos como uma organização autônoma dentro do hospital, gerida por pacientes e técnicos cuja finalidade última era a construção de estruturas que permitiam a inserção de cada paciente no processo terapêutico respeitado sua subjetividade e singularidade. Os clubes terapêuticos proporcionavam encontros entre seus integrantes através da organização de festas, passeios e ateliês. Segundo Amarante (2003a), a diferença entre essas duas propostas de reforma do primeiro grupo era que a primeira buscava uma reorganização de natureza mais funcional da estrutura hospitalar, enquanto que a segunda tinha como objetivo maior a terapêutica das próprias relações institucionais. No segundo grupo, temos a Psiquiatria de Setor como uma experiência complementar à Psicoterapia Institucional. Também nascida na França, foi inspirada nas ideias do psiquiatra Lucien Bonnafé e buscava outros lugares para atuação da psiquiatria já que considerava o hospital psiquiátrico alienante e inadequado para alcançar os ideais

41 de tratamento e de cura da doença mental. Para tanto, propôs a setorização do atendimento psiquiátrico sob a alegação de que era necessário manter os pacientes em seu meio social para o êxito no tratamento e que os hospitais psiquiátricos passariam a ser uma fase desse processo. Desse modo, as cidades francesas foram divididas em áreas geográficas, denominadas setores e para cada uma delas ficava uma equipe técnica responsável pelo acompanhamento não só durante o período de internação dos pacientes, mas também pela prevenção e reabilitação das doenças mentais existentes nesse setor. Para isso, a divisão em setores era reproduzida nos respectivos hospitais psiquiátricos de cada cidade. Também no segundo grupo tivemos na década de 1960, a experiência da Psiquiatria Comunitária ou Preventiva, nos Estados Unidos. Essa proposta foi elaborada por Gerald Caplan e considerada a Terceira Revolução Psiquiátrica porque além de apresentar a possibilidade de intervenção sobre as causas e a evolução das doenças mentais foi responsável pela formulação do conceito de saúde mental – o novo objeto da psiquiatria (AMARANTE, 2003a). A delimitação de um novo objeto instaurou uma “mutação radical no campo epistemológico da Medicina Mental”, pois, segundo Birman e Costa (1994), ela passou de instrumento de cientificidade sobre doença mental para pretenso definidor de saúde mental. Os autores afirmam que a psiquiatria experimentou um momento crítico, uma vez que o novo objeto operou um conflito entre a doença mental e a saúde mental e, consequentemente, entre a nova prática exigida e a anterior. Desse modo, se estabeleceu uma crise profunda que deu origem à Psiquiatria Social. Segundo os autores, apesar do segundo grupo de experiências reformistas ser apresentado como diverso do primeiro, com finalidades diferentes, essa diversidade é uma ocorrência de superfície, um conjunto de táticas diversas que criam duas formas teórico-conceituais aparentemente díspares, mas que se identificam num plano profundo e nas suas condições concretas de possibilidade. Ou seja, ambos buscavam justificar o processo saúde-doença mental como um processo de adaptação social. Nesse enfoque, resgatamos a conjuntura histórica mais global no período pós-II Guerra: os grandes centros da Europa apresentavam um elevado custo de vida e sofriam os extermínios provocados pela fome, pelo frio, pelas privações; os internos dos hospitais psiquiátricos morriam aos montes pelas condições caóticas de alimentação e de cuidados; os Estados Unidos emergiam como grande potência mundial que lutava por uma nova partilha de poder; a saúde passou a ser um encargo e uma obrigação do

42 Estado; surge o postulado de que todos os homens têm direito de gozar a boa saúde como um bem básico. Assim, não era mais possível aceitar uma situação em que um conjunto de homens aptos para o trabalho, sobretudo ex-combatentes da guerra, fosse desperdiçado em hospícios que passaram a ser considerados como responsáveis pela deterioração dos pacientes. Ao final da guerra bélica, o hospital psiquiátrico assumiu a função de proporcionar um rápido retorno das pessoas às atividades sociais, “não podendo mais desperdiçar o potencial energéticos dos alienados” (BIRMAN; COSTA, 1994). Nos Estados Unidos, Amarante (2003a) relata que a assistência psiquiátrica era caracterizada pelas suas más condições de atendimento, pelo alto número de pessoas internadas e pela escassez de dispositivos extra-hospitalares. Nesse sentido, o objetivo maior era a prevenção das doenças, o tratamento precoce na comunidade e consequentemente, a redução de gastos com internação psiquiátrica. Assim, foram criados os Centros de Saúde Mental Comunitária para cada comunidade de, no mínimo, 50 mil habitantes. Os objetivos desses Centros, segundo Amarante (2003a) era: promover a saúde mental; prevenir a doença mental; diagnóstico e tratamento precoces; e reabilitação e reintegração social. Dito de outro modo, produzir uma comunidade mentalmente sadia. Entretanto, o autor afirmar que apesar das inovações na assistência psiquiátrica como a introdução de equipes multidisciplinares e a adoção da intersetorialidade, a proposta Preventiva trouxe um efeito perverso para a relação entre sociedade e doença mental: a ampliação do território da atuação psiquiátrica. Ao adaptar o modelo da História Natural da Doença, de Leavell e Clark (1976) para explicar a doença mental, a teoria de Caplan, gerou um clima de busca de suspeitos na comunidade que passou a colaborar com as investigações da psiquiatria. Através de questionários distribuídos na população, em uma metodologia de triagem, a psiquiatria “invadiu” as vidas das pessoas e começou a determinar quem estaria apto ou não para o convívio social. Foi nesse contexto que nasceu o conceito de desvio, como um “comportamento desadaptado à norma socialmente estabelecida” que servia de parâmetro para classificar as pessoas como anormais ou em estado pré-patológico e a noção de normalidade como saúde mental. Basaglia (2005) considera que os critérios para considerar um comportamento desviante eram: a limitação de funções, a falta de requisitos sociais necessários para ser aceito socialmente e a exclusão do intercâmbio social. O autor identificou dois tipos de desvios: o primário, decorrente de uma

43 dificuldade, recusa ou escolha pessoal; e o secundário, de caráter ideológico que corresponde à exclusão da produção e ao status social. A análise do papel dos desviantes nos Estados Unidos nos permite compreender o quanto sua existência, como questionamento prático dos valores típicos de um país de capitalismo avançado, pode mostrar-se ameaçadora, sempre que não for reabsorvida dentro do jogo social [...] o desviante como problema real deve tornar-se o ‘problema’ do desviante, segundo as características ideológico-reais de todo problema ‘científico’ que requer técnicas e ideologias adequadas para resolvê-los (BASAGLIA, 2005 p.166).

Birman e Costa (1994, p.59) consideram a Psiquiatria Preventiva uma retomada do modelo higienista que pela falta de sustentação teórica se configurou através de práticas de ajustamento social, como “uma forma abusiva de psiquiatrização da vida social, com o nome de saúde mental”. O modelo proposto por Caplan fundamentou-se no modelo sociológico da “adaptaçã-desadaptação” e considerava a doença mental como resultante de um processo de desajustamento social. De acordo com Birman e Costa (1994), a Saúde Mental era considerada como a capacidade do indivíduo de integrar-se num grupo através de sua submissão às regras sociais, ou seja, uma virtualidade permanente representada pela capacidade de trabalhar e de se comunicar num certo código. A prevenção da doença mental implicava a adaptação e o equilíbrio dos contextos de modo a impedir o surgimento de desvios que pudessem se apresentar como ameaças reais ou simbólicas aos grupos constituídos. Também foi nesse modelo que foi elaborado o conceito de crise como o grande indicador de desequilíbrio ou de sua possibilidade. A crise era considerada um dos fatores patogênicos, além dos orgânicos, psicossociais e socioculturais, causadores de doença mental. No enfoque adaptativo, a noção de crise privilegiava a questão do Normal e do Anormal. Além disso, por se apresentar como um período transitório, ela poderia se tornar um momento de crescimento para o indivíduo ou tornar as pessoas mais vulneráveis para desenvolver um distúrbio. O encaminhamento da crise, portanto, dependeria das capacidades ou repertórios individuais para resolver problemas. A noção de crise favoreceu a implantação da estratégia do trabalho de base comunitária, através das equipes de saúde que passaram a exercer o papel de consultores comunitário e a intervir nas crises individuais, familiares e sociais (AMARANTE, 2007).

44 De acordo com Amarante (2003a, p.52), o modelo da adaptação-desadaptação ao introduzir determinadas alternativas ao paradigma psiquiátrico até então vigente, possibilitou o estabelecimento do modelo preventivista cujas inovações eram: 

Um novo objeto: saúde mental;



Um novo objetivo: prevenção da doença mental;



Um novo sujeito de tratamento: a coletividade;



Um novo agente profissional: as equipes comunitárias;



Um novo espaço de tratamento: a comunidade; e



Uma Nova concepção de personalidade: a unidade biopsicossocial

Outra contribuição da experiência norte-americana para o contexto mundial foi a noção de desinstitucionalização que, inicialmente, significava um conjunto de medidas de desospitalização. Naquela época, a intenção era reduzir o ingresso ou a permanência de pacientes em hospitais psiquiátricos e ampliar a oferta de serviços extra-hospitalares. No entanto, apesar da meta ser a desinstitucionalização da assistência psiquiátrica, os serviços preventivos e a aplicação da triagem e de outros mecanismos de captação aumentavam os contingentes de pessoas para tratamentos mentais. Dessa maneira, o modelo asilar era retroalimentado pelo circuito preventivista. Amarante (2003a, p.54) afirma que o preventivismo significou “um novo projeto de medicalização da ordem social, isto é, de expansão dos preceitos médicospsiquiátricos para o conjunto de normas e princípios sociais”. Para o autor, a mudança constitui parte do processo de aggiornamento, uma vez que o que havia de mais chocante no asilo assumia uma aparência humanitária no Centro de Saúde Mental. Esse processo foi favorecido pela proposta da despsiquiatrização, que consistia em retirar do trabalho médico a exclusividade das decisões e atitudes terapêuticas e remetê-las a outras modalidades assistenciais não-psiquiátricas, ou seja, a psiquiatria avançava com seus “tentáculos” para outro campo e núcleos do conhecimento. É possível afirmar que a psiquiatria, através da psiquiatria social, atualizou seus mecanismos de repressão, de violência e de controle social, mas não deixou de manter a normatização social da saúde. No terceiro grupo, temos a experiência da Antipsiquiatria que, segundo Amarante, (2003a) teve um papel histórico muito importante para a transformação da sociedade pelas denúncias das violências cometidas pelo saber e pelas instituições psiquiátricas. O autor informa que a antipsiquiatria nasceu entre as décadas de 1950 e

45 1960, no contexto dos movimentos da contracultura e questionava radicalmente o saber, as instituições, o método e os princípios psiquiátricos. Ela teve origem na psicoterapia institucional e como referências culturais a fenomenologia, o existencialismo e a obra de Michel Foucault e entre seus principais precursores David Cooper, Ronald Laing e Aaron Esterson. O grande avanço em relação à psiquiatria institucional foi a contestação do conceito de doença mental. A antipsiquiatria considerava a loucura como um fato social e político, uma experiência positiva de libertação e não um estado patológico (AMARANTE, 2003a). A antipsiquiatria valorizava o discurso do louco, combatia a institucionalização e a violência do tratamento psiquiátrico asilar e propunha o acompanhamento do louco em instituições abertas, não asilares e através da democratização das relações institucionais. Essa experiência foi a primeira a interrogar o saber-poder psiquiátrico, pois reconhecia que a psiquiatria não conseguia cumprir seu objetivo, o de tratar e curar os doentes mentais. Foi nas propostas da antipsiquiatra que foi gestada a mais revolucionária experiência de reforma psiquiátrica mundial até os dias atuais: a Psiquiatria Democrática Italiana. A Psiquiatria Democrática também está inserida no terceiro grupo e teve como expoente o psiquiatra italiano Franco Basaglia e colaboradores. O grupo italiano colocou em xeque o saber psiquiátrico e propôs uma ruptura com o modelo manicomial e a desconstrução de seu aparato e da cultura que o legitimava. Amarante (1996, 2003, 2013) considera que o fato do processo italiano ocorrer após as experiências da França, Inglaterra e dos Estados Unidos permitiu à Basaglia refletir sobre a viabilidade das experiências anteriores, extrair suas falhas e iniciar novas experiências em Gorizia, a partir de novos cenários, novos conceitos e novos atores. O autor assegura que foi a partir dos conceitos emergentes da vivência prática que a trajetória italiana evoluiu e se consolidou como a mais importante experiência de reforma psiquiátrica no mundo até o momento. Basaglia iniciou suas experiências, em 1961, na direção do Hospital de Gorizia e adotou princípios da Comunidade terapêutica e da Psicoterapia Institucional. Desse modo, ele introduziu mudanças radicais na qualidade de vida dos internos, aboliu os métodos de tratamento punitivos e coercitivos, abriu alguns espaços para a comunidade e aliado aos demais técnicos incorporou medidas que buscavam o resgate da dignidade, de direitos e de cidadania. Porém, rapidamente ele percebeu que tais medidas eram ineficazes, pois não alcançava a questão central que era a exclusão social imposta pela instituição psiquiátrica e não a sua melhoria. Destarte, Basaglia colocou em xeque a

46 função social da psiquiatria, do asilo e dos técnicos e instaurou o processo de renúncia ao mandato terapêutico. Ele considerava que nenhuma ação ou proposta jamais seria desenvolvida independentemente do contexto social e material no qual se inseriam. Portanto, os técnicos deveriam recusar o poder e o controle social a eles imputados pela instituição psiquiátrica e construir atitudes críticas no cotidiano de sua ações.

F o t o 0 2 – E q u i p e d e S FOTO 2 – Equipe de Saúde Mental liderada por Franco Basaglia em Trieste, na década de 1970.

Um grande questionamento realizado pelo psiquiatra italiano foi em relação ao conceito de doença mental. Basaglia reconheceu o modo como a experiência da loucura foi reduzida aos limites do campo médico-científico e subtraída das outras dimensões da vida social e fundamentado no princípio fenomenológico de Edmund Husserl, propôs a suspensão da doença mental, ou seja, colocá-la entre parênteses. Isto significava retirar da doença o foco das ações e o direcionar para o sujeito em sua experiência-sofrimento de loucura e sua relação com o corpo social. Amarante (2003a, p.68) explica que “uma determinada concepção de doença mental é construída a partir da cultura, do conhecimento e da subjetividade de quem a produz”. O autor considera que essa atitude epistemológica de Basaglia representou uma importante inversão dialética por meio da qual o italiano operou sua primeira negação. Essa negação de Basaglia permitiu a construção de um processo que foi denominado de duplo da doença mental e diz respeito a tudo o que se sobrepõe à

47 doença. Ou seja, refere-se aos atributos que não são próprios da condição de estar doente, mas sim de estar institucionalizado ou estigmatizado. Nesse sentido, “o homem é obrigado a tornar-se aquilo que não é, até que aquilo que ele é obrigado a tornar-se esteja identificado com a sua natureza humana” (BASAGLIA, 2005, p.186). Na compreensão de Amarante (2003a, p.69), “É a face institucional da doença mental, produzida a partir da negação da subjetividade do indivíduo, da identidade do louco e principalmente de sua objetivação extrema como objeto do saber”. O deslocamento epistemológico operado pela experiência italiana demonstrou ao mundo uma verdadeira possibilidade de reversão do modelo psiquiátrico, pois recortou um novo objeto de intervenção, estabeleceu novos instrumentos e métodos e também uma nova finalidade para a psiquiatria. O conceito de desinstitucionalização, anteriormente entendido como desospitalização ou desassistência, assumiu um novo e revolucionário significado: desconstrução. Derrida (1989, p.76-77) considera o processo da desconstrução como: [...] um gesto a um só tempo estruturalista e anti-estruturalista: desmonta-se uma e edificação, um artefato, para fazer aparecer as estruturas, as nervuras ou o esqueleto [...] A desconstrução enquanto tal não se reduz nem a um método (redução simples) nem a uma análise; ela vai além da decisão crítica da própria ideia crítica. É por isso que não é negativa, ainda que muitas vezes, apesar de tantas preocupações, a tenham interpretado assim. Para mim ela acompanha sempre uma exigência afirmativa; diria até que ela não acontece jamais sem amor.

Tomaz (2009), ao resgatar as concepções de Basaglia e de Rotelli, afirma que para que uma desinstitucionalização seja efetiva, faz-se necessário a inversão ou derrubada de alguns paradigmas como o paradigma médico de problema-solução, curadoença, normalidade-patológico e construção de propostas que promovam a produção de vida, de liberdade, de autonomia e de um verdadeiro exercício da cidadania. Segundo Rotelli (1990, p.18), a experiência italiana identificou que o “problema não é a cura (a vida produtiva), mas a produção de vida, de sentido, de sociabilidade, a utilização das formas (dos espaços coletivos) de convivência dispersa”. Nesse enfoque, Guimarães et al (2001, p.10) argumenta que essa nova cidadania deva superar “a cidadania social e a ética política da responsabilidade liberal voltada apenas para a reciprocidade entre direitos e deveres, buscando uma cidadania que, somada à subjetividade emancipatória, seja nova e esteja atenta às novas formas exclusão”. Isto significa que para o exercício de uma nova cidadania é necessário a construção de estratégias comprometidas com a transformação da realidade.

48 Para Rodrigues (2002), a proposta italiana não se reduz à promoção de novas formas de sociabilidade, de convivência com a diferença, mas implica em um compromisso com a transformação da vida concreta e cotidiana que alimenta o sofrimento. O autor destaca que o cuidado em saúde mental realizado em Trieste está ancorado no princípio da responsabilização “dos serviços substitutivos à hospitalização com a totalidade das necessidades dos usuários que residem no território” e que o processo de Reforma brasileiro apesar da inspiração no modelo italiano se restringiu em implementar apenas um elemento ideário italiano que é a “negação da doença e da terapia como solução-cura” (RODRIGUES, 2002, p.115). Esse postulado da psiquiatria italiana confere à loucura um novo significado – não apenas de uma doença, de um desvio, de uma anormalidade, mas de uma realidade humana que abrange as diversas dimensões da existência. Para Abou-yd (2003), a ruptura com o modelo manicomial significa a objetivação da cidade como o lugar de inserção social e a contraposição às noções e aos conceitos de incapacidade, de periculosidade, de invalidez e de inimputabilidade associados às pessoas que experimentam a loucura. Tomaz (2009) afirma que o processo italiano se diferencia potencialmente de todas

as

demais

experiências

de

Reforma,

pois

operou

um

modo

de

desinstitucionalização baseado na desconstrução do aparato manicomial que sustentava a modelo asilar e promoveu profundas transformações nas relações de poder a partir da substituição da internação psiquiátrica por práticas territoriais e comunitárias com potencial para produzir novas formas de sociabilidade e de subjetividade. Essa nova compreensão sobre a experiência da loucura trouxe novos desafios para o processo de Reforma na perspectiva da desinstitucionalização: a necessidade da produção de uma nova cultura que reconheça a singularidade do louco como sujeito de direitos e a loucura como uma das diversidades da existência humana e o imperativo da construção de um novo lugar social para as pessoas que a experimentam. Nesse enfoque, advoga-se a necessidade de uma transformação cultural no sentido produzir novas saberes e novas práticas sociais críticas à racionalidade médicocientífica e sua dominação, criar possibilidades para emancipação dos sujeitos sociais da opressão do poder da psiquiatria tradicional e, sobretudo produzir novas subjetividades, direitos e qualidade de vida. Apesar das tentativas reformistas não conseguirem superar efetivamente o paradigma psiquiátrico tradicional, consideramos que tais tentativas foram bastante importantes para o processo de transformação da práxis manicomial, no sentido mais

49 revolucionário do termo, pois permitiu o reconhecimento de que a questão é o saberpoder psiquiátrico e não simplesmente as técnicas e os instrumentos empregados. Costa-Rosa (2000) defende que a configuração de um novo paradigma não se dá de modo instantâneo, direto, mágico e que muitas vezes requer melhorias e aperfeiçoamentos no paradigma que se pretende mudar. Portanto, as experiências inovadoras que identificamos na atualidade não se estabeleceram “sem passarem, muitas vezes, por transposições mecânicas que não vão além da repetição da mesma essência do modo asilar, ainda que em novas fisionomias” (COSTA-ROSA, 2000, p. 150). Desse modo, lembramos que foi a observação e a experiência das tentativas reformistas que permitiram ao psiquiatra Franco Basaglia e colaboradores o desenvolvimento de ações revolucionárias no campo da psiquiatria, da democracia e na sociedade. O pensamento e a metodologia de Basaglia são mundialmente reconhecidos como a única experiência revolucionária que transformou a relação entre sociedade, loucura, louco e instituições e que demonstrou a possibilidade para a construção de um novo paradigma na saúde mental.

3.1.3 O paradigma da atenção psicossocial como possibilidade para a superação do paradigma médico-psiquiátrico tradicional.

Costa-Rosa (2000) afirma que a superação de um modelo ocorre quando se nega seus fundamentos e estratégias a partir das contradições nele existentes. Isto significa que não se trata de uma mera diferenciação, mas da reversão do modelo tradicional por meio da constituição de um novo objeto e do encaminhamento em sentido oposto ao de suas propostas. Nesse sentido, o autor afirma que o modelo da Atenção Psicossocial tem por objetivo a desospitalização, desmedicalização, implicação subjetiva e sociocultural, participação, autogestão, interdisciplinaridade, interlocução, livre trânsito do usuário e da população e territorialização com integralidade, por oposição às características do modo asilar. No entanto, o autor adverte que o novo modelo corre o risco de recair na repetição dos contornos das práticas do paradigma que se pretende superar. No Brasil, a nomeação do processo de transformação do paradigma psiquiátrico – Reforma Psiquiátrica, trouxe confusão e equívocos em relação ao objetivo real do processo em curso. Para Amarante (2003, p.46), o termo reforma “implica algumas limitações e favorece a mal entendidos uma vez que, historicamente, tem sido

50 associado à ideia de transformações superestruturais, superficiais, sem consistência ou profundidade”. O autor segue sua reflexão considerando que a adoção do termo reestruturação, pela Declaração de Caracas (OPAS, 1990), fez que com o termo fosse usado de maneira genérica, assumindo um significado de “re-arranjo” da instituição tradicional, sem qualquer atitude critica ao modelo epistemológico constituinte da psiquiatria. Nesse enfoque, Silva (2003) considera que o processo de Reforma tende a assumir a qualidade de reparos, de mudanças cosméticas no modelo tradicional, fenômeno que a autora denominou de reformismo. Essa concepção se fundamenta nos conceitos “aggiornamento” e “metamorfose”, elaborados por Castel (1978) que se referem a uma mudança que não altera a essência das coisas, uma acomodação de situações por meio da aparente conciliação/aliança entre interesses diversos ou contrários. Nessa perspectiva, Amarante (2003) evoca o conceito de revolução2 defendido por Tomas Kunh (1975) – superação paradigmática, e por Félix Guatarri (1996) – transformação radical do saber e da prática psiquiátrica, para conferir um novo significado ao processo de Reforma Psiquiátrica brasileiro e superar a noção reducionista e equivocada que lhe foi atribuída. Portanto, na concepção do autor, é a perspectiva revolucionária da Reforma que verdadeiramente dá sentido às lutas sociais no campo da saúde mental e tem potencial para promover as transformações necessárias. Para tanto, o autor recorre à experiência italiana de desinstitucionalização para formular um conceito potente de Reforma Psiquiátrica brasileira que transmita a complexidade e a dinamicidade inerentes ao processo e supere o paradigma psiquiátrico tradicional. É a partir desse processo de formulação que Amarante (2003) enuncia a articulação entre as quatro dimensões que compõem a realidade: a epistemológica, a técnico-assistencial, a jurídico-política e a sociocultural. Essas dimensões serão detalhadas posteriormente no item 3.3. Agora, importa caracterizar o novo paradigma da saúde mental: a atenção psicossocial. Como dito anteriormente, esse modelo foi forjado durante a crise paradigmática do modelo asilar e foi desenvolvido a partir das experiências das psiquiatrias reformadas. Ele é tributário de diferentes movimentos sociais e científicos e de vários campos teóricos.

2

A noção de revolução neste estudo corrobora também o conceito sobre devir revolucionário defendido por Deleuze (1990) que considera que a transformação social somente acontece processualmente de acordo com as posições dos sujeitos envolvidos no processo e através de uma participação transversal em todas as lutas minoritárias que buscam uma horizontalidade/equidade social. Desse modo, consideramos que somente o devir revolucionário é capaz de mobilizar as mudanças às quais as sociedades contemporâneas clamam, pois implica em uma desconstrução se faz por dentro.

51 Nessa perspectiva, a atenção psicossocial se constitui na negação do modelo asilar e na inovação da práxis em saúde mental. Porém, apesar de seus avanços, é uma proposta que não está dada, fechada ou completa, mas em permanente construção e inovação, num movimento autocrítico fundamental para sua reprodução e afirmação enquanto possibilidade revolucionária para o campo da saúde mental. É um modelo que vive em xeque, ou pelo menos que deve viver, pois o modelo asilar tem uma força centrípeta, conservadora e resistente às mudanças, que dificulta sobremaneira a sua superação: Práticas de mortificação, de desistoriação, se você deixar um pouquinho, você vai ver, você vai se olhar no espelho e você está todo manicomial de novo; é uma roupa que vai crescendo e que cresce sem a gente perceber. Então, temos que lutar contra o manicômio de maneira consciente e diariamente. Não adianta fazer coisas externas, o manicômio tem que ser desconstruído. Descontruir o manicômio não é só implodir o edifício, é desconstruir as práticas teóricas, os conceitos, as teorias que fundam o manicômio, que fundam a ideia de doente mental, a ideia de diferença, de inferioridade e de tudo o mais (AMARANTE, 2010 p. 27).

Nesse enfoque, destacamos a necessidade de incorporar às práticas psicossociais a noção de desconstrução do aparato manicomial como objetivo último do trabalho neste campo, considerada por Barros (1994, p.191) como um processo interminável que implica um trabalho hermenêutico para “desvendar a genealogia e as ascendências fortes de um saber”. Nas palavras da autora: “Desconstruir significa mostrar, a partir de seu interior, como se subverte a filosofia que a sustenta e, ainda, as oposições hierárquicas sobre as quais de baseia”. No contexto brasileiro, a experiência que mais se aproximou da noção italiana de desinstitucionalização foi operada na cidade de Santos-SP, no ano de 1989. Nessa cidade, foi construída uma nova relação entre loucura, louco, sociedade e instituições, conquistada pela ruptura da cultura da tutela institucional e a construção de um modelo de atenção psicossocial substitutivo ao modelo médico-hospitalocêntrico. A nova modalidade de atenção foi fundamentada na ampliação da rede relacional e do poder contratual dos internados, na desmontagem do paradigma asilar, na ruptura das relações cristalizadas de dependência institucional, na transformação do papel dos técnicos, por meio da inserção na cidade, da reinserção social pelo trabalho, da invenção de espaços reais de aprendizado e da criação e da produção de autonomia e de subjetividades (KINOSHITA; NICÁCIO E KINDER, 1996). De acordo com Nicácio e Kinder (1996), a transformação evidenciada em Santos decorreu da nova concepção elaborada sobre a loucura/louco/instituições e da inovação nas práticas cotidianas, que segundo os autores se constituiu num processo de

52 ‘aprender a aprender’. Esse processo promoveu a desconstrução do processo de aggiornamento e a afirmação de direitos e de outras possibilidades de vida para todos os envolvidos no processo. Nesse cenário, Kinoshita (1996, p.70) defende a noção de cidadania como “um rol de direitos e deveres, de relações de reciprocidade e de cumplicidade, mais que um ponto de vista ideológico que teve que ver vivida e atualizada na prática concreta”. O autor apresenta as seguintes características para que o ‘novo modelo’ seja efetivamente substitutivo: garantia do direito de asilo, disponibilidade, inserção no território, prioridade aos projetos de vida e processo de valorização. Dito de outro modo seria: promover o distanciamento social e temporário como uma tática do tratamento e não o tratamento em si; estabelecer um sistema de serviços capaz de responder de maneira ágil, flexível e ininterrupta as demandas de saúde mental, evitando a burocratização das ações; explorar o território como um local onde os sujeitos produzem sentidos e significados para os seus desejos e suas relações, considerando os aspectos culturais, econômicos, geográficos e sociais e assumindo a responsabilidade pelas questões de saúde mental; realizar intervenções técnicas na vida cotidiana das pessoas, criando novas possibilidades e contextos de modo a produzir novas subjetividades e relações de convivência; aumentar o poder contratual dos usuários e recuperar a autonomia desses sujeitos. Amarante (1995) considera a experiência da cidade de Santos a mais próxima do processo de desinstitucionalização italiano, ou seja, um caminho para a efetivação desse processo no contexto brasileiro. Portanto a experiência santista nos mostra como é possível superar o paradigma psiquiátrico tradicional e transformar a relação loucura/louco/sociedade/instituições a partir de três conceitos fundamentais: direitos humanos, cultura e desinstitucionalização.

53 3.2 O MOVIMENTO NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL E A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

No Brasil, o processo de luta pela transformação da realidade no campo da saúde mental foi iniciado no final da década de 1970. Recebeu grande influência de vários pensadores do campo (Foucault, Goffman, Szsaz, Castel, Guattari) e de experiências reformistas mundiais, mas, sobretudo foi inspirado nas experiências inéditas de Franco Basaglia e seus colaboradores, na Itália. Amarante (1995) propõe a periodização do processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira em três momentos distintos, ou trajetórias: a alternativa, a sanitarista e a de desinstitucionalização. A trajetória alternativa teve início com os questionamentos, as reivindicações e as manifestações dos movimentos populares em relação ao setor saúde. Foi um período marcado pela oposição à ditadura militar e pelas críticas à estrutura e à organização do poder, às políticas sociais e econômicas, às condições de vida e de trabalho e ao sistema nacional de assistência psiquiátrica. Nessa época, o país recebeu visitas de importantes representantes da filosofia, da antropologia, da sociologia e das ciências políticas que contribuíam para o campo da saúde mental, entre eles: Castel, Szasz, Basaglia, Goffman. Também nesse período foi criado o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), correu a crise na Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam) e, posteriormente, a organização e o fortalecimento do Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental. A trajetória sanitarista foi iniciada nos primeiros anos da década de 1980 quando o contexto nacional era de crise e falência previdenciária, de insatisfação popular com o sucateamento e a privatização dos serviços públicos e de caos na rede assistencial.

Na saúde mental, o Estado comprava serviços psiquiátricos do setor

privado hospitalar, ao invés de investir na melhoria da rede pública. A doença mental era considerada um objeto bastante lucrativo e a hospitalização psiquiátrica um “mercado” promissor. Essa situação foi denominada pelo médico Carlos Gentille de Melo de indústria da loucura. Uma das principais características dessa trajetória foi a incorporação de parte considerável dos militantes do movimento sanitário e do movimento antimanicomial ao aparelho do Estado. Tal processo abalou os marcos teóricos do pensamento crítico em saúde que foi substituído pelo saber sobre administração e pelo planejamento em saúde. Nesse período, sob a influência das diretrizes da Organização Pan-Americana da Saúde

54 foram ressaltados os planos da medicina comunitária, preventiva ou da atenção primária que trouxeram os seguintes temas para o âmbito da saúde/saúde mental: universalização, regionalização, hierarquização, participação comunitária, integralidade e equidade. Um marco dessa trajetória foi o processo de co-gestão, uma articulação entre os Ministérios da Previdência e Assistência Social (MPAS) e o da Saúde (MS) no sentido de “frear as distorções acarretadas pelo modelo privatizante e curativista da Previdência Social” (AMARANTE, 1997 p. 168). A implantação da co-gestão significou o estabelecimento de um novo modelo de gerenciamento em hospitais públicos, inclusive nos psiquiátricos, mais descentralizados e dinâmico que foi capaz de interromper os mecanismos de compra e venda de serviços e de reorientar as políticas públicas de saúde. Entre as metas da co-gestão tivemos: a melhoria do atendimento nos serviços públicos, ampliação de recursos humanos e financeiros, superação do modelo hospitalocêntrico, busca de estratégias territoriais de atenção à saúde. Outra grande medida adotada durante essa trajetória foi a criação, em 1981 do Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária (Conasp) que através do projeto de Ações Integradas de Saúde (AIS) possibilitou a racionalização do sistema, a descentralização e articulação dos serviços públicos, a ampliação da rede de assistência e a reversão do modelo assistencial privatizante. De acordo com Amarante (1997) o Plano Conasp permitiu o exercício de projetos de reestruturação da assistência psiquiátrica conforme as reivindicações do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Menta (MTSM)l, que também esteve à frente da maior parte dessas experiências. O autor considera que esse Plano foi responsável pela disseminação dos princípios, diretrizes e estratégias do Movimento no aparelho de Estado. A trajetória da desinstitucionalização ou da desconstrução/invenção se iniciou com a realização da I Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), que foi um desdobramento da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Teve como característica principal a construção de um novo projeto para o campo da saúde mental. Nessa trajetória, o movimento pela reforma psiquiátrica se distanciou do movimento sanitário, pois na concepção de Amarante (1995, p. 99), “a tradição sanitarista fala muito pouco sobre as pessoas e muito sobre números e populações, sem conseguir escutar as diversas singularidades a respeito do sujeito que sofre”. Desse modo, o movimento psiquiátrico recobrou suas bases e manteve o debate sobre a questão da institucionalização da doença e do sujeito da doença.

55 A

partir

da

I

Conferência,

o

MTSM

adotou

uma

nova

tática:

desinstitucionalizar/desconstruir/construir uma nova relação com a loucura e o sofrimento, no cotidiano das instituições psiquiátricas. Era defendida a necessidade da produção de novas culturas, de novas formas de pensar, de trabalhar e de lidar com as pessoas internadas, do estabelecimento de uma nova ética e da reformulação do papel dos técnicos. Amarante (1995) relata que esse evento trouxe para o cenário das políticas de saúde mental novos atores – os loucos, que através da participação em associações de familiares e usuário (Sociedade de Serviços Gerais para a Integração pelo Trabalho Sosintra e Associação Franco Basaglia) iniciaram uma trajetória de protagonismo na luta pela reforma Psiquiátrica. Dessa maneira, a questão da loucura deixou de ser uma exclusividade do campo da saúde mental para alcançar o espaço das cidades, das instituições e da vida dos cidadãos, em especial daqueles que a experimentam em suas vidas. Considerando que o autor proponente da periodização do processo de Reforma brasileiro reconhece que o surgimento de uma trajetória não implica a impossibilidade de coexistência da anterior e que, portanto elas se encontram e se entrecruzam, em vários momentos, historicizaremos o processo investigado de acordo com a ordem cronológica dos principais acontecimentos e eventos elencados pelo mesmo autor.

3.2.1 Resgate dos principais acontecimentos históricos do processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira.

No final da década de 1970 e início dos anos 1980, o Brasil vivenciava um contexto de lutas, de mobilizações sociais e de efervescência política que trouxe várias transformações para os campos sócio-político, econômico, jurídico e cultural e para o âmbito da saúde. Entre os movimentos revolucionários brasileiros, destacamos o de maior importância para a área da Saúde: o movimento pela Reforma Sanitária. Nesse período, o setor saúde estava em crise e era alvo de várias críticas e contestações populares e de intelectuais. Naquele contexto, a saúde era reivindicada como um direito básico que somente foi incorporada e legitimado na Constituição Federal de1988, após os intensos debates realizados na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986). Essa Conferência representou um marco para a história da saúde brasileira, pois além de expor os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), conseguiu o ineditismo da participação de representantes dos movimentos sociais.

56 No contexto internacional, emergiam os novos movimentos sociais que se organizavam para contestar os regimes político-econômicos ditatoriais e tiranos e reivindicar o acesso a direitos e a melhoria das condições de vida – especialmente da vida urbana, para os grupos marginalizados e excluídos da participação nos bens econômicos, sociais, de saúde e culturais.

A opressão exercida pelos regimes

totalitários à época motivou a organização de espaços políticos para a manifestação, articulação, reivindicação e exigências de uma revolução no sentido de estabelecer a democracia. Segundo Ricci (2010, p.177) tais movimentos “eram, em si, antiinstitucionalizantes, marcados por um forte sentimento de autonomia, pela coesão comunitária e pelo discurso místico-libertário”. Para o autor, a grande característica dos novos movimentos sociais era a capacidade de ruptura com as instituições tradicionais brasileiras uma vez que seu ideário era baseado em cinco elementos constitutivos: autonomia; adoção de democracia direta; sentimento anticapitalista; relações de poder e processos decisórios horizontalizados e o sentimento anti-institucionalista (RICCI, 2010). Nesse enfoque, destacamos entre as experiências brasileiras que se identificam com esse ideário, o movimento pela Reforma Sanitária. De acordo com Yasui (2010), o movimento sanitário é um processo permanente de crítica e de questionamento à relação entre Estado e sociedade, marcado por tensões e conflitos, que se ocupa da produção intelectual de uma práxis alternativa ao modelo hegemônico de saúde, que era essencialmente hospitalocêntrico. Seu principal objetivo é a transformação das condições de vida e de saúde da população. Outro movimento importante para as transformações ocorridas na sociedade brasileira na atualidade e que é contemporâneo ao movimento sanitário, é o movimento pela Reforma Psiquiátrica. Ambos se identificam no campo ideológico e defendem os mesmos princípios: concepção ampliada sobre a saúde/saúde mental, inclusão, solidariedade e cidadania. Além disso, apresentam conflitos e contradições semelhantes de modo que, “não é possível pensar a estratégia implementada pela Reforma Psiquiátrica desarticulada” do movimento psiquiátrico (YASUI, 2010, p. 41). Entre os precursores e principais atores desses dois movimentos temos: o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), a Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), os movimentos ligados às comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) da Igreja Católica e aos setores dos movimentos estudantis e dos médicos residentes.

57 Na vigência da ditadura militar, assim como a saúde das pessoas, a loucura foi transformada em produto de consumo, em mercadoria e a psiquiatria adquiriu o status de prática assistencial de massa que demandou um crescimento inédito de leitos psiquiátricos privados. De acordo com Cerqueira (1984) e Resende (1987), os números de leitos subiram de 3.034 em 1941 para 78.273 (1978). Esse crescimento provocou uma mudança no perfil nosológico da clientela que em sua grande maioria não precisava de internação psiquiátrica. As condições das pessoas que trabalhavam ou estavam internadas nessas instituições eram de extremo abandono, violência, desrespeito e miséria. A situação levou alguns trabalhadores, usuários e familiares a denunciar as irregularidades e a precariedade nos hospitais psiquiátricos e a reivindicar transformações na assistência psiquiátrica. As primeiras denúncias desse grupo foram sobre a violação dos direitos humanos, entre elas estupro, agressão, trabalho escravo, mortes não esclarecidas e a exploração dos trabalhadores não efetivados. Além das denúncias, o grupo fazia várias reivindicações que envolviam: questões salariais e de estrutura de trabalho para profissionais e bolsistas; formação de recursos humanos; relações entre instituição, clientela e profissionais; modelo médicoassistencial; e condições de tratamento. Amarante (1995) considera que o caráter heterogêneo das pautas do movimento o fazia oscilar entre um projeto de transformação psiquiátrica e outro de organização coorporativa. Nesse contexto, os profissionais de quatro unidades da Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam), no Rio de Janeiro, deflagraram em abril de 1978, uma greve que manteve uma repercussão de oito meses em destaque na grande imprensa nacional. Amarante (1995) aponta a greve da Dinsam como o estopim para o nascimento do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM). Esse Movimento conquistou importante espaço de expressão no V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado em Camboriú (SC), que ficou conhecido como Congresso da Abertura, pois: [...] pela primeira vez, os movimentos de saúde mental participaram de um encontro dos setores considerados conservadores [...] estabelecendo uma ‘frente ampla’ a favor das mudanças, dando aos congresso um caráter de discussão e organização político-ideológica, não apenas das questões relativas à política de saúde mental, mas voltadas para a crítica ao regime políticos nacional (AMARANTE 1998, p. 53-54).

Segundo Amarante (1997), foi o MTSM que ao se expandir para outros coletivos amadureceu a crítica quanto ao aparato institucional e quanto ao estatuto

58 epistemológico da psiquiatria. Essa característica do movimento fez com que o Congresso de Camboriú se transformasse num grande evento político com repercussões externas ao campo psiquiátrico e ao campo sanitário. A partir de então, a questão psiquiátrica tornou-se uma questão política. Em 1987, foram realizados dois eventos importantes para o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira: a I Conferência Nacional de Saúde Mental e o II Congresso Nacional dos Trabalhadores da Saúde Mental. A I Conferência Nacional de Saúde Mental retomou a premissa da superação do hospital psiquiátrico através da construção de uma rede alternativa ou paralela a esse serviço. Além disso, introduziu na política nacional alguns de seus temas programáticos como a cidadania e a premissa da reorientação do modelo médico-psiquiátrico da assistência. O II Congresso Nacional dos Trabalhadores da Saúde Mental foi realizado em Bauru – SP e trouxe uma profunda e radical transformação para o MTSM. O evento contou com a participação de várias associações de usuários e outros segmentos da sociedade que possibilitou a formação de um movimento mais amplo e heterogêneo: o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA). Nas palavras de Lobosque (2001) significa: Movimento – não um partido, una nova instituição e entidade, mas um modo político peculiar de organização da sociedade em prol de uma causa; Nacional – não algo que ocorre isoladamente num determinado ponto do país, e sim um conjunto de práticas vigentes em pontos mais diversos do nosso território; Luta – não uma solicitação, mas um enfrentamento, não um consenso, mas algo que põe em questão os poderes e privilégios; Antimanicomial – uma posição clara escolhida, justamente como a palavra de orden indispensável a um combate político, e que desde então nos reúne: por uma sociedade sem manicômios (LOBOSQUE, 2001 p. 102).

Durante o II Congresso Nacional dos Trabalhadores da Saúde Mental, foi elaborado o Manifesto de Bauru, que, segundo Silva (2003b), constitui-se como uma espécie de documento de fundação do movimento antimanicomial que marca a afirmação do laço social entre os profissionais de saúde mental e a sociedade para o enfrentamento da questão da exclusão social do louco e da loucura. Naquela ocasião, as discussões foram centradas nas questões da extinção dos manicômios e da mercantilização da loucura, na necessidade de uma articulação mais estrita com os demais movimentos sociais para que estes fossem incorporados à luta pela transformação das políticas e das práticas em saúde mental e foi declarado o dia 18 de maio como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

59 Inspirado nos ideais da Rede Internacional de Alternativas à Psiquiatria, o Manifesto lançou o lema “Por uma sociedade sem manicômios” que desde então tem norteado o Movimento Antimanicomial nas discussões sobre a loucura e suas instituições. É baseado nesse lema que as discussões e propostas do Movimento têm ultrapassado o limite assistencial e atingido a formulação de estratégias para a efetivação de uma desinstitucionalização completa, demarcando assim um campo crítico da realidade em saúde mental no país. Nesse enfoque, Amarante (1997,2003a) considera que o lema definido em Bauru trouxe duas rupturas importantes para o processo da Reforma Psiquiátrica: uma política e outra epistemológica. A ruptura política decorre da ampliação da participação de outros sujeitos sociais no movimento, antes exclusivo dos técnicos da saúde mental. A ruptura epistemológica se dá pela quebra da visão de que o manicômio era reformável e envolve a concepção do próprio processo não como reestruturação e modernização da rede assistencial, mas como uma revolução sociocultural em prol da superação do paradigma psiquiátrico tradicional e da construção de um novo lugar social para o louco. A partir do Manifesto, ficou claro que as mudanças reivindicadas não deveriam se limitar à reorganização das instituições psiquiátricas e a melhorias na assistência, mas uma verdadeira desmontagem do modelo assistencial que segundo Rotelli e Amarante (1992, p.44) “diz respeito fundamentalmente à negação do mandato que as instituições psiquiátricas da sociedade delegam à psiquiatria para isolar, exorcizar, negar e anular os sujeitos à margem da normalidade social”. Para Lobosque (2001), a criação do Movimento em âmbito nacional permitiu a abertura e a publicização do debate sobre a loucura em direção à ruptura radical com a perspectiva tecnicista defendida até o momento. Nesse enfoque, podemos dizer que o processo pela Reforma Psiquiátrica brasileira incorporou a ruptura epistemológica com conceitos fundantes da psiquiatria e se inscreveu no contexto de um forte movimento social, político e cultural pela superação paradigmática do modelo assistencial e pela construção de uma nova sociedade que pudesse produzir relações sociais mais solidárias, justas e equânimes. Lüchmann e Rodrigues (2007) consideram que a criação do MNLA determinou uma renovação teórica e política do movimento dos trabalhadores, um distanciamento em relação ao Estado e uma aproximação com as entidades representativas dos usuários e familiares.

60 Após o II Congresso dos Trabalhadores de Saúde Mental, aconteceu uma possibilidade histórica de pôr em prática uma experiência revolucionária. Em maio de 1989, a Prefeitura da cidade de Santos – SP decidiu intervir na Casa de Saúde Anchieta, uma clínica psiquiátrica privada onde aconteciam muitas mortes e situações de violência. A conjuntura favorável à transformação permitiu a desmontagem do aparato institucional manicomial, com consequente implantação de uma rede territorial de atenção à saúde mental substitutiva ao modelo psiquiátrico tradicional, além de uma série de outras experiências culturais e sociais (AMARANTE, 1997). Amarante (1995) considera a experiência da cidade de Santos a mais próxima do processo de desinstitucionalização italiano, ou seja, um caminho para a efetivação desse processo no contexto brasileiro. A experiência santista nos mostra como é possível superar o paradigma psiquiátrico tradicional e transformar a relação da sociedade com a loucura/louco e suas instituições, pois, nessa cidade, a nova relação foi conquistada pela ruptura da cultura manicomial, pela construção de um modelo de atenção psicossocial substitutivo ao modelo médico-hospitalocêntrico e finalmente pela emancipação da tutela institucional. A nova modalidade de atenção foi fundamentada na ampliação da rede relacional e do poder contratual dos internados; na desmontagem do paradigma asilar; na ruptura das relações cristalizadas de dependência institucional; e na transformação do papel dos técnicos. Essa última foi conseguida através das seguintes estratégias: inserção do louco na cidade; reinserção social pelo trabalho; invenção de espaços reais de aprendizado e de criação; e produção de autonomia e de subjetividades (KINOSHITA; NICÁCIO E KINDER, 1996). Nos anos noventa, ocorreu a institucionalização da Reforma Psiquiátrica através da ocupação de cargos importantes de decisão e de poder do aparelho estatal por militantes do MLAM cuja atuação priorizou a elaboração de novas ideias, de novos serviços e a formação de novos militantes. Entre as principais conquistas desse período pode-se elencar: a aprovação da Portaria 189/91, que ampliava e diversificava os procedimentos da Tabela SIH/SUS e SIS/SUS, possibilitando o financiamento de novas estruturas assistenciais (tipo de Centros de Atenção Psicossocial, Núcleos de Atenção Psicossocial, hospitais-dia e unidades psiquiátricas em hospitais gerais); a Portaria 224/92, que estabelecia as condições de funcionamento para todos os serviços de saúde mental e possibilitou o fechamento de hospitais totalmente precários e a melhoria das condições dos existentes; e aprovação na Câmara do PL 3657/89.

61 Em relação a esse período, destacamos as considerações de Ricci (2010) sobre o processo de capturação das lideranças dos novos movimentos sociais pelo aparelho estatal. Segundo o autor esses movimentos foram “engolidos pela agenda de Estado e por sua lógica burocrática” o que significou uma atualização das estratégias tradicionais de institucionalização que tais movimentos tanto combatiam (RICCI, 2010, p.170). O autor pondera também que esse fenômeno significou a possibilidade de construção de mecanismos institucionais de participação popular, situação que na sua análise instaurou “uma contradição entre o discurso anti-institucionalista no qual se formaram as lideranças dos anos 1980 e a necessária capacidade de formulação e gestão de políticas públicas dessas mesmas lideranças na década seguinte” (RUCCI, 2010, p.188). Ricci (2010) afirma que se instaurou uma cultura política híbrida caracterizada por uma participação política performática, porque não realmente integradora que se transformou em uma revolução passiva, mediada por relações domésticas e personalistas no interior dos movimentos sociais e culminou na desmobilização e esvaziamento político desses movimentos. O novo contexto de militância do MNLA favoreceu a realização, ainda no início dos anos 1990, de dois importantes eventos: a II Conferência Nacional de Saúde Mental e o I Encontro Nacional do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. A II Conferência Nacional de Saúde Mental, contou com a participação de mais de 1500 pessoas e foi realizada em 1992. A II Conferência foi considerada por Amarante (1997) um momento estratégico de inclusão na política nacional de saúde mental dos princípios básicos da Reforma tal como definida inicialmente, ou seja, da desinstitucionalização enquanto processo social complexo e os princípios conceituais e culturais. O I Encontro Nacional do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (I ENMLAM) foi realizado em 1993, na cidade de Salvador - BA, e contou com 25% de participação de familiares e usuários. O tema principal do Encontro foi “O Movimento Antimanicomial enquanto Movimento Social” e debateu os seguintes temas específicos: a estratégia nacional e a produção social do sofrimento; a intervenção da assistência – impasses e possibilidades na construção de práticas antimanicomiais; a Luta Antimanicomial e intervenção cultural – a cultura como alvo e a cultura como meio; as Legislações psiquiátricas – a (re-) construção dos direitos pela via legal; e a Luta Antimanicomial e as instituições estatais –autonomia, contradições, parcerias e ambiguidades (MOVIMENTO NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL, 1993) (grifos nossos).

62 No Relatório Final desse Encontro foi definido que o Movimento se configurava como um movimento social, plural, independente, autônomo que deveria manter parcerias com outros movimentos sociais a partir do fortalecimento de novos espaços de reflexão para que a sociedade se apropriasse da luta. Isto significa que sua organização se constituiria “na forma de uma rede, compondo-se de pessoas, grupo, experiências, movimentos e instituições, respeitando-se a autonomia de cada estado em sua própria forma de organização” (MOVIMENTO NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL, 1993, p.8). Também foi deliberado que o MNLA deveria ser representado em conselhos municipais e estaduais de saúde, nos fóruns sociais, nas entidades de categorias profissionais, nos movimentos populares e nos diversos setores públicos. Amarante (1997) considera que, ao tematizar a assistência no contexto da desinstitucionalização, o I ENMLA introduziu a noção de invenção como construção de novas possibilidades de atenção e cuidado que não as tradicionais e o princípio da intervenção cultural como possibilidade de transformação das práticas sociais no lidar com o sofrimento com a doença e com a diferença entre os sujeitos. Os ENMLAM acontecem a cada dois anos, e sua última edição (IX ENMLAM) aconteceu em novembro de 2011, na cidade de Angra dos Reis - Rio de Janeiro juntamente o X Encontro Nacional de Usuários e Familiares. Apesar de o MNLA ter se consolidado como um movimento social importante para o campo dos direitos humanos, da saúde e da saúde mental, nas duas últimas décadas, tem enfrentado sérios desafios como as diferenças e disputas no interior do próprio MNLA. Essas diferenças provocaram uma “cisão” entre dois grupos de militantes durante a realização do V Encontro Nacional da Luta Antimanicomial, em 2001 na cidade de Salvador. De acordo com Lobosque (2001), o extremo da situação se deve ao crescimento numérico inversamente proporcional de participantes em relação à sua preparação e formação política que gerou uma pobreza de debates e propostas sem reflexão. Lüchmann e Rodrigues (2007) elencaram os seguintes conflitos e impasses que precipitaram a ruptura do grupo durante o V Encontro: a constituição de um colegiado nacional com dois representantes de cada Estado; o espaçamento dos encontros de dois para três anos; a continuidade dos encontros de usuários e familiares, também para três anos; e a realização de feiras culturais, nos espaços vagos, para que as pessoas pudessem conhecer e participar das atividades do movimento. Segundo os autores, o Encontro terminou sem que se conseguissem deliberar a composição da próxima

63 Secretaria Executiva Nacional e nem os representantes para a Comissão Intersetorial de Saúde Mental. Em decorrência da inconclusão dos trabalhos durante o evento, foram agendadas duas Plenárias Nacionais. Porém, no período entre a realização dessas plenárias, houve uma cisão, ou um desmembramento de 13 núcleos da luta antimanicomial que se organizaram em um novo desenho institucional e constituíram em março de 2003, a Rede Nacional de Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA (MARAZINA, 2012). Em outubro de 2002, foi realizada na cidade de São Paulo, a segunda II Plenária que teve como pautas: avaliação da conjuntura nacional e sua relação com o Movimento da Luta Antimanicomial; formato da Secretaria Executiva Nacional colegiada gestão 2002/2004; VI encontro de usuários e familiares; e participação do MNLA no Fórum Social Mundial/2003, em Porto Alegre. Em dezembro de 2004, a RENILA realizou sem primeiro Encontro Nacional no estado do Ceará que teve como temas a clínica antimanicomial, a Reforma Psiquiátrica e a militância política, entre outros. Sobre a formação das duas tendências internas do movimento antimanicomial, Amarante e Diaz (2012, p.88) afirmam que a RENILA “se legitima na eficácia da ação política dentro dos conselhos de política social e do aparato do Estado”, através de “uma organização política centralizada, profissional e ágil, baseada nos recursos administrativos e políticos das organizações corporativas/sindicais dos profissionais de saúde, e de gestores mais comprometidos com esse movimento”; enquanto que, o MNLA “vem direcionando sua prática política para uma organização de base mais ampla e uma posição de progressiva autonomização dos usuários e familiares, pleiteando um afastamento dos técnicos”. Os autores ponderam que a ruptura ocorrida no MNLA foi possível pelo caráter espontaneísta, antiautoritário e anti-hierárquico comum a movimentos de ação coletiva como esse. Eles acrescentam que essas características podem produzir fragmentação, fragilidade e descontinuidade que são por eles consideradas como ameaças e dificuldades para as ações do MNLA. Vasconcelos (2012, p.60) considera que embora já houvesse divergências acumuladas entre os membros do MLAM, o principal disparador dessa cisão foi “a discussão sobre a forma de organização para gerar debate e decisões políticas de forma mais ágil, para enfrentar a conjuntura e a atuação direta nas esferas políticas mais amplas”. O autor, ao contextualizar o processo de mudanças internas ao Movimento Antimanicomial destaca a acentuação do processo de institucionalização, o

64 aparelhamento no Governo Lula e também, as novas forças políticas contrárias à Reforma Psiquiátrica advindas com o Governo Dilma. Em sua análise, Vasconcelos (2012, p.64) identifica desafios e impasses atuais do MNLA, aponta três possibilidades de cenários e indica algumas “propostas concretas de enfrentamento”. Em relação aos desafios e impasses o autor elencou: claro envelhecimento natural e institucionalização das lideranças originais que não conseguem participar com a mesma frequência dos núcleos e dos eventos de militância direta; uma debilidade estrutural no custeio da militância cotidiana; falta de articulação, coesão, direção e suporte político para os militantes, além de uma competição pessoalizada entre as lideranças e disputas regionais por cargos na Comissão Intersetorial de Saúde Mental. Também foi apontado: fragilidade estrutural pela ausência de estruturas internas e nacionais de debate; perda da gestão central da política de saúde mental (coordenação nacional de saúde mental); aparecimento de novas forças políticas contra reformistas; e despolitização crescente dos militantes pela falta de dispositivos internos que transmitam a experiência política de suas lideranças originais. Nesse contexto, o autor antever os seguintes “cenários possíveis” para o MNLA: 1) deixar no jeito que está; 2) assumir-se prioritariamente com um movimento social e plural de base, mas com formas de intercâmbio militantes mais orgânicas, ativas e menos informais; ou 3) combinar a estratégia de um movimento pluralista e democrático de base com instâncias claras de comunicação, articulação e coordenação política que implica uma “forte inflexão política na dinâmica interna atual do movimento e de suas lideranças, em suas diversas frentes” (VASCONCELOS, 2012, p. 65). Por fim, Vasconcelos (2012) aponta como sugestões as estratégias de enfrentamento: criar um esqueleto de sustentação política e orgânica para o MNLA; criação de um site ou blog atraente e interativo para manter a cobertura e a atualização dos fatos e processo de conjuntura, com reflexão aberto a todos; utilização mecanismos virtuais para promover formas coletivas de reunião em tempo real (correio eletrônico, Skype); e criação de debates políticos regulares, prioritariamente no formato de rodas de conversa para análise da conjuntura do campo da saúde mental e dos movimentos sociais nele atuantes. O autor sugere, também, priorizar a capacidade de discussão, geração de consensos mínimos que possibilite uma atuação coletiva; estimular que as lideranças profissionais cumpram seu papel político de modo claro e eficaz juntos aos núcleos militantes do movimento; criar de núcleos de estudantes dentro do movimento

65 antimanicomial; fomentar dispositivos de financiamento e gerar fundos para grupos e projetos locais; e estimular iniciativas de educação política, renovação e formação de lideranças militantes, através de cursos sobre formação política, atuação em conselhos de saúde e história do movimento antimanicomial. Considerando as concepções, a formação político-ideológica e os interesses de militantes do movimento antimanicomial, bem como os de seus opositores e de gestores das políticas públicas de saúde mental, podemos afirmar que no contexto brasileiro, o processo da Reforma Psiquiátrica apresenta duas proposições e duas possibilidades para seu encaminhamento: uma fundamentada na reestruturação do modelo assistencial psiquiátrico a partir da reorganização dos serviços e outra que visa a transformação da relação entre a sociedade e a loucura mediante transformações sociais, políticas e culturais (AMARANTE, 2003). A primeira proposição não apresenta exequibilidade para o principal objetivo da Reforma Psiquiátrica e corrobora o paradigma psiquiátrico tradicional que se deseja superar. Porém, a segunda proposição é a que se identifica e mantém os princípios da experiência italiana e reconhece a Reforma Psiquiátrica como um campo social de lutas políticas e econômicas pela construção de uma nova sociedade. A existência de duas tendências contraditórias para o mesmo processo caracteriza a Reforma Psiquiátrica como um campo de lutas políticas e ideológicas que tem como representantes do polo conservador a SOSINTRA, a Federação Brasileira de Psiquiatria, a Associação dos Familiares dos Doentes Mentais e a indústria farmacêutica; e como representantes do polo revolucionário o MNLA, a ABRASME, a RENILA e algumas associações de usuários e familiares. Amarante (2008c) ressalta que Basaglia iniciou uma ampliação do conceito e da prática de Reforma Psiquiátrica e a partir do novo significado – processo social complexo direcionou a luta por mudanças no campo psiquiátrico para o enfrentamento dos aspectos conceituais da psiquiatria, da sua função de controle da sociedade, das suas articulações com a justiça e da repressão ideológica e política. O autor compreende a Reforma Psiquiátrica como um “processo permanente de construção de reflexões e de transformações que ocorrem a um só tempo” nas dimensões por ele identificadas: a teórico-conceitual; a jurídico política; a técnico-assistencial e a sociocultural (AMARANTE, 1997, p.165). Amarante (2003, p.49), ao resgatar a noção de processo social complexo (Rotelli; Leonardis; Mauri, 2001) para compor o conceito de Reforma Psiquiátrica no Brasil, defende a coexistência e a “articulação de várias dimensões que são simultâneas

66 e inter-relacionadas, que envolvem movimentos, atores, conflitos e uma tal transcendência do objeto de conhecimento que nenhum método cognitivo ou teoria podem captar e compreender em sua complexidade e totalidade”. Segundo o autor, para que a Reforma não se reduza a simples reformulação administrativa e técnica de serviços e do modelo assistencial é necessário o “conhecimento sobre todas estas dimensões e aspectos [...] para uma prática libertária e transformadora” (AMARANTE, 2008c, p. 78) (grifos nossos). Nesse sentido, Yasui (2010, p.20) propõe a construção de uma conceituação ‘forte’ para a Reforma Psiquiátrica que supere a noção reformista e simplista e alcance o “sentido de uma transformação que impacta e ressoa na sociedade”. Isto implica compor um conceito dinâmico que contemple o contexto social, político, econômico e cultural da atual política pública de saúde mental. Rotelli (2001) considera que a proposta da Reforma Psiquiátrica faz parte de um projeto sistêmico de grande alcance que além das mudanças indicadas por Yasui (2010) requer uma transformação nas relações de poder estabelecidas socialmente, que pode ser efetivada a partir da implementação do processo desinstitucionalização completa ou total. De acordo com Venturini (2010), esse processo compreende os seguintes estágios de evolução: desospitalização, habilitação psicossocial, inclusão social e por fim promoção do valor social. A desinstitucionalização, nesse enfoque, pode ser entendida como “um processo ético que introduz novos sujeitos de direitos e novos direitos para os sujeitos” e pressupõe também a transformação das relações de poder entre as instituições psiquiátricas e os sujeitos (usuários, profissionais, gestores) (AMARANTE, 1995, p. 494). Desse modo, a desinstitucionalização pode promover a (re) constituição de sujeitos que sofrem, a desospitalização e a garantia dos direitos de cidadania do doente mental. É por meio da desinstitucionalização que é possível a produção de novos significados, de novos sentidos e de novas possibilidades para a expressão do fenômeno da loucura como uma diversidade da cultura. Nesse sentido, Yasui (2010) afirma que a Reforma Psiquiátrica constitui um novo processo civilizatório que pretende transformações nas relações sociais e na qualidade de vida dos sujeitos envolvidos no processo e, portanto, mudanças para além do âmbito da saúde. Considerando os argumentos dos autores anteriormente mencionados, advogase o investimento na produção de uma cultura solidária que reconheça o sofrimento humano como uma diversidade e sua expressão como uma singularidade do sujeito que o experimenta.

67 Nesse processo, o MNLA apresenta um papel estratégico fundamental para processo da Reforma Psiquiátrica, pois desde sua fundação, propõe, reivindica e realiza intervenções fundamentais em todas as dimensões do processo. Durante as comemorações do Dia 18 de maio, várias cidade e capitais de todo o país realizam atividades culturais, políticas e científicas com o objetivo de despertar e promover o debate e a reflexões sobre a questão da loucura, da violência institucional em psiquiatria e sobre a importância de revisão de seus conceitos e práticas (AMARANTE; COSTA, 2012). Portanto, podemos afirmar que o ativismo antimanicomial, como uma “atividade ética, de entrega aos valores da luta pela emancipação de todos, pelos interesses daqueles cuja voz é silenciada” (AROUCA, 2003) se constitui ainda o maior movimento pela revolução sociocultural no campo da saúde mental. Ao considerar a intervenção cultural como meio e como objetivo, o MLAM reconheceu a importância da dimensão sociocultural para a transformação da realidade e assumiu o compromisso com esse processo. Amarante (2007, p.73) diz que o MNLA foi o primeiro “a provocar o imaginário social a refletir sobre o tema da loucura, da doença mental, dos hospitais psiquiátricos, a partir da própria produção cultural e artística dos atores socais envolvidos”. A Reforma Psiquiátrica, ainda em processo de efetivação no país, tem apresentado avanços e retrocessos ao longo de sua trajetória que exigem análises que favoreçam a compreensão de sua complexidade e a elaboração de estratégias que possibilitem a sua efetivação no cotidiano das práticas sociais. Assim, defendemos a necessidade de fortalecer a militância antimanicomial enquanto prática libertária que atua em todas as dimensões do processo da Reforma Psiquiátrica, reivindicando a implementação de políticas públicas intersetoriais relacionadas ao campo da saúde mental, que permitam a revolução sociocultural requerida pelo MNLA, no sentido de promover a emancipação dos sujeitos sociais da opressão do modelo psiquiátrico tradicional e da tutela institucional.

3.2.2 Um novo sujeito social no Movimento da Luta Antimanicomial: algumas considerações sobre a ABRASME.

Oliveira (2009) afirma que o crescimento do Movimento Antimanicomial, na década de 1990, favoreceu à sua fragmentação e, consequentemente a disputas internas e dissidências que prenunciaram um momento de crise do processo da Reforma. Após a

68 cisão do movimento, em 2001, muitos militantes ficaram divididos e perdidos em relação aos rumos do MNLA e muitas vezes, por não conhecerem os reais motivos que levaram a essa ruptura, começaram a assumir uma postura antiética em relação aos antigos companheiros de luta e a formar grupos personalistas baseados em relações interpessoais que só diminuíram o potencial do MNLA. Consideramos

que

o

“racha”

trouxe

uma

desmobilização

e

um

enfraquecimento político para o grupo antimanicomial que ao se descuidar do foco, permitiu o avanço das forças conservadoras que utilizaram as fissuras provocadas pelo desentendimento para efetivar suas estratégias de atualização e de modernização do modelo tradicional. Oliveira (2009) destaca a realização dos Encontros Catarinense de Saúde Mental (ECSM), que desde a sua terceira edição, em 2003, vem motivando e revitalizando o Movimento Manicomial na região sul do país. Segundo o autor os ECSM alcançaram uma amplitude tal que propiciou a organização de um novo, amplo e diversificado coletivo em prol das transformações no campo da saúde mental: A Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme. Uma característica marcante dos ECSM era a recusa ao patrocínio da indústria farmacêutica e hospitalar, que o reafirmava como evento, independente, inclusivo, acessível e comprometido apenas com a discussão ampla, sem a manipulação de interesses privados e corporativos (OLIVEIRA, 2009). As edições sempre contaram com a participação de conferencistas renomados no campo da atenção psicossocial brasileira e em 2006, trouxe um convidado internacional: o italiano Giaccomo Casagrande. Os ECSM ficaram conhecidos nacionalmente e o evento passou a atrair profissionais, acadêmicos e militantes de todo o país. Entre os parceiros na promoção dos eventos foram: Universidade, Associação de Usuários, órgãos de estado, Conselho Regional de Psicologia, Associação Brasileira de Psiquiatria Cultural. Nas reuniões de preparação do VI ECSM, em 2006, foi decidido que não havia mais sentido mantê-lo como um evento catarinense. Assim, também foi realizado no mesmo período o I Congresso Sulbrasileiro de Saúde Mental - CSSM, um reconhecimento da amplitude do ECSM. Nesse Congresso, foram apresentadas duas propostas que sinalizam um fato novo na Reforma e no campo da saúde mental como um todo: a criação de uma Associação Brasileira de Saúde Mental - Abrasme e a realização de um Congresso Brasileiro de Saúde Mental – CBSM. A discussão sobre a criação da Abrasme se pautou por dois pontos principais: contemplar a inter ou transdisciplinaridade, pois a maioria das associações era organizada por profissão ou

69 disciplina; e estimular a participação comunitária e não somente de técnicos, usuários e acadêmicos, mas de todos os interessados no campo da saúde mental. Desse modo, a Abrasme assumiu “o compromisso com a Reforma, na defesa da cidadania, da solidariedade, do respeito às diversidades de saberes e da incorporação de diversidades” (OLIVEIRA, 2009 p.6). O processo de fundação da Abrasme foi abraçado, entre outros, pelo Grupo de Trabalho de saúde mental da ABRASCO que se encontrava, também, com necessidade de revitalização. Em julho de 2007, durante a realização do III Congresso de Ciências Humanas da Abrasco, esse Grupo recomendou, através de um Manifesto assinado por seus membros presentes, a fundação da associação que ocorreu após dois. Assim, em 7 de julho de 2007, em uma assembleia com presença assinada por 44 participantes, foi instituída a Abrasme. Os primeiros participantes foram denominados de sócios fundadores da Associação, que elegeram uma diretoria provisória composta por 20 membros de vários estados entre eles Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo, Tocantins, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. (OLIVEIRA,2009). Os representantes se comprometeram com a implantação da Associação e com a organização do I Congresso Brasileiro de Saúde Mental, que aconteceu em junho de 2008, na cidade de Florionópolis, cujo tema central foi “Perspectivas em Saúde Mental: Diversidade e Aproximações”. A Abrasme realizou em junho de 2012, a sua terceira edição na cidade de Fortaleza – CE e contou com a inscrição de 6.970 pessoas de diversos segmentos da sociedade. Na atualidade, estão em atividade os Núcleos de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Ceará (ABRASME, 2013).

70 3.3 AS DIMENSÕES DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA DE ACORDO COM O PENSAMENTO AMARANTIANO Um processo social complexo tem várias dimensões simultâneas, inter-relacionadas e que se retroalimentam, A transformação de uma dimensão leva à transformação de outras (AMARANTE, 2010, p.28).

Reconhecendo a complexidade que envolve a loucura enquanto condição humana singular e o processo de luta social, política e ética por uma Reforma Psiquiátrica transformadora da realidade serão apresentados a seguir, alguns aspectos e temas relacionados às quatro dimensões que orientam esta pesquisa. Apesar desta exibição seguir a sequência em que elas são apresentadas nos textos do autor, ressaltamos que tal divisão não tem a finalidade de fragmentar o processo ou de negar a dinamicidade e a simultaneidade de suas intersecções. O desfio de representar graficamente as relações entre as dimensões se deve ao fato de não conseguirmos determinar em que medida uma interfere na outra ou se há sobreposição e hierarquização entre elas. Por isso, ao considerar a complexidade do processo de Reforma Psiquiátrica e a indivisibilidades de seus aspectos Amarante (2005) organizou a seguinte representação da relação entre as dimensões por ele identificadas.

Dimensão Epistemológica

Dimensão Dimensão Dimensão JurídicoSócioTécnicoCultural Assistencial Política

Figura 02 - Representação gráfica da relação entre as quatro dimensões estudadas por Amarante (2005, slide 04).

Ao observar a Figura 02, é possível compreender que as intervenções realizadas em qualquer uma das dimensões repercutirão em todas as demais. Ou seja, sempre que houver avanços ou retrocessos em uma delas, haverá desdobramentos ou

71 repercussões nas outras, daí a indissociabilidade entre elas. É possível ainda, verificar a centralidade da dimensão teórico-conceitual enquanto núcleo do processo e a abrangência da dimensão sociocultural enquanto campo de maior alcance. A figura 02 demonstra também que esta última agrega e comporta todas as outras. Nesse sentido, podemos reconhecer o ineditismo do autor ao capturar graficamente, a complexidade inerente ao processo de Reforma Psiquiátrica e ao defender no contexto brasileiro a importância das intervenções culturais para a consolidação desse processo no seu sentido mais amplo, revolucionário e potente. Outra representação gráfica que também demonstra as relações entre as dimensões no decorrer do processo da Reforma Psiquiátrica e que é proposta pela pesquisadora como possibilidade para tal, está apresentada na Figura 03 que foi inspirada no espiral do conhecimento. Essa é uma representação que transmite a noção dialética e dinâmica inerente a um evento processual.

Figura 03 – Representação gráfica das dimensões da Reforma Psiquiátrica defendidas por Amarante (2007), inspirada do espiral do conhecimento.

A seguir serão apresentadas algumas questões que dizem respeito a cada uma das dimensões.

72 3.3.1 A dimensão epistemológica ou teórico-conceitual.

A dimensão que se refere ao campo epistemológico, ou teórico-conceitual diz respeito à produção de conhecimentos que fundamentam e autorizam o saber-fazer médico psiquiátrico (AMARNTE, 2009). Destaca desde os conceitos mais fundamentais do campo da ciência (o conceito de ciência como saber neutro e produtor de Verdade) até os conceitos específicos da saúde/saúde mental (saúde, doença, tratamento, determinantes sociais, etiologia, etc) (AMARANTE; COSTA, 2012). Amarante (2009) considera a revisão conceitual do campo das ciências um núcleo importante para o processo de Reforma, pois foi a partir da constituição da ciência na modernidade que se estabeleceu uma relação social excludente para segmentos considerados como minorias sociais - os pobres, os negros e ou loucos. Desse modo, é possível afirmar que a Reforma Psiquiátrica se caracteriza por uma ruptura em relação à racionalidade científico-médico-psiquiátrica uma vez que ela se recusa a aceitar o sofrimento humano apenas como doença mental, passando a considerá-lo em sua complexidade (YASUI, 2010). Nessa dimensão, são questionados fundamentalmente os conceitos da alienação mental e de degeneração mental que são considerados os primeiros termos científicos para tratar da loucura. O primeiro termo remete à ideia de um distúrbio da Razão que, por se tratar de uma alteração na relação do sujeito com a realidade, incorpora a noção de incapacidade e de impossibilidade para que o sujeito acometido exerça seus direitos e sua cidadania. O segundo termo diz respeito à irreversibilidade da condição mental que seguramente resulta na perda completa das habilidades cognitivas dos sujeitos afetados (AMARANTE; COSTA, 2012). Basaglia operou a maior transformação do campo epistemológico da psiquiátrica quando mesmo sem negar a loucura como uma condição de sofrimento e de diversidade, colocou em suspensão/entre parênteses o conceito de doença e tomou como objeto de intervenção psiquiátrica o sujeito com sua experiência e em relação ao corpo social. O psiquiatra italiano também desenvolveu a noção de duplo da doença mental enquanto “conjunto de incrustações institucionais, sociais e culturais que são impregnadas

aos

sujeitos

objetivados

pelo

saber

e

práticas

psiquiátricas”

(AMANRANTE, 1997, p.180). Através dessas duas atitudes epistemológicas, Basaglia negou a psiquiatria enquanto ideologia e a instituição psiquiátrica enquanto saber e poder e propôs a desmontagem dos aparatos jurídicos, conceituais e socioculturais conferindo desse

73 modo um novo significado para o processo de desinstitucionalização: estratégia de desconstrução do paradigma psiquiátrico tradicional e a construção de um novo paradigma da atenção psicossocial. Nesse sentido, destacamos a contribuição da noção de desinstitucionalização elaborada por Basaglia e Rotelli para o avanço da Reforma nessa dimensão, pois ela envolve a reconstrução da “complexidade do objeto, desmontando o conceito de doença, retomando o contato com a existência e o sofrimento do sujeito e sua ligação com o corpo social, não mais para curar, mas para a produção de vida, de sentidos, de sociabilidade e de espaços coletivos de convivência” (YASUI 2010, p. 20). Assim, o campo teórico-conceitual se dedica à produção “de novas categorias para pensar o fazer e dar-lhe suporte” por meio do desenvolvimento de conceitos e de teorias sobre uma nova possibilidade de se relacionar com o louco e com a loucura (RODRIGUES; CUNHA, 2007 p. 344). Tal produção é resultado não somente da reflexão e das discussões no âmbito acadêmico, mas também das reivindicações e dos debates promovidos pelos movimentos sociais, principalmente pelo movimento antimanicomial. Amarante (1995) considera a “comunidade e as relações que ela estabelece com o louco – por meio de trabalho, amizade e vizinhança, matéria-prima para a desconstrução do dispositivo psiquiátrico de tutela, exclusão e periculosidade, produzido e consumido pelo imaginário social” (AMARANTE, 1995, p.52). Por isso, os conceitos e os temas relacionados ao campo da saúde mental devem ser continuamente questionados e revisados, levando-se em consideração os diversos contextos sóciopolíticos e culturais, nos diferentes tempos históricos. Basaglia (2008) resgata o papel dos técnicos como operadores do saber prático e defende a necessidade de que eles aprendam através da relação com os sujeitos do sofrimento, do conhecimento e do seu contexto social, quais as possibilidades e estratégias mais efetivas para o atendimento de suas necessidades. Nesse enfoque, Rotelli (2008) orienta sobre a necessidade de se exercitar continuamente um espírito crítico diante da ideologia dominante de modo a contribuir mais incisivamente para a transformação do mundo. Portanto, é necessária a desconstrução do conceito de clínica que, segundo Amarante (2003, p.50) e no enfoque da Reforma Psiquiátrica, deixa de ser o isolamento terapêutico ou o tratamento moral para “tornar-se criação de possibilidades, produção de sociabilidades e subjetividades”. Essa transformação exige considerar outros saberes sobre a loucura e a inovação nas técnicas e nas relações sociais. A partir disso, a

74 preocupação deixa de ser com a sintomatologia e com o diagnóstico e a passa a ser concretamente com a responsabilização pelo sujeito, com a identificação de suas necessidades e com sua inserção no contexto social. Uma clínica que não seja uma estratégia de normalização e de disciplinamento, mas um processo cotidiano de construção de novas relações que produzam autonomia, liberdade e direitos. De acordo com Oliveira e Alessi (2005, p. 158), “não se trata de uma técnica a ser ensinada/aprendida, mas de um reposicionamento do profissional frente ao sujeito/cliente, à profissão, ao saber constituído, enfim, à sociedade”. Os autores destacam o caráter político implícito na clínica e afirmam que ela não existe fora das relações de poder. Por isso defendem que a “nova clínica” deve ser construída ao lado do sujeito do sofrimento, que é insubmisso a toda forma de domínio. Ao colocar a doença entre parênteses e ao resgatar a complexidade da experiência da loucura, Basaglia propôs um novo objeto para a intervenção psiquiátrica – o sujeito e sua experiência; denunciou o caráter simplista, reducionista e opressor do saber médico-psiquiátrico e conclamou outras racionalidades para lidar com esse fenômeno. Assim, a ruptura operada por Basaglia ultrapassa a mera reorganização ou reestruturação de técnicas e de instituições e atinge o âmago do paradigma psiquiátrico tradicional que é o conjunto de conceitos e princípios que o sustenta, fortalece e legitima. Nesse enfoque, Pelbart (1991) assegura que “libertar o pensamento dessa racionalidade carcerária é um tarefa tão urgente quanto libertar nossas sociedades do manicômio [...] é preciso recusar o império da razão” (PELBART, 199,1 p.135). O autor é contundente ao afirmar que nada basta se não acabarmos com o “manicômio mental”. Isso implica em garantir o direito à desrazão e libertar a subjetividade das amarras da verdade, da homogeneização e da normalização. Considerando a importância das mudanças no campo epistemológico para o processo de desconstrução/construção paradigmática em saúde mental, evidenciamos a necessidade de refletir e aprofundar os conhecimentos sobre os fundamentos e princípios científicos, investir na produção de uma nova práxis para o campo da atenção psicossocial, bem como de uma nova cultura que agregue novos significados para a loucura, o louco e suas instituições, no sentido de favorecer a emancipação dos sujeitos envolvidos no processo, da opressão do modelo tradicional. Portanto, é imprescindível aprender novos saberes e aprofundar-se no tema da complexidade das relações socioculturais.

75 3.3.2 A dimensão técnico-assistencial.

A atitude epistemológica de romper radicalmente com o paradigma médicopsiquiátrico convencional e consequentemente propor a construção de um novo paradigma trouxe para o processo da Reforma Psiquiátrica vários desdobramentos para a organização e para a operacionalização da atenção à saúde mental. Como dito anteriormente, as mudanças realizadas no contexto brasileiro decorreram da crítica ao modelo hospitalocêntrico e asilar e das experiências teóricopráticas italianas que segundo Franca Ongaro Basaglia (2008) incorporaram os seguintes elementos na sua cultura: primado da prática, gestão (tomada de responsabilidade) e negação (desconstrução) luta contra a institucionalização, respeito à diversidade, aceitação do risco e do conflito, exclusão/inclusão; luta política; luta contra a ideologia e contra o preconceito. Para a autora (2008, p.28), tal incorporação só conseguiu ultrapassar o campo psiquiátrico porque nasceu no coração das lutas sociais e políticas à época e se constituiu em uma “demolição prática de uma cultura”, na medida em que transformou significativamente as relações políticas, éticas e culturais da sociedade com a loucura e com o louco. Isto significa que a ruptura é possível desde que sejam colocadas em discussão cotidianamente, os sujeitos, os papéis, a coletividade, as regras, a política e a ciência e que ocorra o aprendizado a partir das experiências vivenciadas. Amarante (2007) identifica a dimensão técnico-assistencial que diz respeito ao modelo assistencial, aos serviços e às práticas em saúde/saúde mental. Ela está voltada para a criação de serviços abertos e de base territorial, para o desenvolvimento de dispositivos sociais, culturais e políticos e para a inovação de espaços que produzam novas sociabilidades. No entanto, Almeida (2006, p. 21) fundamentado nas considerações de Basaglia alerta que “sem a crítica política constante, todo e qualquer dispositivo de saúde mental, por maior que sejam as eternas boas intenções, cairá na lógica da disciplina e do controle”. Amarante e Torre (2001) alertam que sob a denominação de antimanicomial, são realizadas muitas práticas conservadoras, pois a criação de “novos” serviços não garante a superação do modelo manicomial podendo funcionar como reprodução desse último. Os autores defendem que para haver a substituição do modelo clássico, os “novos” serviços e dispositivos devem assumir as demandas das pessoas com problemas mentais como também os recursos financeiros e humanos destinados ao sistema hospitalar, “ao invés de seguir criando uma nova demanda, formando uma rede paralela,

76 talvez medicalizante/psicologizante, talvez cronicizante” (AMARANTE; TORRE, 2001 p. 33). Rotelli (2008) considera que é necessário intervir nas condições reais de vida das pessoas e para tanto é imprescindível atuar nos contextos, produzindo possibilidades e transformando realidades. O autor considera a psiquiatria uma “ciência da renúncia” pela sua recusa a aceitar a possibilidade de mudança na condição de vida das pessoas com problemas mentais. Nesse enfoque, ele defende a necessidade de construir novas instituições no sentido de “construir novas condições, situações e organizações que se proponham a dar respostas às necessidades” e não soluções para os sintomas mentais. Ou seja, o objetivo das práticas no campo da atenção psicossocial é a produção de respostas que ultrapassem o campo puramente técnico e adentrem o campo da globalidade das necessidades do sujeito. Uma prática produtora de uma outra realidade e de uma outra cultura. Então, nós temos muitas coisas a aprender: como colocar de pé as condições que possam reproduzir uma vida [...] aprender que a liberdade é terapêutica. Mas a liberdade só é terapêutica se não significa deixar as pessoas sós. A liberdade é um fato coletivo [...] Devemos ser muito mais incisivos na transformação do mundo (p.41 e 46).

A compreensão de Basaglia, Rotelli, Amarante, Nicácio, Lancetti entre outros aponta para uma prática comunitária em saúde mental que promova além da intervenção clínica, a restituição da contratualidade social entre usuário, familiares, técnicos e comunidade e a produção de sujeitos conscientes, ativos e críticos que resistam aos processos de anulação de suas identidades. Para Basaglia (2005), trata-se de substituir a relação de tutela por uma “relação de contato”, ou seja, estabelecer uma relação técnicousuário que atribua outros significados às experiências de sofrimento, que produza autonomia e que emancipe os sujeitos da opressão do modelo tradicional. No novo modelo, o território assume um significado inovador. Não o de comunidade ou outra região geográfica, mas o de contradições, lutas, produções sociais e ideológicas da vida concreta e simbólica em um processo histórico (YASUI, 2010). No Brasil, uma das primeiras experiências de intervenções territoriais em saúde mental foi a criação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que apesar da grande ampliação as últimas décadas, não conseguiu ainda substituir as instituições psiquiátricas. Cabe destacar que apesar de ser um serviço inovador, que se multiplica velozmente no país (é o tipo de dispositivo que mais recebe incentivo financeiro) e do seu potencial para promover a desinstitucionalização, o CAPS não consegue sozinho, dar conta da complexidade que envolve as questões da saúde mental e a diversidade de

77 situações inerentes à experiência da loucura. Além disso, esse serviço foi criado na fase sanitarista da Reforma Psiquiátrica, com o intuito de obter recursos para a sua implementação; tem uma natureza acima de tudo administrativa e constitui uma estrutura intermediária entre o hospital e a comunidade (AMARANTE; TORRE, 2001). Os autores (p.29) informam que a Coordenadoria de Saúde Mental definiu o CAPS como um “filtro de atendimento entre o hospital e a comunidade com vistas à construção de uma rede de prestação de serviços”, que busca um cuidado personalizado por meio de um tratamento de intensidade máxima e de investigações epidemiológicas, clínicas e institucionais (grifos nossos). Com relação ao perfil dos CAPS, Amarante (2003, p 46; 2007) afirma que a Reforma Psiquiátrica corre o risco de ficar reduzida a um processo que ele denominou de “capscização”, pois se os sujeitos envolvidos no processo da transformação requerida pelo movimento antimanicomial, considerarem a Reforma como apenas uma “reorganização de serviços, vinculando-a a pura reestruturação do modelo psiquiátrico tradicional”, tal processo poderá assumir o significado de sinônimo para a modernização das técnicas terapêuticas. Amarante e Torre (2001) destacam um serviço inédito de saúde mental que foi criado na cidade de Santos – SP - o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) que embora contemporâneo ao CAPS é fundamentalmente distinto desse último. O NAPS tem como eixo a destruição do manicômio e visa à superação da lógica da assistência em direção à lógica da produção de saúde, de subjetividades, de autonomia e de vida (grifos nossos). Esse serviço desenvolveu a noção de “clínica” como um modo de relação com o sujeito da experiência da loucura, em que os profissionais passaram a se ocupar de suas demandas e necessidades, reinventando a prática clínica como possibilidade de construir subjetividades e de dar novos e positivos sentidos à experiência do sofrimento humano. “O que se pretendia então era a desmontagem da referida instituição, com sua substituição simultânea por outras modalidades e dispositivos [...] dar início a outra relação entre o território e as pessoas consideradas ‘doentes’ ou ‘portadoras’ de transtorno mental” (AMARANTE, et al, 2012, p. 126.) Yasui (2010) considera o NAPS uma estratégia de transformação do modelo asilar para o modelo de atenção em saúde mental substitutivo que incorporou as seguintes estratégias: a regionalização; o diálogo com a comunidade; a tomada de responsabilidade e a transformação da equipe. Na concepção de Nicácio (1994, p.24), o NAPS ao assumir a noção de Reforma Psiquiátrica como “um processo social complexo

78 ancorado na desconstrução do paradigma psiquiátrico”, projetou “construção da Saúde Mental como território de cidadania, emancipação e reprodução social”. A diferença que foi estabelecida por Amarante e Torre (2001) entre os dois tipos serviços ditos substitutivos ao hospital psiquiátrico permite afirmar que a experiência do NAPS foi a tentativa brasileira mais próxima das experiências italianas, pois conseguiu desenvolver a noção de desinstitucionalização defendida neste estudo, ou seja, a desconstrução do aparato manicomial por meio de uma revolução sociocultural. Basaglia (2008) considera que a transformação da realidade em saúde mental requer: [...] a ruptura da objetivação, o resgate da história, dos vínculos, das relações, a conquista dos direitos perdidos, nunca garantidos; e, sobretudo, a recomposição da globalidade das necessidades, anteriormente fragmentadas através da divisão das diversas disciplinas e do isolamento em espaços separados (BASAGLIA, 2008 p.25).

Reconhecendo a complexa e concreta multiplicidade dos elementos que constituem a existência do sofrimento, Basaglia (2008) defende a incorporação às práticas de saúde mental de outros aspectos e dimensões da vida humana que não apenas a questão biológica. Nesse sentido, os novos serviços devem atuar na melhoria da qualidade de vida tanto através de tratamentos quanto de projetos que contemplem a questão da moradia, do trabalho, do lazer, dos projetos individuais e a história de vida. Amarante (2003b) identifica duas características da atenção psicossocial: a luta pelos direitos dos usuários e a participação desses em diferentes espaços na sociedade. O autor reconhece duas rupturas nessa dimensão: a cura não é mais o objetivo do tratamento, mas a produção de saúde; tratamento não significa a construção de um sujeito normal ou ideal, mas um sujeito autônomo, livre e em posição de igualdade em relação aos demais, ou seja, um sujeito emancipado (grifos nossos). Nesse sentido, a Reforma Psiquiátrica propõe a implantação de uma rede territorial diversificada de dispositivos e de serviços substitutivos às instituições psiquiátricas tradicionais que acolha e atenda às diversas demandas de saúde mental, da mais simples à mais grave situação e que reconheça a singularidade e a autonomia dos sujeitos nesse processo. Essa rede inicialmente, contava com os CAPS, NAPS, HospitalDia e Serviços Residenciais Terapêuticos. Mas, em 28 de junho de 2011, através do Decreto Nº 7.508 foi instituída a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), eleita como uma das cinco Redes prioritárias para a organização do SUS e que tem o objetivo de garantir a integralidade da assistência (BRASIL, 2011a; 2011b)

79 Segundo a Portaria MS/GM Nº 3.088, a RAPS é constituída por sete componentes: I- Atenção Básica em Saúde; II - Atenção Psicossocial Especializada; III - Atenção de Urgência e Emergência; IV - Atenção Residencial de Caráter Transitório; V- Atenção Hospitalar; VI - Estratégias de Desinstitucionalização; e VII – Reabilitação Psicossocial. Para atuar na RAPS, podem ser contratados além dos técnicos tradicionais da saúde mental, outros profissionais da área saúde, da educação, da cultura, da habitação etc. como nutricionista, professor de educação física, músicos, professores de teatro, artesanato, entre outros. A ideia é que possa haver uma atuação transdisciplinar e intersetorial. Em relação à intersetorialidade, Venturini (2010b) reconhece dois modelos organizativos: administração passiva, onde as necessidades das pessoas são tratadas geralmente de maneira rígida e repartida; e a socialização ativa, onde os serviços sanitários procuram ativar a integração das redes sociais com as instituições. O autor (2010b, p.476) considera a intersetorialidade como “uma intervenção de elevado profissionalismo” que apresenta dificuldades pelos conflitos entre os quadros profissionais e pelas relações de poder nela implícitos. Por isso, recomenda que os profissionais além de desenvolverem seu papel técnico devem “sempre ser analisadores dar realidade social e valorizadores de recurso humano”, pois na sua compreensão, a democratização da comunidade é “a melhor proposta de saúde para todos”. Portanto, consideramos a ação intersetorial como uma nova prática social, uma estratégia democratizadora que demanda a participação dos movimentos sociais nos processos decisórios e requer: paciência, tempo, flexibilidade, investimento pessoal, compartilhamento de saber e de poder, compromisso com a cidadania e promoção da condição humana (Machado, 200?). Nesse contexto, destacamos importância do CAPS como articulador da rede intersetorial, porém não como único responsável pelo atendimento a todas as demandas de saúde mental. Apesar de ser um dos serviços mais antigos e que mais se expande na RAPS, na atualidade, o CAPS apresenta algumas dificuldades para cumprir com o seu papel, como o atendimento à crise. Entre as dificuldades para lidar com as situações de crise, destacamos a pouca correspondência/articulação entre o processo de desativação de leitos em hospital psiquiátricos e o processo de implantação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais; o número de serviços e de dispositivos insuficiente e a má distribuição desses nos territórios; a dificuldade técnica dos trabalhadores desses serviços para intervir de modo eficiente e inovador nas situações de emergência psiquiátrica; e o fato de muitos familiares não compreenderem e nem conseguirem lidar com tal situação.

80 Além desses fatores, Butti (2008, p.54) alerta que: “Enquanto houver um lugar forte para onde mandar as pessoas, talvez as mais graves, mesmo que com equipes ótimas, as pessoas serão mandadas pra lá”. Ou seja, enquanto houver serviços psiquiátricos tradicionais, os novos dispositivos não passarão de alternativas do modelo hegemônico. Em relação à formação e à qualificação dos profissionais da saúde/saúde mental Rotelli (2008) alerta para a necessidade de mudar o contexto da formação (sair das salas, dos institutos, das formas tradicionais de comunicação) e dos profissionais aprenderem novos saberes, num exercício contínuo do espírito crítico da realidade. Segundo ele, “a ideologia dominante quer nos vender certas profissões e quer nos roubar a nossa sabedoria de viver” (ROTELLI, 2008, p. 46). Sobre essa questão, Yasui (2010, p.167) destaca que “somos aprendizes de um fazer/aprender. Aprender saberes e fazeres que se constroem no contato com o sofrimento do usuário, com as condições de vida e de existência”, uma vez que o aprendizado sobre a maneira de lidar com o sofrimento alheio deve ocorrer a partir da experiência do outro, no contexto do outro. Isto implica recusar do papel do técnico como operador do saber e assumir uma postura crítica e uma atitude revolucionária que através da escuta, do acolhimento e da responsabilização pelas demandas possa produzir novos sentidos e transformar a vida das pessoas. Oliveira e Alessi (2005, p.185) afirmam que o trabalho em saúde mental, ao incorporar um significado político e social assume outra perspectiva: “trata-se de projetos delineados mais ou menos explicitamente, mas sempre coletivos, integrantes de uma realidade concreta – determinados e determinantes dessa realidade. Entre as estratégias que coadunam com a nova modalidade de atenção e a noção de desinstitucionalização temos: a escuta e o acolhimento, o vínculo, responsabilização, as oficinas e grupos terapêuticos, as articulações com os equipamentos do território, o trabalhos com os familiares, entre outros. Outra questão que tem se destacado como desafio da atenção em saúde mental nos serviços substitutivos e para o processo da Reforma Psiquiátrica é o processo de medicalização, farmacologização e medicamentalização da vida. Fundamentados em Foucault (1979), Amarante e Torre (2010) consideram a medicalização como o processo em que a medicina passa a se apropriar conceitualmente dos fenômenos sociais ou de extensão do conceito de loucura, desrazão ou desvio, para abarcar outras situações ou dimensões da vida. Esse processo teve início quando a psiquiatria tradicional recortou a loucura como uma doença de ordem moral e a transformou numa questão médica. Foi

81 impulsionado pela Psiquiatria Social que ampliou os territórios de atuação e alcançou seu ápice a partir do desenvolvimento da indústria farmacêutica, que para qualquer situação apresenta uma solução farmacológica. Amarante e Torre (2010) destacam a clínica como um instrumento de poder que por meio do método da indução, pode favorecer a construção de comportamentos que estão sendo descritos e pesquisados e acrescentam: “Ora, é exatamente essa a estratégia que a indústria farmacêutica está utilizando, por intermédio da mídia, na produção de comportamentos depressivos, das fobias, da doença do pânico e de outras doenças”. Isso significa que a aliança entre a medicina/psiquiatria e a indústria farmacêutica está “fabricando doenças”, criando necessidades de medicamentos e determinando, muitas vezes, a maneira de ser, de viver e de conviver das sociedades. Na atualidade, apesar da diversidade de estratégias inovadoras no campo da atenção psicossocial e da participação de vários profissionais de outras áreas que não da saúde, ainda é recorrente o uso indiscriminado e maciço de psicofármacos como estratégia terapêutica. Esse processo pode ser denominado de farmacologização, ou seja, a utilização de fármacos para resolver problemas de outras ordens que não de origem orgânica ou biológica (AMARANTE, 2007). É como se todos os problemas ou situações da vida pudessem ser resolvidos com remédios, ou ainda, para cada problema há um remédio mesmo que ele não demonstre eficácia! Amarante e Torre (2010) relatam que alguns profissionais prescrevem medicamentos como se fossem doces para seu pacientes! Na compreensão de Moysé e Collers (2007), a medicalização é “um recurso para acalmar corações e mentes”, uma solução mágica e imediata para evitar, aliviar ou acabar com o sofrimento humano. Nesse enfoque, recordamos a pedagogia da socialização como uma dimensão fundamental do tratamento moral (Birman, 1992) que foi utilizada nos asilos como técnica para controlar as pessoas loucas, docilizar seus corpos, reeducar suas mentes e submetê-las à norma social. Considerando o perigo que esses processos apresentam para a Reforma Psiquiátrica, como estratégias dos grupos conservadores para resgatar métodos psiquiátricos tradicionais, ampliar os campos da intervenção psiquiátrica e assim aumentar seu poder, defendemos a necessidade de inclusão desses temas nas pautas dos movimentos sociais, sobretudo do MLAM cuja bandeira de luta é a superação da relação de exclusão social estabelecida pela psiquiatria, para o louco, a loucura e suas instituições e a emancipação da opressão do saber-poder psiquiátrico tradicional. Embora essa dimensão tenha alcançado maior visibilidade na sociedade e recebido os maiores investimentos das políticas públicas de saúde mental, ela sozinha

82 não dá conta da principal proposta do MNLA nem do princípio mais significativo da Reforma Psiquiátrica: a desinstitucionalização da loucura e do louco no sentido da superação paradigmática e da desconstrução da mentalidade e do aparato manicomial. Ou seja, a criação dos diversos tipos de serviços e de dispositivos de saúde/saúde mental não garante a mudança das concepções e das práticas sociais necessárias à transformação do lugar social do louco e da loucura. Desse modo, defendemos a estruturação de uma rede intersetorial de atenção à saúde mental não apenas para evitar as internações psiquiátricas e diminuir sua reincidência, mas, uma Rede de atenção que através de uma práxis inovadora e libertária, seja capaz de articular ações e serviços, promover autonomia e qualidade de vida e produzir transformações socioculturais que garantam a convivência solidária e livre para diferença, para a diversidade e para a loucura.

83 3.3.3 A dimensão jurídico-política.

Na dimensão jurídico-política, ocorrem as reflexões, as discussões e as redefinições sobre as relações sociais e civis em termos de cidadania, de direitos humanos e sociais (AMARANTE, 2009). É o campo onde são provadas e construídas as relações entre Estado e sociedade, propostas as alterações para o aparato jurídico, inventadas as instituições de cuidado e transformadas as políticas públicas. É também no campo jurídico-político que é tratada a questão da concessão de benefícios e auxílios às pessoas em sofrimento mental, na perspectiva do princípio da desinstitucionalização e das múltiplas formas de lidar com o sujeito em sua existência (AMARANTE, 2007; 2009). Outro aspecto dessa dimensão é a organização de “um conjunto de aparatos centrados nas conceituações oriundas da psiquiatria como inimputabilidade, irresponsabilidade civil que predeterminam práticas políticas de perda ou limitação de autonomia e cidadania”, e levaram as pessoas consideradas loucas a um processo gradual de extirpação de direitos (AMARANTE; COSTA, 2012 p.39). Esse processo é descrito por Birman (1992) no texto “Cidadania tresloucada: Notas Introdutórias sobre a Cidadania dos Doentes Mentais”, onde o autor relata como a psiquiatria, em nome da racionalidade científica e da moral e apoiada pelo Estado estabeleceu novos valores e significados para a experiência da loucura de modo que o louco foi subtraído de sua condição de sujeito e de cidadão. À época, a cidadania era uma condição que implicava razão, vontade, direitos e liberdade.

Instituiu-se historicamente o lugar paradoxal da loucura no registro da cidadania, na medida em que a figura do louco não se superpunha à figura do cidadão, já que não era um sujeito da razão e da vontade [...] Essa exclusão social da loucura teve como correlata a exclusão dos loucos do espaço familiar, de forma que a instituição psiquiátrica e o Estado passaram a definir os destinos sociais dos doentes mentais no lugar da instituição familiar. Os doentes mentais, portanto, perderam a possibilidade social de gestão de sua liberdade e de seus bens, já que a administração desses últimos fundam-se no exercício de sua liberdade (BIRMAN, 19992, p.81).

Nesse contexto, o asilo se tornou uma fronteira simbólica entre a cidade e o campo, onde os loucos deveriam ser reeducados pelo tratamento moral para se transformar em cidadãos. Estava definido o lugar social da loucura. Birman (1992) também analisa como a estratégia da pedagogia da sociabilidade instituiu nos loucos, uma postura de docilidade e de obediência ao poder e um mecanismo de sujeição à norma estabelecida. A pretensão era o controle do discurso e dos atos dos alienados e a negação da loucura como uma expressão da verdade: “a

84 loucura foi identificada com o ser da morte e não se reconhecia mais qualquer potencial de verdade na sua expressão” (BIRMAN, 1992, p.87). Essa concepção só começou a mudar a partir da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos Humanos, pois as sociedades começaram a refletir sobre a situação daqueles encarcerados e confinados em hospícios e manicômios. Vários movimentos sociais se organizaram e passaram a reivindicar melhoria das condições de vida e restituição de direitos. Na saúde mental, as iniciativas de mudança nesse sentido foram realizadas pelas experiências de psiquiatrias reformadas em especial, pela experiência italiana. No Brasil, o processo de mudança foi iniciado com o MNLA e com a instauração da Reforma Psiquiátrica, que através da dimensão jurídico-política tem conquistado avanços em termos de direitos e de cidadania para as pessoas consideradas loucas (AMARANTE, 1995 2007). O principal deles é a questão da inclusão de novos sujeitos de direito e de novos direitos para os sujeitos, que ancorada na noção de Direitos Humanos, visa resgatar para essas pessoas o direito a todos os recursos que a sociedade oferece: trabalho, educação, cultura, lazer, saúde (AMARANTE, 2007). No plano legislativo, um marco para o avanço do processo da Reforma foi a promulgação da Lei 10.216, em 06 de abril de 2001, que dispõe sobre “a proteção dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental” (BRASIL, 2001). As demais conquistas serão apresentadas no item 3.4.1. Apesar dos avanços conquistados nesse campo, Amarante (2007) considera que nessa dimensão se situa um conjunto de desafios, dentre eles: a revisão de toda a legislação; a restrição de benefícios, as medidas de segurança, as internações compulsórias, os Manicômios Judiciários, os projetos geração de emprego e renda, a regulamentação orçamentária para a área da saúde mental e por fim a reinserção social. Jacobina (2003, p. 74) aponta como grande desafio para o Direito à saúde mental a questão da “harmonização entre a legislação sanitária e essa aberração conhecida como medida de segurança”, pois mesmo sendo considerados como estabelecimentos hospitalares públicos, os locais onde se cumpre a referida medida não integram o SUS, mas o sistema penitenciário. Isso significa que não são regidos pelos princípios do SUS (Leis 8.080 e 8.142/90), mas pelos princípios da execução penal (Lei N.º 7.210/84). Em relação às medidas de segurança, Lima (2008) considera a noção de periculosidade como seu alicerce, uma vez que é ela que respalda a sua aplicabilidade.

85 Portanto, a periculosidade passa a ser vista como uma enfermidade que deve ser “combatida”, “aniquilada” e mais ainda, se pensarmos o caso do louco infrator, “sanada” [...] A noção de periculosidade é absurda e chega a ser uma piada, já que tenta retratar acontecimentos futuros. E o seu mediador será a suposta personalidade que é um engodo, pois fala de uma suposta natureza humana. Se for assim, qualquer um de nós pode, então ser visto como perigoso (LIMA, 2008, p. 36-37).

As ponderações do Lima (2008) mostram como as noções de irracionalidade, irresponsabilidade

e

inimputabilidade

associadas

à

condição

de

loucura

predeterminaram um caráter eminentemente perigoso e a presunção de criminalidade para o louco que foi condenado a uma situação de desafiliação social e tutela institucional, quase que perpétuas: “o destino do louco criminoso é a Medida de segurança, a ser cumprida em Manicômio Judiciário, por períodos determinados ao fim dos quais, será avaliada a cessação de sua periculosidade e a cura de sua doença o que poderá não ocorrer jamais” (CASTEL, 2007; FOUCAULT, 1977b, p. 72) (grifos nossos). De acordo com Amarante (2007) foram essas noções que respaldaram a construção de instituições de disciplina, correção moral, vigilância, custódia e punição. Da mesma maneira, fundamentaram a elaboração de leis restritivas, autoritárias e impeditivas. Isso significa que os conceitos construídos sobre loucura/louco foram responsáveis pela construção de todo aparato manicomial e pelo estabelecimento de relações sociais baseadas no medo, no risco e na exclusão. Nesse sentido, Amarante (2003) destaca a necessidade de questionar os conceitos produzidos pelo saber psiquiátrico tradicional cuja interpretação da loucura ocasionou a criação de meios jurídicos que justificam a tutela e a curatela como mecanismos psiquiátricos de opressão. No que diz respeito à geração de emprego e renda, a maior dificuldade é a garantia de que as pessoas com algum diagnóstico psiquiátrico ou histórico de internação psiquiátrica sejam aceitas no mercado de trabalho formal. As noções pejorativas do imaginário social impedem que os sujeitos participem e produzam a partir de suas potencialidades, de suas subjetividades. Em relação a essa questão, várias experiências com estratégias que envolvem a economia solidária, as cooperativas sociais e as atividades artístico-culturais (música, dança, teatro, artesanato, etc) têm demonstrado bastante êxito, principalmente na promoção da reinserção social e no resgate da autonomia para as pessoas consideradas loucas.

86 No campo das políticas públicas, a regulamentação sobre a estruturação da RAPS e seu financiamento vem ocorrendo gradualmente, e no último triênio apresentou várias inovações que podem ser identificadas nas Portarias listadas no Quadro abaixo.

Portarias Ministeriais publicadas no triênio 2011-2013 Portaria Nº 3088 23 de dezembro de 2011

 Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde

Portaria Nº 3089 23 de dezembro de 2011

 Dispõe, no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial, sobre o financiamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Portaria Nº 3090 23 de dezembro de 2011

 Estabelece que os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), sejam definidos em tipo I e II, destina recurso financeiro para incentivo e custeio dos SRTs, e dá outras providências

Portaria Nº 148 31 de Janeiro de 2012

 Define as normas de funcionamento e habilitação do Serviço Hospitalar de Referência para atenção a pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades de saúde decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, do Componente Hospitalar da Rede de Atenção Psicossocial, e institui incentivos financeiros de investimento e de custeio.

Portaria Nº 121 25 de Janeiro de 2012

 Institui a Unidade de Acolhimento para pessoas com necessidades decorrentes do uso de Crack, Álcool e Outras Drogas (Unidade de Acolhimento), no componente de atenção residencial de caráter transitório da Rede de Atenção Psicossocial.

Portaria Nº 123 25 de Janeiro de 2012

 Define os critérios de cálculo do número máximo de equipes de Consultório na Rua (eCR) por Município

Portaria Nº 615 15 de Abril de 2013

 Dispõe sobre o incentivo financeiro de investimento para construção de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades de Acolhimento, em conformidade com a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Quadro 01 – Portarias Ministeriais publicadas no triênio 2011-2013

Cabe destacar que durante a realização desta investigação, a política do Governo Dilma investia maciçamente recursos financeiros e humanos na atenção álcool e drogas, principalmente pela suposta “epidemia do crack” nos grandes centros urbanos do país, onde seriam sediados eventos internacionais grandiosos como: A copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude, em 2013; A Copa do Mundo, em 2014 e a Olimpíadas, em 2016. Outra medida tomada nesse governo que tem causado muita polêmica, debates e discussões é a questão das “internações compulsórias” e dos convênios com o setor privado para a abertura de “comunidades terapêuticas”, que seriam recomendadas para o

87 tratamento de usuários de drogas. Essas questões são consideradas pelos grupos e organizações que militam na área dos Direitos Humanos e na Luta antimanicomial um significativo e perigoso retrocesso para o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira que tem praticamente dominado as pautas da área da saúde mental e da Justiça. Além disso, a recomendação do governo contradiz totalmente a política pública de saúde mental que para a questão do uso abusivo de drogas dispõe de CAPS ad III, Unidades de acolhimento adulto e infantil, leitos em hospitais gerais, serviços de emergência psiquiátrica, equipes de Consultório na Rua, além de uma política inovadora na área de Redução de Danos. Nesse enfoque, destacamos o papel da Justiça, através do Ministério Público e dos gestores das políticas públicas de saúde/saúde mental na efetivação dessas políticas e na defesa, restituição e legitimação de direitos, pois segundo Butti (2007, p.56) o poder é “único instrumento que nos permite restituir o direito a quem lhes foi negado”. Assim, defendemos a necessidade de uma maior articulação entre a Justiça e a área técnica de saúde mental, no sentido de redefinir competências e atribuições para que os direitos das pessoas com problemas mentais sejam resguardados e que as políticas públicas sejam efetivadas em plenitude. Na atualidade, a conjuntura suscita a reorganização da militância e do ativismo dos sujeitos sociopolíticos envolvidos no processo de transformação social reivindicada pelo MNLA e iniciado pela Reforma Psiquiátrica, no sentido da construção de uma política inclusiva para a diferença e para a diversidade e acima de tudo, emancipatória.

Política é a convivência com o diferente, é agir em um mundo de interesses diversos, de conflitos, disputas, alianças. Exercitar a liberdade é correr riscos de viver a vida como este milagre de começar o novo, tomar a iniciativa de romper com os discursos e práticas hegemônicas que incidem sobre nosso cotidiano, tornando-o monótono, repetitivo, sem perspectiva, cinzento, sem vida (YASUI, 2010, p.28).

A dimensão jurídico-política é um campo que trabalha com questões extremamente complexas, de onde derivam fatos e conceitos que podem contribuir ou não para alimentar a situação de estigma e preconceito sobre a loucura importante (AMARANTE, 2003). Por isso, ela é fundamental para a mediação da relação entre Estado/sociedade/loucura/louco, para o processo de construção e de legitimação dos direitos em saúde mental e para o reconhecimento de sujeitos sociais concretos, livres e autônomos para expressar seus desejos, interesses, conflitos e para gerir suas vidas.

88 No entanto, é uma dimensão que requer cuidado e atenção, uma vez que também pode ser utilizada pelos representantes do movimento da Contra Reforma como instrumento para retroceder nos avanços e conquistas alcançados. Por isso urge a mudança das mentalidades, das atitudes e das relações sociais de modo a questionar as normas, construir estratégias efetivas de participação social e, sobretudo, resgatar o sentido libertário da militância política.

3.3.4 A dimensão sociocultural.

A dimensão sociocultural apresenta uma característica fundamental que favorece a intersecção entre as dimensões, pois ela envolve a participação social e política de sujeitos sociais na discussão sobre os temas da Reforma Psiquiátrica e implica toda a sociedade nas questões que dizem respeito à loucura e, consequentemente, no processo de transformação do imaginário social construído pelo saber psiquiátrico sobre essa experiência humana de sofrimento (AMARANTE, 2003c; 2005). Amarante (2008b) afirma que a dimensão sociocultural apresenta o maior potencial para a realização do principal objetivo da Reforma: a “transformação das relações que a sociedade estabeleceu com a loucura, com o louco e com a doença mental em uma relação de coexistência, de troca, de solidariedade, de positividade e de cuidado” (AMARANTE, 2008 p.758). Desse modo, ela propõe o deslocamento da loucura do espaço médico e psicológico para os diversos espaços do meio social (AMARANTE, 2003c). O autor destaca que a organização do MNLA trouxe para o campo da saúde mental três novos segmentos (técnicos em saúde mental, usuários e familiares) que assumiram a responsabilidade de fazer propostas e de intervir, sempre que possível, nos rumos da política de saúde mental. A participação do MNLA no processo da Reforma Psiquiátrica ocorre, principalmente, por meio das intervenções culturais (música, dança, teatro, literatura, artes plásticas, festas, cinema) que segundo Amarante (2007) demarcaram um novo contexto histórico para o processo e tornou a cultura como meio e fim da transformação do lugar social da loucura. Sobre o papel das atividades culturais no campo da saúde mental, Amarante e Costa (2012) relatam que as atividades laborativas e artísticas que eram realizadas pelos internos dos asilos eram prescritas da mesma forma que os medicamentos e não era considerado o interesse ou a habilidade do paciente para com as atividades prescritas.

89 Nesse contexto, tais atividades tinham a função de adestramento, docilização, de alienação. No contexto da Reforma psiquiátrica, a função da instituição deixa de ser a de controlar, de disciplinar e de punir para se transformar em estratégias de construção de possibilidades; de mediações e de negociações entre a sociedade e os sujeitos. A partir de então, as atividades de trabalho e de arte-cultura se inserem no contexto de crítica e transformação e assumem novo caráter e função: produção de vida, de trabalho, de arte e de cultura. “O trabalho e a arte-cultura deixam de ser um meio terapêutico para serem um fim em si” (AMARANTE; COSTA, 2012, p.45). A cultura assume o significado de “uma ação que conduz à plena realização das potencialidades de alguma ou de alguém; fazer brotar, frutificar, florescer e cobrir de benefícios” (CHAUÍ, 2008, p.55). Lima & Pelbart (2007, p.11) afirmam que nos últimos trinta anos, “as atividades artísticas, no contexto dos pressupostos da Reforma Psiquiátrica, têm contribuído para a transformação das instituições psiquiátricas, pois buscam tematizar as oposições saúde e doença, normal e patológico, loucura e sanidade atravessando os muros das instituições, invadindo a cidade e suas redes e intervindo nas redes sociais e na cultura, buscando desfazer os manicômios mentais”. De acordo com Yasui (2010), pensar na arte, potencializa a capacidade de invenção e de oferta de novas perspectivas que ainda não foram pensadas ou implementadas no campo da atenção à saúde mental. Destarte, considera-se a artecultura como um meio estratégico para inovar a maneira da sociedade se relacionar com o louco, com a loucura e com suas instituições e, sobretudo para recriar práticas sociais e de saúde mental. Segundo Ávila e Jaeger (2005), a arte se configura como um dispositivo de ruptura com a naturalização da loucura como algo infra ou super humano, possibilitando que o misterioso desse fenômeno possa aparecer ou ser descoberto aos poucos, ainda que nunca desvendado por inteiro, que é o principal objetivo da clínica e do saber psiquiátrico tradicional. Entre as experiências brasileiras mais marcantes de intervenções artísticoculturais no campo da saúde mental podem ser citados os trabalhos dos psiquiatras Osório César, na década de 1920, em São Paulo e Nise da Silveira, na década de 1940, no Rio de Janeiro; a experiência santista, em 1989, pelo seu pioneirismo e inovação; e a Oficina “Loucos pela Diversidade: da diversidade da loucura à identidade da cultura”, promovida pelo Ministério da Cultura, em 2007 (AMARANTE et al, 2012). De acordo com Amarante et al (2012), os elementos que contribuíram para o surgimento do campo artístico-cultural no campo da atenção psicossocial foram: o

90 aparecimento dos novos movimentos sociais, das novas concepções de cultura, arte, diversidade cultural, das novas concepções de direitos humanos e das novas concepções sobre trabalho. Em relação à concepção de cultura, Amarante e Costa (2012, p.25; 27) destacam a complexidade do conceito e apresentam vários sentidos para o termo, entre eles: “algo relacionado à tradição dos povos, aos hábitos, aos mitos, a formas específicas ou características de lidar com a natureza, os alimentos, as crenças”; ou acúmulo extraordinário de conhecimento; “atividade e desenvolvimento intelectuais, saber, instrução”. Chauí (2008, p.55) relata que com o iluminismo a cultura passou a ser considerada “o padrão ou critério que mede o grau de civilização de uma sociedade” e ao incorporar a noção de tempo tornou-se sinônimo de progresso. A autora acrescenta que foi adotado o padrão da Europa capitalista e as sociedades passaram a ser avaliadas segundo a presença ou a ausência do Estado, do mercado e da escrita. Amarante e Costa (2012, p.27), ao analisarem o primeiro conceito formal de cultura elaborado por Edward Tylor (1832-1917), afirmam que tal definição remete à concepção de que o “aprendizado social, enquanto construção coletiva dos grupamentos humanos seria o fator central e nuclear da noção de cultura”, ou seja, a cultura estaria relacionada à “capacidade que os seres têm de adquirir conhecimento o processo da vida”. De acordo com os autores, um conceito importante que advém da relação cultura e arte é o da diversidade cultural, pois inclui além das diversas formas de organização dos grupos sociais e sociedades, as suas formas de expressão artísticos culturais, ou seja, as formas de linguagem e as “maneiras de ver e viver o mundo, os símbolos, as subjetividades, os significados” (AMARANTE; COSTA, 2012, p.28). O tema da diversidade cultural foi enfatizado em 2005, durante a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, que foi ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo 485/2006. Na Convenção, a diversidade cultural foi definida como: [...] multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados (UNESCO, 2006, p. 04).

91 Amarante e Costa (2012) destacam o pioneirismo do Brasil na organização de políticas públicas de cultura e o trabalho do Ministro da Cultura Gilberto Gil que transformou a concepção de cultura em “ferramenta essencial da redução das desigualdades e da luta pelos direitos e pela cidadania” e “valorizou o princípio de que a sociedade deveria se voltar para o acolhimento das suas múltiplas singularidades e que visse na imensa diversidade cultural do país o seu maior patrimônio” (AMARANTE; COSTA, 2012, p.30). Em relação ao campo dos Direitos Humanos no Brasil, cabe ressaltar o Programa Nacional de Direitos Humanos – 3, como grande avanço para o campo as saúde mental pela incorporação das seguintes noções positivas ao tema: conjunto de estratégias de inclusão de sujeitos e coletivos sociais; instrumento transversal das políticas públicas e de interação democrática; afirmação da diversidade para a construção de uma sociedade igualitária; e articulação dos direitos humanos com a saúde e como trabalho (AMARANTE; COSTA, 2012). Por último, os autores destacam a concepção sobre trabalho na perspectiva da Economia Solidária de Paulo Freire e do cooperativismo social como novo elemento do campo artístico-cultural que por se articular com os demais, tem demonstrado ser uma potente estratégia para dar visibilidade às produções artístico-culturais dos usuários, para resgatar a autonomia desses sujeitos e para promover a reinserção social por meio da inclusão no mundo do trabalho. As inúmeras experiências de intervenção no campo artístico-cultural permitem argumentar que existe um movimento social cultural no campo da Reforma Psiquiátrica e da luta antimanicomial com potencial emancipatório da opressão do modelo psiquiátrico tradicional. Além das atividades artístico-culturais citadas por Amarante et al (2012), destacamos as atividades artístico-culturais e os projetos de reinserção social pelo trabalho realizados nos serviços substitutivos que tem provocado significativas mudanças na vida dos sujeitos envolvidos no processo da Reforma Psiquiátrica. Amarante et al (2012) afirmam que as ações de luta pela superação paradigmática do modelo asilar ganharam força a partir das produções artístico-culturais que se constituíram novas formas sociais e políticas de lidar com a loucura. Essas produções são estratégicas para dar voz aos sujeitos do sofrimento, demarcar seu espaço na cidade e produzir novas subjetividades e novas sociabilidades. Na atualidade, a relação da sociedade com loucura começa a assumir novos desenhos que se baseiam na alteridade, na convivência fraterna, na autonomia, na reciprocidade, nos direitos e na liberdade para todos os sujeitos sociais. Portanto, podemos considerar o movimento

92 sociocultural como um movimento libertário, pois dispara rupturas com o instituído. “Esse é, certamente, um dos objetivos da arte, a transgressão da norma, do instituído” (AMARANTE, et al, 2012). [...] tomando, agora, a cultura num sentido menos abrangente, isto é, como um campo específico de criação: criação da imaginação, da sensibilidade e da inteligência que se exprime em obras de arte e obras de pensamento, quando buscam ultrapassar criticamente o estabelecido (CHAUÍ, 2008, p.64).

Na atualidade, registram-se duas perspectivas para a articulação entre a área da saúde mental e a área artístico-cultural: envolver os sujeitos em oficinas/espaços para fins terapêuticos e inserir a produção deles nas atividades artístico-culturais existentes como reprodução de modelos; ou construir uma relação com a arte-cultura que valorize as singularidades e que permita a transgressão à norma, a ruptura com o instituído e emancipação dos sujeitos do modelo psiquiátrico tradicional. A primeira perspectiva pode significar uma estratégia de retorno às práticas psiquiátricas tradicionais, onde os sujeitos são tutelados pelos técnicos que determinam, manipulam e escolhem o que e como os usuários vão realizar enquanto atividades artístico-culturais. Nesse enfoque, a arte é concebida como terapia ou passatempo e o sujeito como mero reprodutor de modelos pré-estabelecidos, vazios de significado e de sentido subjetivos. Tal perspectiva do uso da arte em saúde mental corrobora com a noção de industrial cultural em Adorno (2002) e Chauí (2008).

O mundo interiro é forçado a passar pelo crivo da indústria cultural [...] O particular, ao emancipar-se, torna-se rebelde, como expressão autônoma, como revolta contra organização [...] esquema reprodutibilidade mecânica, supera em rigor e validade qualquer estilo verdadeiro [...] Isso serve para reforçar a imutabilidade das relações (ADORNO, 2002, p. 15; 17; 47) Ora, a indústria cultural nega esses traços da cultura. Como cultura de massa, as obras do pensamento e de arte tendem: de expressivas, tornarem-se reprodutivas e repetitivas; de trabalho de criação, tornarem-se eventos para consumo; de experimentação do novo, tornaram-se consagração do consagrado pela moda e pelo consumo [...] (CHAUÍ 2008, p.61)

A segunda perspectiva, ao contrário, significa a utilização da arte como espaço para expressão e libertação da subjetividade, de recriação, de interação com o mundo e com os outros, de produção de vida. Um meio para que o louco seja reconhecido como sujeito social, como cidadão e assim incluído por meio da cultura na sociedade. [...] as produções culturais artísticas dos atores sociais da Reforma Psiquiátrica desenham um diálogo possível. O mundo fechado, hermético,

93 delirante da loucura, habitado pelos fantasmas de uma infinda solidão geradora de um caos, pode se transformar, pela criação, pela expressão, em um mundo que ouros podem acessar, compartilhar, estabelecer trocas, conversas (YASUI 2010, p.166).

Essa oposição entre as tendências que a arte tem assumido no contexto da Reforma Psiquiátrica é uma das contradições que esse processo apresenta em todas as suas dimensões, que nos remete a alguns questionamentos em relação ao processo investigado neste estudo: a Reforma Psiquiátrica como política de saúde mental tem encaminhado e promovido a construção de um novo lugar social para o sofrimento e para a diversidade do humano ou está apenas melhorando/mascarando o lugar que essas têm ocupado? Como desconstruir a tutela institucional que se fundamenta no saber técnico-instrumental e no discurso competente? Como potencializar as relações entre as dimensões da Reforma no sentido de efetivar a desinstitucionalização do paradigma psiquiátrico tradicional? E ainda qual o papel do MNLA na luta pela transformação da realidade em saúde mental? A tese defendida é a de que somente através de uma revolução sociocultural é possível efetivar o processo da Reforma Psiquiátrica como uma desinstitucionalização completa. Nesse contexto, o MNLA pode ser considerado o maior protagonista do processo.

94 3.4 DIREITOS HUMANOS, CULTURA E DESISNTITUCIONALIZAÇÃO.

A proposta desse tópico é discutir alguns dos temas mais importantes para a efetivação do projeto original da Reforma Psiquiátrica brasileira e para o campo da atenção psicossocial. Embora complexos e transversais esses temas sempre estiveram pautados nas reivindicações e propostas do MLAM.

3.4.1 Os Direitos Humanos no contexto da atenção psicossocial.

A construção sócio-histórico-cultural da loucura a partir do século XVI é marcada pela negação de direitos às pessoas que a vivenciam. Desde que tal fenômeno foi apropriado conceitualmente pelo discurso médico que o reduziu e categorizou como doença, as ações em saúde mental, mesmo sob a égide da função terapêutica, já apresentavam um caráter violento, excludente e desumano. As noções de criminalidade, incapacidade, desadaptação, irracionalidade, irresponsabilidade e periculosidade que têm sido incorporadas ao conceito de loucura predeterminaram práticas sociais que envolvem manipulação, isolamento, coerção, castigo, privações, controle e violações de direitos humanos.

Foto 03 – Pavilhão feminino do Hospital Psiquiátrico de Barbacena (SIMONE, 2008).

Foto 04 – Situação de um interno de uma enfermaria do Hospital Psiquiátrico de Barbacena (SIMONE,

2008).

Para Amarante (1995), a correlação e a identificação entre punição e terapêutica foram instituídas quando a relação intrínseca entre sociedade e pessoa louca

95 foi separada artificialmente pelas qualidades morais de periculosidade e marginalidade. O autor (1995, p.52) afirma que, “no caso da loucura, o médico alia-se ao jurídico a fim de basear leis e, assim regular e sancionar a tutela e a irresponsabilidade social”. Yasui (2010, p. 86) considera o médico como “delegado da Razão”, pois na busca de um corpo para sua doença, se apropria da subjetividade humana como objeto de intervenção reduzindo a “estranha e complexa experiência humana” a uma doença causada pela perda da razão. Para o autor, “a psiquiatria é o discurso que instrumentaliza e legitima uma intervenção política, uma prática disciplinadora, mediadora de violência repressiva que caracteriza as sociedades contemporâneas” (YASUI, 2010, p.77). Desse modo, a aliança entre medicina e justiça se tornou “necessária” para o cumprimento de um mandato social que confere ao médico o poder para deliberar sobre a vida e sobre os direitos das pessoas consideradas loucas, de modo a manter o status quo. Moysés e Collares (2007, p. 157) relatam que foi construída uma “jurisprudência respaldada pela medicina” com propósitos para além da punição dos atos criminosos e destinada ao “controle dos indivíduos, de seus desejos, de seus bens, de seus direitos, de sua alma”. Foi a partir dessa aliança que a autoridade para examinar se uma pessoa tem ou não discernimento para os atos da vida cível foi delegada ao juiz que procura respaldo para suas deliberações no conhecimento médico. Assim descreve Osman (2008, p.25-28): o juiz “[...] recorre ao médico perito judicial, seu auxiliar que esclarece as questões referentes à capacidade, à doença [...] à evolução da psiquiatria, dos medicamentos [...] [o médico] influencia diretamente o trabalho dos juízes, do Ministério Público e dos peritos judiciais [...]”. Considerando a intrínseca relação de forças entre justiça, medicina e pobreza é possível compreender como os horrores, as crueldades e as violências cometidas contra a dignidade humana e contra os direitos fundamentais das pessoas consideradas loucas imperaram por dois séculos e somente se tornaram alvo de crítica e de discussão após a II Guerra Mundial. Latrowska (2007, p. 146), ao fazer uma avaliação sobre o conceito de Direito Humanitário e sobre as práticas dos Direitos Humanos, afirma que “os Direitos Humanos têm um componente individual muito forte na valorização da pessoa antes de tudo, enquanto o Direito Humanitário tem ênfase mais social e grupal, apesar das regras de proteção individual também se mostrarem muito presentes”. Para o autor, a concepção de Direitos Humanos pode significar uma falácia porque foi concebida em determinado momento histórico em que os princípios defendidos pela burguesia

96 francesa não eram universalmente aceitos e não correspondiam à concepção de mundo vigente que era fundamentada na desigualdade. De acordo com Andrade (2011), Direitos Humanos são aquelas liberdades ou valores básicos que, de acordo com diferentes visões filosóficas, são inerentes a todas as pessoas baseados em sua condição humana, para lhes garantir uma vida digna. São também garantias jurídicas que protegem as pessoas ou grupos de pessoas contra ações institucionalizadoras de governos ou agentes do Estado, seja em serviços de saúde pública ou privada, que possam afetar ou restringir as liberdades fundamentais desses grupos ou pessoas. O autor afirma que os direitos humanos são universais, inalienáveis, intransferíveis, indivisíveis, interdependentes, imprescritíveis, invioláveis e efetiváveis. Amarante e Costa (2012, p.30), citando Dornelles (2006), destacam as três vertentes para a compreensão do que seja os Direitos Humanos: a idealista, a positivista e a crítico-realista. A primeira se trata de uma visão ontológica, metafísica e transcendental; a segunda comporta a compreensão jurídica emanada do Estado; e a última decorre de lutas político-sociais e do enfrentamento político e ideológico para a conquista das reivindicações dos sujeitos envolvidos. Os autores consideram que a questão dos Direitos Humanos foi fortemente marcada pela luta contra as violências dirigidas às pessoas e grupos sociais, principalmente onde se mantinham regimes ditatoriais e adotam a última corrente de pensamento para discutir o tema no campo da saúde mental. No Brasil, as primeiras denúncias sobre a violação dos direitos humanos ocorreram em 1979, quando o psiquiatra italiano Franco Basaglia, por ocasião de sua visita ao país, foi a um manicômio na cidade de Barbacena - Minas Gerais (MG). Barbacena era considerada a “cidade dos loucos”, pois desde a sua criação em 1903, era o destino de “todos aqueles que não eram sujeitos, que não eram cidadãos, que não merecia estar no seio da sociedade como seres iguais” (AMARANTE, 2008, p.31). Simone (2008) relata que a situação do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) era comparável à de um campo de concentração e de extermínio e que a instituição era responsável pela fabricação de cadáveres que alimentavam as salas de anatomia das 17 escolas de medicina do município.

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Foto 05 - Pavilhão do CHPB onde internos dormiam no "leito único", nome oficial para substituição de camas por capim (SIMONE 2008).

Foto 06 – Pátio do pavilhão masculino do CHPB

(SIMONE 2008)

O CHPB chegou a abrigar 5.000 pacientes, com uma média de 250 a 300 pacientes por pavilhão cuja capacidade era para 40 pessoas. Na cidade, existe um cemitério chamado de “Da paz”, onde foram enterrados cerca de 60.000 loucos do CHPB.

Foto 07 – Carro funerário de tração animal utilizado para retirar os corpos do CHPB (TRIBUNA DE MINAS, 2013).

Naquela época, os movimentos sociais em defesa dos direitos humanos denunciavam as práticas e os cenários de torturas determinados pela ditadura militar. A situação encontrada e registrada em Barbacena eternizou a violência institucional do manicômio e deu início a um movimento de trabalhadores da saúde mental em prol das mudanças na assistência psiquiátrica e em defesa dos direitos humanos para os

98 internados. Vale destacar que os trabalhadores embora considerados testemunhas das atrocidades cometidas nos hospitais psiquiátricos e, em alguns casos, foram os próprios autores. No Brasil, o principal ator na luta pelos direitos humanos das pessoas institucionalizadas pela psiquiatria foi o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial que desde 1987, através do lema “Por uma sociedade sem manicômios” tem convocado a sociedade para discutir o lugar social da loucura e do louco e para assumir sua responsabilidade na transformação dessa realidade opressora. Entre as estratégias utilizadas pelo Movimento temos as manifestações e intervenções sociopolíticas e, sobretudo, culturais. Ao analisar o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira, Yasui (2010, p.106) afirma que esse processo propõe uma nova pactuação de poder e uma luta “para dar voz a quem não tem direito, a quem não é cidadão”. O autor destaca que por ter uma origem como movimento social, a Reforma assumiu o lugar de interlocutor entre o Estado e as demandas e as necessidades dos atores do campo da atenção psicossocial. Amarante (2007) considera a questão dos Direitos Humanos na saúde mental como uma “luta pela inclusão de novos sujeitos de direitos e novos direitos para os sujeitos”. Para o autor essa luta traduz o maior objetivo da Reforma Psiquiátrica - a transformação do lugar social do louco. Destarte, pode-se considerar a dimensão sociocultural como um campo estratégico para operar as mudanças necessárias à consecução da desinstitucionalização enquanto desconstrução do aparato manicomial no imaginário social. Nesse enfoque, destacamos a concepção de cultura como: [...] o campo no qual os sujeitos humanos elaboram símbolos e signos, instituem as práticas e os valores, definem para si próprios o possível e o impossível, o sentido da linha do tempo (passado, presente e futuro), as diferenças no interior do espaço (o sentido do próximo e do distante, do grande e do pequeno, do visível e do invisível), os valores como o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, instauram a ideia de lei, e, portanto, do permitido e do proibido, determinam o sentido da vida e da morte e das relações entre o sagrado e o profano (CHAUÍ, 2008, p.57).

Chauí (2008) considera a cultura como um direito que deve ser garantido pelo Estado e envolve a participação dos cidadãos que enquanto sujeitos sociais e políticos, se “diferenciam, entram em conflito, comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e movem todo o processo cultural” (CHAUÍ, 2008, p. 66). Ou seja, a cultura como direito de intervir nas decisões políticas e orçamento nos orçamentos públicos que dizem respeito à política de cultura. No entanto, a autora

99 (2008, p.57) alerta que a noção ampla de cultura esbarra nas sociedades modernas que por terem origem no modo de produção capitalista, se caracterizam pela “existência de indivíduos, separados uns dos outros por seus interesses e desejo” e, portanto, desconhecem a comunidade. Chauí (2008) afirma que “a marca da sociedade é a existência da divisão social, isto é, da divisão de classes” que instituiu a divisão cultural em dois segmentos: a cultura formal (cultura letrada) e a cultura popular (corre espontaneamente nos veios da sociedade). Esse corte na cultura instaurou a indústria cultural como forma de ocultar as contradições entre a cultura dominante (lugar a partir di qual se legitima o exercício da exploração econômica, da dominação política e da exclusão social) e a cultura popular (aquilo que é elaborado pela classe de trabalhadores). Yúdice (2004) revela que após a implantação de programas neoliberais foi reduzida a intervenção do Estado sobre a vida pública em áreas como saúde e cultura que se transformaram em arenas de disputas por investimentos entre o grupo de conservadores e o da esquerda que passou a reivindicar o reconhecimento da diferença e da diversidade. No campo da saúde mental, verifica-se a reprodução do conflito de classes identificado pelos autores na medida em que quando se trata de produções artísticoculturais é relegado aos loucos o lugar da exclusão, da ausência da obra, de arte menor, ou feia. Além disso, na maioria das vezes, não se leva em consideração as habilidades e os desejos das pessoas que geralmente são conduzidas à reprodução de modelos consagrados com vistas ao atendimento das demandas do mercado. Amarante et al (2012b) afirmam que há alguns anos a Reforma Psiquiátrica brasileira vem utilizando a cultura como um recurso (YÚDICE, 2004) para intervir no social e transformar as concepções sobre loucura. Através de manifestações artísticas que também servem como expressão da diversidade cultural, os usuários e outros grupos minoritários (negros, homossexuais, índios, quilombolas, mulheres, moradores de rua, etc) reivindicam liberdades e direitos, principalmente, os direito culturais. Em oposição à política neoliberal Chauí (2008) afirma a cultura como direito e propõe uma concepção nova de democracia: uma forma sócio-política geral de uma sociedade definida pelo princípio da isonomia e da isegoria; onde o conflito é considerado legítimo e necessário e trabalhado como dificuldades a serem enfrentadas, conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das desigualdades, reivindicando a participação nos direitos existentes e, sobretudo criando novos direitos. Para a autora, “Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem

100 surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade” (CHAUÍ, 2008, p.68). É nesse sentido que buscamos no campo psicossocial, a constituição de “novo sujeitos de direito e de novos direitos para os sujeitos”! (AMARANTE, 1995a) Ou seja, através de uma prática sociopolítica e cultural efetivamente libertária, democrática e civilizatória. Osman (2008) assegura que a relação entre Direito e loucura é mais estreita do que parece e apresenta as áreas do Direito brasileiro com potenciais contribuições para o campo da saúde mental. As áreas elencadas pelo autor são: Direito Constitucional - que dispõe sobre as garantias fundamentais do paciente, sobre a previdência Social, a Assistência Social e a família; Direito Civil – que trata da capacidade civil, interdição, curatela e responsabilidade civil; Direito Previdenciário – que trata de benefícios como a aposentadoria antecipada do paciente; Direito Penal – que dispõe sobre a inimputabilidade e as medidas de segurança; e Direito do Trabalho – regulamenta e assegura os direitos do trabalhador. Desde a década de 1990, o Brasil tem experimentado profundas mudanças que apresentam potencial para a superação paradigmática do modelo tradicional. Dentre elas, destacamos alguns dos eventos marcantes em relação à luta pelos direitos das pessoas em situação de sofrimento mental: a realização das Conferências Nacionais de Saúde Mental – CNSM; a criação do Sistema Único de Saúde – SUS pela Constituição Federal em 1988; as Leis Orgânicas 8.080/90 e 8.142/90; o projeto de Lei Nº 3.657/89, a Lei N.º 8.213/91 e seu artigo 59 – Lei da Previdência Social; a “Carta de Direitos dos Usuários e Familiares de Serviços de Saúde Mental” (1993), a Lei Nº 10.216/2001 – Lei da Reforma Psiquiátrica e mais recentemente a IV CNSM Intersetorial realizada em junho de 2010 que trouxe entre seus eixos de debate a questão dos Direitos Humanos e da Cidadania e o PNDH- 3. A I CNSM (1987) sugeriu inclusões no texto constitucional do direito à saúde, propôs reformulações da legislação ordinária (código civil, penal e legislação sanitária) no que se refere à saúde mental e colocou a questão da saúde mental na perspectiva da luta entre os interesses de classes. Já a II CNSM (1992) determinou que o processo saúde/doença mental deveria ser contextualizado considerando a qualidade e o modo de vida para a compreensão do sujeito e vinculado ao exercício de cidadania e ao respeito às diferenças e às diversidades. A III CNSM, realizada em 2001, ressaltou a complexidade do campo da Reforma Psiquiátrica e a prioridade de políticas que fomentem a autonomia das pessoas

101 em sofrimento mental, o exercício pleno da cidadania dessas pessoas e a sua inserção no mundo do trabalho. O projeto de Lei Nº. 3.657/89 que defendia a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos e sua substituição por outros recursos assistenciais foi aprovado com vários artigos vetados, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional com a denominação de Lei Nº 10.216 – Lei Paulo Delgado que dispõe sobre “a proteção dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo de assistencial em saúde mental”. Tanto o projeto inicial como a versão final da Lei foram inspirados nos “Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a Melhoria da Assistência à Saúde Mental”, das Organizações das Nações Unidas (1991). Pinheiro (2010) apresenta algumas críticas às limitações da Lei da RP e considera que o princípio constitucional da dignidade humana é mais adequado e mais protetor dos direitos das pessoas em sofrimento mental do que as doutrinas do direito civil e penal e que, portanto, seria mais efetivo na sua concretização. O autor (2010, p. 11) considera que existe uma divisão entre os movimentos sociais e as orientações dos hospitais psiquiátricos, que “impede a realização plena dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais”, pois esta disputa está fundamentada na discussão de um conceito único. Pinheiro (2010) defende uma nova luta – luta pela saúde mental constitucional - e denuncia a histórica submissão dos órgãos judiciais aos ditames da psiquiatria tradicional.

É inconcebível, por exemplo, que a saúde mental continue sobre direitos humanos, de ordem genérica [...] quando há muito tempo, se discute, e, sobretudo, se aplica o conceito de ‘direito fundamental’, de aplicabilidade imediata constitucionalmente garantida. A saúde mental de um povo depende da efetivação de sua Constituição Democrática, documento que, no Estado Democrático de Direito, sempre vai apontar para a liberdade e respeito aos direitos fundamentais da população. (Pinheiro 2010, p. 12).

Em 2010, aconteceu, após nove anos da realização da III CNSM, IV Conferência Nacional de Saúde Mental- Intersetorial que significou um marco na história das CNSM por incluir, pela primeira vez, além dos técnicos e dos gestores da área da saúde, usuários, familiares, representantes dos movimentos sociais envolvidos com políticas públicas, entre as quais as políticas de saúde. Nessa conferência, foi evidenciado o crescimento da complexidade, da multidimensionalidade e da pluralidade das necessidades em saúde mental, o que “exigiu de todo o campo a permanente atualização e diversificação das formas de mobilização e articulação política, de gestão,

102 financiamento, normatização, avaliação e construção de estratégias inovadoras e intersetoriais de cuidado”.

Foi declarado então que era necessário, “consolidar os

avanços e enfrentar os desafios” (BRASIL, 201,1 p. 7). A conferência foi estruturada em três eixos temáticos: Eixo I - Políticas Sociais e Políticas de Estado: pactuar caminhos intersetoriais; Eixo II - Consolidar a Rede de Atenção Psicossocial e Fortalecer os Movimentos Sociais; e Eixo III - Direitos Humanos e Cidadania como desafio ético e intersetorial. É, precisamente, no terceiro eixo onde se apresentam as novas diretrizes para as políticas públicas em saúde mental no que diz respeito ao tema do direito em saúde mental. Os sub-eixos discutidos nas três etapas e que integraram o terceiro eixo foram: 1) Direitos Humanos e Cidadania; 2) Trabalho, Geração de Renda e Economia Solidária; 3) Cultura e Diversidade Cultural; 4) Justiça e Sistema de Garantia de Direitos; 5) Educação, inclusão e cidadania; 6) Seguridade Social: Previdência, Assistência Social e Saúde; 7) Organização e mobilização de usuários e familiares em saúde mental; 8) Comunicação, Informação e Relação com a Mídia; e 9) Violência e Saúde Mental. Como princípios e diretrizes gerais recomendadas no Relatório da IV CNSM intersetorial com relação ao tema do Direito e da Cidadania foram apontados: a necessidade de considerar os direitos humanos como um dos temas mais fundamentais para a transformação do modelo tradicional da política e da assistência psiquiátrica e a abolição das práticas de tratamento cruéis ou degradantes pelo fortalecimento do Sistema Nacional de Vigilância acerca dos casos de violência em saúde mental. Também foram evidenciados no Relatório o fortalecimento dos Conselhos de Saúde, de suas Comissões de saúde Mental e do Conselho de Direitos Humanos; a criação, nas três esferas de governo, de uma comissão permanente de direitos humanos que atue junto ao Ministério Público; a implementação da Política Nacional de Humanização nos serviços de saúde mental; e a revisão das interdições das pessoas com sofrimento psíquico. Foram ainda recomendados: o investimento em componentes educacionais e culturais que promovem os direitos humanos; o combate ao estigma e o respeito à diversidade através de políticas públicas específicas; as políticas de incentivos ao exercício efetivo dos Direitos Universais (moradia, transporte, lazer, esporte, educação, cultura, inclusão digital e universalidade, acessibilidade e integralidade à saúde) nas três esferas de governo; e a ampliação dos direitos sociais (1. inclusão dos usuários da rede

103 de saúde mental pelo trabalho, 2. isenção tarifária de transporte, 3. acesso e obtenção de documentos pessoais e 4. direito a acompanhante em todos os casos de internação). No Brasil, um dos principais avanços para o campo dos Direitos Humanos foi o lançamento, em 2010, do Programa Nacional de Direitos Humanos – 3 (PNDH-3) que, segundo Amarante e Costa (2012), introduziu ações positivas nesse campo tais como a garantia de uma concepção de Direitos Humanos como um conjunto de estratégias de inclusão de sujeitos e coletivos sociais. Tanto a IV CNSM quanto o PNDH-3 trouxeram grandes contribuições para a Reforma Psiquiátrica, pois conseguiram articular a redefinição do conceito de saúde e das práticas políticas conforme proposto pelo movimento sanitário com as propostas oriundas das áreas da Diversidade cultural, dos Direitos Humanos e do Trabalho (AMAREANTE; TORRE 2012). A saúde mental passa a ser considerada como um direito universal à qualidade de vida que deve ser promovido a partir dos contextos dos sujeitos, por meio de uma práxis que contemple os Direitos Humanos, os direitos constitucionais - sobretudo o da saúde, os princípios do SUS e os pressupostos de uma Reforma Psiquiátrica emancipadora de sujeitos sociais concretos da opressão do paradigma médico-psiquiátrico. Nesse contexto, reconhecemos que a luta por uma Reforma Psiquiátrica transformadora da relação sociedade/loucura/louco/instituições precisa avançar no sentido da exigibilidade dos direitos já legalizados e da construção de uma nova modalidade de atenção em saúde mental.

A palavra exigibilidade, que significa aquilo que pode ser exigido, tem um caráter impositivo de reivindicação. No Brasil, em matéria de saúde, aquilo que pode ser exigido, por estar garantido constitucionalmente, deve ser exigido, acompanhando esse caráter impositivo. Exigir, desse modo, significa reclamar, requerer, ou mesmo ordenar, em função do direito legítimo (SAMPAIO; ALBUQUERQUE; VASCONCELOS, 2012).

Essa nova perspectiva deve ser expressa na prática social cotidiana a partir da valorização da diferença, da diversidade e da singularidade e da criação de novas concepções sobre a loucura e de novas modalidades de sociabilidade que reconheçam os novos sujeitos de direitos. Nesse enfoque, o Movimento da Luta Antimanicomial exerce papel fundamental como ator social para o processo de legitimidade dos direitos no campo da atenção psicossocial.

104 3.4.2 Diversidade cultural e cidadania.

Amarante e Costa (2012, p.36) consideram que com a ampliação do conceito de saúde provocada pelo movimento político-democrático da Reforma Sanitária brasileira, a questão da diversidade cultural recebeu importante destaque, pois ela recebeu a função de “intercessor para articulação da saúde com as demais dimensões da vida”. Os autores (2012, p.30) relatam que o Ministério da Cultura conferiu à diversidade cultural um papel de protagonista da redução das desigualdades e da luta pelo direito de cidadania pelo seu potencial de comportar e acolher a diversidade de singularidades e de segmentos sociais. Chauí (1995) considera a cidadania como uma consciência política dos sujeitos que estando situados no tecido das relações sociais, como portador de direitos e de deveres relaciona-se com a esfera pública do poder e das leis. Ou seja, é considerado cidadão aquele que vivendo em sociedade participava ativamente da vida política, econômica e cultural da cidade. Em relação à condição da loucura, Birman (1992) afirma que o louco perdeu a sua cidadania porque era considerado como alguém sem Razão, portanto incapaz de, na relação com o corpo social, gerir sua vida conforme as normas sociais e com o imperativo do modo de produção capitalista. “[...] a relação da loucura com a cidadania se caracterizava pelo paradoxo, na medida em que a loucura foi identificada com o ser da morte e não se reconhecia mais qualquer potencial de verdade na sua experiência” (BIRMAN, 1992, p.87). O tema da diversidade cultural, no contexto da Reforma Psiquiátrica, propõe-se a reestabelecer a condição de cidadão para o louco, na medida em resgata “o caráter político das produções artístico-culturais dos sujeitos em sofrimento psíquico, no sentido em que devem ser considerados ‘estilo’, ‘percepção, ‘revolta’ ou ‘produção cultural e não terapia”. (AMARANTE et al, 2012, p. 130). Nas últimas décadas, apesar das conquistas significativas em relação ao encaminhamento do processo de Reforma na perspectiva da desinstitucionalização, há ainda, na atualidade, complexos desafios a serem superados, inclusive muitos relacionados ao campo do Direito, que dizem respeito ao exercício da cidadania do louco.

Entre esses desafios podemos destacar: a superação da presunção de

periculosidade; a efetivação da Lei 10.216; o combate ao estigma e às violências; a garantia de reinserção social; o fortalecimento dos conselhos de saúde e garantia da efetiva participação dos usuários e familiares nas delegações das conferências de

105 saúde/saúde mental; a educação em direitos humanos para usuários, familiares, trabalhadores e gestores, acadêmicos; e principalmente a transformação das mentalidades sobre a loucura (LIMA, 2008). De acordo com Fleury e Ouverney (2008, p.25), a cidadania tem seu alicerce na cultura cívica e implica um princípio de justiça que possui uma função normativa na organização do sistema político. Ela pressupõe a existência de uma comunidade política nacional, na qual os indivíduos são incluídos, “compartilhando um sistema de crenças com relação aos poderes públicos, à própria sociedade e ao conjunto de direitos e deveres que se atribuem aos cidadãos”. Nesse sentido, destacamos a necessidade de potencializar, através das intervenções socioculturais e artísticas, o processo de exigibilidade de direitos para que os “novos sujeitos” possam resgatar sua dignidade, seu direito de participar, de decidir, sua autonomia e, portanto legitimar sua cidadania.

O processo de exigibilidade só existe se o direito estiver sendo violado e/ou negado [...] Portanto, qualquer sociedade que busque se construir numa perspectiva ética e socialmente justa deve se comprometer com uma agenda de inclusão voltada para um modelo de desenvolvimento sustentável que combata todas as formas de discriminação e avance na promoção da igualdade. É no avanço da construção desse novo paradigma que o processo de exigibilidade ganha força (SAMPAIO, ALBUQUERQUE; VASCONCELOS, 2012, p. 58).

O processo de legitimação dos direitos relacionados à área da saúde mental requer o exercício efetivo de cidadania de todos os sujeitos envolvidos nesse campo, seja por meio da participação concreta no desempenho dos diferentes papéis sociais, na construção de políticas públicas ou no desenvolvimento de estratégias potentes para a transformação do status quo. O movimento antimanicomial tem um papel fundamental na articulação com os demais movimentos sociais e setores da sociedade para reivindicar, propor e realizar intervenções transformadoras dos campos da saúde mental, da diversidade cultural e dos direitos humanos.

3.5 A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM JOÃO PESSOA - PB: O MOVIMENTO DA LUTA ANTIMANICOMIAL E SUAS REPERCUSSÕES NA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL LOCAL

O processo pela Reforma Psiquiátrica no município de João Pessoa coincide, historicamente, com o início desse processo em âmbito estadual e nacional. O município por ser a capital do estado, domiciliava os primeiros e principais serviços de

106 assistência psiquiátrica e foi o local onde se iniciaram as discussões sobre a necessidade de mudanças no campo da saúde mental, tendo em vista as precárias condições em que viviam os pacientes internados e em que trabalhavam os profissionais nas instituições psiquiátricas até o final da década de 1970. De acordo com Silva (2003a), as primeiras denúncias sobre a situação desumana e de abandono das pessoas internadas em hospitais psiquiátricos de João Pessoa - PB foram realizadas por docentes e alunos da Universidade Federal da Paraíba, em meados dos anos 70, por ocasião dos estágios realizados no Hospital Colônia Juliano Moreira (1928) e no Sanatório Clifford (1937). A partir da década de 1980, os profissionais das instituições sublevaram contra as arbitrariedades e irregularidades vivenciadas no interior dos muros institucionais e desencadearam o processo paraibano de luta pela Reforma Psiquiátrica. No entanto, Silva (2005) relata que a organização do movimento de luta antimanicomial para reclamar mudanças transformadoras da assistência psiquiátrica e para discutir as políticas e as práticas em saúde mental nos serviços públicos do estado ocorreu somente a partir dos anos de 1990, depois da participação de alguns profissionais de saúde mental no I Encontro Nacional do Movimento da Luta Antimanicomial, em 1993, na cidade de Salvador-Bahia. A motivação dos profissionais favoreceu a formação do Núcleo do Movimento da Luta Antimanicomial-PB que, em parceria com o Núcleo de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Estado, promoveu várias estratégias para divulgação do movimento e para despertar a reflexão da sociedade sobre o tema da loucura. Braga (2003) relata que os principais eventos na perspectiva da Reforma Psiquiátrica realizados em João Pessoa foram o I Fórum Estadual de Trabalhadores em Saúde Mental e a I Conferência Estadual de Saúde Mental, realizados em 1992; a I Feira de Amostra de Produtos e Experiências Antimanicomiais da Paraíba em 1993; a II Feira e o I Seminário Paraibano de Saúde Mental, no ano de 1994 e o II Seminário em 1996. Além da divulgação do Movimento, esses eventos tinham o objetivo de promover a troca de ideias e de experiências de caráter antimanicomial. Rosas (2001) considera que o II Seminário Paraibano em Saúde Mental foi o evento mais significativo no que diz respeito ao crescimento do Movimento, pois conquistou um aumento considerável de participantes e possibilitou uma maior divulgação de sua filosofia. Segundo a autora (2001, p.16), o Núcleo “assumiu a responsabilidade de pressionar os poderes públicos para que em parceria com setores organizados da sociedade” pudessem alcançar novas modalidades de assistência em saúde mental no

107 estado. Em 1996, foi aprovada, junto ao Conselho Estadual de Saúde a Comissão Estadual de Reforma Psiquiátrica, que contava com um representante do MLAM. Para Silva (2005), apesar desse período de efervescência do Movimento as iniciativas e os eventos realizados não significaram uma ruptura com o modelo asilar tradicional, pois segundo a autora, em resposta às reivindicações do Movimento Antimanicomial, a Secretaria de Saúde do Estado promoveu, em 08 de abril de 1998, a reorganização geo-administrativa desses serviços mediante a reunião de todas as instituições psiquiátricas públicas no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, um espaço murado da antiga Colônia, que adotou uma direção centralizadora denominada de superintendência. O agrupamento dos serviços em um Complexo significou para Rosas (2001, p.16): [...] um retrocesso na política de saúde mental na Paraíba, pois a prática da violação dos direitos humanos e da cidadania dos pacientes, além de má qualidade da assistência, calcada no modelo hospitalocêntrico, ainda é uma realidade, agora mascarada com uma simulação de reforma psiquiátrica, e maquiada por muros pintados e pacientes higienizados (grifos nossos).

Ainda no ano de 1998, foi implantado o CAPS ad Jovem Cidadão e o HospitalDia no Complexo Juliano Moreira (CPJM) que de acordo com Medeiros (2005, p. 53), foi uma “tentativa de mostrar á sociedade que o governo estadual tinha interesse de caminhar em direção à desospitalização e que, consequentemente estava promovendo a reforma do modelo hospitalocêntrico”. Nesse enfoque, fica evidenciado que os interesses políticos da época divergiam das propostas do MLAM que defendia veementemente a superação do modelo hospitalocêntrico e sua substituição por práticas comunitárias, territoriais e inclusivas para as pessoas com problemas mentais. O posicionamento dos gestores demonstrava o conservadorismo dos interesses políticos e de mercado que obstaculizavam o avanço do processo na perspectiva da desinstitucionalização como desconstrução do aparato manicomial. Medeiros (2005, p.53) considera que esse contexto causou um “arrefecimento no plano político e nas estratégias de reversão do modelo assistencial” e um retardamento da implantação de serviços substitutivos. Após a criação do CPJM, foram realizadas no mesmo ano algumas contestações em relação ao encaminhamento do processo de Reforma no estado através da publicação pela imprensa jornalística local de duas matérias “A Reforma Psiquiátrica na Paraíba caminha a passos largos (para trás)” – uma crítica da academia e “Duas farsas da morte” – uma denúncia dos funcionários. Rosas (2001) informa que tais

108 contestações continuaram no ano seguinte (1999), por meio da articulação entre o Movimento Estadual da Luta Antimanicomial, o sindicatos dos profissionais de saúde SINDSAÚDE e os sindicatos dos médicos conforme demonstram o artigo “Reclusão, degradação” e a matéria “Médico quer auditoria no Juliano Moreira”. Ferreira Filha (2002) relata que, em 1997, houve uma tentativa da Secretaria Estadual de implantar um CAPS em um dos Distritos Sanitários do município de João Pessoa, mas pela dificuldade de discussão com a comunidade local, pela escassez de profissionais qualificados na área e pela falta de assessoria técnica, de medicamentos e de recursos materiais, o serviço passou a atender mulheres e crianças e posteriormente foi transformado em uma Unidade Básica de Saúde. Na mesma época, já havia uma articulação de militantes do Movimento junto ao Poder Legislativo para elaboração de um Projeto de Lei Estadual da Reforma – Lei Chico Lopes. No entanto, vários entraves políticos impediram a sua aprovação. Nesse contexto de dificuldades e de boicotes à efetivação das reivindicações do MLAM, Silva Filho (1998) relatou: Atualmente, o ‘Núcleo de Luta Antimanicomial da Paraíba’ encontra-se com poucas atividades, não lembrando em nada a força e a empolgação dos primeiros momentos, podemos dizer que está numa fase temporária de hibernação, mas certamente logo voltará a atuar ativamente em prol da implantação da Reforma Psiquiátrica no estado da Paraíba (SILVA FILHO, 1998, p. 189).

Apenas em abril de 2001 foi inaugurado o primeiro Centro de Atenção Psicossocial, o CAPS Dr. Gutemberg Botelho do município e apesar de representar uma modalidade substitutiva ao manicômio, se caracterizava como uma extensão do CPJM e naquele momento passou a substituir o ambulatório que já existia desde 1978 (CARVALHO, 2006). Carvalho (2006), afirma que o interesse da gestão pública naquela época atropelava os pressupostos da Reforma Psiquiátrica e estava voltado para a “ideia mercantil de receber recursos financeiros do Ministério”, fato que desencadeou esforços no sentido de implantar serviços que tinham financiamento federal garantido como os CAPS (CARVALHO, 2006 p. 10). No entanto, a autora revela que o estado da Paraíba foi um dos estados que teve que devolver recurso de implantação de serviços e que o Hospital-Dia por funcionar nas dependências do Complexo Psiquiátrico estava totalmente irregular em relação à Portaria que era muito clara quanto às orientações sobre o local e o perfil do serviço.

109 Nesse enfoque, destacamos que processo em descrição inicialmente adotou uma tendência conservadora do modelo asilar, pois as ações se restringiram à reestruturação do modelo psiquiátrico tradicional que tanto se pretendia transformar. Silva (2003a) denominou esse aspecto do processo pela Reforma Psiquiátrica em João Pessoa de “Reformismo”, ou seja, uma mudança cosmética que mantém a essência da institucionalização da pessoa em sofrimento mental. A autora afirma que as mudanças no campo da saúde mental devem ultrapassar o plano das intenções e enfrentar, superar, no cotidiano, as contradições de um processo que tem por fundamento a negação dos valores hegemônicos do modelo psiquiátrico tradicional e afirmação de novos valores na perspectiva da emancipação dos sujeitos sociais da opressão exercida pelo modelo asilar. Apesar das discussões, dos enfrentamentos e das denúncias promovidos pelo MLAM, somente em 2004, com a sanção da Lei 7.639 de 23 de julho de 2004 – Lei da Reforma Psiquiátrica na Paraíba, o governo da época firmou o compromisso éticopolítico no sentido de implantar efetivamente esse processo no estado. Essa Lei é de autoria do então deputado Ricardo Coutinho, que foi prefeito do município de João Pessoa no período de 2005 a 2010 e em 2011 assumiu o poder executivo estadual. Após a sanção da Lei, o CAPS Gutembergue foi municipalizado e transferido para uma casa no centro da e cidade e foram implantados outros serviços substitutivos como o CAPS Caminhar (2001), o Serviço Residencial Terapêutico “Nossa casa” (2007), o CAPSi– Cirandar e o Pronto Atendimento em Saúde Mental (PASM) (2008), o CAPS ad David Capistrano (2010), a Unidade de Acolhimento Infantil e outro Serviço Residencial Terapêutico (2012). Na atualidade, de acordo com levantamento realizado recentemente pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2011) e com as informações fornecidas pela Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba, através da Coordenação Estadual de Saúde mental (SES, 2013), o estado ocupa o primeiro lugar nacional em cobertura de CAPS por 100.000 habitantes, com índice de 1,55 CAPS/hab. Apesar dessa posição, ressaltamos que no município estudado, a implantação de um tipo de serviço substitutivo ao hospital psiquiátrico não garante a efetivação de uma desinstitucionalização total. Na verdade, o índice demonstra o pouco investimento na criação de outros dispositivos que fortaleçam a RAPS e sua articulação com a rede intersetorial de modo a promover o atendimento integral às necessidades de saúde mental da população.

110 Considerando as dimensões abordadas nesta investigação para a compreensão do processo de Reforma Psiquiátrica em João Pessoa-PB, foram identificadas algumas situações nos quatro campos estudados. Em relação à dimensão epistemológica, verificou-se uma escassez de estudos científicos que abordam as políticas públicas no campo da saúde mental, fato que aponta a necessidade do desenvolvimento de pesquisas que verifiquem a operacionalização da referida política e sua coerência com os pressupostos da Reforma Psiquiátrica e do Sistema Único de Saúde. A grande maioria dos estudos identificados trata de aspectos técnicos e clínicos sobre o processo saúde/doença mental, sobre novas tecnologias em saúde e sobre a atuação das profissões nesse campo. Outro fator importante a considerar é que, em decorrência do enfoque dado pelas políticas governamentais à problemática do uso abusivo de substâncias psicoativas e a consequente injeção de recursos financeiros nessa área, observamos um redirecionamento de estudos acadêmicos e de projetos de pesquisa para a temática como se o campo da atenção psicossocial se restringisse a essa questão. Essa situação foi evidenciada na oficina que uma das instituições de fomento à pesquisa do estado da Paraíba realizou em setembro de 2012 com docentes de instituições públicas de ensino superior para delineamento das prioridades de pesquisa no estado. O problema das drogas foi eleito o mais importante e, portanto terá prioridade para financiamento de projetos de pesquisas. Apesar desse contexto, observamos que, no triênio 2010-2012, ocorreu um aumento na criação de grupos de estudos, no desenvolvimento de trabalhos monográficos, de dissertações e teses sobre temas da saúde mental e a realização de alguns cursos de qualificação para profissionais da rede municipal de saúde. Na dimensão jurídico-política, após a Lei da Reforma Estadual tivemos o projeto de Lei Nº. 12.296 de 12 de janeiro de 2012 (ANEXO 09) que “Institui a Rede de Atenção à Saúde Mental com ênfase na desinstitucionalização e integralidade das ações em saúde no âmbito do município de João Pessoa” e a aprovação da Lei Nº 12.069 (ANEXO 08), de 14 de fevereiro de 2011 que “Dispõe sobre a gratuidade no transporte coletivo urbano no município de João Pessoa para pessoas portadoras de transtorno mental”. Esta última ainda aguarda sua regulamentação, pois o texto está ambíguo e segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social (2013) está inviável para operacionalização. Em relação à dimensão técnico-assistencial tivemos: a habilitação do CAPS ad David Capistrano para AD III e do CAPS Caminhar para CAPS III; aprovação para

111 instalação de mais cinco Serviços Residenciais Terapêuticos e de mais um Consultório de Rua; a ampliação de oito leitos psiquiátricos no PASM e a implantação de quatro leitos psiquiátricos no hospital infantil público do município. Já na dimensão sociocultural: a realização de eventos (seminários, simpósios, palestras) sobre a saúde mental e temas afins, realização da I Conferência Municipal de Saúde Mental Intersetorial (2010), apresentações dos trabalhos dos usuários dos serviços de saúde mental em espaços públicos, a fomentação do núcleo paraibano da Associação Brasileira de Saúde Mental e a articulação entre as duas associações de usuários e familiares existentes no município. As ações apresentadas revelam que o processo tem avançado, sobretudo na dimensão técnico-assistencial, realidade que se assemelha às tendências nacionais e tem provocado várias críticas dos intelectuais da área sobre tal encaminhamento. Para os críticos do processo de reforma brasileiro como Rotelli, Amarante, Birman, Yasui, Silva e Dimesntein o objetivo da reforma é fundamentalmente a transformação do lugar social do louco, da loucura e de suas instituições através da transformação cultural das relações sociais estabelecidas até então e não uma mera atualização, reestruturação do modelo assistencial. Portanto, é necessária a construção de novos significados, de novos sentidos e de novos valores para essa maneira de existir e de se relacionar na sociedade. Nesse enfoque, destacamos a realização do Seminário “Diversidade, Cultura e Saúde Mental: outras dimensões para a compreensão da loucura”; da I Semana Estadual e da I Semana Municipal da Luta Antimanicomial, em maio de 2011 como um dos desdobramentos do contexto social e da conjuntura política vivenciada no município de João Pessoa desde 2005, que promoveu um reaquecimento da militância antimanicomial através do reconhecimento da dimensão cultural como estratégia potente para o avanço do processo de Reforma Psiquiátrica na perspectiva da desinstitucionalização como negação do modelo asilar e como afirmação da possibilidade de uma nova conivência com o louco e com a loucura.

FOTO 08 – Abertura do Seminário “Diversidade, Cultura e Saúde Mental: outras dimensões para a compreensão da loucura” promovido pelo GESAM na reitoria da UFPB em dezembro de 2010 (arquivos pessoais da pesquisadora, 2010).

FOTO 09 - Grupo de capoeira de usuários do CAPS que se apresentou no Seminário promovido pelo GESAM na reitoria da UFPB (arquivos pessoais da pesquisadora, 2010).

112

FOTO 10 – Abertura da I SELA em João PessoaPB (arquivos pessoais da pesquisadora, 2011).

FOTO 12 – Apresentação dos usuários do CAPS Gutembergue Botelho, durante a I SELA em João Pessoa-PB (arquivos pessoais da pesquisadora, 2011).

FOTO 14 – Marcha dos Usuários no 18 de maio, em João Pessoa-PB (arquivos pessoais da pesquisadora, 2011).

FOTO 11 – Conferência realizada no CPJM durante a I SELA em João Pessoa-PB (arquivos pessoais da pesquisadora, 2011).

FOTO 13 – Apresentação dos usuários no pátio do CPJM, durante a I SELA em João Pessoa-PB (arquivos pessoais da pesquisadora, 2011).

FOTO 15 – Grupo de usuários e trabalhadores do CAPS ad após apresentação do “Batucaps” na I SELA, em João Pessoa-PB (arquivos pessoais da pesquisadora, 2011).

113 Destarte, tais eventos demarcaram um novo período para a militância antimanicomial na cidade, principalmente por ter provocado a articulação entre academia, gestores das políticas públicas e de serviços de atenção à saúde/saúde mental, conselhos profissionais e movimentos sociais. Como frutos desses “encontros” foram a valorização das atividades artístico-culturais como estratégia de cuidado e de transformação do lugar social das pessoas com problemas mentais e a ocupação de alguns militantes da causa em cargos importantes para o direcionamento da política de saúde mental local como: câmara legislativa, coordenação estadual de saúde mental, coordenação municipal de saúde mental, direção do CHPJM, diretoria do CCS/UFPB.

114 4 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

4.1 TIPO DO ESTUDO

A investigação para compreender as concepções dos sujeitos sociais envolvidos com o encaminhamento das propostas de Reforma Psiquiátrica, na perspectiva da desinstitucionalização, em João Pessoa-PB - foi realizada por meio de um estudo de campo. Adotou como suporte teórico o pensamento Amarantiano sobre o processo de Reforma Psiquiatrica brasileira e fudamentou-se dialeticamente, no referencial metodológico crítico sobre o fenômeno em análise. Desse modo, para descrever o contexto investigado foi considerada a concretude dinâmica das transformações sociais, bem como o cotidiano dos sujeitos envolvidos com as questões do campo da atenção psicossocial no município cenário deste estudo. A pesquisa seguiu o enfoque qualitativo por se adequar aos estudos que buscam uma compreensão particular daquilo que estuda, não se preocupando com generalizações populacionais, princípios e leis, ou seja, possui um enfoque potencial para: descrever a complexidade de problemas e hipóteses; compreender e classificar determinados processos sociais; oferecer contribuições para o processo das mudanças; criar ou formar valores de determinados grupos e interpretar as particularidades dos comportamentos ou atitudes dos indivíduos (TURATO, 2003). Portanto, buscou o aprofundamento sobre o contexto onde o fenômeno estudado ocorre mediante observações e descrições do cotidiano vivenciado pelos sujeitos e posterior análise das experiências relatadas (CANZONIERE, 2010). Nesse enfoque, este estudo objetivou, a partir dos depoimentos dos sujeitos participantes da investigação, identificar os significados que as mudanças ocorridas no campo da saúde mental assumem enquanto objeto teórico-prático do movimento de militância por uma Reforma Psiquiátrica Antimanicomial com ênfase no processo de desinstitucionalização. Para tanto, foi utilizado o referencial teórico-metodológico sobre a Análise do Discurso defendida por Fiorin (1998), tendo recorrido também à produção de sentidos elaborada por Spink (2010), uma vez que esses autores se fundamentam na teoria da linguagem bakhthiniana (2008) sobre dialogismo. Esta pesquisa está vinculada ao Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (LAPS/ENSP/FIOCRUZ) e ao projeto de trabalho do Grupo

115 de Estudos em Sáude Mental vinculado ao departamento de Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (GESAM/DESPP/CCS/UFPB). Esse grupo tem como objetivo principal ampliar a compreensão sobre a implementação da política de saúde mental no estado da Paraíba, a partir dos encaminhamentos que o processo da Reforma Psiquiátrica tem apresentado no âmbito estadual.

4.2 CENÁRIO DO ESTUDO

A cidade de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, foi o local onde a investigação foi realizada pelo fato de ter sido nesse município que foram iniciadas as dicussões sobre a necessidade de mudanças na assistência psiquiátrica no estado da Paraíba, como também a organização do núcleo estadual do Movimento da Luta Antimanicomial em defesa de uma Reforma Psiquiátrica. A cidade, conhecida como “Porta do Sol”, pois é o ponto mais oriental das Américas, foi fundada em 05 de agosto de 1585 e, de acordo com o último censo populacional, possui aproximadamente 723.514 habitantes (IBGE, 2010), distribuída em 59 bairros que integram uma área territorial de 210.551 km². Limita-se ao norte com o município de Cabedelo; ao sul com o município de Conde; ao leste com o mar Atlântico e ao oeste com os municípios de Bayeux e de Santa Rita. O território da cidade está demarcado em 05 (cinco) Distritos Sanitários onde se distribuem os serviços e dispositivos que compõem os diversos âmbitos da atenção à saúde: atenção básica, especializada ou ambulatorial, de urgência e emergência, e hospitalar. De acordo com a Portaria 3.088/2012, de 23 de dezembro de 2011 que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS, o município investigado apresenta a seguinte distribuição (BRASIL, 2011b):

116 TABELA 01 – Distribuição dos Serviços e dos Dispositivos que compõem a RAPS em João Pessoa – PB, no ano de 2012.

Componente da RAPS

Serviço/dispositivo  180 Equipes da Estratégia de Saúde da

I - Atenção Básica em Saúde

Família – ESF  05 Unidades Básicas de Saúde – UBS;  20 Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF  03 Equipes de Consultório na Rua

II

-

Atenção

Psicossocial

 03 Centros de Atendimento Integrado em Saúde – CAIS;

Especializada

 04 Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, sendo 02 do tipo III, 01 do tipo infanto-juvenil e outro para pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, do tipo III. III

-

Atenção

de

Urgência

e

Emergência

 01 Pronto Atendimento em Saúde Mental – PASM  03 Pontos da Rede de Atenção às Urgências SAMU 192  01 UPA 24 H

IV - Atenção Residencial de Caráter Transitório

V – Atenção Hospitalar

 01 Unidade de Acolhimento Infantil UAI

 03

Hospitais

Gerais

(03

leitos

psiquiátricos cadastrados no CNES)  01 Hospital Psiquiátrico público (202 leitos)  02

Hospitais

Psiquiátricos

privados

conveniados com o SUS (160 leitos em

117 cada um deles) VI–Estratégias de Desinstitucionalização

 02 Serviços Residenciais Terapêuticos (um feminino e outro misto)  03 pessoas cadastradas no Programa de Volta pra Casa

VII – Reabilitação Psicossocial

 Não foi identificado o registro de nenhuma a atividade de geração de trabalho

e

renda/empreendimentos

solidários ou cooperativas sociais. 3 Fonte: Coordenação de Saúde Mental/Diretoria de Atenção à Saúde/ Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa-PB (2012).

Cabe informar que o Pronto Atendimento em Saúde Mental foi inaugurado em 2009. Dispõe de 18 leitos de observação e está integrado ao Complexo Hospitalar de Mangabeira; que o município possui outros serviços da saúde mental que estão sob a gestão das demais esferas governamentais: um ambulatório de psiquiatria localizado no Hospital Universitário Lauro Wanderley, um Centro de Atenção Psicossocial AD III e o Complexo Hospitalar Psiquiátrico - fundado em 1928. Estes dois últimos estão sob a gestão da esfera estadual. Além desses dispositivos existem dois hospitais psiquiátricos da rede privada que, nas últimas avaliações do Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/psiquiatria realizadas em 2009 e em 2012, não obtiveram a pontuação mínima exigida para continuar o funcionamento, mas ainda não foram descredenciados pelo município. De acordo com a Coordenação de Saúde Mental local, no período da realização desta pesquisa, João Pessoa ainda mantinha tal convênio para garantir atendimento hospitalar em psiquiatria para 196 dos 223 municípios do estado da Paraíba, conforme Pactuação Pactuada Integrada vigente, à época. Considerando a organização da RAPS no município e a conveniência de alguns dos sujeitos que foram convidados a participar deste estudo, o cenário da investigação foi composto pelos serviços que estão mais diretamente envolvidos com a atenção a saúde mental, ou seja, os serviços da atenção básica, os serviços especializados de saúde mental e o PASM e ainda as seguintes instituições: Secretaria Municipal de Saúde, a 3

Apesar da classificação da RAPS, foram identificadas várias atividades culturais realizadas pelos usuários dos serviços pesquisados como bandas de percussão, grupos musicais, pastoril, dança do ventre, teatro, produção de mídias digitais, trabalhos com artesanato, bloco carnavalesco e o projeto “Respirando Artes”.

118 Secretaria Estadual de Saúde, a Câmara Municipal, a Assembleia Legislativa, o Palácio do Governo estadual, Universidade Federal da Paraíba e os domicílios de alguns dos entrevistados. FIGURA 11 – Mapa da distribuição dos serviços da Rede de Atenção à Saúde no território de João Pessoa-PB, em 2012.

Fonte: Secretaria municipal de saúde de João Pessoa em Janeiro de 2013.

119 4.3 SUJEITOS DO ESTUDO

Reconhecendo a diversidade de segmentos, grupos, coletivos e instituições que participam direta ou indiretamente do Movimento da Luta Antimanicomial, foram selecionados para participar desta pesquisa os sujeitos sociais que, no período de fevereiro a maio de 2012, representavam os segmentos mais envolvidos com a militância antimanicomial em João Pessoa, ou seja, aqueles que estavam liderando, promovendo ou participando das discussões sobre a loucura e sobre o louco, da elaboração de políticas públicas de saúde mental e do desenvolvimento de ações na perspectiva de uma Reforma Psiquiátrica transformadora da realidade. Desse modo, foram identificadas as pessoas que se envolveram diretamente com as atividades ocorridas durante a I Semana Estadual da Luta Antimanicomial, que foi realizada em maio de 2011, pois consideramos que este evento marcou a retomada das articulações entre os militantes (antigos e novos) e das ações em prol da mudança no campo da atenção psicossocial no cenário do estudo. O contato com as pessoas foi facilitado pela familiarização da pesquisadora com os sujeitos, conquistada através das articulações que o Grupo de Estudos em Saúde Mental mantém com os diversos segmentos da sociedade pessoense, interessados ou envolvidos com a questão da saúde mental no município, ou seja, legisladores, gestores, trabalhadores da rede de atenção à saúde/saúde mental do município, pessoas que experimentam a loucura e seus familiares. Portanto, participaram desta investigação 40 sujeitos sociais que estavam entre as pessoas e grupos que organizaram e/ou participaram das atividades da Semana anteriormente informada, conforme demonstra a tabela a seguir:

120 TABELA 02 – Caracterização dos sujeitos quanto aos Segmentos que compõem o Movimento da Luta Antimanicomial que Representa em João Pessoa – PB, no ano de 2012.

SEGMENTO

Nº SUJEITOS

1. Usuários de serviços de saúde mental4

10

2. Familiares

02

3. Legisladores (vereadores municipais)

02

4.Trabalhadores envolvidos com a questão da saúde mental (trabalhadores da RAPS municipal e gestores)      

Governador do Estado da PB Secretária Estadual de Saúde Secretária Municipal de Saúde Coordenadora de Saúde Mental do Estado Coordenadora de Saúde Mental do Município Diretores de Serviços da RAPS

12 trabalhadores

09 gestores

5. Academia

03 professores 02 alunos

Entre os participantes 27 eram mulheres e 13 homens. Do total, 26 informaram ter o nível superior e 14 o nível médio. Os dados referentes à caracterização dos entrevistados estão apresentados nos gráficos a seguir:

4

O termo “usuário”, apesar da limitação que impõe à experiência vivenciada, foi adotado neste estudo pelo seu uso convencional na legislação do SUS, no cotidiano dos serviços e na sociedade para denominar as pessoas que experimentam a loucura, no Brasil, na atualidade.

121 GRAFICO 01 – Distribuição dos sujeitos segundo a faixa etária.

3 2

25-30 31-35 36-40 41-45 46-50 51-55 56-60 > 60

8

8 7 3

3

6

GRAFICO 03 – Distribuição dos sujeitos segundo a escolaridade.

2

GRAFICO 02 – Distribuição dos sujeitos segundo o estado civil.

12

Solteiro

1

Casado

8

2

10 17

Divorciado

Estável

GRAFICO 04 – Distribuição dos sujeitos segundo a formação

Psicólogo

Fundamental

3

5 1

21

8

Médico Incompleto Médio Superior Incompleto Graduação

2

Enfermeiro

2

1

6

3

1 2 4

19 6

< 1 ano 1a5 6 a 10 11 a 15 16 a 20 21 a 25

1

7

Farmacêutico Médico

3

Sociólogo

1

1

14

Pósgraduação GRAFICO 05 – Distribuição dos sujeitos segundo o tempo de atuação/acompanhamento em Saúde mental.

Viúvo

Turismólogo Lic. História Assitente Social

GRAFICO 06 – Distribuição dos sujeitos segundo a religião

Budista; 2 Espírita; 1 Evangélica; 1

Não referiu; 10

Católica; 25

Como limitação para a composição dos participantes desta investigação, tivemos a resistência dos familiares para participarem das entrevistas, pois, além da relativa ausência desse segmento nos serviços visitados, muitos alegaram que não tinham “tempo” nem “interesse” em contribuir com o estudo. Apesar de uma das visitas da pesquisadora ter ocorrido no turno em que estava agendada uma reunião da equipe de

122 profissionais com os familiares dos usuários por ela acompanhados, não se obteve sucesso, pois não houve quórum para a realização da reunião e os que estavam presentes informaram que estavam atrasados para o trabalho. Este fato pode demonstrar uma das dificuldades históricas que o processo de efetivação da Reforma Psiquiátrica brasileira enfrenta: o envolvimento e a co-responsabilização dos familiares com o cuidado em saúde mental de seus parentes. Para preservar o anonimato dos sujeitos participantes deste estudo, os nomes dos entrevistados foram sorteados aleatoriamente e decodificados com a letra “E” seguido de números arábicos.

4.4 TÉCNICA PARA A PRODUÇÃO DO MATERIAL EMPÍRICO

Para atender ao primeiro objetivo específico, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre a história do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, sobre os temas e pressupostos que orientam a Reforma Psiquiátrica brasileira e sobre a conformação da política pública de saúde mental no Brasil, na atualidade. Também foi realizada uma pesquisa documental sobre a historicidade desses processos em João Pessoa, a partir das produções acadêmicas sobre os temas mencionados, das legislações e das políticas públicas locais vigentes, à época. No primeiro momento da investigação empírica, foram identificados e contatados os sujeitos-chave que organizaram e/ou participaram das atividades realizadas na I Semana Estadual da Luta Antimanicomial. Parte desses sujeitos como os usuários, os familiares, os profissionais e os gestores foram contatados nos serviços de saúde mental. O contato com os legisladores, com os gestores e com representantes da Academia foi realizado por ocasião de agendamento prévio. A eleição da técnica de entrevista semiestruturada para a coleta dos dados se baseia nas considerações de Triviños (2010) que considera a entrevista semiestruturada como uma das técnicas que apresenta melhores resultados quando se trabalha com diferentes grupos de pessoas. Além disso, considera-se que a entrevista promove um momento de encontro, uma possibilidade de interação entre as pessoas envolvidas para a produção de significados a partir do diálogo e da interlocução, que permite a captação das diferentes concepções inscritas nos enunciados (CANZONIERE, 2010; PIRES e TAMANINI-ADAMES, 2012). Nesse enfoque, para a produção de material empírico foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado e previamente elaborado

123 (APÊNDICE B), com questões norteadoras, de modo a atender aos objetivos específicos deste estudo. Para verificar a viabilidade das questões propostas no projeto desta pesquisa foi realizado um teste piloto com cinco sujeitos: um trabalhador, um gestor, um professor e 2 usuários. Identificamos a necessidade de reformular a redação das questões de modo a facilitar a compreensão dos entrevistados e iniciarmos a investigação. A realização das entrevistas ocorreu no período de fevereiro a maio de 2012 e foi organizada em três momentos distintos: 

Primeiramente, no local e no horário agendado com cada convidado, a pesquisadora se apresentou a ele e explicou-lhe a técnica a ser utilizada como também a necessidade da leitura e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNCICE A) pelos sujeitos. Nesse momento, ainda foram registrados os dados sobre a identificação dos entrevistados;



No segundo momento, foi realizado o primeiro bloco de questões que tratavam das concepções dos sujeitos sobre os temas que orientam a Reforma Psiquiátrica no município;



No terceiro momento, foi realizado o segundo bloco de questões que tinham o intuito de verificar a correspondência entre a prática dos sujeitos e os conceitos apresentados no primeiro bloco de questões. Ou seja, procurou-se identificar as contradições entre o discurso e a prática dos sujeitos sociais envolvidos com militância antimanicomial no município investigado. Todas as entrevistas foram realizadas individualmente e tiveram uma média de

duração entre quarenta e sessenta minutos. Os depoimentos foram gravados, imediatamente transcritos em sua íntegra e, posteriormente, foram digitados no programa Word/Windows. As entrevistas receberam adequações linguísticas e foram impressas e catalogadas de acordo o segmento que o respondente representava. Subsequentemente, foi iniciado o processo de leitura e de identificação dos temas principais e em seguida, teve início a fase de busca dos significados do material empírico que caracteriza a fase de análise e discussão do material empírico. Para garantir a segurança das informações concedidas e evitar possíveis alterações, o material foi armazenado no formato “pdf” e estão mantidos sob a responsabilidade exclusiva da pesquisadora, podendo ser consultado, em qualquer momento da investigação, pelos sujeitos participantes deste estudo.

124 4.5 TÉCNICA PARA A ANÁLISE DO MATERIAL EMPÍRICO

4.5.1 Descrição da Técnica. Os depoimentos foram organizados em textos, considerando as questões centrais ou temas que foram analisados de acordo com a abordagem crítica da Análise do Discurso defendida por Fiorin (1998). Na concepção deste autor, a técnica é uma das mais proveitosas para interpretar e analisar os discursos ou as posições ideológicas produzidos nas sociedades. Fiorin (1998) indica a análise de discurso para as pesquisas qualitativas, pelas possibilidades de relacionamento dos materiais que envolvem valores, juízos necessários e preferíveis como argumentos, ou como meios capazes de revelar a visão de mundo, portanto a posição ideológica do sujeito discursivo. O mesmo autor acrescenta que os discursos materializam a visão de mundo de uma determinada classe social, e sua análise é capaz de identificar por inferência a posição social dos sujeitos inscritos nos enunciados, uma vez que os elementos discursivos - Temas e Figuras - os revelam. Fiorin (1998) considera que, se a sociedade é dividida em grupos sociais, com interesses divergentes, então, os enunciados são sempre espaços de luta entre vozes sociais, o que significa que eles são inevitavelmente o lugar onde se pode identificar as contradições. De acordo com Fiorin (1998) o texto é um objeto integralmente linguístico e histórico. Linguístico porque é conformado como uma estrutura interna, disposto em regras gramaticais que permitem sua coerência num todo organizado de sentido, e num universo de significação. Histórico porque seu sentido é dado, também, por suas relações com o exterior, com as concepções que existem na sociedade da época em que ele foi produzido (FIORIN, 1999; 2000). Assim, ao analisarmos um texto, além de reconhecer os temas abordados, é necessário buscar a historicidade do discurso para identificar sua posição ideológica e poder responder, de que maneira e em oposição a que, a afirmativa o discurso constituiu-se. Para Fiorin e Savioli (1999), a historicidade permite compreender a heterogeneidade constitutiva dos discursos que se encontra no movimento histórico de seus sentidos, afirmando ou negando uma posição ideológica existente na sociedade. Esses autores consideram o texto como um todo organizado de sentido em um universo de significação, cujo sentido de cada parte é dado pelo todo. Assim, o texto se estrutura em três planos:

125 1. O plano superficial ou estrutura discursiva, no qual se encontram os significados mais concretos e diversificados, por exemplo: os sujeitos, o cenários, o tempo e as ações concretas. 2. O plano intermediário ou estrutura narrativa, onde se definem os valores com os quais os diferentes sujeitos entram em acordo ou desacordo. 3. O plano profundo ou estrutura profunda, onde se encontram os significados mais abstratos. Para se atingir esse plano, os significados coincidentes que dão unidade aos elementos superficiais devem ser agrupados mesmo que, em princípio, possam parecer dispersos e caóticos (FIORIN; SAVIOLI, 1999, p. 357). Nesse plano encontram-se as possibilidades de construção das categorias que sintetizam os grandes conceitos em seu maior grau de abstração. Os autores explicam que a narrativa constitui um dos planos da estruturação do sentido do texto, para evidenciar sua finalidade que é a transformação de um estado. Nesse processo, ela pode manifestar quatro dimensões: uma para o querer ou dever fazer a transformação (fase da manipulação); outra para as condições necessárias à ação (fase da competência); a terceira para a transformação propriamente dita (fase da performance) e a última dimensão para o reconhecimento da transformação ocorrida (fase da sanção) (FIORIN; SAVIOLI 1999). Os mesmos autores argumentam que existem duas grandes formas de se organizar textos: com palavras concretas (figuras), para falar do mundo natural ou reproduzi-lo (figuras); e com palavras abstratas (temas) quando os textos remetem, por abstrações, ao mais próximo possível dos existentes do mundo natural, por meio de categorizantes5. Por isso, todo discurso figurativo possui correspondência temática, conteúdo temático subjacente, e categorias correspondentes. Fiorin e Savioli (1999) afirmam também que as palavras têm um valor conotativo, figurado e um valor próprio, o denotativo. Por isso, as categorias da linguagem são diferentes das categorias da realidade. Diferença essa determinada conforme sua maior ou menor proximidade da realidade (valor de concretude). Silva (2003, p. 35), ao descrever a diferença estabelecida por Fiorin e Savioli (1999), explica que: Os textos de maior valor de concretude, os figurativos, têm a função de simular, criar mundos de linguagem, enquanto os textos de menor valor de concretude, os textos temáticos, exercem a função de explicar esse mundo. Ao criarmos textos figurativos, produzimos universos de 5

Categorizantes são grandes temas que aproximam os conceitos, as abstrações, ao que lhes correspondem no mundo concreto (FIORIN, 2000).

126 linguagem onde existe tanto a realidade, como os seres imaginários. Nessa criação, revelam-se as expectativas, as angústias, os temores e os valores dos seres humanos de cada época.

A autora acrescenta que a busca pelos temas de um texto constitui uma maneira de não se ter uma leitura ingênua dos eventos da realidade e adverte que “entender um discurso é compreender o tema que subjaz ao texto figurativo” (Silva, 2003 p.) Isto significa que os elementos concretos que estão distribuídos ao longo dos textos, no percurso figurativo ou no encadeamento das figuras, explicam os temas que compõem o discurso veiculado pelo texto. Nesse enfoque, Fiorin (1998) defende que o discurso é uma posição social e que esta deve ser o objeto da análise, como indica o fragmento a seguir: A análise do discurso vai, à medida que estuda os elementos discursivos, montando por inferência a visão de mundo dos sujeitos inscritos no discurso. Depois mostra o que é que determinou aquela visão nele revelada... A análise embora não negue a relativa autonomia do discurso, não o vê como uma autarquia, pois, a chave para sua inteligibilidade última não está nele mesmo, mas na formação ideológica que o governo (FIORIN, 1998, 77).

Silva (2003) ainda afirma que os textos são analisados não para responsabilizar individualmente as pessoas, mas, para identificar determinadas posições sociais que se manifestam discursivamente no interior da sociedade, marcadas pela ideologia. De modo que, Enquanto o discurso é a materialização das formações ideológicas, sendo por isso determinado por elas, o texto é unicamente o lugar de manipulação consciente, em que o homem organiza, da melhor maneira possível, os elementos de expressão que estão à sua disposição para veicular seu discurso. O texto é, pois, individual, enquanto o discurso é social (FIORIN, 1998, p. 41).

Assim, considerando os argumentos dos autores estudados, verifica-se que o texto é uma organização dotada de mecanismos de coerência que permitem identificar as visões de mundo dos sujeitos, onde se encontram os temas que vão estruturar as categorias com as quais os pesquisadores trabalham. Nesse enfoque, Fiorin (1998, p.74) advoga que as formações discursivas (conjunto de temas e de figuras) constituem fenômenos da superestrutura que materializam as representações ideológicas através da linguagem para uma ação no mundo, ou parafraseando o autor, “a linguagem pode ser um instrumento de libertação ou de opressão, de mudança o de conservação”. Desse modo, a pertinência da Análise de Discurso para este estudo decorre do potencial apresentado por esta técnica para a consecução da finalidade definida, tendo

127 em vista seu potencial para explicar as perspectivas que os encaminhamentos da Reforma Psiquiátrica assumem no município estudado - a partir da identificação nos depoimentos dos sujeitos, das contradições que produzem as tensões entre dois diferentes polos da argumentação sobre a Reforma Psiquiátrica: o empenho da defesa para a preservação do status quo na área da saúde mental e o esforço para sua transformação.

4.5.2 Etapas do trabalho de análise e discussão dos dados empíricos.

O primeiro momento da fase de análise do material empírico deste estudo foi a da organização desse material, quando foram realizadas as transcrições das entrevistas, a impressão e a leitura dos textos. O segundo momento foi o de releituras dos textos e identificação dos temas, nas concepções de Reforma Psiquiátrica. Para tanto, utilizou-se a técnica de Mapas de Associação de Ideias (Spink, 2010), para entender o modo de organização do texto em núcleos temáticos. Para a autora, o Mapa é “um tabela onde as colunas são definidas tematicamente” que serve para organizar os conteúdos das entrevistas e auxiliar significativamente na interpretação dos dados, além de possibilitar a identificação da resistência dos entrevistados aos roteiros (SPINK, 2010, p. 39). Esse recurso foi utilizado pelo fato de que a autora, ao se fundamentar nas mesmas bases teóricas da teoria de Fiorin (linguístico), conseguiu desenvolver uma técnica semelhante a do autor, para aplicação no campo da saúde. Considerando que o instrumento para coleta dos dados empíricos foi elaborado a partir das dimensões da Reforma Psiquiátrica, indicadas por Amarante (2007); que os sujeitos da pesquisa representavam alguns dos segmentos envolvidos com esse processo e que este estudo articula a temática com o contexto na militância antimanicomial local, foram construídos 07 mapas: sendo um sobre os temas relacionados ao Movimento da Luta Antimanicomial e os outros 06, para cada segmento (trabalhadores, gestores, legisladores, academia, usuários e familiares) e relacionados aos temas (referentes) das diferentes dimensões. Portanto, cada mapa tratava simultaneamente das quatro dimensões estudadas: a dimensão epistemológica, a técnico-assistencial, a jurídicopolítica e a sociocultural. Em seguida, os temas apontados por todos os sujeitos foram condensados por dimensão de modo que a pesquisadora obteve um panorama dos resultados por segmento e por dimensão.

128 Vale ressaltar que mesmo reconhecendo a intersecção entre as dimensões analisadas, para facilitar o processo de categorização foram selecionados os depoimentos cujos temas tratavam fundamentalmente de questões relacionadas a cada uma das dimensões investigadas. Assim, foi possível identificar os temas elucidados pelos entrevistados em relação à militância no MLAM e a cada dimensão do processo estudado. Em relação ao MLAM, os temas identificados foram: aproximação com a militância, histórico do Movimento no município, sujeitos sociais envolvidos, ações realizadas, avaliação do contexto atual e a relação desse Movimento com a efetivação da Reforma Psiquiátrica. Os temas relacionados às concepções dos sujeitos sobre Reforma Psiquiátrica foram: a hegemonia do saber psiquiátrico tradicional, as mudanças no campo da saúde mental no que concerne ao modelo de atenção à saúde mental, ao arcabouço político, aos direitos das pessoas consideradas loucas, às tecnologias utilizadas em saúde mental e à relação entre: sociedade, louco/loucura e suas instituições. Subsequentemente, os depoimentos foram organizados em dois blocos de significados: um que corresponde à militância no MLAM e outro que corresponde às concepções dos sujeitos sobre a Reforma Psiquiátrica no município investigado. O segundo bloco foi organizado em dois subitens que tratam das duas possibilidades de encaminhamento para o processo estudado: um processo reformista e por isso conservador do modelo psiquiátrico tradicional e outro que corresponde à perspectiva de uma Reforma Psiquiátrica transformadora da realidade através de uma revolução sociocultural. Para cada tema identificado no material empírico procurou-se apresentar um depoimento (quando havia) de cada segmento dos sujeitos da pesquisa. Em todo o processo de análise e discussão, o material empírico foi relacionado à literatura pertinente para ancorar as posições sociais reveladas. As ideias centrais dos depoimentos sobre a Reforma Psiquiátrica foram sintetizadas em um tema coincidente: a necessidade de reorganização da militância no MLAM para potencializar a transformação na práxis em saúde mental, na perspectiva da desinstitucionalização, enquanto desconstrução do aparato manicomial. O desacordo sobre a qualidade dessa perspectiva, manifestada na atuação dos militantes, permitiu a

129 formação de dois blocos temáticos, que serviram de base para a construção de duas categorias empíricas6, em que a segunda apresenta duas subcategorias divergentes: A. A relação entre a Reforma Psiquiátrica e o Movimento da Luta Antimanicomial em João Pessoa-PB: historicidade e perspectivas. B. As concepções sobre a Reforma Psiquiátrica  B1. O aggiornamento no campo da atenção psicossocial: a Reforma Psiquiátrica como desospitalização  B2. A Reforma Psiquiátrica na perspectiva de uma revolução sociocultural e da superação do paradigma psiquiátrico tradicional.

4.6 POSICIONAMENTO ÉTICO DO PESQUISADOR

A pesquisa seguiu as diretrizes e as normas regulamentadoras para as pesquisas que envolvem seres humanos estabelecidas na Resolução Nº196/967 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1998). Desse modo, antes de iniciar a entrevista, foi apresentado aos entrevistados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE A) que além de esclarecê-los quanto aos objetivos do estudo e seus possíveis riscos e benefícios, solicitou a autorização dos participantes da pesquisa para a publicação dos resultados obtidos. Após a adequação às recomendações da Banca de Qualificação, o projeto desta pesquisa foi encaminhado para o Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ que foi aprovado com Parecer de Número 277/2011 (ANEXO 01). As autorizações da gestão municipal de João Pessoa para a realização desta pesquisa estão nos ANEXOS 02, 03,04, 05 e 06.

6

Categorias empíricas são compreendidas neste estudo, na abordagem de Fiorin (2000), como grandes temas que sintetizam conceitos sobre o significado das posições sociais manifestadas discursivamente pelos sujeitos da investigação. 7 Esta Resolução foi revogada pela Resolução Nº 466/2012 de 12 de dezembro de 2012 que é posterior ao período da realização da coleta dos dados.

130 5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS EMPÍRICOS A análise do material empírico permitiu a construção de duas categorias que conferem significado ideológico de qualidade transitória ao processo de Reforma Psiquiátrica uma vez que, no contexto investigado foram identificadas características do modelo tradicional e também do novo modelo proposto. Para essa construção, relacionamos as posições sociais discursivas dos sujeitos da pesquisa com o objeto, com os objetivos e com o referencial teórico-metodológico do estudo. As informações contidas no material empírico permitem afirmar que a mudança pretendida no campo da saúde mental como Reforma Psiquiátrica, no cenário investigado, apresenta o significado de processo de transição entre o modelo de assistência psiquiátrica tradicional e a sua superação, pois mesmo com os avanços ocorridos nas dimensões desse processo, ainda coexistem saberes e práticas tradicionais. Isto significa que, embora os sujeitos tenham identificado mudanças no campo da saúde mental na perspectiva da desinstitucionalização da loucura e do louco, eles reconheceram a manutenção de algumas concepções moralistas e restritas características da mentalidade manicomial que alimentam práticas de exclusão social em relação às pessoas com problemas mentais. Os entrevistados também apontaram desafios para efetivação das propostas do Movimento de Luta Antimanicomial e das intenções contidas nas diretrizes das políticas públicas para o campo da atenção psicossocial, na atualidade. O material empírico demonstrou uma compreensão da Reforma Psiquiátrica que pode ser sintetizada em um tema que se apresentou nos depoimentos de todos os sujeitos desta pesquisa: o reconhecimento de algumas mudanças no campo da saúde mental, sobretudo na dimensão técnico-assistencial. Nessa compreensão, a Reforma Psiquiátrica implica a melhoria da qualidade da assistência psiquiátrica a partir da mudança do modelo assistencial por meio da substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por serviços e dispositivos extra-hospitalares que desenvolvam práticas terapêuticas comunitárias e territoriais em toda rede de atenção à saúde. Ou seja, a Reforma Psiquiátrica pode ser encaminhada como uma questão da dimensão técnica do setor saúde. Outro tema revelado pela análise do material empírico demonstra a compreensão da Reforma Psiquiátrica como parte de um novo projeto de sociedade a partir do envolvimento de sujeitos sociais na construção de uma nova cultura que comporte as diferenças e as diversidades dos grupos existentes na sociedade da

131 atualidade. Nesse novo enfoque, importa a efetivação dos direitos humanos, a solidariedade e a construção de uma nova relação entre a sociedade/loucura/louco que garanta aos sujeitos que a vivenciam uma posição social de igualdade fundamentada na instituição de novos direitos para os novos sujeitos. Para a transformação dessa relação, recorre-se à atuação do MLAM que, desde a sua fundação, tem provocado a sociedade para a reflexão sobre a questão da loucura e de suas instituições e demonstrado a possibilidade de convivência com a diferença. Lobosque (2001) considera o MLAM um coletivo político vigoroso e singular que defende a possibilidade da coexistência da loucura no espaço social inclusivo. Amarante (2008, p.31) reconhece que no campo da atenção psicossocial, o MLAM constitui “o mais importante e abrangente ator social” para impulsionar a efetivação de uma Reforma Psiquiátrica transformadora da realidade, fomentar a superação do modelo psiquiátrico tradicional e estimular a produção cultural de novos valores, de novos significados e de novos sentidos para a condição humana experimentada pelo louco. Rodrigues e Peres (2012) corroboram com essa concepção utilizando o argumento de que os movimentos sociais impactam favoravelmente à transformação de uma cultura social. Durante a análise do material empírico foram identificados dois categorizantes do processo investigado: o movimento antimanicomial e as concepções sobre a Reforma Psiquiátrica. Esse último deu origem a duas subcategorias que divergem entre si: a primeira trata do Reformismo e a segunda da possibilidade de uma transformação da realidade por meio de uma revolução sociocultural.

132 5.1 A RELAÇÃO ENTRE A REFORMA PSIQUIÁTRICA E O MOVIMENTO DA LUTA ANTIMANICOMIAL EM JOÃO PESSOA-PB: HISTORICIDADE E PERSPECTIVAS

O Movimento da Luta Antimanicomial é um movimento político e social que foi fomentado no final da década de 1970, por um grupo de trabalhadores da saúde mental. Esse período é considerado um marco histórico para os movimentos sociais brasileiros que através de fortes críticas ao sistema político-econômico vigente, reivindicavam direitos e liberdades democráticas, em especial para os grupos populacionais mais vulneráveis. Nesse contexto, o MLAM se instalou na sociedade como um movimento social composto, sobretudo por trabalhadores de saúde mental indignados com a situação de descaso e miséria a qual os internos dos hospitais psiquiátricos estavam submetidos nos diferentes asilos do país. Além dessa situação da cotidianidade, Silva (2003) investigou a RP em João Pessoa, tendo como categoria sociológica de análise o processo de trabalho que efetiva as políticas de saúde mental. Acrescentamos que a potência do trabalho como mola propulsora para operar as transformações decorre do fato de o trabalho envolver as dimensões apontadas por Amarante (2007): a dimensão epistemológica, a técnica-assistencial, a jurídico-político e a sociocultural. Para Correia (2006, p.88), o MLAM apresenta uma organização plural e solidária fundamentada nos valores de solidariedade, igualdade, liberdade e justiça que reivindica uma “profunda mudança no modelo assistencial, envolvendo as ciências, as técnicas e a própria cultura vigente em relação ao ‘louco’ e à loucura”. Em João Pessoa-PB, os questionamentos em relação à realidade e às práticas nos manicômios foram iniciados por um grupo de residentes em psiquiatria que começou a acompanhar as mobilizações em âmbito nacional e a estudar os documentos existentes que criticavam as políticas de saúde do governo militar. Uma das entrevistadas relatou que nos Encontros de pós-graduação eram produzidas cartas, moções e denúncias sobre a realidade vivenciada. Segundo a entrevistada, após o término do curso, ela ingressou na carreira docente e começou a disseminar as ideias revolucionárias entre seus alunos: “Quando eu termino a residência, no fim de 1979, eu volto à Colônia não como residente, não como estudante. Eu volto docente, com alunos. E eu estava vivenciando a transição democrática e a gente começa a poder dar aula diferentemente dos professores que estavam há mais tempo: explicando o movimento pela Reforma Sanitária, explicando que o movimento da saúde mental vai ser parte desse movimento” (E01).

133 Em decorrência dessa nova compreensão sobre o campo da saúde mental, alguns dos entrevistados consideraram que as iniciativas de mobilização social em prol das mudanças nesse campo ocorreram após as denúncias de estudantes de enfermagem da Universidade Federal da Paraíba sobre a situação das pessoas internadas no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, no início da década de 1980, como mostram os depoimentos a seguir: E os alunos tiveram a ideia de levar um repórter do jornal O Norte, vestido de jaleco como se fosse um estudante de enfermagem para o estágio. Entraram um pouco antes da gente e fotografaram os desmandos, a comida podre, etc [...] E no outro dia o jornal estampa isso! (E01). Eu já comecei a participar da luta antimanicomial desde que eu era estudante com os primeiros movimentos que eu vi aqui na academia e ainda lembro hoje o grupo de estudantes de enfermagem, eu acho que do CA de enfermagem que tinha feito uma denúncia aqui mesmo na universidade sobre as condições precárias da Juliano Moreira. Expondo fotos, mostrando como essas pessoas eram tratadas (E 29). Eu lembro que a gente liderou uma denúncia ainda como estudante, que a gente fazia estágio lá no Juliano Moreira. E eu e mais um grupo de colegas, a gente foi no jornal O Norte e fez uma denúncia lá. Isso ainda eu estava me formando em 81, 82, por aí […] Depois da denúncia que fizemos quando alunos, o Juliano Moreira fechou as portas para estágios da universidade (E26).

A coragem dos estudantes e dos professores, entretanto, desencadeou uma atitude reacionária da gestão do Complexo Psiquiátrico que suspendeu a continuação dos estágios que lá eram desenvolvidos por esse grupo, como foi informado pelos sujeitos pesquisados: Depois daquela denúncia que falei que nós fizemos quando alunos, o Juliano Moreira fechou as portas para estágio da universidade (E26). As alunas em seguida, apresentaram um trabalho em Natal, na Jornada de Psiquiatria, onde estavam lá pessoas que estão vivinhas aqui que podem testemunhar sobre esse trabalho denunciando os maus tratos de pacientes da Juliano Moreira de João Pessoa. A partir daí, todos os estudantes foram advertidos pela direção que me chamou e chamou a coordenadora da área. Aí a gente passou a ir para o Manicômio Judiciário porque éramos persona não grata no Juliano Moreira (E01).

As retaliações e represálias sofridas pelo grupo denunciante demonstram o imperativo de “proteção” da imagem da instituição e dos profissionais que lá trabalhavam em defesa da práxis da psiquiatria tradicional que por ser considerada como única e correta possibilidade de tratamento era isenta de questionamentos. Desse modo, o manicômio continuaria a ser local mais adequado e viável para dominação da loucura, recuperação do louco e consequentemente para garantia da ordem social.

134 Passados alguns anos, um novo grupo - agora de trabalhadores, começou a refletir e a discutir sobre o “tratamento” realizado no Complexo Psiquiátrico. De acordo com os entrevistados que vivenciaram esse momento, as notícias sobre as mobilizações em nível nacional por uma transformação do setor saúde, os informes dos Conselhos de classe e do Sindicato de Saúde locais sobre as mudanças das políticas públicas de saúde mental em âmbito nacional e a realização dos Encontros Nacionais do Movimento da Luta Antimanicomial motivaram o início das discussões e da organização de um grupo de trabalhadores do Complexo Psiquiátrico que indignados com as relações estabelecidas no interior da instituição, começaram a questionar o modelo psiquiátrico instituído e a pensar sobre outras possibilidades de cuidado em saúde mental externas aos limites dos muros do manicômio. Alguns desses profissionais participaram de eventos nacionais com o intuito de conhecer e de apreender outras estratégias para lidar com as pessoas consideradas loucas, pois já ocorriam experiências exitosas em outras regiões do país: O movimento aqui pelo que se sabe, começou com os trabalhadores no Juliano Moreira que começaram a perceber, a se indignar lá dentro (E35). E aí a gente foi identificando alguns profissionais que tinham mais ou menos, essa inquietação. Eram muito poucos. Um grupo pequeno, mas que tinha essa inquietação. E a gente começou, dentro do próprio serviço, a discutir uma coisa muito sem consistência, sem sistematização. Mas, a gente começa naquela época, a discutir como a gente podia fazer para, pelo menos, abrir mais vezes, as grades do hospital! (E17). O grupo inicial quando realmente esse movimento chega na Paraíba, incluía todos os trabalhadores, principalmente os que estavam no serviço no Complexo Psiquiátrico que era o serviço que existia. E aí tinha pessoas de todas as categorias: técnicos em enfermagem, auxiliares de serviços. Todas aquelas pessoas que por ventura lidavam, trabalhavam junto com esses portadores de transtorno mental, participavam (E20). Eram trabalhadores, principalmente. Não era a gestão puxando nada. Eram trabalhadores puxando um movimento. E assim participavam de congressos, faziam ações aqui [...] Então, havia todo um movimento que vinha realmente [...] era um movimento social mesmo (E08). A gente tinha como referência em termos de Reforma Psiquiátrica, o município de Santos que na época foi quem despontou com uma melhor proposta para a saúde mental, que fechou o hospital, que abriu outro serviço naquele tempo que era NAPS, que passou a ser CAPS. E a partir daí a gente começou a aprender. Outro lugar que a gente aprendeu muito foi Minas Gerais, especificamente em Betim (E37).

Os depoimentos mostram que a organização da militância antimanicomial na cidade de João Pessoa, também foi iniciada por trabalhadores dos serviços psiquiátricos, principalmente por psicólogos e se inspirou em experiências nacionais exitosas como as

135 desenvolvidas nas cidades de Betim - MG e de Santos – SP. Os acontecimentos em Santos tiveram uma contribuição histórica para a formulação de novas práticas em saúde mental, pois conseguiu criar os dispositivos substitutivos mais próximos dos modelos criados na Itália que servem de referência para o restante do País. Vale destacar que apesar da heterogeneidade do grupo de trabalhadores de Saúde Mental em João Pessoa, havia a predominância dos psicólogos que, segundo os relatos dos sujeitos desta investigação era a categoria profissional que mais articulava, liderava e provocava as discussões sobre a saúde mental, naquele período.

Grande número de psicólogos que era a categoria profissional que questionava a assistência naquele momento (E37). Primeiro a gente se reunia no Sanatório Clifford mesmo. Lá atrás, tinha uma oficina que era a sala dos psicólogos. E a gente se reunia lá, semanalmente. Toda semana tinha reunião, onde a gente discutia [...] A pauta era sempre a mesma: o que a gente poderia fazer pra tentar desmontar o manicômio (E17). Tinham enfermeiros, mas era preponderantemente de psicólogo (E20).

Após o período de articulação entre os trabalhadores da instituição, o grupo começou a realizar parcerias institucionais – principalmente com a UFPB, com outras entidades locais e com grupos de outros estados. Desse modo, professores e estudantes de outros cursos de graduação da UFPB, técnicos de saúde mental, políticos, jornalistas, artistas, representantes de conselhos profissionais, familiares, usuários, amigos, entre outros passaram atuar na militância antimanicomial. Assim, é possível afirmar que a composição do movimento antimanicomial em João Pessoa foi iniciada pela academia – quando provocou a mobilização da sociedade através das denúncias, e se fortaleceu a partir da organização de trabalhadores da saúde mental e com a sensibilização e a inserção de outros setores da sociedade, como mostram os depoimentos seguintes:

A essa altura do campeonato, a gente começou a tomar conhecimento de que alguns professores da universidade federal tinham esta mesma inquietação e algumas pessoas que haviam participado do encontro dos trabalhadores em Bauru, estavam no nordeste, trabalhando com esta perspectiva antimanicomial, uma organização dos trabalhadores com essa perspectiva (E17). O movimento é composto por psicólogos, enfermeiros, professores da universidade, políticos, são pessoas que se reúnem e tentam de alguma forma viabilizar algumas ações (E35). A gente chamou a coordenação de saúde mental, a universidade, o NESC (Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva), os Conselhos de classe, profissionais. Enfim, chamou uma série de entidades (E14).

136 Alguns políticos da época começaram a se envolver nesse processo (E37). Quando eu fui trabalhar no hospital psiquiátrico aí sim aumentou o trabalho, toda essa luta dentro da área de saúde mental, conciliando as duas coisas, tanto sindicato como o movimento da luta antimanicomial. A gente lutava tudo junto (E33).

Entre os motivos que levaram os sujeitos da pesquisa a se interessarem e posteriormente a participarem do movimento antimanicomial incluem: sensibilização com a situação das pessoas internadas em hospitais psiquiátricos; experiências pessoais ou com familiares com problema mental; afinidade política decorrente de outros espaços de militância; conhecimento sobre os eventos, sobre as Conferências de saúde/saúde mental e sobre as mobilizações e experiências do âmbito nacional; compromisso ético com o exercício da profissão; participação em atividades acadêmicas que tratavam da problemática; busca por novas possibilidades de cuidado/assistência em saúde mental; atuação em serviços substitutivos e na gestão de saúde mental; envolvimento no processo de elaboração da Lei de Reforma estadual, participação em associações

de

usuários

e

familiares;

participação

em

espaços

de

discussão/representação em saúde mental. Assim, consideramos que o envolvimento dos sujeitos desta investigação com a militância no Movimento antimanicomial ocorreu de modo semelhante à formação do Movimento em âmbito nacional, pois foi forjado a partir das reflexões do cotidiano dos trabalhadores de saúde mental e respaldado pelas reflexões de intelectuais de outros movimentos sociais. Para Lüchmann e Rodrigues (2007), os movimentos sociais são gestados no cotidiano por um mosaico de pessoas e de grupos que questionam a realidade social, o que significa que existe um fator comum de sensibilização de sujeitos que compartilham essa realidade a partir de diferentes perspectivas. Consideramos que a diversidade de sujeitos sociais que integram o Movimento antimanicomial tem demarcado historicamente sua identidade e reafirmado cada vez mais a valorização do respeito às diferenças. O fato de um grupo reivindicar mudanças na realidade social significa que existe outro grupo interessado em conservá-la, pois, segundo Melluci (2001, p.35), um movimento social “é a mobilização de um ator coletivo, definido por uma solidariedade específica, que luta contra um adversário para a apropriação e o controle de recursos valorizados por ambos”. Em relação ao movimento social abordado por esta investigação o objeto de interesse é a apropriação e o controle da loucura, do louco e de suas instituições. Nesse sentido, o MLAM cotidianamente, enfrenta desafios de cunho político-ideológico em relação aos grupos que constituem o movimento de contra

137 Reforma Psiquiátrica no Brasil, como: associações de psiquiatras, associações de donos de hospitais psiquiátricos, algumas associações de familiares, indústria farmacêutica, entre outros. Gohn (2003) reconhece dois tipos de movimentos sociais: os conservadores e os progressistas. Os movimentos com características conservadoras são os que não são abertos à participação, não querem mudanças sociais emancipatórias, mas impor mudanças segundo seus interesses particularistas, pela força e pela intolerância. Os movimentos progressistas articulam ações coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social no sentido de desenvolver o empowerment de sujeitos sociais mediante a criação destes para a atuação em rede. Chauí (1995) faz uma ressalva ao progresso e aos movimentos progressistas ao afirmar que o progresso é uma categoria que se refere a uma espécie de atualização do conservadorismo. Do ponto de vista da dialética marxista o que se opõe ao conservadorismo é a emancipação, inclusive da ideia de progresso. Essa ideia de progresso é própria do liberalismo ideologia do capitalismo. Amarante e Diaz (2012, p.90), ao estudarem a dinâmica dos movimentos sociais na Reforma Psiquiátrica, identificaram como fronteira crítica instauradora do conflito antagônico entre os grupos, “a dimensão cultural e ideológica de se pensar uma sociedade sem manicômios”. A oposição ao movimento antimanicomial foi ressaltada pelos entrevistados ao descreverem algumas situações de enfrentamento ideológico, político e social, como mostram os relatos a seguir: A gente começou a perceber que estava ficando difícil porque era como se tivessem pessoas olheiras. A gente montava uma estratégia, aí desmanchavam, fuxicavam a direção, enfim. Porque nessa época aconteciam os embates ideológicos. Eram os que acreditavam não ser possível tratar os doentes mentais fora do manicômio com os que acreditavam que era possível. E ainda a vertente do empresariado que começa a se sentir ameaçado com a possibilidade de fecharem aquele serviço, e essa empresa lucrativa vir à falência (E17). A coordenação de saúde mental tinha uma visão totalmente biológica do tratamento da pessoa com transtorno mental, apesar de, no discurso, dizer que trabalhava com a ampliação do serviço. Pouquíssima sensibilização de gestores municipais, os prefeitos, menos ainda. Então a gente vivia uma conjuntura muito difícil (E14). O debate que a gente fazia há 10 anos era totalmente diferente! Era um debate ainda ideológico, de embate contra o modelo, de brigar com donos de hospital, de ir para a rua denunciar atrocidades de dentro de hospitais psiquiátricos, denunciar maus tratos, de pegar briga com familiar. Muitas vezes, a gente nem sabia como dialogar porque para um familiar era muito difícil realmente! Você está com um usuário dentro de casa, você não tem outra referência de tratamento, aí chega um monte de doido e de técnicos! [...] Tinha uma associação de usuários que foi montada dentro do hospital psiquiátrico daqui, exatamente para fazer o embate com a Reforma. E o

138 representante dela desrespeitou Ricardo que foi o deputado que chamou a plenária. Quem motivou a criação dessa associação foi o pessoal da Casa de Saúde São Pedro. Ele era voraz, ia para o embate mesmo! Disse que esse negócio de Reforma psiquiátrica era coisa de quem não tinha o que fazer de gente que andava de sandália havaiana arrastando no chão e de mochila nas costas (E23).

As tentativas de fragmentar ou de fragilizar o grupo falharam, pois, mesmo com as denúncias, a vigilância, as críticas e os boicotes, esse grupo conseguiu realizar várias articulações e ações que caracterizaram o período de maior efervescência da militância antimanicomial no município. De acordo com os sujeitos investigados neste estudo, após participação de alguns trabalhadores no Iº Encontro Nacional da Luta Antimanicomial, realizado em Salvador-BA, no ano de 1993, e com abertura da mídia local para o tema da saúde mental foram realizados vários eventos e manifestações que lançaram o debate sobre o lugar social do louco e da loucura para a comunidade:

Era um grupo pequeno, mas era um grupo que tinha muito poder de articulação. A gente conseguiu um bocado de coisa. Quando o pessoal voltou da Bahia, do Iº Encontro, a gente fez um rebu nessa cidade, de saúde mental que ficou na história! A gente foi dar uma entrevista (na Rádio tabajara) que a gente estava promovendo uma Semana de Inclusão Social, começando a falar de Reforma Psiquiátrica para a população. Porque até então era um grupo mais fechado que discutia tecnicamente. A gente fez uma feira no pátio da Juliano Moreira que envolveu os artistas da terra como Hildo Vieira, Chico Viola, um bocado, uma série de artistas da terra. E fizemos um grande movimento dentro do pátio da Colônia. Mas, de portas abertas para a população, anunciada na imprensa, falada principalmente na imprensa onde a gente naquele momento, tinha mais acesso. Esse movimento cresceu e daí foi que surgiram os primeiros serviços substitutivos em João Pessoa (E37). Em 1992, a gente resolve fazer aqui na Paraíba o Iº Fórum Estadual dos Trabalhadores de Saúde Mental. E nesse Fórum a gente reuniu tanto o pessoal daqui da capital como também do interior. E com isso foi possível traçar as primeiras discussões sobre o que a gente entendia, por Reforma Psiquiátrica, o que se pretendia. Então nessa época, foi uma coisa muito ousada que a gente fazia e teve essa primeira amostra que a gente chamou de Feira. Que era justamente comemorando o Dia da Luta Antimanicomial. Foi uma mistura muito bonita, muito bacana e muita gente saiu dizendo assim: “Ah, é possível abrir as portas"! Tinha debates nas rádios, a gente provocava debates nas rádios populares, programa de meio-dia, que muitas vezes eu respondia da minha casa (E29).

Os depoimentos revelam que as características do MLAM em João Pessoa configuram um legítimo movimento social que, na concepção de Gohn (2003, p.13), significa um conjunto de “ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar para expressar suas demandas”. A autora relata ainda que os movimentos sociais são processos históricos que representam forças sociais organizadas que aglutinam pessoas como um campo de atividades e de

139 experimentação social que geram criatividade e inovações socioculturais. O contato de alguns trabalhadores de João Pessoa com militantes e atores de outras experiências nacionais do MLAM suscitou entre esses profissionais o desejo de formar um Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial. A partir disso, outras articulações importantes foram realizadas no intuito de elaborar a Lei Estadual de Reforma Psiquiátrica (Lei Nº 7.639), que só foi publicada em 23 de julho de 2004. Quando a gente volta de Salvador, vem cheio de pilha. Primeira providência: Fundar o Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial (E17). E quando elas voltaram, perceberam que a gente precisava ter na Paraíba um Núcleo de Movimento Antimanicomial para que a gente pudesse participar do movimento maior (E14). Depois entramos em contato com deputados para fazer a Reforma Psiquiátrica na Paraíba, para conseguir aprovação da lei de Reforma. Começou com o deputado Chico Lopes, mas não conseguiu aprovação na época. Conseguimos com Ricardo Coutinho (E30).

Esse período possibilitou ao MLAM sair de um nível apenas reivindicatório para um nível mais operacional e propositivo, pois, até a publicação da Lei estadual, ocorreram vários tensionamentos no sentido de conquistar a regulamentação de estratégicas que proporcionassem o fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos e a criação de serviços substitutivos. Correia (2006, p.89) afirma que Reforma Psiquiátrica se instituiu a partir da Lei Nº 10.216, pois segundo a autora o reconhecimento dos direitos é um “produto de uma ação concreta”, ou seja, decorrente de uma prática social. Barbosa, Costa e Moreno (2012, p.49) afirmam que “o reconhecimento jurídico, ou seja, a elaboração formal do direito – para que tenha legitimidade – deve ser uma resposta do Estado à demanda organizada”. Assim, como primeira atitude política em saúde mental do governo estadual subsequente à publicação da Lei de Reforma Psiquiátrica paraibana foi a criação do Hospital-Dia (regulamentado pela Portaria Nº 224/92), dentro das dependências do CPJM, o que feria gravemente às diretrizes da política à época.

Surgiu a ideia do Hospital-dia de acordo com a portaria do Ministério da Saúde. O pontapé inicial do nosso trabalho em relação à Luta foi no Hospitaldia [...] a gente começou a trabalhar de uma forma diferente, de uma forma humanizada, terapêutica, de um modo de cuidar, enquanto a pessoa era doente, o sujeito precisava de cuidados além da medicação. Esse era o principal objetivo no momento (E16). Houve uma mudança de direção, de governo e aí começaram a fazer uma reforma, que na verdade era uma reforma mais física: pegaram o pavilhão do Juliano Moreira e o transformaram em um Hospital-dia (E26).

140 Surgiu o primeiro serviço substitutivo em João Pessoa, que nunca foi oficializado e que foi o Hospital-Dia, dentro da Juliano Moreira (E37). Mas, quando finalmente fizeram um serviço substitutivo que era o Hospitaldia e depois o próprio CAPS, fizeram dentro dos muros [da Colônia], aproveitando espaços que já existiam (E08).

As sentenças revelam que os sujeitos reconhecem o caráter conservador da criação dos primeiros serviços substitutivos no município estudado, que por serem instalados nas dependências da estrutura manicomial não tinham espaços adequados para o desenvolvimento das práticas que recentemente estavam sendo propostas. Além disso, denunciam a ilegalidade do ato que contradizia fundamentalmente as diretrizes da política em vigor. Outro serviço do tipo substitutivo que foi inaugurado no Complexo Psiquiátrico – o Centro de Atenção Psicossocial Gutembergue Botelho, em 2003 que somente após a sua municipalização alcançou os territórios da cidade, no ano de 2005. A implantação da Rede de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico em João Pessoa teve um caráter conservador do modelo tradicional, pois investiu na ampliação dos serviços ambulatoriais que se pretendia superar. O período que se seguiu demarcou um considerável avanço no que concerne à ampliação de Rede de Saúde Mental de João Pessoa, pois a mudança da gestão municipal favoreceu a criação de outros dispositivos substitutivos como: Residência Terapêutica em 2007, CAPSi e PASM em 2008, 01CAPS II, 01 CAPS ad e 01 equipe de Consultório na Rua, em 2010. Esse processo de incremento e de expansão do número de serviços territoriais e comunitários apresenta semelhanças com os processos relatados por Lobosque (2001) e por Yasui (2010) sobre o impacto da mudança política e da composição dos gestores da saúde para o campo da atenção psicossocial em Belo Horizonte – MG e em Santos – SP, respectivamente. Tais experiências demonstram a importância da vontade política dos gestores para implementar as mudanças requeridas pelos movimentos sociais e regulamentadas pelas políticas públicas vigentes. Isto significa que é necessário um projeto político revolucionário para operar transformações na realidade porque essas dependem da conjuntura socioeconômica, política e cultural, da visão de mundo daqueles que ocupam lugares de decisão e de poder do aparelho estatal, das concepções das lideranças sociais e também dos interesses e das escolhas pessoais dos gestores. Apesar do crescimento do número de serviços, ou seja, do avanço na dimensão técnico-assistencial,

o

ativismo

antimanicomial

começou

“desaceleração”, conforme mostram os depoimentos a seguir:

a

apresentar

uma

141

Foi um momento, uma época de muita efervescência que a gente estava muito envolvida. E a gente fazia caminhada até com os pacientes, envolvendo os pacientes nas passeatas. E aí depois caiu assim como uma letargia. Houve um período de dormência, não sei, como se as pessoas estivessem cansadas de fazer esses encontros, esses fóruns (E26). Eu acho que aquilo que foi muito grande, que foi muito efervescente no começo, hoje está um pouco mais quieto. Mas, eu acho que é o caminho da vida mesmo. Tem uma época da vida que tudo é mais palpitante e depois começa a tornar mais uma acomodação (E29).

As análises dos sujeitos pesquisados sobre o percurso do MLAM no município estudado refletem o período histórico (década de 1990), caracterizado pela tendência de desmobilização dos movimentos sociais em decorrência de fatores sociais, econômicos, políticos, históricos e culturais. De acordo com Gonh (2003), esse processo de desmobilização decorreu da transformação radical no cenário político que provocou o declínio das manifestações nas ruas que conferiam visibilidade aos movimentos populares nas cidades. A autora informa que:

A partir de 1990, ocorreu o surgimento de outras formas de organização popular, mais institucionalizadas, como a constituição de Fóruns Nacionais de Luta que estabeleceram a prática de encontros nacionais em larga escala gerando grandes diagnósticos de problemas sociais, assim como definindo metas e objetivos estratégicos para solucioná-los [...] à medida que as políticas neoliberais avançaram foram surgindo outros movimentos sociais [...] atuando mais como grupo de pressão do que como movimentos sociais estruturados (GOHN, 2003, p.20-21).

Vasconcelos (2012) afirma que a desmobilização progressiva dos movimentos sociais populares se deve à perda de fontes de financiamento, à diversificação, fragmentação e dispersão política, ao envelhecimento natural e institucionalização gradativa das lideranças e ao aparelhamento do ativismo social direto pelos grupos e partidos políticos. O autor também identifica as seguintes mudanças internas no Movimento Antimanicomial: ocupação de espaços de gestão governamental e dos novos serviços de saúde mental, de entidades coorporativas e da academia pelas lideranças do período mais combativo; diversificação interna dos atores sociais com alguns grupos temporários (estudantes) e outros sem contato com a tradição militante do movimento (novos gestores e trabalhadores); criação de duas tendências internas independentes e principais no Movimento Antimanicomial (RENILA e MNLA); e relativo distanciamento das lutas mais gerais do SUS e das articulações intersetoriais e internacionais. Sobre essas mudanças, os entrevistados evidenciaram:

142

Também não existe uma politização pela maioria dos funcionários desse serviço. Isso decorre muito do fato de que pessoas que trabalham nos serviços, por exemplo, não valorizam os movimentos de participação popular, de construção coletiva. Aí o movimento aqui começa a ficar meio “capenga” no sentido de que não existem grupos sistemáticos, não existem reuniões sistemáticas (E07). Nessa análise de conjuntura do movimento nacional, apesar de saber que existem de fato essas duas organizações, a RENILA e a ABRASME, eu percebo esse racha, esse fragmento como uma fragilidade mesmo. Assim, como algo que deixa menos potente o movimento. Por mais que seja a mesma bandeira, mas a gente vai ter estratégias e metodologias diferentes. Mesmo que o objetivo comum seja o fechamento dos manicômios, tão tocando a mesma história ou parecida, mas cada um ao seu modo! (E34). Existe uma captura da potência militante pelos processos partidários. Tem várias pessoas que são militantes, que têm profundas críticas ao que está acontecendo, mas se sentem muito mais militantes do PSB do que da Reforma Psiquiátrica! E aí, estrangula uma potência militante em função de uma militância partidária (E23).

Apesar das fragilidades elucidadas pelos depoimentos acima, esta pesquisa identificou a realização de dois eventos históricos com potencial para reverter as tendências obscuras para o Movimento no âmbito local: o Seminário promovido por um grupo de estudos e pesquisas da UFPB e a I Semana Estadual da Luta Antimanicomial que foi organizado pela gestão do governo estadual em articulação com um coletivo de estudantes da psicologia da UFPB e em parceria com o GESAM. Destacamos assim a importância da academia para militância antimanicomial no município estudado. Em 2010, ocorreu um reencontro de vários sujeitos sociais e militantes antimanicomiais para discutir sobre as temáticas da Reforma Psiquiátrica a partir do enfoque da cultura durante a realização do Seminário “Diversidade, Cultura e Saúde Mental: outras dimensões para a compreensão da loucura”. Esse evento foi promovido pelo Grupo de Estudos em Saúde Mental do Centro de Ciências da Saúde/UFPB, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde do município de João Pessoa-PB, com outras instituições de ensino superior e entidades e mobilizou diversos municípios do estado. O Seminário reuniu um público de aproximadamente 500 pessoas e demarcou o início de um novo período para as discussões sobre os encaminhamentos das Reforma no Município e no Estado, pois conseguiu promover reflexões sobre diversos temas da saúde mental na perspectiva de uma análise conjuntural do processo e formular alguns encaminhamentos para a política de saúde mental local. Além disso, permitiu o

143 mapeamento dos sujeitos mais atuantes e envolvidos com o processo de Reforma Psiquiátrica no Estado e na Capital, conforme expressam os enunciados a seguir. Aquele Seminário que teve aqui, no final de 2010, com Paulo Amarante. Aquilo ali foi um marco porque quando eu encontro as pessoas que trabalham em saúde mental dizem: “Mas aquilo foi maravilhoso”. Aquele seminário para mim foi um marco. A gente juntou tantas pessoas. E a gente viu quantas pessoas estão preocupadas com a saúde mental e que a gente não está só. Aquilo foi muito importante e aquilo foi uma referência porque quando outra pessoa diz: “Ah, eu estava lá!” Você começa a ter uma empatia. E eu acho que a gente tem que sair mais de dentro de CAPS. A gente tem que fazer coisas fora dos serviços (E06). Nesse último ano para cá houve uma movimentação, uma ressuscitação de algumas coisas, mas assim muito lenta, muito devagar ainda (E26).

Os depoimentos destacam a importância do encontro, do diálogo e da troca de experiências entre os diversos sujeitos sociais que lidam com as questões da saúde mental para a constituição do elo e do vínculo social, aspecto fundamental para a formação da identidade e para o fortalecimento de movimentos sociais em geral. Historicamente, o MLAM tem realizado vários eventos nacionais no sentido de congregar os militantes e simpatizantes para formular propostas de efetivação das mudanças requeridas para o campo da atenção psicossocial e, também, para compartilhar experiências antimanicomiais nas diferentes regiões do País. A diversidade de concepções, de interesses e de proposituras que se apresentam nesses eventos, muitas vezes ocasionam divergências e embates que, no entanto, não diminuem a potencialidade dessa organização. Para FLAMAS (2010), os movimentos sociais são ações coletivas de caráter fragmentário e heterogêneo que destinam boa parte de suas energias e recursos para o gerenciamento de sua complexidade. Os grupos heterogêneos que lutam por algo comum se relacionam por meio de conflitos e tensões, pois não constituem fenômenos coletivos homogêneos ou com personagens dotados de vontades, projetos e sentidos independentes dos impulsos, das pressões e das restrições do contexto socioeconômico e cultural como puras subjetividades. O relato a seguir demonstra essa realidade: Sempre havia as diferenças dentro dos grupos. Acho isso natural acontecer, mas isso de certo modo trava o processo. Eu acho que se os egos se desinflamassem um pouco pra as pessoas se aproximarem, se unirem mais, quebrar essa coisa dos partidos se avançarem, mais isso é utopia, partidos sempre existirão diferentes (E26).

A entrevistada, ao reconhecer que as diferenças entre componentes de um grupo é uma situação comum, alerta que o excesso dessas divergências pode ameaçar a

144 coesão do grupo e, consequentemente, o seu fortalecimento político na perspectiva de alcançar conquistas. Os estudos de Vasconcelos (2012), de Barbosa, Costa e Moreno (2012) e de Amarante e Diaz (2012) evidenciam os riscos, os impasses e os desafios que o MLAM vivencia na atual conjuntura política pela dificuldade de articulação, de organização e de coesão entre os grupos que o constituem. Em relação aos motivos das fragilidades do MLAM, os autores destacam: os traços estruturais do capitalismo neoliberal; a redução dos espaços de participação popular e de controle social; a deterioração das condições e a precarização das relações de trabalho; os avanços tecnológicos e farmacológicos que reforçam a imagem pública da psiquiatria biomédica; debilidade estrutural no custeio da militância cotidiana, cisão política interna; variedade e pluralidade das argumentações dos representantes da Contra-Reforma; fragilidade da formação política de recursos humanos; e o tímido protagonismo dos usuários e familiares. No cenário desta investigação, foram evidenciadas pelos sujeitos as seguintes situações: “Teve um racha com relação aos familiares, disso eu me lembro bem! A maioria dos familiares não acreditava nesse processo de mudança” (E29). Eu acho que o movimento aqui não é tão organizado quanto poderia ser. Se a gente pensar, por exemplo, que os movimentos de associação de usuários de familiares estão furados e não estão organizados. São movimentos diretamente ligados a serviços substitutivos, a CAPS. Por exemplo, no serviço que eu estou trabalhando agora não tem ninguém na representação desses grupos nessas associações. Eu acho que o que falta aqui em João Pessoa é que esse movimento seja coletivo e desinteressado no sentido de que esse desinteresse não pode permear o interesse individual e os interesses muito particulares de pequenos grupos. Porque quando esses grupos saem acaba o movimento diminuindo e perdendo força. Por exemplo, é o caso da RENILA. Por que a RENILA não avança? Porque existem pessoas na RENILA que tomam meio que conta do movimento e da situação. Já fui para algumas reuniões e os valores e os interesses eram outros. Então, não se consegue avançar (E07). Mas é como se não tivesse uma agenda fixa desses encontros. Então, o movimento daqui quase não tem expoente. Acho que a gente não tem movimento, eu acho que é muito pouco, muito tímido, é quase nada para mim (E13). Até essa questão da RENILA aqui você também não tinha uma frequência. Só surgia alguma reunião, algum movimento quando tinha o movimento nacional porque tem que escolher quem vai! E isso ficava muito solto e às vezes a gente ficava desacreditado. E se a gente for analisar João Pessoa fica de fato a desejar o trabalho, a atuação, desses movimentos de forma sistemática que envolva os serviços, que envolva toda a comunidade (E31). Hoje eu não posso te informar a periodicidade. Eu sei que acontece dentro do CAPS [...] Se reúnem lá. Eu nunca fui convidada (E20). Porque as pessoas elas estão separadas nos seus interesses (E33).

145 No último encontro que a gente teve eu senti um pouco de divergência, quase que partido. Partido no sentido de partir mesmo, uns divididos, com as ideias, pensamentos: “ah, porque nós da luta, nós que somos da RENILA, nós que somos da outra RENILA”! Eu acho que teria um peso bem maior se a união fosse feita de modo que as pessoas entendessem aquilo como um movimento para os usuários, do que propriamente para você enquanto particular, enquanto pessoa que está ali na frente (E16).

Os depoimentos reforçam os argumentos dos autores sobre como as divisões internas da militância ameaçam e muitas vezes impedem as conquistas do Movimento e os avanços da Reforma Psiquiátrica. Os relatos corroboram a hipótese de Vasconcelos (2012, p.58) de que “se não houver mudanças rápidas em sua identidade, na estratégia mais geral do movimento e nas formas internas de articulação e organização política em poucos anos, o risco é a institucionalização, fragmentação e dispersão política” do movimento antimanicomial. Além do Seminário, ocorreu a realização da I Semana Estadual da Luta Antimanicomial em 2011, que demarcou um novo tempo para a história da mobilização social em torno da questão da loucura, no município de João Pessoa-PB. A importância desse evento se deve ao fato de que ele proporcionou uma articulação entre antigos e novos militantes, a gestão e os diversos segmentos e setores da sociedade e reaqueceu as discussões sobre a relação estabelecida entre sociedade, loucura, louco e suas instituições. Ao adotar o lema “Além dos loucos muros”, esse evento levou a uma reflexão sobre temas como: igualdade, inclusão social e direitos humanos para além do âmbito exclusivamente técnico e acadêmico; ocupou vários territórios da cidade (teatros, praças, ruas, auditórios) e mostrou à sociedade pessoense a possibilidade da convivência com a diferença. A seguir os depoimentos que tratam dos significados desse evento para os sujeitos entrevistados: Porque nos anos anteriores, (os eventos) sempre tinham sido restritos a universidade. Eram os estudantes de psicologia que ofereciam e organizavam um evento dentro da universidade para a comunidade acadêmica. Até traziam pessoas de fora e tudo, mas o foco principal era a comunidade acadêmica (E23). A gente ficou muito feliz porque meio que acendeu a chama que de alguma forma estava meio adormecida, e acendeu. E foi uma coisa bacana. A gente conseguiu em média 700 usuários numa marcha, com carro de som quebrado, tendo que puxar a marcha no grito, mas eu acho que foi muito bacana (E13). O objetivo dessa Semana era sensibilizar toda uma comunidade para o movimento da luta antimanicomial. Fazer-se conhecer, fazer com que a sociedade conhecesse esse movimento de luta, a proposta da luta, o significado da luta, era isso. Fazer com que a sociedade tomasse conhecimento e ampliasse o seu conhecimento com relação a assistência e ao cuidado aos usuários de transtorno mental (E31).

146 A gente fez uma grande concentração lá na Lagoa. A gente saiu em passeata e foi até a Assembleia Legislativa. Usuários, familiares, trabalhadores, uma grande massa que tinha mais de mil pessoas nessa caminhada. Foi um movimento muito bonito, que foi o último grande movimento que a gente teve (E37).

Em relação às repercussões e aos avanços alcançados com as atividades realizadas durante a I Semana foram apontados: “Foi um momento de movimentação dentro daquele manicômio! Um dos desdobramentos foi o sarau poético que continuou até hoje, às quintas-feiras, semanalmente” (E36); “Foi uma semana muito produtiva que conseguiu despertar muitos usuários para esse movimento” (E35). A gente plantou sementes na cultura na subjetividade das pessoas. A gente colocou novas vozes dentro da cidade, a gente fez essa discussão chegar em pessoas que não tinham tido contato com essa discussão ainda. Em vários momentos, a gente mostrou que as propostas que a gente defendia eram possíveis. Eu acho que no que tange à construção de uma nova cultura na sociedade foi mais um passo à mudança permanente. E um passo grande e forte! Acho que ali naquela Semana, naquele período, a gente tocou corações mentes! (E23).

Outro fato importante relacionado às atividades da I Semana da Luta foi que as pessoas que tiveram sua primeira experiência com o movimento antimanicomial reconheceram a importância da organização social e da compreensão sobre a finalidade da manifestação: “Foi bem organizado! E eu lutei e participei para que o Juliano tenha mais um leito fechado! Ah, nós andamos com faixas, usamos camisa, todos uniformizados. Foi bastante animado! Todos com o mesmo objetivo” (E04). Considerando a militância antimanicomial como um dos temas da Reforma Psiquiátrica e, portanto, objeto de investigação deste estudo foi questionado aos participantes quais os objetivos, as conquistas e os desafios que eles identificavam no MLAM do município cenário deste estudo. Em relação aos objetivos, foram elencados: denunciar as situações de violência nos hospitais psiquiátricos; fechar hospitais psiquiátricos para abertura de CAPS; mudar a ideia de que as pessoas loucas devem ser isoladas e “trancafiadas”; encontrar outras estratégias (alternativas e substitutivas) de cuidado de modo a qualificá-lo; processar/operar transformações na perspectiva da Reforma Psiquiátrica; lutar contra o abandono familiar de parentes em hospitais psiquiátricos; evitar internações em hospitais psiquiátricos; garantir o atendimento das necessidades das pessoas considerando a questão dos direitos humanos; pressionar o poder público por políticas de cidadania no sentido de cobrar e avaliar, efetivar as propostas formuladas/pleiteadas pelos integrantes do Movimento; defender a inclusão social, os direitos humanos e a cidadania de pessoas com problemas mentais; dar voz

147 aos sujeitos; mudar a mentalidade da sociedade sobre a loucura e sobre o louco; derrubar os muros físicos do manicômio; construir um “território” para operar a transformação social; repensar práticas em saúde mental; e pedir apoio aos governos. O material empírico informa que existem duas grandes linhas de pensamento que explicam a oposição em relação ao propósito da MLAM: uma que trata da mudança do modelo de atenção em saúde mental (dimensão técnica-assistencial) por meio da criação de novos serviços, do fechamento de hospitais psiquiátricos e de manicômios e da manutenção do enfoque na doença como uma questão de saúde apenas; e outra que defende a constituição de um campo de lutas sociais para a transformação dos significados e das relações estabelecidas com o louco e com a loucura que requer a construção de uma nova mentalidade sobre esses objetos de intervenção e que se fundamente na solidariedade, nos direitos humanos e na convivência com as diversidades da existência humana (dimensão sociocultural). Nesse enfoque, considera-se que, em relação ao seu objetivo, o MLAM pode apresentar duas tendências sob a mesma denominação: conservar a dominação do técnico e do institucional sobre a loucura e sobre o louco ainda que em ambientes externos aos manicômios; ou horizontalizar as relações de modo a produzir subjetividades e potencialidades de vida pela equiparação do poder de contratualidade social e dos direitos entre os sujeitos, conforme o pensamento defendido por Saraceno (1996; 1999). Os depoimentos que tratam da tendência conservadora consideram como objetivos do MLAM a extinção dos hospitais psiquiátricos e a criação de CAPS e corroboram o processo de desospitalização que não supera o modelo tradicional. O que a gente percebe é uma luta contra a ideia de pegar seu familiar, colocar num hospital e esquecê-lo lá (E06). A gente estava reivindicando o que? A gente queria que tivesse serviços substitutivos, que se fechassem os hospitais psiquiátricos (E16). Eu acho que é exatamente derrubar os muros físicos sabe, abrir as portas do manicômio mesmo (E37). É tirar, quebrar essa ideia de manicômio, de que a pessoa que tem transtorno mental, que tem algum problema relacionado à parte mental, que ela seja enclausurada, que ela seja trancafiada, que ela sofra maus tratos e abusos dentro da instituição. E arrumar maneiras alternativas de se tratar que segundo o pessoal trata melhor, cuida melhor (E05).

As concepções apresentadas se ancoram na perspectiva de um Reformismo da atenção à saúde mental, que, para Silva (2003, p.87), significa a “atualização no modelo de assistência psiquiátrica tradicional, sem a perspectiva transformadora de sua

148 superação”. Ou seja, os entrevistados consideram que o objetivo principal da luta se restringe à reorganização de serviços de saúde o que caracteriza o processo de desinstitucionalização como desospitalização. Essa perspectiva valoriza o avanço da dimensão epistemológica em detrimento às demais e não consegue transformar o lugar social do louco e da loucura no sentido de sua inclusão e da sua emancipação do modelo tradicional. Silva (2003) defende o processo pela Reforma Psiquiátrica como um movimento social de interesse revolucionário “onde não se troca a aparência das instituições, mas a substância da mesma”. Nesse sentido, a desinstitucionalização significa a desconstrução do aparato manicomial e a restituição da autonomia, dos direitos e da liberdade para os sujeitos que experimentam a loucura. Como exemplos de depoimentos que apresentam uma tendência revolucionária temos:

O objetivo desses movimentos é de fazer com que realmente todas as necessidades venham a ser atendidas levando em consideração os direitos humanos e também os direitos assegurados: a saúde, a educação (E22). A luta é o tudo isso que a gente faz para evitar a internação no hospital psiquiátrico e para provocar a mudança de postura de toda a sociedade frente ao sofrimento psíquico (E13). É um movimento pela cidadania mesmo das pessoas que tem transtorno mental. Uma mudança na concepção do louco para que eles tenham direito a estar circulando, a trabalhar, a ser reconhecido, valorizado e cuidado em outros espaços que não no hospital. O movimento vai questionar a gestão. Qualquer movimento vai questionar a gestão se for um movimento social verdadeiro. É pressão e eles não aceitam pressão. Movimento é pressão (E08). A proposta, a filosofia que ela [SELA] oferece é nesse sentido: inclusão social, cidadania, direitos humanos e acima de tudo ver que na doença mental a gente não pode estar só lidando com a dimensão orgânica. Ele precisa de uma série de outros cuidados que não é só a medicação O objetivo da luta eu acredito que é organizar, muitas vezes capacitar os trabalhadores! [...] (E31). Então eu vejo o movimento da Luta Antimanicomial desse modo: é o espaço que nós escolhemos para construir um processo de transformação social. A luta contra opressão, a luta por liberdade, por justiça, por beleza, por arte, por poesia [...] Como movimento social vivo e pulsante (E23). O movimento eu imagino que seja aquele que cobra, que dá linha, que avalia. Enfim, que está mais na ponta articulado com todos os níveis, com associações, usuários, familiares, trabalhadores. É a galera que faz o papel de cobrar a Reforma, que a Lei seja implementada e efetivados todos os artigos e direitos que nela estão colocados (E34). Acho que o movimento é exatamente isso: que tenta mudar a mentalidade, a visão que a sociedade tem da loucura e do louco. O objetivo é exatamente trabalhar as mentalidades no sentido de aceitar a loucura como processo que pode ocorrer com qualquer pessoa e que nós temos que cada vez mais

149 trazer essas pessoas para a convivência diária o máximo possível, quando eles também querem (E20). A promoção de cuidado, de garantia de direitos. Dar voz ao sujeito que já é marginalizado por uma sociedade. É uma questão estrutural, uma dificuldade de se inserir socialmente pela sua questão. Então a gente precisa dar a voz! Quer dizer, a voz ele tem, só precisa ouvi-lo! (E10).

Os depoimentos apresentam concepções que consideram o MLAM como um processo revolucionário em prol da transformação do lugar social do louco. Essa tendência envolve a restituição e a produção de direitos bem como a construção de uma relação de convivência e de respeito à diferença e à diversidade. As concepções também resgatam a complexidade da experiência da loucura e a necessidade de uma militância que defenda o desenvolvimento práticas sociais libertárias e emancipatórias para os sujeitos

envolvidos

no

processo

de

Reforma

Psiquiátrica

enquanto

desinstitucionalização do paradigma psiquiátrico tradicional. Cabe destacar que a concepção dos usuários de serviços substitutivos sobre o MLAM também revelam uma diversidade de interpretações que vai desde um espaço de reivindicação do fechamento dos manicômios e do atendimento às demandas de saúde mental até o reconhecimento das pessoas loucas como sujeitos sociais e com potencial criativo.

Só da marcha desse ano que participei. Foi para pedir mais apoio porque essa área de saúde é muito isolada para eles. Aí a gente saiu nas ruas para pedir mais apoio do governo, da prefeitura e para ver se a gente consegue mais coerência. Porque eles não tratam a gente como se fosse membro da sociedade. Trata como se fosse louco, não trata como se fosse pessoas normais (E40). Ah, os movimentos são bons, porque eles te ensinam alguma coisa. Você está aprendendo alguma coisa (E04). Participei de todos os eventos da semana da luta antimanicomial! Eu sei que ela é como se fosse uma reforma para criar mais CAPS. Porque vai fechar os manicômios para criar mais CAPS para essas pessoas (E24).

Por último, os sujeitos elencaram as seguintes dificuldades para o fortalecimento no MLAM em nível local: difícil inserção/participação de novos membros nos movimentos organizados/institucionalizados; tímido protagonismo dos usuários; pouca articulação entre os militantes; iniciativas de mobilização isoladas e pontuais; despolitização das ações na Semana da Luta; descontinuidade das ações extraserviços e socioculturais; monopólio na representatividade de uma categoria profissional; reflexos da cisão do MNLA em âmbito nacional; processo politicamente

150 “emperrado”; a concepção predominantemente biológica dos gestores sobre o fenômeno da loucura e falta de interesse desses na efetivação da política de saúde mental; fragilidade na formação política e técnica dos profissionais de saúde mental em relação a outros saberes que dialogam no campo da atenção psicossocial. Os entrevistados criticam a organização do MLAM porque essa se caracteriza por uma liderança autoritária, privativa e personalista. Eles reclamam que o grupo é muito fechado e defende os interesses particulares de alguns membros. Além disso, as atividades de militância se restringem ao período da Semana da Luta Antimanicomial e também não se articulam com os serviços substitutivos.

Mas o que me chamou atenção nesse momento é que esse movimento se caracterizava como uma reunião de pessoas que não estava aberto à participação de todos embora houvesse uma discussão ampla das questões, leitura de textos, participação em alguns eventos. Mas era barrada a participação de algumas pessoas (E20). Parece uma coisa muito particular, muito pessoal. Puxa para o pessoal e quando a coisa é pública, não anda (E16). Fiquei muito triste quando vi o modo como a RENILA se organiza aqui, muito triste. É muito personalista, o coletivo para um número limitado de pessoas. Parece que existe um esforço em não ampliar, em bloquear as informações, em privatizar um conjunto de informações como forma de garantir pra si benefícios muito pequenos. Aquela coisa de indivíduo não governamental. Porque desse modo, ele garante que quando tiver um encontro nacional isso vai render as passagens e as diárias em hotel vão pra ele e tudo mais (E23). Infelizmente a gente vê que depois dessa Semana, para! Os serviços ficam isolados. Aí quando surge um novo evento é que as pessoas se levantam novamente e começam a ter esse interesse [...] O ato político do dia 18 de maio está se tornando quase um carnaval, não está se tornando um algo politizado, para informar à sociedade que existem intervenções acerca disso. Está se tornando algo muito de festa (E35). O movimento está precisando reorganizar a militância, voltar uma militância (E30). Falta o movimento tentar trazer essa questão da formação dos profissionais de saúde mental. Não só para os da saúde, mas para profissionais de outras áreas como a cultura, as ciências sociais e de vários outros campos que antes a gente não conseguia dialogar e se tornava só um saber “psi”, psiquiátrico e psicólogo (E36).

A questão da desmobilização e do esvaziamento político do MLAM é considerada por Vasconcelos (2012) como um dos grandes entraves para a militância antimanicomial. Em João Pessoa, o processo de fragmentação do grupo, a falta de formação política dos militantes e dos trabalhadores do campo psicossocial, a limitação das atividades e das intervenções socioculturais e a fragilidade do papel político e do

151 poder de transformação desse Movimento são identificadas por alguns entrevistados que destacam a necessidade de reorganizar a militância no município estudado. Outro entrave identificado por E29 é a histórica falta de apoio político para realização das atividades do Movimento.

Ainda considero que aqui em João Pessoa as coisas andam muito devagar e foi assim desde o começo, apesar de ter um grupo aqui muito bom de enfrentar, mas a gente tinha o entrave político que era maior talvez que qualquer outro estado circunvizinho (E29).

Finalmente, alguns sujeitos conseguiram elaborar uma relação entre o MLAM e a Reforma Psiquiátrica. A maioria deles considerou que existe uma relação íntima, porém confusa entre os termos, mas que envolve apenas a assistência e a atenção às pessoas com problemas mentais. Eu acredito que a Reforma Psiquiátrica é um movimento de luta antimanicomial, ela faz parte desse movimento, ou vice-versa, eu não sei denominar bem. Mas assim, elas estão juntas, caminham juntas (E36). Eles lutam pela mesma coisa que é uma mudança dessa forma de assistir, de cuidar, de compreender a pessoa com doença mental (E26). A reforma ela já é uma decorrência do próprio movimento. Acho que foi um movimento simultâneo entre os trabalhadores por uma mudança nessa assistência. Nisso para mim veio a questão de pessoas lutando por uma reforma antimanicomial (E08) Um pouco parecido com a luta. Uma hora eles se entrelaçam, uma hora eles divergem em alguns pontos. Mas, no geral, é tudo em favor do usuário que ele tenha um acolhimento e um atendimento digno (E31). Eu acho que eu acabo confundindo um pouquinho a Reforma Psiquiátrica com a Luta Antimanicomial. Para mim é praticamente a mesma coisa, mas acho que o movimento da luta antimanicomial luta para fazer essa reforma, para gente rever esses conceitos com relação a psiquiatria (E05).

A dificuldade para estabelecer uma distinção entre os termos decorre da ligação histórica e indissociável entre ambos, justamente porque são processos que se retroalimentam no cotidiano das práticas no campo da atenção psicossocial. Na verdade, podemos considerar a Reforma Psiquiátrica como produto dos debates e embates entre dois polos de argumentação sobre a maneira de a sociedade lidar com as pessoas que experimentam a loucura. No primeiro polo, identificamos a concepção mais conservadora que se fundamenta na síntese alienista do modelo psiquiátrico tradicional (Castel, 1991). Nesse caso, os grupos que representam esse polo consideram a loucura como um fenômeno biológico, de responsabilidade médica que requer controle e remissão de

152 sintomas por meio de intervenções como o isolamento social, a medicação e a punição. No polo contrário a esta argumentação, está a concepção mais revolucionária que defende a subjetividade, a autonomia e a estratégia da desinstitucionalização como desconstrução da mentalidade e das práticas manicomiais (ROTELLI, 2001). Consideramos o MLAM como o representante do polo revolucionário que tem contribuído para o encaminhamento da Reforma Psiquiátrica brasileira no sentido da construção de novas tecnologias e de novas relações entre os sujeitos envolvidos no processo que envolve a produção de subjetividade, de qualidade de vida, de práticas territoriais, o resgate de direitos e consequentemente a transformação do lugar social do louco. Assim, advogamos que a continuidade da incorporação das proposituras antimanicomiais na política de saúde mental, sintetizada na categoria “Reforma Psiquiátrica”, apresenta potencial para promover a transformação do imaginário social necessária à emancipação dos sujeitos sociais do modelo psiquiátrico tradicional, ainda hegemônico. Retomando as concepções apresentadas pelos entrevistados sobre a relação que ora se discute, foram identificados também depoimentos que reconhecem o processo de Reforma Psiquiátrica como uma consequência do MLAM, no sentido de que esse Movimento pressiona o Estado para formular políticas que contemplem suas reivindicações e propostas. Isto significa que a Reforma se caracteriza como um processo para efetivar a institucionalização, a regulamentação e a legitimação das mudanças requeridas na perspectiva da desinstitucionalização da loucura e do louco. Ou seja, ambos possuem o mesmo objetivo e ocorrem simultaneamente em uma relação de interdependência, como mostram os enunciados em seguida: Se ele [o Movimento] para de impulsionar, a Reforma para (E13). A Reforma Psiquiátrica surge a partir dos movimentos sociais, não é ao contrário. Os movimentos não surgiram da Reforma. Porque de fato, as coisas começam a tomar corpo, a ter uma representação real daquilo que o movimento tensiona (E17). Uma coisa está contida na outra, ou seja, a reforma está contida no movimento da luta antimanicomial. Então nesse sentido, o movimento da luta antimanicomial seria mais abrangente do que o próprio movimento da Reforma Psiquiátrica. Falar em Reforma Psiquiátrica é falar sobre a atuação dos profissionais de psiquiatria dentro desse campo, mas falar em luta antimanicomial é falar de uma forma mais abrangente que é também incluir a própria reforma psiquiátrica. Mas, luta antimanicomial ela vai incluir toda uma sociedade, não vai incluir apenas a mudança de postura de um médico ou profissional de saúde (E07). Para reformar nós temos que ter pessoas apaixonadas que venham do movimento. Se eu não tiver na Reforma pessoas que tenham a paixão do

153 movimento eu não sei se aguenta o entrave da Reforma. Porque enquanto o movimento é liberdade, a Reforma é prisão. Fazer, operacionalizar as coisas, porque tem prisão do ponto de vista de agradar a gregos e troianos. É assim, tem que ser assim, justificar por a+b tal e tal (E13). Para mim a Luta é anterior à Reforma. A Luta alimenta Reforma. A Reforma é um movimento da luta. A Reforma até certo ponto pode inclusive cristalizar a luta. É preciso ter muito cuidado! A Reforma é um conjunto de leis que hoje ainda são muito avançadas porque ainda não viraram realidade e no momento que a gente transformar esse construto legal que embasa a Reforma psiquiátrica, no momento que a gente transformar isso em realidade cotidiana, nesse exato momento vai está na hora de superar isso. A Luta Antimanicomial é muito maior que a Reforma, acho que ela é muito maior (E23). O movimento é uma coisa que para mim não é algo institucionalizado. A Reforma é algo que é institucionalizado. Porque quando você é Movimento, você é muito mais livre para pensar, para agir, para atuar. Quando você é Reforma você tem que seguir regras, normas e padrões (E29). A Reforma Psiquiátrica em termos de lei seria a parte mais institucional, mais legal. O movimento da luta seria o instituinte que potencializa ou interfere no instituído. Enquanto movimento da luta, pautamos isso, cobramos e fazemos análise institucional (E34).

A análise dos depoimentos permite afirmar que a relação entre os dois movimentos é simbiótica pela interdependência que esses movimentos apresentam. Os entrevistados reconhecem que o MLAM é um processo mais abrangente e amplo e permite maior liberdade de expressão para os sujeitos enquanto que a Reforma Psiquiátrica é um processo legal e, portanto, burocrático e institucional que viabiliza e regulamenta as reivindicações do MLAM. Rosas (2001) considera que a relação entre os dois movimentos é de mediação entre as políticas oficiais e os sujeitos coletivos. É possível considerar também que o MLAM está voltado para a transformação social através de uma luta política e ética enquanto que a Reforma Psiquiátrica trata da institucionalização dessa transformação. Essa compreensão decorre do processo ocorrido durante a trajetória sanitarista da Reforma Psiquiátrica quando muitos militantes do MLAM foram incorporados ao aparelho de estado e começaram a construir a nova política de saúde mental (AMARANTE, 1998). Lobosque (2001) considera o MLAM um conjunto de estratégias que exigem iniciativas políticas, jurídicas e culturas que criam, possibilitam e marcam a presença LIVRE, ou fora das grades, da loucura na cidade. O MLAM é reafirmado como movimento social do campo da saúde mental, pois, “revela o esforço de parte da sociedade para se emancipar de um mal social considerado repugnante para os que estão engajados [...] e impelem as pessoas para lutas que alteram sua vida social e política. É, portanto, a intersecção da sociedade com a política” (DIAZ, 2008).

154 A partir dos depoimentos dos entrevistados, fica evidenciado que, embora a militância antimanicomial no município investigado venha atravessando diversos conflitos, ambiguidades, retrocessos e períodos de desmobilização, ela promoveu ao longo de sua trajetória, alterações significativas nas quatro dimensões, sobretudo na dimensão técnica-assistencial. No entanto, o contexto vivenciado no último triênio dá sinais de que houve uma retomada das ações e das articulações entre os diversos setores em prol de transformações socioculturais e com perspectiva para a construção de um novo lugar social para as pessoas que experimentam a loucura.

5.2 AS CONCEPÇÕES SOBRE A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM JOÃO PESSOAPB A segregação se apresenta socialmente através de mecanismos muito mais sutis e eficazes do que a separação pura e simples [...] não mais a violência visível dos manicômios, as grades, as celas fortes e as camisas-de-força, mas a violência que opera silenciosamente pelo distanciamento e pela indiferença (OLIVEIRA; ALESSI,2005 p.166-168)

Esta categoria empírica sintetiza as posições sociais discursivas dos sujeitos da pesquisa que foram relacionadas com o objeto, com os objetivos e com o referencial teórico-metodológico do estudo, conferindo duplo significado ideológico ao processo de Reforma Psiquiátrica em investigação. O material empírico que permitiu tal compreensão informa que a mudança pretendida como Reforma Psiquiátrica, no cenário investigado, ora apresenta-se com o significado de atualização no modelo tradicional de atenção à saúde mental, sem a perspectiva de sua superação; ora com o significado de produção de transformações na relação entre a sociedade, a loucura, o louco e suas instituições. Nesta segunda categoria empírica, trataremos das concepções sobre os temas inerentes à Reforma Psiquiátrica a partir das dimensões identificadas por Amarante (2007). Os depoimentos foram organizados em dois blocos de significados que representam as duas tendências identificadas em relação ao encaminhamento do processo de reforma no município estudado. A primeira

tendência,

ainda

hegemônica,

agrega

características

do

aggiornamento (Castel, 1978) e do Reformismo (SILVA, 2003). Ou seja, uma mudança, sobretudo administrativa e reestruturante da rede de serviços, mas conservadora dos conceitos fundantes do paradigma psiquiátrico tradicional. Nesse sentido, a loucura é

155 considera uma doença cuja cura é possível através de tratamentos que na maioria das vezes, são medicamentosos. Em relação ao louco, prevalecem as noções de periculosidade, incapacidade; imprevisibilidade que o relegam a uma situação de exclusão social e de extirpação de direitos. A segunda tendência, ainda tímida e incipiente apresenta aspectos mais revolucionários em relação à desconstrução do paradigma psiquiátrico tradicional e à construção do paradigma da atenção psicossocial, principalmente pelo reconhecimento da dimensão sociocultural como estratégia de transformação social. No novo enfoque, a doença é considerada uma experiência subjetiva de sofrimento, mas com potencialidades a serem trabalhadas no sentido de promover a convivência social fraterna e solidária com a diferença, o resgate da autonomia e a restituição de direitos.

5.2.1 O aggiornamento no campo da atenção psicossocial: a Reforma Psiquiátrica como desospitalização. A incipiente e fragmentária rede existente, proposta pelo setor público incorporava modificações aparentes, no sentido de produzir as mudanças superficiais necessárias para a manutenção da essência que não é negada ou superada; não se explicita as contradições constituinte dos dois modelos divergentes – modelo médico-psiquiátrico e Reforma Psiquiátrica (OLIVEIRA; ALESSI,2005 p.179)

O início do processo pela Reforma Psiquiátrica no município de João Pessoa foi orientado pelas denúncias e reivindicações do movimento antimanicomial no cenário nacional e enfrentou desafios similares aos ocorridos em outros contextos. Apesar da efervescência do movimento antimanicomial, das conquistas políticas e administrativas, da ampliação da rede de serviços de saúde mental e da organização de associações de familiares e usuários, entre a década de 1990 e início dos anos 2000, foi destacado pelos participantes deste estudo que na atualidade, o processo demonstra descontinuidade, enfraquecimento ou reversão. Essa situação foi evidenciada pela maioria dos entrevistados que afirmou que as ações realizadas e os avanços conquistados foram insuficientes para provocar a transformação reivindicada pelo movimento antimanicomial e postulada pelas políticas públicas de saúde mental. Desse modo, serão apresentadas e discutidas nessa subcategoria as posições discursivas que remetem a compreensão do processo investigado como apenas uma mudança no modelo assistencial e nas práticas

156 terapêuticas que é evidenciada pela ampliação e pela melhoria da RAPS e pela conservação dos conceitos que fundamentam o paradigma psiquiátrico tradicional. Considerando a dimensão epistemológica, foram identificados no material empírico, os seguintes conceitos e temas: loucura, louco, doença/saúde mental, tratamento, cura, internação psiquiátrica, clínica, medicalização, desinstitucionalização e Reforma Psiquiátrica. As concepções dos sujeitos sobre esses temas mostram que o imaginário social do grupo investigado ainda está calcado no preconceito, no medo e na necessidade de controlar e excluir socialmente a loucura e o louco. No que diz respeito à loucura e ao louco prevalecem noções inerentes ao paradigma tradicional, tais como: anormalidade, incapacidade, periculosidade, inadaptação e irreversibilidade. Para os sujeitos pesquisados, a experiência da loucura ainda é considerada uma condição irreversível, uma doença de ordem orgânica ou biológica, que prejudica as relações sociais dos sujeitos que a experimentam, que por não apresentar perspectivas de cura deve ser controlada, vigiada, submetida e que por ser uma condição caracterizada pela incapacidade de adaptação ao contexto social leva o sujeito considerado louco um processo de exclusão social. Em relação a essa compreensão foram destacados os seguintes depoimentos:

Perda do controle, uma incapacidade de fazer parte da engrenagem do mundo, a gente não conseguir acompanhar o ritmo, não conseguir dar os resultados. Alguma coisa dentro de si que a impede de efetivar esse papel! [...] coisas que contribuem para pessoa perder essa capacidade de adequação, de responder às necessidades. As pessoas têm ritmos diferentes e infelizmente há um desejo assim, de que as pessoas se moldem, se conformem, assumam uma forma de um determinado modelo que é o ideal! (E26). [,..] loucura nasce da impossibilidade da pessoa de se adaptar momentânea ou cronicamente a essa sociedade como ela se apresenta [...] a loucura ela se torna uma doença na medida em que você começa realmente a ser prejudicada na sua vida social [...] a sociedade que cria a doença (E20). A loucura é aquela que não tem uma cura nem uma solução mesmo para nada. Porque ali adoeceu, não tem mais volta. A loucura é aquela que não tem mais uma perspectiva de vida, de nada. Eu acho assim, é diferente a doença mental da loucura. A doença mental tem o controle e a loucura não tem (E24). Loucura é uma doença no cérebro que desorganiza o pensamento, o raciocínio, que altera a química do cérebro, que deixa a pessoa com as funções mentais vamos dizer, atrapalhadas. Ouvindo vozes, vendo coisas que não existem. E saúde mental é o tratamento desse problema, desse distúrbio dentro de uma visão humanizada com medicação, com atividades sociais que integra a pessoa à medida que ela vai se tratando ela se integra a sociedade, é reintegrada a família. Eu acho que as duas expressões falam da mesma doença, só que na doença mental está ligada a uma visão mais moderna, mais trabalhada do tratamento da doença. Acho que loucura

157 está mais ligada ao manicômio, e doença mental está mais ligada ao tratamento atual (E33).

A redução do fenômeno da loucura a uma doença decorreu da necessidade da medicina moderna de se estabelecer enquanto ciência. Para isso ela teve que aplicar os métodos científicos e delimitar um objeto de intervenção. Desde então, passou a buscar causas, a caracterizar e classificar comportamentos e a determinar soluções para um problema complexo e que envolve outras dimensões da existência humana, como a social, política e cultural. Além disso, cabe ressaltar que o status de doente mental foi construído socialmente para responder a uma necessidade de excluir aqueles que incomodavam pela sua diferença e diversidade em relação ao que era esperado para o contexto da época. Foucault (1978) demonstra que a medicina se aproveitou dessa necessidade para capturar o fenômeno da loucura e legitimar seu saber no campo das ciências. Sobre esse processo Silva (2003, p.89) relata:

[...] o Modelo Clínico recortou como objeto do trabalho, o corpo individual e como instrumentos, sobretudo, os saberes da Morfologia e da Fisiologia, adotando uma a concepção de doença como um modo patológico que se opõe à normalidade, e, como finalidade do trabalho a recuperação da força de trabalho humana, incapacitada pela doença.

Dessa maneira, a loucura passou a ser uma questão médica, dominada e manipulada pelo psiquiatra cujo saber-poder-fazer foi legitimado no imaginário social. “Doente mental é aquele tem problema de depressão, de nervo, que depende de psiquiatra” (E28). Um conceito importante que foi forjado no contexto das experiências reformistas, pela Psiquiatria Preventiva e atualizou o paradigma tradicional foi o conceito de saúde mental. De acordo com Birman e Costa (1994), a saúde mental como novo objeto da psiquiatria instaurou uma mutação epistemológica na Medicinal Mental e trouxe muitos conflitos entre nova prática e a anterior que deram origem à Psiquiatria Social. A Saúde Mental diz respeito à ausência de sinais e sintomas psiquiátricos, à manutenção do equilíbrio, à aptidão para o convívio social e à normalidade. Está em oposição ao conceito de doença mental e envolve a capacidade do indivíduo de se adaptar às normas sociais e de produzir. De acordo com Alverga e Dimenstein (2005), os alienados eram considerados irresponsáveis que ao escapar das novas regras de convívio não eram autorizados a se constituírem como sujeitos de direitos e de deveres. Essa compreensão corrobora a noção de processo saúde/doença mental como uma reprodução da teoria da adaptação social no campo médico-psiquiátrico.

158

A pessoa dita normal é a pessoa que se enquadra nos padrões sociais, que ela consegue ter o equilíbrio de vida, de decisões, de enfim, que consegue trabalhar, consegue estudar, consegue se relacionar socialmente (E27). Normalidade eu acho que é você conseguir se adaptar às situações, você conseguir sobreviver sem apresentar sintomas, sem adoecer (E35). Doença mental é um distúrbio que você tem que incapacita você de ter uma vida social, normal para o cidadão (E04). . Acho que é você conseguir se adaptar as situações, você conseguir determinadas situações você se adaptar a ela, você conseguir sobreviver sem apresentar sintomas, sem adoecer (E35).

Outra noção bastante arcaica e excludente sobre a loucura que também foi produzida pela psiquiatria tradicional é a que considera o louco como um indivíduo sem auto-controle, sem juízo, sem capacidade de discernir; alguém perigoso e ameaçador; um animal e, portanto não-humano (AMARANTE, 2007). Tal compreensão também foi evidenciada pelos sujeitos pesquisados.

Sabe quando um animal vem latindo para você e que você tem medo, ele percebe seu medo e ele avança? A mesma coisa é o doente mental! Ele vem para você e percebe seu medo. Ele avança, ele percebe que você está indefeso diante dele (E37). O que é uma pessoa louca? É quando a pessoa joga pedra nas outras, nas casas. Come o que não presta, não tem juízo (E03). A gente tem medo por ele ter muitas vezes comportamento imprevisto e que ele não domina, que ele não tem domínio (E22). Quando se tem algum problema psíquico, você não consegue ter controle! [...] Não é palpável, a gente tem medo daquilo que a gente não conhece, por isso que a sociedade não admite (E09). Aqueles que padecem, sofrem de algum mal, eu tenho essa concepção, isso é pessoal. Uma percepção pessoal, no sentido de compaixão (E32).

A comparação realizada por E37 mostra como um comportamento estranho e diferente do que é esperado para determinado contexto sociocultural pode ser interpretado como algo ameaçador. A noção de animalidade e periculosidade que foi atribuída à loucura e ao louco ainda continua forte na sociedade e contribui para a manutenção de práticas punitivas, violentas, excludentes e desumanas. Já a concepção de E32 remete à ideia de louco como um coitado, um desgraçado, amaldiçoado, digno de “compaixão”. Essa noção está relacionada à interpretação da loucura como uma possessão ou distúrbio da paixão e representa uma concepção religiosa que é anterior à construção psiquiátrica do conceito de alienação

159 mental. Na antiguidade, era a Igreja a responsável pela a “administração” da loucura e pela “redenção” do louco. Os depoimentos dos sujeitos investigados evidenciam que as mudanças até então operadas no campo da atenção psicossocial e, sobretudo na organização da rede de serviços e dispositivos do município estudado não conseguiram transformar o imaginário social sobre a loucura, o louco e suas instituições e nem o lugar social dessas pessoas que continuam marginalizadas e estigmatizadas pela sociedade, sem credibilidade, em uma condição sociopolítica degradável e humilhante e sem garantia de direitos. As concepções dos entrevistados revelam uma contradição em relação à posição social discursiva do movimento antimanicomial, pois apesar de se identificarem com a militância que luta pela revolução no campo psicossocial revelam uma compreensão ainda arraigada nos conhecimentos que fundamentam o saber/fazer médico psiquiátrico, que são contestados pelo movimento antimanicomial. Cabe destacar que as concepções sobre loucura/louco/instituições orientam práticas sociais e norteiam a sociedade na maneira de lidar com essas questões podendo favorecer a desconstrução ou a manutenção dos processos de exclusão social do louco. O modo como a mentalidade manicomial contribui para manutenção do modelo psiquiátrico tradicional é apresentado por E16. Se ele vem com todo o peso, com todo o idealismo de que um louco não tem jeito, não tem cura, e é isso mesmo, realmente ele não vai contribuir para que a gente veja o CAPS da forma como deve ser visto. Ele vai simplesmente reproduzir mini- hospitais psiquiátricos (E16). Então é complicado você tentar trazer um processo de Reforma Psiquiátrica sem que a pessoa acredite naquilo. Vai ser uma mera reprodução das práticas anteriores (E36).

Isto significa que a “mudança cosmética” identificada por Silva (2003) que ocorre nas instituições psiquiátricas do município de João Pessoa, não consegue transformar as práticas dos profissionais e nem as práticas sociais e, consequentemente não transforma as relações da sociedade com a loucura e com o louco. Na verdade, segundo a autora, o que ocorre é uma maquiagem das práticas tradicionais que oculta toda a violência da instituição psiquiátrica para manter o paradigma dominante. O conservadorismo implícito em uma estratégia reformista é desvelado pelo seguinte depoimento: Então Reforma é isso: reformar. Quer dizer, é você renovar como se uma coisa tivesse velha, antiga e viesse alguém e reformasse. Reformar é dar uma nova cor, uma nova cara, é dar um novo tom (E09).

160

O depoimento sobre as mudanças ocorridas na atenção à saúde mental demonstra

uma

compreensão

que

não

corrobora

com

a

noção

de

desconstrução/construção defendida por Basaglia e adotada como pressuposto para o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira e evidencia que o processo tem assumido o significado de modernização do modelo de atenção, no município investigado. Em relação ao tratamento, uma parte dos sujeitos investigados o considerou como uma estratégia para o controle, para remissão ou extinção de sintomas e para readaptação social que tem como principal objetivo a cura enquanto retorno à Razão e ausência de sintomas. Cura seria você não ter mais aquele problema, você não apresentar mais. Mas pelo que eu vejo é o seguinte: os psicóticos não têm cura e os neuróticos sim [...]. Eu não sei se a palavra é cura, mas a gente consegue mantê-los estabilizados, muitas vezes baseado na medicação ou então numa assistência. É meio que uma liberdade assistida (E22). Quando a gente fala em cura, a gente fala de causa. Qual a causa? Você consegue determinar uma causa? Você tem a cura quando você tem a causa [...] Então eu vejo como um controle, manutenção e equilíbrio do eu. Você [médico] tem que manter esse equilíbrio de alguma maneira (E09). O pessoal bate na tecla que com o transtorno não tem cura. Você pode controlar os sintomas! (E05). Acredito na cura sim porque estou sendo medicado e o medicamento e o tratamento juntos têm praticamente cuidado de mim e não me deixam entrar em crise (E04).

O bloco de depoimentos denuncia o fracasso da Psiquiatria que mesmo adotando a Teoria da História Natural da Doença para explicar o fenômeno da loucura não consegue cumprir a promessa da cura, porque não encontra a “causa” para uma expressão humana tão genuína e diversa. A loucura não é um fenômeno papável, mensurável ou verificável através dos métodos convencionais para o diagnóstico clínico. Por isso, ao recortá-la como doença, mas não conseguir identificar a causa, a psiquiatria evidencia sua incompetência para sozinha dar conta dessa experiência de sofrimento humano e assume uma atitude de controle e vigilância que mesmo em serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico se mantém. Por isso, o tratamento clínico ainda é considerado o principal objetivo dos serviços de saúde mental que através da medicamentalização, da tutela institucional e da vigilância constante sobre as pessoas em acompanhamento, conseguem manter o controle de suas vidas. Assim, os profissionais continuam sendo responsáveis pela avaliação e determinação das

161 condições clínicas e psicossociais em que as pessoas poderão retornar às suas atividades cotidianas. Também fica a critério dos profissionais, sobretudo do médico a decisão da internação em hospitais psiquiátricos como destaca E09. A gente acaba decidindo sobre se uma pessoa é ou não é normal, naqueles parâmetros que vai depender muito também de quem avalia, é claro! Isso a gente aprende, foi o que a gente estudou para aprender: alguns critérios que nos fazem avaliar se algo está sendo condizente ou não. Não vou dizer que nunca fiz um internamento que talvez não fosse necessário. Claro que já devo ter feito algum! Porque enfim, a gente também tem as nossas limitações. Mas o importante não é você estar certo ou errado. O importante é você fazer aquilo que você acha coerente (E09).

O fato de esse profissional conceber que deve ser feito o que ele “acha coerente”, independentemente de estar correto ou não é uma afirmativa que ratifica e legitima o poder do psiquiatra em detrimento a qualquer outra circunstância ou possibilidade de cuidado. Ou seja, “[...] é o médico, que, seja como for, deve prevalecer [...] é o médico que terá a principal responsabilidade [...] Então, por que o médico? Porque ele sabe o quê” (FOUCAULT, 2006, p.229). A concepção do entrevistado demonstra como a psiquiatria se utiliza do discurso competente (CHAUÍ, 1995) para construir um saber inquestionável e universal sobre a experiência da loucura. As concepções da maioria dos sujeitos pesquisados sobre alguns conceitos e temas relacionados à dimensão teórico-conceitual ainda estão fundamentadas no paradigma psiquiátrico tradicional e influenciam o modo como o grupo investigado se relaciona com a questão da loucura. Essas noções norteiam como na prática cotidiana, os entrevistados realizam suas intervenções e organizam as instituições de saúde mental, ou seja, repercutem na dimensão técnico-assistencial. Desse modo, existe a tendência de que a Reforma Psiquiátrica em João Pessoa, se encaminhe como um processo Reformista, tal como pressupõe Silva (2003). A dimensão técnico-assistencial pode ser considerada a que mais tem avançado no município de João Pessoa, se for levado em consideração o indicador caps/hab (MS, 2010) e a diversidade de dispositivos que compõem a RAPS local. No entanto, os sujeitos da pesquisa identificaram vários problemas e situações nesse campo que reforçam o argumento de que existe uma atualização do modelo psiquiátrico tradicional com o significado de Reforma Psiquiátrica. Entre as questões que dificultam a desinstitucionalização total e favorecem o encaminhamento do processo pela Reforma Psiquiátrica na perspectiva do Reformismo foram elencadas: despreparo técnico e político dos profissionais que atuam na RAPS;

162 precariedade da infraestrutura e do funcionamento da RAPS; precarização das relações de trabalho e das contratações dos profissionais; dificuldade de articulação entre os serviços da RAPS com os demais serviços de saúde e equipamentos do território; centralização das ações nos CAPS com risco de institucionalização para os usuários, que tendem a reestabelecer uma relação de dependência com o serviço (Capscização); e reprodução de práticas manicomiais nos serviços substitutivos. Além dessas dificuldades, foi evidenciada também a hegemonia do saber médico, a dificuldade para o manejo com a crise, a pouca responsabilização/participação da família no processo terapêutico, a forte medicamentalização dos usuários, a ausência de projetos terapêuticos transdisciplinares; e a insuficiência de estratégias de desinstitucionalização (desativação de leitos psiquiátricos e implantação de leitos em hospitais gerais e estratégias de reinserção social). A questão da formação e da qualificação das pessoas que atuam no campo psicossocial, sobretudo daqueles que atuam na RAPS, apesar de ser identificada como uma questão da dimensão técnico-assistencial está diretamente relacionada com a dimensão epistemológica, pois diz respeito ao modo como o saber desses profissionais é construído. Alguns dos entrevistados destacaram que não tiveram uma formação acadêmica adequada às novas exigências do campo psicossocial, no sentido de uma preparação para uma atuação técnica inovadora, criativa e, acima de tudo política. Acho que de um modo geral não temos uma formação para cuidar de uma forma diferente (E08). Reconhecemos a importância que tem a universidade, mas, entretanto, às vezes fica muito limitada dentro dos muros daqui. A formação que a gente tem na universidade já é precária, no nível de discussão da luta antimanicomial (E34). Esse pessoal [trabalhadores] não teve uma readaptação, ou seja, uma reabilitação para trabalhar nessa luta antimanicomial, para trabalhar o paciente na sociedade, reinserindo eles no seio familiar e na própria sociedade (E39). Falta formação para essas pessoas. Muitas vão trabalhar na área sem ter uma formação. E aí, o que é pior? Elas nem tem a experiência, mesmo sendo aquela experiência manicomial, nem tem a formação. Mas há esperança, eu acho que há mais esperança se você pegar gente que não foi contaminado por essa cultura manicomial (E26). Então eu acho que a Reforma Psiquiátrica vai ter que começar primeiro dentro das próprias universidades, dentro das próprias escolas, quando a gente tiver sendo formando ou formando os novos profissionais (E06).

163 A mudança no modelo de atenção requer um novo perfil de trabalhadores que, na atualidade, são formados por instituições de ensino superior, principalmente pelas instituições públicas, cujo objetivo é preparar profissionais para atuarem no SUS. Embora o período de formação acadêmica não seja, na maioria das vezes, suficiente para uma formação ideal, que contemple os inúmeros temas e conteúdos inerentes a cada núcleo profissional, ressaltamos o Programa de Educação Permanente como uma política pública atual que visa suprir as necessidades de qualificação dos profissionais que atuam no cotidiano dos serviços a partir de uma formação que considere a realidade dos contextos nos quais estão inseridos. Além disso, considera-se que a formação profissional é um processo de construção permanente, que também exige que o trabalhador busque continuamente uma melhor qualificação no que concerne à sua área de atuação. Sobre o processo de formação em saúde mental, Rotelli (2008) considera que é necessário aprender novos saberes e que esses devem ser produzidos em novas instituições cujo interesse seja o crescimento da liberdade dos indivíduos e a emancipação. Por isso, não se deve procurar um saber sobre a doença que jamais foi comprovada, mas um saber que emane das experiências cotidianas compartilhadas com os loucos em seus territórios, onde seus direitos possam ser trabalhados e construídos. O autor defende que ao mudar o contexto da formação muda-se totalmente a competência e destaca a importância do processo de formação para a construção do perfil dos trabalhadores que possam atuar no campo da atenção psicossocial. O entrevistado E06 destacou a mudança no processo formação profissional como uma condição sine qua non para o avanço do Reforma Psiquiátrica. Outro fator que está relacionado à qualificação dos profissionais e foi evidenciado pelos entrevistados é a questão da precariedade das relações de trabalho. Segundo os sujeitos investigados, em João Pessoa, muitos profissionais são contratados arbitrariamente, sem concurso público, geralmente através de favores políticos e sem nenhuma experiência na área da saúde mental ou qualificação específica. Além disso, reclamam da remuneração salarial que não condiz com o tipo trabalho realizado.

A forma de contratação, hoje, para a saúde mental, tem sido de uma maneira extremamente equivocada (E06). Acho que as pessoas que vêm trabalhar em um serviço como CAPS precisam passar por um critério muito mais rigoroso. Eu acho que para trabalhar em CAPS, as pessoas deveriam ter um conteúdo político e ético muito mais forte. Não adianta abrir um monte de serviços sem poder capacitar,

164 sensibilizar e formar as pessoas que trabalham nesse serviço. A gente está colocando a galera para dentro e eles não estão sabendo o que fazer (E07). Porque quando chega uma pessoa com transtorno mental as pessoas ficam meio perdidas, sem saber o que fazer, sem saber como lidar com aquela situação (E33). A gente sofre com outra coisa também. Acho que é em todos os âmbitos de gestão, que é com a rotatividade de profissionais. Porque não tem concurso. A maioria dos profissionais não é de efetivos, apesar de João Pessoa ter trabalhadores concursados. Houve concurso, mas não supriu toda a rede (E13). Ninguém recebe legal para trabalhar aqui. É um trabalho desgastante. É um trabalho que mexe com a cabeça da gente. É um trabalho muitas vezes, pesado (E05).

Os sujeitos reconhecem que a falta de experiência, de qualificação e de vínculo empregatício prejudica o processo de trabalho na atenção psicossocial e principalmente compromete a qualidade da atenção ofertada. Nesse sentido, o grupo aponta a necessidade de que a gestão do município deveria estabelecer critérios para seleção e contratação de profissionais bem como investir na política de Educação Permanente desses trabalhadores. As questões relativas à qualificação dos recursos humanos em saúde mental não são diferentes das que ocorrem na saúde em geral. Porém, considerando que as relações interpessoais constituem o alicerce do trabalho em saúde mental, que lida com a subjetividade e as relações sociais advoga-se que os fatores mencionados e a fragilidade no processo de politização dos técnicos tornam a situação mais agravante. Os problemas relacionados à formação e à qualificação dos profissionais repercutem negativamente na postura e na conduta daqueles que atuam nos serviços substitutivos. Os depoimentos dos sujeitos investigados também revelam como a mentalidade manicomial ou os manicômios mentais (Pelbart, 1991) ainda estão presentes nas equipes de profissionais que atuam em serviços ditos substitutivos de modo que alguns profissionais não conseguem transformar suas práticas na perspectiva da inovação em saúde, da invenção de vida que é a proposta da Reforma Psiquiátrica. Manicômio para mim é a postura como você cuida, é a forma como você cuida. É manicomial ou não. Porque eu tenho CAPS’s que são manicomiais. A forma como impede você de se comunicar com as pessoas, de você sentar como você quer, a forma que lhe critica porque vestiu uma roupa que não é do trivial [...] A forma de lidar é manicomial dentro ou não do manicômio (E37). A gente tem alguns médicos dentro do PASM, quase todos, que são altamente manicomiais! Então, a proposta da política antimanicomial existe como um propósito do município, mas quando chega lá na ponta, é o profissional que determina a conduta (E17).

165 Infelizmente, você pode ver dentro de qualquer serviço, de qualquer CAPS as pessoas com a cabeça mais manicomial do que muita gente, até mesmo do que uma pessoa dentro de um hospital fechado (E30).

Os entrevistados criticam o modo como muitos serviços sob o título de substitutivos continuam a reproduzir práticas tradicionais e a produzir exclusão e desassistência (TORRE; AMARANTE, 2001). Isto significa que se não houver uma reflexão cotidiana sobre o trabalho desenvolvido nesses serviços e a consciência de que é necessário romper com o paradigma psiquiátrico, os CAPS ou qualquer outro tipo de serviço extra-hospitalar correm o risco de ampliar o processo de medicalização da vida. Sobre essa situação Dell’acqua e Mezzina (2005) afirmam que os novos serviços devem ter a capacidade de “colocar-se em crise” de modo a desmontar a prática simbólica da modalidade das internações psiquiátricas. Para os autores não há “trabalho com o sujeito” se não houver um “trabalho sobre o serviço”. A reprodução de práticas manicomiais nos novos serviços pode estar relacionada ao fato de que “somos constantemente capturados por nossos desejos de controle, fixidez, identidade, normatização, subjugação, ou, em outras palavras, por nossos desejos de manicômio” (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2006, p. 314). Desse modo, o acompanhamento em serviços ditos substitutivos ao hospital psiquiátrico não garante que a relação de tutela, controle e manipulação entre técnico-usuário seja superada. Muitas vezes, ao contrário, se reestabelece a mesma relação institucional característica dos serviços tradicionais que pode ser evidenciada pelo grau de dependência que muitas das pessoas acompanhadas nos serviços apresentam. Sobre essa situação relata E24: “Amizade de verdade eu não tive. Meus amigos é o pessoal do CAPS. “Eu não tenho facilidade de fazer amigos. Vivo mais assim, em casa. É casa – CAPS” (E24). O depoimento mostra a necessidade de uma articulação das equipes dos CAPS com o território no sentido de desenvolver ações junto às famílias dos usuários e atividades que trabalhem problemas da vida cotidiana, sem que essa intervenção se restrinja a uma simples medicalização (AMARANTE, 2007a). Lancetti (2009, p.52) afirma “a saúde mental operada no território é uma práxis complexa, em oposição à simplificação que faz funcionar um manicômio”. Por isso, deve-se recorrer a todos os recursos do território para atendimento às necessidades individuais e coletivas em saúde mental (DELL’ACQUA; MEZZINA, 2005). A territorialização em saúde mental é considerada uma das principais dificuldades para a atuação dos CAPS. Segundo os sujeitos da pesquisa, o número e a

166 distribuição territorial dos serviços não dão conta das demandas de saúde mental que além de comprometer a atuação da equipe, dificulta bastante a acessibilidade dos usuários. “Os CAPS, eles são estruturas importantes e precisam fazer esse movimento em direção ao território […] uma grande dificuldade é essa questão do acesso pelo fato do CAPS ficar longe da casa do usuário e dificulta” (E26). Além de apresentar uma divisão geográfica o território é considerado um “lugar social onde tecemos nossas referências de vida, onde dominamos os códigos segundo os quais montamos nossa rede de relações sociais” (AMARANTE, 2003b, p.63). Portanto, as ações territoriais dos serviços abertos constituem uma importante estratégia para promover a reinserção social das pessoas considerada loucas, ao contrário das instituições fechadas onde não existe produção de cuidado, de autonomia, nem de perspectivas para a reinserção social dos internos. Sobre a experiência da internação psiquiátrica foi relatado: “Você lá dentro é um objeto de estudo, você é um objeto de manipulação, de punição” (E16). Se você passar lá [no hospital psiquiátrico] como eu já passei onze dias, praticamente amarrado em cima de uma cama! É difícil. Não é para qualquer um não. Sem ter livre arbítrio para nada! A dificuldade que a gente passa em hospital é muito ruim. É praticamente um presidiário porque você só vê grade e cadeado, para lá e para cá. Por onde você anda só vê grade e cadeado. Não tem espaço para nada. É aquela aglomeração de gente, muita gente dorme no chão, dorme em cima de um colchão, dorme em cima de uma tábua (E40).

Os relatos dos entrevistados mostram o caráter totalitário, coercitivo e violento dos serviços tradicionais que constituem espaços medicamente marcados onde a psiquiatria exerce todo o seu domínio mediante a reificação, a sujeição e o aprisionamento dos internos. A experiência da internação psiquiátrica é sem dúvida uma das mais traumáticas e nefastas para o ser humano e uma grande representante das práticas de violação dos direitos humanos. De acordo com Dell’acqua e Mezzina (2005, p. 176), a “internação furta a pessoa ao seu contexto e a subordina a regras institucionais baseadas em uma abordagem medicalizante [...] e é incompatível com a vida integral do paciente”. Sobre a função do asilo, Foucault (2006) afirma: O asilo é o corpo do psiquiatra, alongado, distendido, estendido a tal ponto que seu poder vai se exercer como se cada parte do asilo fosse uma parte do seu próprio corpo [...] é a esse corpo que o doente deve ser submetido [...] [o asilo] deve poder, a um só olhar, ver tudo, num só passeio vigiar a situação de cada um dos seus doentes [...] o que ele próprio não vê, os vigilantes, inteiramente às suas ordens, devem lhe contar, de modo que, perpetuamente, e a cada instante, ele esteja onipresente no interior do asilo ( FOUCAULT, 2006, p.228).

167 A atualização das práticas manicomiais em serviços abertos constitui o maior exemplo de como a Reforma Psiquiátrica pode reproduzir o ideário Reformista, pois embora os loucos sejam “acompanhados” em serviços alternativos e ou substitutivos, muitas vezes, eles revivem a experiência hospitalar. Ou seja, existem muitos serviços territoriais de referência que funcionam como mini-manicômios, reproduzindo o abandono, a impregnação medicamentosa, a ociosidade, a violência contra os direitos humanos e a exclusão social. Alverga e Dimenstein (2005, p.60) afirmam que geralmente serviços e equipes são capturados pela subjetividade manicomial que imprime a esses serviços o “papel de afirmação do manicômio, da multiplicação e pulverização das clausuras do desejo”. “Eu mesma quero andar bem limpinha, bem ajeitadinha. Mas é porque às vezes, estou muito dopada de medicação” (E18). Entre os

processos

que

favorecem

medicalização/psiquiatrização;

a

a

uma

práxis

reformista

temos

medicamentalização/farmacologização;

a a

desospitalização e a capscização. Sobre os dois primeiros processos, destacam-se os seguintes depoimentos: Eu fiquei boa [curada] graças a Deus! Agora sou dependente de remédio, não posso deixar de tomar remédio (E28). A gente tem o modelo hospitalocêntrico, um modelo fechado, que não é emancipador do ser humano, que visa apenas à retenção das pessoas, um modelo que visa apenas à medicação (E07). Se você toma o medicamento certinho, você consegue trabalhar, você consegue fazer suas coisas da vida diária (E24). Existem dois tipos de alta no CAPS: uma é quando a gente percebe que o paciente ele faz o uso adequado do medicamento e organicamente ele entra em equilíbrio. Sem delírios, sem alucinações, ele volta a trabalhar [...] Ou o caso da alta administrativa. O que é alta administrativa? É aquele paciente que a gente matricula no CAPS, mas ele não quer participar (E06). O medicamento continua sendo o carro forte da história toda. É como se nada de novo acontecesse na vida! No fundo, a gente ainda tem aquela prática manicomial mesmo que seja dentro do serviço substitutivo (E26). Tanto medicação, como oficina, como a passagem pelo médico. A gente faz todo esse acompanhamento, todos os dias da semana. A gente observa como é que ele está, como ele participa destas oficinas, como esta questão das medicações [...] A gente se desespera, eles se desesperam porque chegam ao serviço e muitos não têm condições de comprar todos os medicamentos do seu esquema terapêutico. E quando chega aqui falta da medicação. Então isso atrapalha bastante (E02). Acho que o melhor tratamento é com a medicação, assim, tem vários fatores que ajuda você a melhorar, o remédio é só a base (E40).

168 A medicalização é o processo de “apropriação por parte da medicina, de tudo aquilo que não é de ordem exclusivamente médica”, mas de ordem social, política e econômica e está relacionado à possibilidade de fazer com que as pessoas sintam que os seus problemas são problemas de saúde não próprios da vida humana (AMARANTE, 2007, p.95). Outro significado que o autor considera para o processo de medicalização é de que o termo também se refere à utilização de medicamentos para responder às situações que são consideradas patológicas. Esse processo foi potencializado com o advento da Psiquiatria Preventiva - considerada um novo projeto de medicalização da ordem social que criou os Centros de Saúde Mental na comunidade nos Estados Unidos e, posteriormente com desenvolvimento da indústria farmacêutica que na década de 1950, lançou os psicofármacos. Desde então, a cada dia se produz um novo tipo de medicamento para um novo problema ou situação. Amarante e Torre (2010) afirmam que há uma aliança entre a medicina e a indústria farmacêutica que cria necessidades de saúde, fabrica doenças e induz a determinados comportamentos que são tomados como doenças. Em saúde mental esses processos são ainda mais fortes e de difícil enfrentamento porque no imaginário social prevalece a noção de doença mental como uma situação de descontrole e um perigo social que deve ser contido, controlado, sobretudo pelo tratamento medicamentoso. Amarante (2007a) resgata o sentido da luta antimanicomial que ao adotar o lema “Por uma sociedade sem manicômios”, se comprometeu com a desconstrução não somente do hospício, da instituição em si, mas com a desconstrução do paradigma manicomial, do saber psiquiátrico que é o que autoriza e fundamenta a apropriação da vida pela ciência médica. Além da medicalização e da medicamentalização, ressaltamos outro processo que corrobora o modelo conservador porque não opera a ruptura necessária com os ditames da psiquiatria nem consegue transformar o lugar social do louco, da loucura e de suas instituições: a desospitalização, ou seja, a diminuição dos leitos e da permanência hospitalar a partir da implantação de uma rede de serviços de cunho sanitário, transitório e provisório (AMARANTE, 1996). Em relação a esse processo temos os seguintes depoimentos: Em minha opinião, o CAPS não é diferente do que acontecia dentro do hospital nos últimos tempos porque as pessoas ainda não têm uma autonomia. Aquelas oficinas, elas são assim muito só de entretenimento, de ficar passando o tempo. A gente continua a ver muita ociosidade lá dentro do CAPS. As atividades não são atrativas para o paciente que fica deitado lá naqueles colchonetes, aquela coisa ociosa (E26).

169 Embora a luta já tenha anos e anos, a gente sabe que existe determinados serviços que continuam fazendo aquilo que a gente combate que é a violência, a agressão, o não acesso aos direitos humanos. A gente sabe que existe ainda (E31). Se uma pessoa frequenta o CAPS todos os dias para mim ela está institucionalizada, infelizmente. Essa institucionalização que a gente faz, essa abertura à tutela quase que incondicional, quase que 24h por dia que a gente tem para essa pessoas. Por isso a minha preocupação com as pessoas que ficam dependentes do cuidado em um CAPS. Como se o CAPS fosse o único processo ou então o único meio, o único lugar para que essas pessoas possam circular [...] Dessa forma o cuidado não é emancipatório! (E07).

Os depoimentos revelam que a criação e a ampliação de serviços abertos não têm conseguido realizar a desinstitucionalização como desconstrução do aparato manicomial, mas apenas mudado o lugar da institucionalização da loucura e do louco. Amarante (1996) considera que na prática, os serviços intermediários servem mais para aumentar a demanda hospitalar do que para desativar os manicômios, pois a preocupação com a redução de custos com a assistência é maior que a com a transformação de sua natureza. Além disso, a retirada das pessoas dos hospitais psiquiátricos sem uma rede estruturada e sem profissionais qualificados aumenta as taxas de reinternação hospitalar. Amarante e Torre (2001) consideram que, em muitos casos, o CAPS tem contribuído para a construção de uma rede paralela aos serviços psiquiátricos tradicionais que também se caracteriza por práticas cronicizantes e medicalizantes e psicologizantes. A desospitalização das pessoas constitui um risco para o processo de desinstitucionalização na medida em que há um investimento das políticas públicas de saúde mental no aumento do número de serviços extra-hospitalares sem que haja uma avaliação de que tipo de trabalhado tem sido realizado nesses lugares. A esse processo de “reorganização de serviços, vinculando-a a pura reestruturação do modelo psiquiátrico tradicional” foi denominado por Amarante (2003a) de “capscização”. Portanto, a transferência das pessoas dos hospitais psiquiátricos para os CAPS sem planejamento, organização e garantia de uma atenção de qualidade, eficiente e eficaz tem provocado a superlotação dos serviços, a desmotivação dos trabalhadores e a inversão do papel desse serviço que não consegue dar respostas às necessidades dos usuários, e nem realizar estratégias que resgatem a autonomia dos sujeitos e promovam a reinserção social e a emancipação da opressão do modelo psiquiátrico tradicional. Sobre as situações que caracterizam o processo de desinstitucionalização como desospitalização e/ou desassistência foi relatado:

170

Meu serviço está muito cheio. Então isso resulta que eu não tenho muito tempo para fazer um atendimento de qualidade àquela pessoa (E02). Então a quantidade (de pessoas) fica muito grande e a gente tem dificuldade de administrar. Acaba que o serviço não sai como nós gostaríamos (E33). Não existe um projeto daquele serviço dizendo o que é que esse CAPS vai fazer, quais são seus os projetos. Eu me pergunto quais são os projetos que tem os CAPS daqui? Parece-me que nenhum, a não ser ir para lá e passar o tempo (E29). Na verdade você só vai ocupar o tempo desse usuário. Eu vou ser muito sincera: a gente só está ajudando às famílias a resolverem seus problemas. A gente está de babá desses usuários [...] Então, eu estou apenas cuidado como se fosse um berçário, para alguns (E06). O CAPS é o lugar para o paciente ir passar algumas horas como se fosse uma creche para essas pessoas [...] Elas [pessoas da equipe] de fato não têm habilidade para lidar com a situação. Essa coisa de ser só um negócio por fazer, como se fosse para passar o tempo, mas sem aquela preocupação de melhorar de fato. E aí vai inchando o serviço porque não tem como dar alta às pessoas (E26).

O “inchaço” dos serviços provocado pela alta demanda de pessoas e pelo número insuficiente de serviços substitutivos tende a caracterizar o processo de desinstitucionalização com o sentido de desassistência na medida em que as equipes não conseguem atender às necessidades das pessoas que as procuram ou são encaminhadas por outros dispositivos da Rede de saúde/saúde mental. De acordo com Souza, Lima e Pinheiro (2007) nesse tipo de processo, os serviços funcionam em caráter alternativo e não como substitutivos ao manicômio, pois a população fica abandonada, descuidada e desamparada reforçando assim a necessidade de manter a estrutura hospitalar. Costa-Rosa (2000), ao considerar que coexistem no campo da saúde mental dois modelos contraditórios, alerta para o risco de que as práticas do modelo psicossocial possam recair na repetição dos contornos das práticas do paradigma que se pretendem superar. Para o autor, o contexto atual é de um modelo alternativo, pois envolve as contradições que são resultantes dos conflitos reais entre os grupos conservadores e os interesses sociais. Amarante e Torre (1997) consideram que o único serviço que realmente apresentou potencial para substituir os hospitais psiquiátricos foi o NAPS, na cidade de Santos e apontam uma diferença fundamental entre esse dispositivo e o CAPS. Segundo eles, o CAPS surgiu como uma proposta do tipo alternativo, intermediário ou transitório, situada na transição do modelo hospitalocêntrico para o modelo preventivocomunitário e, portanto, difere substancialmente do NAPS que era um serviço não

171 apenas médico, mas assumidamente sociocultural. Assim, pode-se justificar porque os CAPS desenvolvem tantas atividades ambulatoriais e porque mesmo com algumas inovações pontuais não conseguem de fato substituir os hospitais psiquiátricos. Outro problema que está relacionado à ineficiência da RAPS para atender as demandas de saúde mental é a dificuldade das equipes para elaborar o projeto terapêutico singular dos usuários e para planejar suas ações e estratégias, pois o número excessivo de pessoas para acompanhamento nos serviços dificulta as articulações que as equipes poderiam realizar no território e deixa os trabalhadores sobrecarregados com as demandas burocráticas que servem para justificar a produtividade e o desempenho da equipe e do serviço. Consequentemente, as equipes começam a improvisar atividades que muitas vezes, não têm significado e potencial terapêutico de modo que os serviços perdem a credibilidade e a funcionalidade e se transformam em depositários de pessoas que não encontram apoio, acolhimento e aceitação em suas famílias e na comunidade. Ao reconhecer que os CAPS funcionam como “berçário”, a entrevistada E06 denuncia que o serviço não tem correspondido à sua finalidade que é produzir subjetividades, sociabilidades, qualidade de vida e promover a reinserção social dos usuários. Ao mesmo tempo, ao se identificar com a função de “babás”, E06 assume uma posição de tutora na relação com o usuário e nega o seu papel político no processo de transformação da realidade das pessoas acompanhadas pela equipe do serviço. A comparação do serviço a uma “creche” reforça a noção de que o louco tem uma incapacidade intelectual e civil e que ele representa um fardo para seus familiares que por não saberem ou não conseguirem lidar com a condição de seu parente, elegem o serviço como “salvador da pátria”, o lugar legítimo e competente para “resolver o problema”, ficando assim isentos de suas responsabilidades. Geralmente, as pessoas da família quando tem alguém doente assim, não entendem direito e não sabem lidar com a doença (E19). O que acontece muitas vezes, no paciente de CAPS é que ele não tem o apoio familiar [...] Nós temos grandes problemas porque a família acha que o CAPS tem que tomar conta (E06). Trabalhar a família é um grande desafio. Porque a gente percebe que quando tem um paciente que por trás tem uma família que dá apoio e que acompanha, o paciente fica bem mais fácil da gente conseguir resolver aquela situação. Já quando não tem, a gente tenta, tenta, tenta até onde dá para chegar, porque a gente também não vai substituir a família. Então para mim é um grande desafio a questão da família (E27). Porque não adianta a gente fazer uma Reforma, por exemplo, se o usuário do CAPS quando está em casa, tem que ficar no quartinho dos fundos porque a família pega o dinheiro dele, faz empréstimo, e reforma a casa! Bota ele no fundo do quintal. Ele fica na casa, mas não tem direito a uma prótese! (E13).

172 Eu converso com mamãe para dar ao menos atenção ao CAPS. Ela não quer nem saber! Nem vem para uma reunião quando tem, não vem para uma festa, não vem para nada (E03).

Os dois blocos de depoimentos anteriores tratam de duas questões fundamentais para o êxito do trabalho das equipes dos CAPS na perspectiva da desinstitucionalização do louco, da loucura e de suas instituições: o papel dos técnicos e o papel da família. No paradigma psiquiátrico tradicional, o papel e a função dos técnicos era guardar os valores e os poderes instituídos, ou seja, a “formação e homogeneização de valores” (BARROS, 1994, p.177). Segundo Basaglia (2005, p.241-242), os técnicos eram incumbidos de usar o saber e o poder implícito em seu mandato social como instrumento de domínio: “o exercício desse saber demonstrou-se, na prática, aceitação e exercício de um poder social preciso e real, capaz de, reconhecendo e codificando as diversidades, determinar se destino”. No contexto da Reforma Psiquiátrica, Amarante (2003a, 2007) defende a necessidade da desconstrução da clínica tradicional e a construção de uma nova práxis em saúde mental cuja função dos técnicos passa a ser a produção de novas subjetividades e de novas sociabilidades, a luta pelos direitos, o resgate da autonomia e da cidadania, no território em que as pessoas vivem. A nova modalidade envolve a escuta organizada, o uso do tempo, a construção de uma rede de relações, a oferta terapêutica e, sobretudo, a tomada da responsabilidade que, de acordo com Rotelli e Basaglia, diz respeito a uma relação de contato e de compromisso com as necessidades globais do indivíduo com potencial para substituir as práticas manicomiais (vigiar, controlar, domesticar) e para superar o paradigma asilar (DELL’ACQUA; MEZZINA, 2005; ROTELLI, 2008, BASAGLIA; 2005). Essa relação encontra no âmbito da atenção primária condições favoráveis para sua exequibilidade, uma vez que a atenção primária tem como foco a família e como objetivo a reversão do modelo assistencial predominantemente médico, centrado na doença e no tratamento (AMARANTE, 2007). Para o autor, somente quando aprendermos a lidar com as famílias e com as comunidades é que aprenderemos a lidar com a saúde. Trata-se, portanto, de uma inversão total do percurso do paciente psiquiátrico a partir da construção de novos itinerários que promovam a convivência com a diferença e produzam propostas alternativas de vida de acordo com as necessidades dos sujeitos e dos recursos existentes no território (DELL’ACQUA; MEZZINA, 2005).

173 No que diz respeito à participação da família e à sua responsabilização com o tratamento, os depoimentos revelam a dificuldade, o pouco interesse e a pouca colaboração dos familiares com o trabalho realizado nos CAPS e com a situação do seu parente.

Dessa maneira, o serviço se torna mais um lugar para controlar os

comportamentos e para resolver situações que os familiares não conseguem ou não querem lidar. Rotelli (1994) afirma que o processo de desinstitucionalização das pessoas consideradas loucas implica na desinstitucionalização das famílias e que, portanto, as equipes devem ajudar às famílias a encontrarem uma dinâmica diferente, não destrutiva; a não incorporarem o desvalor da doença e a entenderem que a diversidade não deve se tornar um momento de destruição do parente com problemas de saúde mental. Existem algumas explicações para o tipo de relação família-usuário estabelecida nas situações que envolvem problemas mentais. Entre elas a de que a família também sente o estigma da sociedade pela condição de seu parente e tende a isolar-se como relata Rosa (2005, p.208) “o familiar/cuidador, exausto e estigmatizado, teme tornar pública sua condição, expor-se como representante da ‘saúde mental’ e conviver com o rótulo de “familiar de doido”. A autora relata também que muitas vezes, a família chega a um serviço psiquiátrico com sentimentos de impotência, exaustão, culpa e desespero encontrando na equipe um refúgio e uma esperança. Porém, historicamente a relação mais comum entre familiares e pessoas com problemas mentais é a do desamparo, do abandono em serviços de saúde mental e a exclusão social. Tal postura pode estar associada ao entendimento de que os loucos são improdutivos, incapazes, perigosos e irrecuperáveis e que, portanto, não merecem atenção/cuidado e investimento. Ademais, muitos familiares se aproveitam de algumas limitações que a condição mental impõe e usurpam bens dos parentes. Eu me sinto como lá em casa mesmo, eu me sinto assim, meia como rejeitada sabe? Porque às vez eu converso com mamãe pra dar ao menos atenção aqui sobre o CAPS. Ela não quer nem saber. Não, nem vem para uma reunião quando tem, não vem pra uma festa, não vem pra nada (E03) Geralmente, a família interna, abandona deixa lá. Eu conheço muita gente que mora, mora mesmo no hospital! Não tem convívio com a família. A família o deixa lá, aposenta o cara e fica comendo o dinheiro da aposentadoria dele. Deixa ele lá o tempo todinho, não liga, não vai visitar (E40). A quantidade de internação que ainda existe, quantas pessoas estão abandonadas no manicômio, quando os familiares internam e não vão nem visitar (E37).

174 Vale destacar que a separação das pessoas consideradas loucas de suas famílias foi preconizada por Pinel, que considerava a família uma causadora dos males mentais. Pinel propôs o isolamento como medida terapêutica e de proteção para o doente, para a família e para a sociedade baseado no seguinte argumento para justificar o princípio do isolamento do tratamento moral: “enuncio, penosamente, uma verdade triste, mas constatada pela experimentação repetida, qual seja, a absoluta certeza de confiar os alienados a mãos de terceiros e de isolá-los de seus parentes” (PINEL apud CASTEL, 1978, p. 86). A atitude de Pinel além produzir a segregação social do louco, estabeleceu um novo papel para o hospital (deixa de ser a caridade e assume a função terapêutica e de repressão) e um novo mandato social para os técnicos. A relação do usuário com as famílias tem sido considerada uma situação que requer investimento permanente das equipes de saúde mental considerando a resistência que muitas delas apresentam para aceitar a convivência com esse parente. A questão da participação familiar no tratamento e a parceria equipe-família têm repercussões diretas na qualidade da atenção e na superlotação dos serviços, pois a fragilidade da relação usuário-familiar-serviço aumenta a possibilidade da condição do usuário piorar, o tempo de sua permanência no serviço, a dependência desse usuário do serviço e o número de pessoas acompanhadas pela equipe. Os sujeitos pesquisados destacam também que há inabilidade dos profissionais da RAPS e da Rede de atenção à saúde em geral para lidar com as questões de saúde mental oriundas de seus territórios de abrangência bem como a falta de articulação entre os diversos serviços da rede intersetorial gerando uma sobrecarrega de atribuições e de demandas para as equipes de saúde mental. A dificuldade do funcionamento em rede e da co-responsabilização dos profissionais corrobora um prática em saúde mental restrita à ocupação de mentes ociosas e à distribuição de medicamentos característica do modelo manicomial. Você marca um psiquiatra para daqui a 8 meses. Então como você vai fazer o tratamento psicofarmacológico desse paciente? Então termina ele enchendo e aglomerando o CAPS. E o que acontece dentro do CAPS? [...] não adianta você fazer uma oficina para uma pessoa que é neurótica e outra que psicótica e você juntar no mesmo lugar. Você não vai alcançar! Mas aí eu coloco um monte de gente em uma sala que não tem as mesmas capacidades. A gente está tão inchado, que termina tendo que mandar para o manicômio (E06).

Um aspecto que chama atenção no relato de E06 é o fato da entrevistada acreditar e defender que deva haver nos serviços ditos substitutivos, uma

175 separação/classificação entre os usuários de acordo com critérios de diagnóstico médico e com a “capacidade” do sujeito de corresponder às atividades realizadas pelas equipes. Tal concepção remete aos tempos pinelianos cuja principal estratégia era o isolamento e a nosografia da denominada alienação mental. Assim, o modo como algumas pessoas compreendem o cuidado em saúde mental pode ser uma das explicações para que a maioria das atividades realizadas nos serviços não consiga atingir seu potencial libertário e emancipatório, de produção de autonomia e se reduza a momentos fúteis, vazios e inexpressivos para a vida dos sujeitos, como se o período que eles estivessem lá fosse um “faz-de-conta”, um “passatempo” ou um momento de descanso para os familiares. Outra questão importante que também é evidenciada pelos entrevistados é a continuidade da internação psiquiátrica enquanto prática terapêutica em um contexto de defesa do processo de Reforma Psiquiátrica na perspectiva da desinstitucionalização e da superação dos manicômios. Sobre essa realidade foi dito: Qual é a alternativa que a gente tem no momento. De cima para baixo, seria assim: hospital, manicômio, CAPS e a questão do ambulatório, de trabalhar questões mais leves (E06). Porque a demanda que deveria estar no ambulatório, está no CAPS; a que deveria estar no CAPS, está no manicômio, e o PASM não está cumprindo com o papel regulador, da forma que a gente pensou, que documentou, que pactuou na Carta de João Pessoa. Porque o PASM nasceu com o intuito de dar suporte ao CAPS tipo III, e reduzir as internações psiquiátricas desnecessárias (E17). Eu, imediatamente, sugeriria encaminhar para o Hospital Juliano Moreira, que é a referência que eu tenho em relação a trabalho com transtorno mental (E32).

Os relatos confirmam a hegemonia do modelo tradicional na medida em os sujeitos da pesquisa reconhecem o hospital psiquiátrico como uma referência para a atenção à saúde mental e consideram a possibilidade de internações psiquiátricas decorrentes da inabilidade de um serviço substitutivo para evitá-las. O contexto de conservação do paradigma psiquiátrico tradicional permite afirmarmos que enquanto não houver uma mudança na mentalidade e no imaginário social sobre a loucura, o louco e suas instituições, embora se crie diversos tipos de serviços, de dispositivos e de estratégias terapêuticas, haverá apenas a atualização e a reprodução do modelo que se pretende superar. Isto significa que os “novos” serviços continuarão a priorizar a valorização da produtividade em detrimento à escuta qualificada, ao acolhimento e à produção de subjetividades e a reproduzir relações custodiais e de tutela institucional de

176 modo que as pessoas com problemas mentais permanecerão na condição de desafiliados (CASTEL, 2007). O problema da continuidade da mentalidade manicomial em serviços substitutivos é corroborado pelas divergências e conflitos que existem entre os profissionais da equipe multiprofissional, pela desigualdade entre as categorias, pela hegemonia do saber médico-psiquiátrico e pela fragilidade política em relação à luta antimanicomial. A psiquiatria sempre foi um entrave muito grande. Não querem, não aceitam e não se envolvem. Eles não vêm todos os dias e não participam de todas as atividades. É uma grande dificuldade! (R37). Nós temos algumas dificuldades para que os médicos participem dessas comissões Os psiquiatras aqui na Paraíba são poucos e eles têm sempre uma carga horária muito grande (E20). Se a gente tivesse uma equipe, ainda que sem o psiquiatra, que tivesse maior conhecimento, mais qualificação e pudesse ter enfrentamento com o psiquiatra dentro do serviço, a gente avançaria. O problema é que a gente sabe, é cultural que “com o doutor ninguém discute”. E se você não tem o entendimento, não tem o fermento da questão antimanicomial dentro de você, aí é que você não discute mesmo! É muito cômodo às vezes, jogar para cima do doutor (E17).

O depoimento de E37 revela como o poder médico-psiquiátrico influencia no processo de hierarquização dos papéis e das relações entre os profissionais que atuam nos CAPS’s. A falta de psiquiatras, a flexibilidade de horário para essa categoria profissional e a pouca participação do médico na construção das ações transdisciplinares da equipe faz com que as atividades desse profissional se restrinjam ao atendimento ambulatorial e os projeto terapêuticos se fragmentem. Dell’acqua e Mezzina (2005) afirmam que a separação dos papéis e das atribuições dos operadores de modo rígido e hierarquizante comprometem a autonomia decisional e operativa de todos os profissionais e diminuem a capacidade de resposta da equipe às necessidades dos usuários. Esse tipo de organização das relações interprofissionais impede a emancipação dos sujeitos da opressão da psiquiatria e dificulta a construção de novas sociabilidades que se pautem pelo princípio da reciprocidade e do acolhimento à diversidade de saberes. Uma questão relevante evidenciada pelo depoimento de E17 é a falta de conteúdo político da maioria dos trabalhadores do campo psicossocial para realizar os enfretamentos necessários a uma prática revolucionária de atenção à saúde mental e à libertação da dominação médica. A entrevistada reconhece que o avanço em relação à

177 superação da prática manicomial requer a qualificação de toda a equipe e a desconstrução de uma cultura em que prevalece a noção da loucura como uma questão acima de tudo médica. Ao mesmo tempo E17 ressalta que há um comodismo e falta de compromisso dos demais profissionais em relação à tomada da responsabilidade ao afirmar que “É muito cômodo, às vezes, jogar para cima do doutor” (E17). Outra circunstância indicada pelos sujeitos pesquisados como desafio para o avanço da Reforma Psiquiátrica na perspectiva da ruptura com o modelo biomédico e hospitalocêntrico é a dificuldade técnica e estrutural das equipes dos serviços substitutivos para acolher as situações de crise. Os depoimentos informam que muitas vezes, as crises justificam a internação psiquiátrica. E outra preocupação também é com relação à atenção a crise nos CAPS. É outra dificuldade que a gente tem porque eu acho que um dos nossos desafios é você acolher um usuário em crise, em um serviço substitutivo. Tanto aqui [PASM] como no CAPS [...] É difícil um CAPS ter toda a aparelhagem, os recursos humanos e a estrutura física necessária para acolher uma pessoa em crise (E31). A gente percebe que a crise ainda é desafiadora. Muitos profissionais ainda não sabem como lidar com a crise. Então, como eu não sei é mais fácil botar dentro do manicômio (E35). O objetivo maior [do CAPS] é cuidar desse controle para que as pessoas entrem menos em crise. Se entrar, que elas sejam crises mais brandas. E o que está acontecendo é que a gente não está lidando com a crise, a gente está pegando a crise e colocando no hospital psiquiátrico (E37).

A questão da atenção à crise é considerada por Amarante (2007) um dos aspectos mais difíceis e estratégicos. Para o autor, no modelo psiquiátrico clássico a crise era entendida como uma situação de grave disfunção decorrente de uma doença que precisava ser contida e controlada. No entanto, no contexto psicossocial a crise é compreendida como uma situação resultante de vários fatores (sociais, familiares, financeiros, comunitários) que requer uma rede de relações entre sujeitos (usuários, técnicos, familiares e comunidade) e uma Rede de serviços abertos e flexíveis que produzam encaminhamentos para as diversas situações sem que o usuário seja alijado do processo. Dell’acqua e Mezzina (2005) defendem que as intervenções em crises devem ser rápidas e precoces de modo a evitar internações psiquiátricas e redução da complexidade da existência de sofrimento do sujeito a um sintoma. Um serviço identificado pelos sujeitos pesquisados para atender as emergências em saúde mental em João Pessoa, que foi criado para operar na perspectiva defendida pelos autores como também para o ordenamento do fluxo na RAPS e para a

178 diminuição de internações psiquiátricas desnecessárias é o Pronto Atendimento em Saúde Mental - PASM. João Pessoa é muito bem visto lá fora como referência. Por exemplo, ter um serviço como o PASM, de urgência e emergência psiquiátrica, a gente não encontra em outros locais [...]. Foi iniciativa própria do município de tentar reduzir essas internações psiquiátricas desnecessárias (E22).

Porém, apesar de reconhecerem o papel estratégico do PASM, os entrevistados denunciam que esse serviço não dá conta da demanda que chega até ele e muitas vezes, contribui para o aumento das internações psiquiátricas a depender da conduta da equipe plantonista, como relatado anteriormente por E17 (p.178). Além disso, há um conflito entre as equipes desse serviço e as equipes dos CAPS que ficam num “jogo de empurra”, criticando as condutas terapêuticas dos colegas e em algumas situações se recusando a assumir a sua responsabilidade no processo. Não tem diálogo entre esses serviços. É quase subjetiva a questão da referência e da contra referência. Porque muitos serviços não fazem de fato. Ficam responsabilizando o outro que não mandou (E34). Mas a gente que trabalha na emergência, a relação não é fácil com os CAPS. Porque a partir do momento que um CAPS coloca um “não podemos receber por não ter médico”, isso é um tiro no pé! (E31). E também – o detalhe sórdido – existe uma competição entre os CAPS, o que enfraquece o serviço. Às vezes, a gente fica com um paciente que não deveria, que não é nosso porque a gente não quer deixá-lo à margem. Às vezes a gente tem um paciente que não é nosso o caso, que não precisaria estar com a gente, mas como nós não encontramos um espaço para ele, nós ficamos (E06).

O

último

depoimento

do

bloco

revela

o

risco

do

processo

de

desinstitucionalização se transformar em desassistência, à medida em que os serviços não conseguem garantir integralidade no cuido em saúde mental através RAPS e demais setores. A “competição” entre os CAPS fragiliza a articulação entre os serviços porque alguns deles não assumem sua co-responsabilidade no processo e o atendimento às demandas passa a depender do “desejo” de profissionais que muitas vezes não têm compromisso com o usuário. Outro aspecto evidenciado pelo depoimento é a compreensão de E06 de que o CAPS assume a mesma função do manicômio, ou seja, de depósito para pessoas que por serem consideradas loucas não encontram lugar na sociedade. Esta análise não tem o objetivo de negar a importância do CAPS como articulador da RAPS nem seu potencial para acolher situações de crise, mas de defender que as pessoas com problemas mentais apresentam diferentes demandas e necessidades

179 que podem e devem ser acolhidas em qualquer ponto da Rede de atenção à saúde/saúde mental. O lugar da loucura, do louco, dos usuários é na cidade, circulando em todos os dispositivos que ela oferece. A dificuldade dos CAPS de João Pessoa para articular os demais dispositivos de saúde e equipamentos do território compromete o processo de desinstitucionalização dos sujeitos com sofrimento mental, pois diminui as possibilidades de sua reinserção social. Saraceno (1996a) defende a reinserção social como a restituição e a ampliação da contratualidade social que envolve quatro variáveis: sujeitos, contextos, serviços e recursos. O autor compreende a reabilitação social como exercício de cidadania, entendida como um rol de direitos e deveres, de relações de reciprocidade e de cumplicidade que deve ser vivida e atualizada na prática concreta (SARACENO, 1996; KINOSHITA, 1997). Nesse sentido, podemos afirmar que o processo de reinserção social do louco e da loucura no município de João Pessoa, requer um trabalho de articulação entre as redes existentes (saúde, saúde mental, educação, assistência social, habitação, cultura etc) como mostram os depoimentos a seguir: Eu costumo dizer que não existe Rede. Existem serviços, só que eles não estão articulados (E36). Nós temos uma Rede de saúde mental, que não é rede! São redes paralelas que não se encontram e que qualquer pessoa que tentar deitar nessa rede cai (E09). Então, a intersetorialidade é o maior desfio! A gente não consegue fazer com que a Rede de serviço de saúde mental se articule com as outras redes existentes e nem que os profissionais da atenção básica também reconheçam a importância deles nesse processo [intersetorialidade], no campo da saúde mental (E29)

Considerando que uma rede de atenção em saúde constitui “uma malha que interconecta e integra os estabelecimentos e serviços de saúde de determinado território, organizando-os sistematicamente para que os diferentes níveis e densidades tecnológicas de atenção estejam articulados e adequados para o atendimento ao usuário e para a promoção de saúde”, advogamos o fortalecimento da RAPS e a urgência da sua articulação com os demais setores da sociedade no sentido de promover avanço do processo de desinstitucionalização (SILVA; MAGALHÃES JÚNIOR, 2008, p.81). Amarante (2007, p.86) considera a intersetorialidade um conjunto de “estratégias que perpassem vários setores sociais, tanto do campo da saúde mental e saúde em geral, quanto das políticas públicas e da sociedade como o todo” e recomenda que as equipes da atenção psicossocial “devem sair da sede do serviço e buscar na sociedade vínculos

180 que complementem e ampliem os recursos existentes”. O Relatório Final IV CNSM apresenta vários elementos para melhoria da atenção em saúde mental na perspectiva da intersetorialidade. Silva e Magalhães Júnior (2008) afirmam que a construção de efetivas redes de atenção à saúde envolve o cumprimento do princípio da integralidade e pressupõe os seguintes componentes: espaço territorial, serviços e ações de saúde de diferentes densidades tecnológicas, logística e sistema de regulação. De acordo com os autores, a integralidade apresenta três sentidos: um olhar sobre todas as necessidades do usuário; as possibilidades de atingir, na plenitude, o sentido anterior (integralidade horizontal); e a integralidade construída, também denominada pelos autores de intersetorialidade. Isso significa que a construção de uma rede de saúde é “produto de diversas políticas públicas e de condições historicamente acumuladas” (SILVA; MAGALHÃES JÚNIOR, 2008, p.74). Os principais fatores que os entrevistados consideram que dificultam as articulações do CAPS com os serviços de saúde/saúde mental e o trabalho em rede são: falta de acessibilidade para os usuários, pouca resolutividade dos serviços extrahospitalares, falta de especialistas em saúde mental nos serviços ambulatoriais, pouca articulação dos CAPS com os serviços da Atenção Básica, falta de qualificação dos agentes comunitários de saúde em saúde mental e número insuficiente de profissionais nas equipes dos CAPS. A gente identifica muitos furos! A gente vê uma rede ambulatorial extremamente frágil. Os pacientes se perdem na rede. Os pacientes não têm uma assistência de imediato da psiquiatria, da psicologia quando a gente percebe que havia essa necessidade. Então passam meses sem que a consulta seja marcada. A equipe de saúde da família tem uma participação importante no cuidar dessas pessoas. Mas, a gente não pode com isso dizer que a unidade vai ser exclusivamente responsável pelo paciente. Há necessidade dos especialistas, dos psiquiatras também fazerem parte desse cuidado. E a equipe do CAPS tem uma equipe mínima para dar conta de inúmeros pacientes. Então sobrecarrega o CAPS! (E23). A gente sabe que a Atenção Básica é a porta de entrada. Então se a gente não consegue que os profissionais da atenção básica também reconheçam a importância deles no processo e entendam que isso é fazer saúde mental, a gente não avança (E29). Uma articulação fundamental seria com a atenção básica. Mas as experiências têm sido um pouco tímidas (E34). Sabe um trabalho que achei que seria muito interessante? Era uma sensibilização dos agentes de saúde. Porque eles estão lá no dia a dia, nas casas. Mas a gente está com muitas metas a cumprir e eles ainda têm que entregar os exames que são marcados, de casa em casa (E30).

181 Além da reinserção social e do trabalho em rede, consideramos como estratégias importantes para o processo de desinstitucionalização a desativação de leitos em hospitais psiquiátricos e a implantação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Em João Pessoa, esse processo está muito lento e apresenta vários entraves como: preconceito e resistência de trabalhadores e de diretores dos hospitais gerais; capacidade física instalada inadequada e insuficiente para comportar as demandas da emergência em geral e de saúde mental; estruturação precária da RAPS para acolher as emergências em saúde mental; número de serviços comunitários insuficiente para dar retaguarda às ações de saúde mental, principalmente na Atenção Básica; e também decisão política do governo municipal. Porque se os leitos vão ser desativados, é preciso ter uma rede que suporte isso. Não é acabar com o manicômio sem ter estrutura. Tem muitos lugares que não estão funcionando como diz a teoria: uma articulação entre atenção básica, entre os serviços especializados, entre os hospitais gerais (E34). Acho muito complicada a nossa realidade em um hospital geral porque ele tem apenas 3 leitos. Nós precisamos destas enfermarias psiquiátricas! O ano passado, a gente não deixou de fazer reunião com diretor de hospital. E é difícil porque a equipe também é difícil. Não quer receber. É complicado. E aquelas coisas que a gente sempre escuta dizer: da desordem, que perturba os outros, que não tem condição, tem que ter treinamento especial porque é um paciente muito complicado, é muito difícil. Uma resistência muito grande do próprio trabalhador (E13). O que se percebe é que vai com uma avidez tão grande para diminuir leito que se esquece de fortalecer o resto. O pessoal não entende que se você fortalecer os tratamentos comunitários, automaticamente vai diminuindo o número de internamentos. Não porque a gente está querendo. Mas porque o fluxo vai diminuindo já que você está tendo um atendimento de qualidade (E09). Um grande desafio começa com sensibilização de gestão, que não entende. Enfim, a questão não é só criar serviço, não é só mudar usuário de um serviço para outro Só que a gente sabe que isso é uma questão de decisão da gestão, porque para que esse serviço fosse aberto foi uma decisão. O gestor quis e abriu (E08).

Em relação à desativação de leitos psiquiátricos, lembramos que esse processo requer não apenas o descredenciamento dos leitos públicos, mas, sobretudo, dos leitos da rede privada e a ampliação de estratégias de reinserção social como a criação de Serviços Residenciais Terapêuticos, de Programas de Volta pra Casa e de Unidades de Acolhimento. Outro instrumento que pode fortalecer esse processo é o Programa Nacional de Avaliação de Serviços Hospitalares Psiquiátricos – PNASH que tem o objetivo de vistoriar as unidades hospitalares e através de um parecer técnico indicar a o fechamento das instituições. O último PNASH realizado em João Pessoa foi em 2012.

182 Os desafios identificados na dimensão técnico-assistencial, através dos depoimentos dos sujeitos investigados demonstram que o processo da Reforma Psiquiátrica em João Pessoa tem se configurado predominantemente, como um processo reformista. Embora tenham ocorrido importantes avanços em relação à RAPS, a mentalidade e as práticas nos serviços extra-hospitalares conservam o modelo tradicional e impedem a construção de uma nova relação da sociedade com a loucura, com o louco e com suas instituições. Portanto, podemos afirmar que o modo como as equipes de saúde mental atuam no cotidiano dos serviços não consegue emancipar as pessoas envolvidas no processo da opressão do modelo médico-psiquiátrico. Amarante (2008) destaca a importância do surgimento de sujeitos coletivos conscientes e ativos que resistam aos processos de anulação de suas identidades e questionem os dispositivos e estratégias de dominação para que possam produzir outros valores e outras instituições. Nesse enfoque, destacamos a dimensão jurídico-política cujo papel é a redefinição da condição do louco e da loucura em termos de cidadania, direitos humanos e sociais. Nessa dimensão, ocorre a mediação da relação entre sociedade e Estado através de um arcabouço jurídico para a regulamentação de serviços e dispositivos, da legalização das políticas públicas e da criação de direitos e de benefícios para as pessoas com problemas mentais. O material empírico revelou que alguns dos entrevistados compreendem a Reforma Psiquiátrica como sinônimo de promulgação de uma nova legislação, ou como uma institucionalização das reivindicações do MNLA (AMARANTE, 2005). Por isso não é incomum que muitas pessoas se refiram à Reforma Psiquiátrica como a instituição da Lei Nº10.216/2001. A Reforma Psiquiátrica é tentar colocar em normas e portarias mediante um processo de construção democrática, aquilo que é sonhado pela Luta, aquilo que é almejado pelo usuário. A Reforma é a possibilidade de a gente burocratizar e institucionalizar o Movimento (E13). É a parte legal, digamos assim, do que a gente propõe como estratégia de cuidado. Na Reforma você trabalha essas questões mais conceituais, questões mais concretas do ponto de vista de criação do serviço, de portarias que regulamentam, do funcionamento, de como deve se dar. Porque daí é que vêm todos os conflitos (E17).

Os depoimentos destacam a Reforma Psiquiátrica como um desdobramento das lutas sociais iniciadas pelos trabalhadores de saúde mental no final da década de 1970, contra a violação dos direitos humanos e a precariedade das condições nos hospitais psiquiátricos. Ela nasceu como um processo de luta pela regulamentação de novas

183 práticas e de novas instituições em saúde mental por conta da necessidade de superar o paradigma psiquiátrico e de transformar a relação que a sociedade estabeleceu com o louco, com a loucura e com suas instituições. No campo jurídico-político, se reivindica a criação e a efetivação de direitos no campo psicossocial e se estabelece as normas e diretrizes para a aplicação de recursos e para a operacionalização da política de saúde mental. A Lei de um modo geral serve para ser o parâmetro de ações, do que pode e do que não pode no sentido do que é melhor para aquela clientela, para aquela pessoa. Então, as leis têm esse objetivo de mostrar o caminho para que se tenha uma linha de ação e não fique cada um fazendo do seu jeito (E26). É burocracia para conseguir e obter o recurso, para liberar o recurso e para comprar o equipamento com aquele recurso. Não deixam de surgir novas portarias com avanços e novas formas de fazer (E13).

Entre os entrevistados, foram principalmente gestores e trabalhadores que conseguiram identificar e citar algumas leis, portarias e resoluções relacionadas à saúde mental. Porém, a maioria sequer mencionou a Lei da Reforma Psiquiátrica (Nº10. 216). Em geral, citaram alguns documentos nacionais e apenas cinco pessoas fizeram referência à legislação específica local. Entre os documentos citados, além da Lei Nº10. 216 foram: o Decreto 7.508/2011, a Portaria 336/2002 (criação dos CAPS), a Portaria Nº 3090/2011, a Portaria Nº 148/2012 (leitos em hospitais gerais), a Lei Nº 7.639/ 2004 (Lei da Reforma estadual), a Lei Nº 369/2010 (Lei da Reforma municipal) e a Lei Nº 12.069 (Lei do Passe livre). O Decreto 7.508/2011 é evidenciado como um dos grandes avanços no campo jurídico e da saúde. Também foram mencionadas algumas das portarias publicadas no triênio 2010-2012 que trouxeram várias modificações para a organização e para o financiamento dos serviços da RAPS: A gente conseguiu ter a Atenção Psicossocial entre as cinco redes prioritárias da saúde e isso deu boom quando saiu o Decreto 7.508, que regulamenta a [Lei] 8.080. Todo e qualquer gestor tem que entender, hoje, que tem que ter cuidado com a atenção psicossocial, embora tenha saído no meio, portarias, que nós, enquanto movimento não consideramos muito agradável. Mas de certa forma não dá para não pensar que foi um avanço (E13). Esse ano [2012] é um ano das portarias! Tem tanta portaria! É um grande avanço porque os gestores vão se interessar mais em abrir Residências Terapêuticas, porque o custeio fica garantido (E17). Para você ter uma ideia, o Ministério da Saúde liberou para 123 municípios de pequeno porte da Paraíba, um recurso específico para trabalho emergencial na saúde mental na área de álcool e drogas, e para ações de matriciamento, que é para esses municípios poderem fazer capacitação em

184 saúde mental, e nós orientamos todos esses municípios [...] mas, essa nova portaria [Nº148], mesmo com muitas exigências, como ela traz uma questão financeira diferenciada, a gente espera que vá minimamente conseguir com que esses hospitais passem a ter mais leitos (E13).

Os depoimentos mostram que os sujeitos pesquisados identificam avanços e desafios em relação à legislação em saúde mental. Como avanços os entrevistados apontam: priorização da Rede de Atenção Psicossocial no campo da saúde, investimento financeiro na ampliação da RAPS, na qualificação de recursos humanos e na implantação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais e regulamentação de custeio para serviços extra-hospitalares. Em relação aos desafios eles citam o processo de elaboração das Leis; a fragilidade política do Movimento Antimanicomial; a capturação de lideranças do Movimento para compor o aparelho do Estado; os interesses políticos e as concepções de gestores sobre a política de saúde mental, principalmente no que diz respeito à implantação de serviços; e a continuidade de práticas de violação dos direitos humanos como a questão das medidas de segurança e das estratégias de enfrentamento da problemática das drogas do governo Dilma (Partido dos Trabalhadores). Sobre o processo de elaboração das Leis, o grupo investigado apontou o fato de que muitas vezes, as propostas de lei não correspondem às necessidades reais e às reivindicações dos coletivos proponentes. Sobre a Lei 10.216, por exemplo, um dos entrevistados considera que ela trata apenas da humanização da assistência, ou seja, da melhoria das condições de atenção à saúde mental e não da ruptura com o modelo de atenção. Outro entrevistado destaca o processo da criação dos CAPS, através da Portaria Nº 336/2002, como uma determinação política a ser cumprida pelos gestores que mesmo sem compreender naquele período, o objetivo desse tipo de serviço, promoveram a uma expansão descontrolada desse tipo de dispositivo. Os CAPS se multiplicaram velozmente e assumiram a centralidade do modelo da atenção psicossocial que preconiza a criação de uma Rede de serviços e dispositivos articulados que possa dar retaguarda para ações do CAPS e contemplar o princípio da integralidade. A Lei 10.216 de 2001, também conhecida como a Lei de Reforma Psiquiátrica ainda não é antimanicomial. Acho que ela trata apenas da humanização do hospital, de um atendimento mais amplo (E08). O CAPS fez com que a gente tivesse uma visão um pouco “míope” do processo da Reforma em si. O pessoal vê os CAPS como a centralidade mesmo da Reforma e você não tem outras ferramentas. Agora, qual foi o grande problema? Ao se institucionalizar as portarias, as prefeituras sentiram a necessidade de abrir os CAPS sem nem saber para o que eram. Então isso aconteceu muito no início e foi se multiplicando e hoje você tem

185 dificuldade de pensar a Rede porque as pessoas só pensam em CAPS! (E14).

O depoimento de E14 alerta para a ameaça que os dispositivos jurídicos podem apresentar para o encaminhamento da Reforma Psiquiátrica na perspectiva revolucionária, pois ao considerar que a regulamentação do CAPS trouxe uma visão “míope” da Reforma, a entrevistada pondera que a distorção da proposta inicial implicou uma compreensão reducionista e simplista da noção de Rede substitutiva. Além disso, o fato de as Portarias serem elaboradas por técnicos que não vivenciam o cotidiano dos serviços pode gerar inconsistências, contradições e inviabilidade para a aplicação das diretrizes. Sobre a possibilidade de acolhimento que a gente deve ter aqui [no CAPS ad] para as pessoas que estão em crise de abstinência, que estão em vulnerabilidade social e ameaças de morte, eu acho que isso foi a maior errada que teve em uma das portarias que saíram agora. Então para o serviço como CAPS que é um serviço pequeno, porém complexo essas duas demandas não vão ser conciliadas em um tratamento. O que eu estou colando em xeque é a forma como essas portarias são realizadas, são feitas, se são fabricadas ou não, se existe um certo cuidado (E07)

Há que se considerar que, muitas vezes, quem elabora os textos propositivos das leis são coletivos sociais organizados que ao se articularem com um legislador sensível às suas reivindicações conseguem que seus projetos sejam apresentados no Legislativo e, posteriormente aprovados. Um dos legisladores entrevistados argumenta que as leis, de uma maneira geral, são consensos possíveis em determinado contexto sócio-histórico-econômico e cultural e considera que Lei da Reforma Psiquiátrica municipal por ter sido elaborada em um contexto mais recente está avançada em relação à Lei estadual.

Porque a [Lei] 10.216 foi, sobretudo um consenso possível. Tanto é que demorou muito tempo, muitos lobbys, muita pressão para ser aprovada. Enfim, foi o consenso possível! Tem várias legislações estaduais que avançaram muito mais do que a 10.216. Em relação à Lei de João Pessoa, a gente teve um processo até longo de tramitação. É uma lei mais condizente com a realidade do que aquelas primeiras leis estaduais que saíram. A lei municipal tem essa característica mais ampla de se adequar a esse momento novo (E14).

Entretanto, em alguns casos, apesar do “consenso possível”, as leis aprovadas demoram muito para serem regulamentadas e efetivadas. Como exemplo dessa dificuldade alguns entrevistados destacam a efetivação da Portaria Nº 148/2012 que trata da implantação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais e a situação da Lei do

186 Passe Livre que segundo os sujeitos pesquisados foi sancionada durante as comemorações da I SELA em 2011, e até a finalização deste estudo não tinha sido regulamentada nem efetivada. Existem algumas leis, portarias e decretos que estão sendo criados e que de fato são muito bonitos no papel. A Portaria dos hospitais gerais, por exemplo: quando essas pessoas chegam lá não têm, não existem leitos. Tem a lei do passe livre que está no papel, mas que não foi efetivada. Tem muitos usuários ainda sem ir ao serviço porque não têm dinheiro para ir (E36). Outra lei que está dando impasse, um frisson danado, é a estória da lei do passe livre. O município é que vai financiar. No momento existe o problema que é de onde vai tirar esse dinheiro (E17).

De acordo com os entrevistados, essa indefinição sobre o Passe livre gera descontentamento, insatisfação e um sentimento de traição entre os usuários que apesar das várias cobranças ao governo municipal, nada têm alcançado em relação à efetivação desse direito. A situação demonstra uma fragilidade do movimento social local que começa a apresentar desmotivação para manter suas reivindicações e descrédito no sistema político-jurídico local.

A Associação Caminhando tem pouca gente e muitos estão desmobilizados pelo fato do passe livre não ter saído. Já saiu no diário oficial, já foram a várias instâncias. Cada um fica jogando para o outro e o passe de fato, não sai. Então a gente está vivendo um panorama em que os direitos estão sendo invalidados. Só a lei não garante nada! (E34).

No Brasil, o processo de efetivação de direitos para os segmentos sociais menos favorecidos é lento e complicado, pois, além da dificuldade para sua legalização, existem vários entraves burocráticos e políticos para sua legitimação. Ocorre também que muitas promessas de concessão de direitos e de benefícios para esses segmentos são realizadas durante os períodos eleitorais e, posteriormente, poucas delas são cumpridas em sua essência. Chauí (2008, p.68-69) avalia que na democracia moderna, “somente as classes populares e os excluídos (as “minorias”) sentem a exigência de reivindicar direitos e criar novos direitos” e afirma que “uma sociedade só é democrática quando institui direitos pela abertura do campo social à criação de direitos reais, à ampliação de direitos existentes e à criação de novos direitos”. Na saúde mental, a questão da criação e da efetivação dos direitos envolve muito estigma social que obstaculiza o exercício da cidadania para as pessoas com problemas mentais. O tema do Passe livre evidencia uma contradição entre os interesses políticopartidários e os do movimento de usuários de João Pessoa uma vez que, os representantes políticos que outrora apoiaram o movimento e atenderam às suas

187 reivindicações no período em que esta investigação foi realizada, têm demonstrado descaso com as reivindicações dessa população. De acordo com E39, o apoio inicial dado às reivindicações dos usuários significou uma manobra política para que um representante do Poder Legislativo conseguisse sua eleição para o Poder Executivo. Posteriormente, com a conquista do candidato, o Movimento não foi mais atendido em suas solicitações e os usuários perderam alguns benefícios conquistados. Não esperava que esse atual governo fosse tão ditador, tão desumano, tão mesquinho principalmente, com os doentes mentais. Ele que participava de fóruns e debates, dessa associação, defendendo os doentes mentais [...] Ele é essa pessoa que reduz até medicamentos dos pacientes! Os próprios pacientes que o apoiaram em sua candidatura à prefeitura e agora para governador. Como governador ele está sendo muito mercenário (E39).

Esse tipo de atitude “política” é comum no contexto político do País que na atualidade, ainda apresenta práticas do tempo do colonialismo e do “voto de cabresto”. Chauí (2008) afirma que a sociedade brasileira é uma sociedade autoritária que conheceu a cidadania como privilégio de classe e cujas leis só servem para conservar os privilégios da classe dominante e exercer a repressão sobre as classes populares. Segundo a autora “os partidos políticos tendem a ser clubes privados das oligarquias locais e regionais e sempre tomam a forma clientelística na qual a relação é de tutela e de favor” (CHAUÍ, 2008, p. 71). O contexto descrito pelos sujeitos deste estudo evidencia a fragilidade política da militância dos movimentos sociais envolvidos com a questão da saúde mental que não conseguem se organizar ou se articular de modo a pressionar as instâncias responsáveis pela efetivação do direito ao Passe Livre sancionado pela lei. Outra situação que fragiliza o movimento antimanicomial em João Pessoa e foi identificada pelos entrevistados é a ocupação de cargos de gestão por lideranças do movimento. Segundo eles, muitas vezes, o lugar de gestão requer posturas políticas e técnicas contrárias à militância antimanicomial, como revelam os depoimentos a seguir: Eu acredito que esse envolvimento político na gestão possibilita muitas vezes, o distanciamento de algumas construções (E36). Mas é angustiante, para quem é do movimento, a posição da gestão, porque você não pode fazer muita coisa! (E13). A gestão maior não pode saber que a gente apoia [o movimento antimanicomial]. Então, isso é muito complicado. Se nós trabalhadores da saúde formos brigar, haverá uma indisposição com a gestão, porque embora entendam, não dão prioridade. As prioridades são outras coisas! [...] meu medo é tão grande de todas essas mudanças que virão, pois cada vez

188 que entra uma gestão nova é um retrocesso. Na maioria das vezes, há um retrocesso. Eles começam a construir destruindo tudo o que tem! E quando é uma [gestão] mais reacionária, que não tem nenhum conhecimento, essa é pior ainda! Enfim, era uma gestão que tinha um discurso maravilhoso, encantador. Mas, na prática foi um horror, muito autoritário, que a gente não caminhou e passamos dez meses parados (E08).

O relato de E08 evidencia a dificuldade para o posicionamento político dos militantes antimanicomiais frente a gestores municipais e estaduais que não priorizam as questões da saúde mental em seus governos. Além disso, a entrevistada revela que as mudanças político-partidárias nos cargos de gestão pública provocam descontinuidade no processo de implementação das políticas de saúde mental. Segundo ela, geralmente, o que se anuncia no plano da política não se efetiva enquanto prática política, social e de saúde/saúde mental. Essa situação corrobora o encaminhamento da Reforma Psiquiátrica em João Pessoa, na perspectiva do Reformismo, que se caracteriza pela negação da ruptura necessária à superação paradigmática no campo psicossocial. Ou seja, as políticas enunciam a transformação, porém as práticas sociais não a concretizam. Sobre essa realidade, alguns dos sujeitos estudados argumentam que os gestores não entendem, ou não se apropriam das leis “por falta de tempo, de oportunidade ou de uma formação” e que no município não há um mecanismo ou órgão público de cobrança efetivo para a que haja execução das políticas públicas.

O que dificulta são as políticas que não são efetivadas. As pessoas que gerenciam as políticas não conseguem ter um entendimento [...]. Por falta de tempo, de oportunidade, falta de uma formação. Só sei que a falta de concepção política e ética em relação à saúde mental causa um desastre para o dia-a-dia do serviço. Um desastre que a gente não tem muito como medir (E07).

Outros entrevistados consideram que os atuais gestores não têm compromisso ou sensibilidade em relação aos temas da saúde mental, apesar de terem sido fervorosos defensores em um passado recente. Para esses sujeitos o processo de Reforma Psiquiátrica em João Pessoa, na atualidade, não encontra respaldo político para a efetivação de políticas públicas e nem para a construção de uma rede intersetorial que atenda às demandas de saúde mental da população. Em relação às demandas de saúde mental os entrevistados identificam algumas necessidades que dizem respeito ao campo dos direitos básicos (trabalho, lazer, habitação, saúde, e convivência comunitária) e destacam a exclusão social como um processo de negação de direitos. Nesse sentido, alguns dos entrevistados advogam que o processo de Reforma Psiquiátrica é uma luta

189 contra exclusão social e pelo direito à convivência na sociedade.

“Precisamos do

direito de viver em comunidade e a maioria não deixa” (E40). Às vezes a gente engorda muito, às vezes o dinheiro da gente é pouco e a gente não tem condição de sair daqui para ir para praia, para receber o salário, para fazer uma academia, pagar o aluguel, para a gente se ajeitar, dar uma prancha, dar uma escova, cuidar dos dentes de três em três meses [...] (E18). Eu precisava de justiça e não encontrava justiça na sociedade (E18). Eu espero que o portador de transtorno mental consiga conquistar o respeito e o direito assim como o negro conquistou, assim como a mulher conquistou o lugar dela dentro da sociedade (E39). A Reforma tenta barrar a exclusão e oferecer um serviço digno. Eu digo “tenta” porque não foi conseguido ainda. Ela tenta oferecer um serviço que não trancafie essa pessoa, que dê a oportunidade dela ir para casa e conviver com as pessoas da família, com os vizinhos, etc. A Reforma tenta institucionalizar esse pensamento de não exclusão (E20).

Amarante e Costa (2012, p.61) alertam para a necessidade de repensarmos o conceito de saúde não mais como ausência de doença nem abstratamente como bemestar físico, psíquico e social, mas como o “direito de exercer a diferença e a diversidade, de trabalhar, de forma diferente, de se relacionar com a natureza, a terra, as instituições, a sexualidade, os pares, e muitas outras dimensões”. Considerando a compreensão dos autores podemos afirmar que o trabalho em saúde mental tem o objetivo de acolher os diversos modos de existência humana e de relação com o mundo e deve considerar os desejos, os projetos, os conflitos, as contradições, os direitos e os contextos das pessoas com problemas mentais. Na atualidade, consideramos duas situações que dizem respeito à violação dos direitos humanos e que podem significar um retrocesso para o processo da Reforma Psiquiátrica na dimensão jurídico-política: as medidas de segurança e o modo de enfrentamento do governo federal Dilma à problemática das drogas nos grandes centros urbanos. O mais doloroso que eu acho é a condenação [da pessoa louca] à prisão perpétua! Porque ninguém é condenado à prisão perpétua. Mesmo que você faça as maiores atrocidades em 30 anos, você tem uma chance. E o usuário não! (E13). Com a problemática das drogas, a ideia da internação que é hegemônica está tomando proporções de que tem que internar esse povo. Porque eles não têm como conviver, porque matam os pais, etc. Parece que está voltando toda aquela noção de que as pessoas que usam drogas são um verdadeiro mal para a sociedade e que é impossível a recuperação e a convivência com elas (E17).

190 Houve um encontro na Assembleia Legislativa que eu participei. Lá, eles fizeram uma carta recomendando internação compulsória e comunidade terapêutica porque o deputado tanto tem comunidade terapêutica quanto é religioso (E13). Agora em relação à dependência química eu acho que tem que existir uma Reforma porque é como se tivesse voltando no tempo. É a mesma história em relação às pessoas com transtorno mental que é a defesa do internamento e do isolamento. Agora está tudo se repetindo (E22).

Em João Pessoa, há um manicômio judiciário que, segundo uma das entrevistadas, tem uma parceria com o governo estadual para revisão sistemática dos processos penais, de modo a diminuir o tempo de permanência das pessoas na instituição e garantir o acompanhamento dessas em serviços substitutivos. Porém, ela não informa quantas desinstitucionalizações foram realizadas após essa parceria. Barros (1994, p. 180) considera que as medidas de segurança se fundamentam em dois postulados básicos: “inimputabilidade-periculosidade do sujeito que impõe sua separação da comunidade e a suposta terapeuticidade da instituição psiquiátrica judiciária”. A autora afirma que é necessário discutir o conceito de periculosidade social como instrumental para o controle social no plano científico e no plano operativo e desvincular o elo desse conceito com a doença mental para que cada caso seja investigado a partir da história de vida e do contexto do sujeito que cometeu o delito e é considerado louco. Segundo Barros (1994, p. 183), “o gesto infrator deve ser lido no interior da relação com a norma” e pode ser compartilhado socialmente com a maioria de modo que o sujeito e seu gesto sejam percebidos como “parte da história da pessoa, próprio do indivíduo e não da doença”. Assim, na perspectiva da desinstitucionalização, defendemos que a aplicação das medidas de segurança deve ocorrer em lugares alternativos ao Manicômio Judiciário e seguir uma praxe definida a partir das particularidades de cada caso (VENTURINI, 2010). Em relação ao problema da dependência química, destacamos como retrocesso a política higienista do governo federal, fortemente criticada e contestada pelos movimentos sociais envolvidos com a temática porque ela se fundamenta na noção de que as pessoas que usam drogas, sobretudo o crack, são irrecuperáveis e impossíveis de convivência na sociedade. A política do governo Dilma defende e incentiva o aumento das internações compulsórias e a criação de comunidades terapêuticas, fortalecendo desse modo o movimento de contra-reforma e promovendo a violação de direitos humanos. A maneira como os governantes têm conduzido as propostas e estratégias para atenção psicossocial álcool e drogas pode significar um grave retrocesso para o

191 encaminhamento da Reforma Psiquiátrica na perspectiva da desinstitucionalização, pois tem focado sobremaneira nessa problemática em detrimento às demais questões da saúde mental como a extinção dos manicômios e o investimento em estratégias psicossociais. Em João Pessoa, apesar da política de saúde mental priorizar a estratégia de Redução de Danos e a ampliação do número de CAPS III , de CAPS ad III e de Equipes de Consultório na Rua, foi criada no governo Luciano Cartaxo (Partido dos Trabalhadores), a Secretaria de Segurança Pública e Cidadania que em relação ao enfrentamento da problemática das drogas no município propõe conveniar comunidades terapêuticas privadas para o atendimento a pessoas com história de uso abusivo de drogas. O contexto sociopolítico no município investigado demonstra o quanto ainda é preciso avançar na discussão e na redefinição das relações sociais e civis bem como no processo de exigibilidade de direitos para as pessoas com problemas mentais. Embora a legislação em saúde mental apresente várias conquistas, existem muitas demandas legalizadas que precisam ser legitimadas, ou seja, os direitos precisam ser reconhecidos como legítimos ou do contrário, continuará a reprodução da exclusão social dos indivíduos ou segmentos considerados não enquadráveis ou inadaptáveis às normas sociais e econômicas como ainda é a situação dos loucos. Em relação à dimensão jurídico-política, verificamos que João Pessoa vivencia os impasses e desafios do âmbito nacional e alguns entraves do contexto local que justificam a urgência de uma articulação entre a saúde e a justiça para o cumprimento das leis e para a efetivação dos direitos conquistados. Basaglia (2005), Rotelli (1994), Barros (1994), Birman (1992), Amarante (2007) e Lima (2008) defendem a necessidade de desconstruir conceitos como incapacidade, irresponsabilidade, inimputabilidade, periculosidade que estão relacionados à loucura, bem como a de transformar as relações saber-poder estabelecidas pela ciência e pelas estruturas políticas e econômicas para controlar as sociedades. Na relação entre a dimensão epistemológica e a jurídico-política, identificamos a possibilidade de uma nova intervenção social, política, ética e cultural que considere a convivência com a diferença, a diversidade e a emancipação dos sujeitos sociais da opressão do paradigma médico-científico tradicional. Desse modo, a construção de um novo lugar social para a diferença e para a loucura requer mudanças que devem ser operadas principalmente, na dimensão sociocultural, que diz respeito a um conjunto de ações que visam a transformação da relação da sociedade com o louco, com a loucura e com suas instituições mediante a mudança da concepção da loucura no imaginário

192 social. “É preciso mudar mentalidades, atitudes e relações sociais” (AMARANTE, 2007, p.83). Os depoimentos revelam que em João Pessoa, existem muitas situações de preconceito e de discriminação em relação às pessoas consideradas loucas, pois essas ainda são marginalizadas, desacreditadas, desconsideradas, usurpadas e negligenciadas entre amigos, familiares, equipes de saúde e na comunidade em que vivem. Além disso, no imaginário social o lugar do louco continua sendo um serviço especializado em saúde mental.

Logo quando eu saí do hospital e voltei para casa, ficou estranho, ficou todo mundo mais afastado de mim (E40). Só encontrava o povo querendo que eu trabalhasse à força para eles e a minha família ajudando a me humilhar. Você não sabe o quanto dói uma pessoa dizer assim “cuidado senão eu levo você para colônia”. Tenho medo de ser internada, e a rejeição das pessoas dói muito. A comunidade parou mais de me chatear, agora, mas a minha família sempre me perturba. Diz que eu sou demente, que eu ando toda desmantelada (E18). Nós temos grandes problemas porque a família acha que o CAPS tem que tomar conta. Tem gente que olha para gente e diz: “o problema é de vocês! Vocês estão sendo pagos para isso”! Porque na verdade, os familiares deixam o seu parente no CAPS e vão continuar suas vidas (E06). Quando foi para instalar o CAPS lá, onde ele funcionou ultimamente, os vizinhos fizeram confusão, abaixo-assinado e entraram em uma instância para que não aceitassem essa clientela na rua. Estavam com medo (E26). Se eles mesmos não querem assumir que são portadores de transtorno mental, imagina a família, a sociedade e a própria da comunidade? Como é que vão receber isso aí? A maioria dos próprios pacientes tem os preconceitos deles e tem medo até de abrir a boca porque sabe que serão descriminados, vaiados e muitas vezes, até apedrejados! (E39). Essa exclusão social daquele que não é produtivo para sociedade, não está trabalhando, não consegue trabalhar ou rouba ou trafica, ou sei o que lá. Ele tem que estar excluído de alguma forma! Então eles não são úteis para a gente, não são úteis para nossa construção social. A exclusão das pessoas loucas é um pensamento cultural aqui no Brasil (E36).

Os depoimentos mostram a dificuldade de aceitação da convivência com a loucura no espaço social e a necessidade de deixar as pessoas loucas em um lugar reconhecido como legítimo para lidar com essa condição. Também evidenciam o medo que os usuários têm de serem reconhecidos pela sua diferença por conta das atitudes pejorativas que a comunidade em geral expressa. Ademais, os entrevistados apresentam uma concepção de que a loucura é um impedimento para a vida da pessoa que a experimenta e para seus familiares: “Os familiares deixam o seu parente no CAPS e vão continuar suas vidas” (E06).

193 A transformação do lugar social do louco no imaginário social e a desmontagem do

aparato

institucional

manicomial constituem os principais

objetivos da

desinstitucionalização e também o seus maiores desafios. Isso porque é muito complexo e lento o processo de transformação social a partir da mudança das mentalidades e de valores culturais baseados na intolerância à diferença. De acordo com Birman (2000, p. 103), “a intolerância se funda, então, na impossibilidade de convívio do sujeito e do grupo social com a diferença do outro”. Ocorre também que o modelo médicopsiquiátrico tradicional ainda é hegemônico e conta com organizações fortes como a mídia e a indústria farmacêutica para ratificar a loucura enquanto doença e convencer a sociedade de que o conhecimento médico-científico é o saber que mais tem avançado no caminho em busca da “cura”. Ou seja, ainda impera nos sujeitos sociais o desejo da eliminação da loucura por meio de estratégias clínicas, principalmente da medicação. Essas atitudes se fundamentam nos discursos da indústria farmacêutica e da psiquiatria tradicional que estão ainda imbuídos nas cabeças das pessoas (E20). Aí a mídia vem e coloca na televisão um caso como o daquele rapaz que chega na escola e dá tiros em todo mundo! E frisam bem que é uma pessoa que tem transtorno (E06). Mas existe uma dificuldade muito grande porque a mídia e os meios de comunicação não falam da saúde mental, de como cuidar da saúde mental, dos direitos desse pessoal. Então eu acho que só com a ajuda da mídia, dos meios de comunicação de modo geral é que nós vamos conseguir realmente que as pessoas respeitem o direito do portador de transtorno mental como cidadão e, passem para eles mesmos essa consciência (E39). Ela precisa voltar a funcionar dentro da sociedade para poder retomar o lugar dela. E isso aí é muito difícil de ser alcançado! Isso passa pela questão das ideias, do preconceito das pessoas (E29).

Os relatos dos entrevistados apontam o potencial dos meios de comunicação para a conservação e/ou para a transformação do lugar social do louco e da loucura, pois eles influenciam fortemente o imaginário social. Alguns dos sujeitos pesquisados consideram que esses mecanismos não estão contribuindo para a construção de uma nova cultura e de práticas de reciprocidade, de solidariedade e de compreensão da diversidade das identidades individuais e coletivas porque não comunicam nem informam as experiências exitosas de estratégias de reinserção social e as possibilidades de convivência com o louco e com a loucura (AMARANTE; COSTA, 2012). Nesse contexto, destacamos o protagonismo do MNLA que, desde a sua fundação, tem provocado a sociedade de um modo singular, inovador e potente, por meio da realização de manifestações e de atividades artístico-culturais e políticas para

194 refletir sobre o tema da loucura e de suas instituições e demonstrado que é possível outro olhar, uma nova interpretação e uma nova relação social com o louco. O investimento do MNLA na dimensão sociocultural decorre do reconhecimento do caráter estratégico desse campo para operar as transformações sociais reivindicadas na qualidade de uma Reforma Psiquiátrica. Essa dimensão, portanto, tem grande potencial para transformar a realidade do campo psicossocial e para emancipar os sujeitos sociais da opressão do modelo tradicional porque incide sobre os valores e os significados construídos socioculturalmente. No Brasil, a dimensão sociocultural é a que mais tem se destacado, sobretudo a partir das intervenções do MNLA durante as Semanas de Luta Antimanicomial e do conceito de diversidade cultural adotado pelo Ministério da Cultura que envolve a redução das desigualdades sociais, a luta pelos direitos e a articulação da saúde com as demais dimensões da vida (AMARANTE; COSTA, 2012). Em João Pessoa, as principais atividades artístico-culturais são realizadas por ocasião das comemorações do 18 de maio e não têm continuidade ao longo do ano. Somente alguns trabalhos realizados em oficinas de música, de dança e de artesanato, que têm uma regularidade nos CAPS, costumam ser apresentados durante as comemorações das festividades tradicionais (carnaval, Páscoa, Dia das Mães, São João, Natal, etc), nos serviços. “Eles se sentiram muito prestigiados, muito felizes e engajados por estarem naquele carnaval” (E02). Apesar do significado que essas apresentações têm para os usuários, defendemos a necessidade de extrapolar os muros dos serviços e inserir tais trabalhos como atividades do calendário cultural do município, conforme destacam os seguintes depoimentos: “Qual a articulação que a gente está tendo com a sociedade em geral? Porque às vezes, as atividades ficam muito restritas aos trabalhadores do serviço ou à universidade” (E34); “A cultura dentro da saúde mental ainda é muito introspecta, é dentro dos serviços” (E37). Destarte, defendemos que o investimento da dimensão sociocultural da Reforma Psiquiátrica favorecerá a construção de uma nova mentalidade e de uma nova sociedade em que a alteridade, a liberdade de expressão e a diversidade de subjetividades não encontrem oposição ou negação à sua existência. A Reforma ela tenta barrar a exclusão. Eu digo “tenta” porque não foi conseguido ainda. Ela tenta oferecer um serviço que não trancafie essa pessoa, que dê a oportunidade dela conviver, dela ir pra casa, tenha oportunidade de conviver com as pessoas da família, com os vizinhos, etc. A Reforma tenta institucionalizar esse pensamento de não exclusão (E20).

A análise do material empírico que permitiu a construção desta subcategoria revela que as concepções da maioria dos sujeitos investigados sobre o tema desta

195 pesquisa corroboram o paradigma psiquiátrico tradicional e não reconhecem a Reforma Psiquiátrica como um processo social complexo que visa à transformação das relações sociais a partir da desinstitucionalização enquanto desconstrução desse paradigma. Quando questionados sobre o significado do processo da Reforma Psiquiátrica, a maioria dos entrevistados considera que esse processo tem por objetivo a melhoria da atenção à saúde mental através da extinção dos manicômios, da reestruturação de serviços, da humanização da assistência e do desenvolvimento de novas tecnologias em saúde mental, como mostram os seguintes depoimentos. “Seria um conjunto de ideias e práticas que visam à melhoria do atendimento psiquiátrico às pessoas com sofrimento psíquico” (E07); “O principal objetivo dessa mudança eu acho que é humanizar a assistência que é prestada a essa pessoa” (E27); “Reforma seria a reestruturação dos serviços e a extinção dos manicômios” (E33); “A Reforma Psiquiátrica é a nova tecnologia da saúde mental” (E18). Porque até para alguns funcionários daqui do hospital psiquiátrico isso [reforma psiquiátrica] se traduz apenas no fechamento do hospital. Por isso, traz muitas preocupações para eles, não só com a questão de perder o emprego, mas a de acharem que os usuários vão ficar desassistidos (E20). Reforma psiquiátrica é um movimento de luta, é um movimento social que começa a partir da reformulação de algumas formas de tratamento, principalmente dentro do manicômio e que tenta trazer uma nova possibilidade, um novo olhar de cuidado com as pessoas em qualquer instituição que estejam (E36). A Reforma é exatamente você, a partir de uma população, montar alguns territórios em que os profissionais possam estar dialogando de forma permanente com o usuário e esse usuário, no momento em que ele precisar do serviço, ele possa acolher o usuário, estabilizar uma determinada crise psicótica, ou qualquer que seja o caso, de dependência Enfim, é você ter uma intervenção multiprofissional e resolutiva da questão (E14).

As concepções evidenciam que, em João Pessoa, há um investimento maior na dimensão técnico-assistencial que reforça a manutenção do modelo psiquiátrico clássico e o caráter reformista do processo porque apenas moderniza as instituições e as tecnologias em saúde mental e não transforma o lugar social do louco, da loucura e de suas instituições. Predomina a noção de desinstitucionalização como “um conjunto razoável de medidas de caráter administrativo” que visa diminuir as internações e leitos em hospitais psiquiátricos, reestruturar e ampliar a rede de serviços (AMARANTE; GULJOR, 2010, p.69). Sobre a tendência do encaminhamento da Reforma Psiquiátrica em João Pessoa, na perspectiva do aggiornamento, Amarante (2003, p.46) alerta para o perigo que o termo “reforma” apresenta para a redução do processo a uma mera uma

196 “reorganização de serviços, vinculando-a a pura reestruturação do modelo psiquiátrico tradicional”. Segundo o autor (1996, p.18), a Reforma Psiquiátrica implica também todas essas ações, mas principalmente as transformações no campo do saber e das instituições, ou seja, “a superação do ideal de positividade absoluta da ciência moderna em sua racionalidade de causa-efeitos, para voltar-se para a invenção da realidade enquanto um processo histórico”. “E para mudar, a gente precisa reformular as nossas ideias” (E06). Os relatos dos entrevistados que foram analisados nesta subcategoria revelam que, apesar dos avanços na dimensão técnica-assistencial, a RAPS não têm garantido o atendimento às necessidades de saúde mental da população, situação que configura um processo de desospitalização e desassistência, no município estudado. Também demonstram que as iniciativas na dimensão sociocultural são incipientes, tímidas e desarticuladas e não conseguem alcançar o imaginário social que ainda está calcado no preconceito e na discriminação das pessoas loucas. Permanecem as noções de incapacidade, periculosidade, irracionalidade em relação ao louco que repercutem no processo de construção de direitos e dificultam o reconhecimento da cidadania dessas pessoas. Assim, considerando o contexto de saúde mental elucidado pelo grupo investigado e a interdependência entre as dimensões estudadas, defendemos que a desconstrução do paradigma psiquiátrico clássico – a desinstitucionalização no município de João Pessoa, requer o estabelecimento de um processo permanente de reflexões e de transformações a um só tempo, em todas as dimensões do processo da Reforma Psiquiátrica.

197 5.2.2 A Reforma Psiquiátrica na perspectiva de uma revolução sociocultural para a superação do paradigma psiquiátrico tradicional.

Não é só criar equipamentos, equipes, serviços, mas desenvolver outras práticas culturais, outras formas de sentir de viver, de amar, onde a loucura deixe de ser exterior a nós e possa ser sentida como própria à vida (a loucura faz parte de nós) (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2005, p. 63).

Nesta subcategoria serão apresentados e analisados os depoimentos que reconhecem o potencial revolucionário da Reforma Psiquiátrica para transformar as relações sociais com o louco, com a loucura e com suas instituições no município estudado. Tais depoimentos referem-se à consciência de uma Reforma Psiquiátrica enquanto possibilidade de superação do paradigma psiquiátrico tradicional e de construção de uma prática social libertária e emancipatória do modelo asilar para os sujeitos sociais do campo psicossocial. Destacam também o caráter estratégico do campo sociocultural para intervir no imaginário social e construir práticas sociais inclusivas para a alteridade através da reciprocidade, da solidariedade e da cidadania. Yasui (2010), ao resgatar as concepções de Arendt (2004), defende a experiência de Reforma Psiquiátrica brasileira como um processo essencialmente político orientado pela noção de liberdade como a capacidade e a possibilidade do ser humano de poder recomeçar. Como exemplos dessa possibilidade de transformação da realidade, destacamos as experiências de desinstitucionalização italiana e a transformação ocorrida na cidade de Santos que conseguiram realizar rupturas no modelo psiquiátrico tradicional através de um processo de profundos questionamentos sobre o modo como a ciência, a sociedade e o Estado lidam com a loucura, com o louco e com suas instituições, ou seja, sobre os valores e significados atribuídos a esses temas. O entrevistado E23 reconhece como as concepções dos sujeitos envolvidos com a Reforma Psiquiátrica podem influenciar no encaminhamento desse processo. “Os conceitos são ferramentas de luta também e podem ser dispositivos de autonomia e de liberdade” (E23). As concepções dos sujeitos sobre o contexto da saúde mental no município estudado revelam que o período investigado apresenta uma transição paradigmática caracterizada pela coexistência de duas possibilidades para o encaminhamento da Reforma Psiquiátrica local: o Reformismo e a desinstitucionalização. Isso significa que apesar dos recorrentes relatos de situações que evidenciam a persistência do modelo

198 tradicional, foram apontadas mudanças significativas em relação à situação do louco e da loucura na sociedade pessoense. Alguns dos entrevistados afirmaram que não basta melhorar os serviços ou até mesmo substituir os dispositivos antigos por serviços novos e modernos (Reformismo). É necessária, antes de tudo, a mudança na mentalidade das pessoas, a desconstrução dos conceitos tradicionais e do aparato que envolve a experiência da loucura e o lugar social do louco, na atualidade (desinstitucionalização). Sobre a segunda tendência temos os seguintes depoimentos: O que foi paradigma tem que ser quebrado. A visão que se tinha sobre “o louco”, “a loucura” agora é uma visão diferente que considera a possibilidade de conviver com a diferença que a gente tanto achava que era impossível. O paradigma que rompe com aquele conceito de normalidade, de enquadrar. Um paradigma que inclui. É a inclusão social que acho que é a coisa mais bonita dentro da Reforma. É uma reforma mesmo do pensamento, uma reforma de vida. Então, isso é um sonho que até hoje eu ainda sonho. Esse não acaba (E29). A reforma passa primeiro por uma mudança de conceitos que é a fase mais difícil e acho que a gente não avançou muito nessa direção. Até se usa uma expressão assim: “podemos até derrubar os muros dos manicômios, mas os manicômios estão dentro das cabeças”. Ou seja, a ideologia manicomial ela ainda está muito forte. O grande nó está realmente em trabalhar essa parte conceitual e desmistificar de tal maneira que a pessoa tida como louca ou como doente mental possa encontrar o lugar dela dentro dessa sociedade (E26). É desconstrução de todos os saberes, de todos esses conceitos que se tem em relação à loucura, que deixa centrado no biológico, que vê como uma coisa negativa, perigosa. É a desconstrução de tudo isso (E08). A gente tem o modelo hospitalocêntrico, um modelo fechado, que não é emancipador do ser humano, que visa apenas à retenção das pessoas, a medicação, o aprisionamento, que é o modelo dos hospitais psiquiátricos. O novo modelo equivale a uma quebra abrupta disso aí e começa a pensar essas pessoas dentro da própria sociedade (E07).

Os depoimentos dos sujeitos pesquisados mostram que, mesmo reconhecendo a hegemonia do modelo tradicional, alguns deles concebem a Reforma Psiquiátrica como uma ruptura paradigmática desse modelo e, portanto, a desinstitucionalização como desconstrução dos saberes que o fundamentam e dos “manicômios mentais”. Amarante (1996) considera que a Reforma Psiquiátrica nasceu da crítica epistemológica aos saberes psiquiátricos como desconstrução da verdade produzida pelas ciências e iniciou a abertura de um novo contexto prático-discursivo sobre a loucura, sobre o sofrimento humano e sobre suas instituições. Os entrevistados destacam a importância da dimensão epistemológica para a transformação social e para a emancipação do louco e da loucura dos ditames da psiquiatria que são postuladas pela Reforma Psiquiátrica brasileira.

199 Em relação à dimensão epistemológica, parte do grupo apresenta novos significados para os conceitos do paradigma psiquiátrico clássico uma vez que os tradicionais não dão conta da complexidade inerente ao sofrimento mental. Assim, a loucura ganha o significado de experiência subjetiva, de potência de vida, de um constructo sócio-histórico e médico e de um fenômeno relacionado à diversidade cultural; ao tratamento é atribuída a noção de produção de novas possibilidades de expressão, de sociabilidades, de subjetividades; a cura passa a ser considerada como a melhoria da qualidade de vida; a cidade substitui os serviços de saúde enquanto lugar do louco e da loucura; e a Reforma Psiquiátrica assume o significado de um processo de mudança da mentalidade mediante uma revolução sociocultural. Ou seja, são concepções que corroboram o paradigma da atenção psicossocial. A loucura é simplesmente um problema de linguagem, ou seja, é a forma como outro lida com os sentimentos e com as relações. Existe um traço aí que se diferencia. Esse traço que se diferencia não quer dizer para mais nem para menos. É uma diferença apenas. A loucura seria simplesmente essa forma diferente de estar no mundo (E07). A loucura para mim é uma coisa inventada porque se tornou uma coisa para ser excluída! Obviamente que houve interesse por trás de tudo isso, interesse de exclusão, interesse de poder! (E29). Porque a sociedade nos obriga a omitir o que a gente tem vontade. Isso é loucura: a gente saber o que está fazendo e fazer o que tem vontade. Porque as pessoas lá fora têm vontade de fazer, mas não fazem. Então, a gente vive na verdade! (E12). Então a loucura seria mais ou menos um fenômeno que acontece diante de cada indivíduo e que cada sociedade tem uma representação diferenciada para ela. Até porque existem formas diferentes de lidar (E14).

Pelbart (1991, p.133) considera o louco um “personagem social discriminado, excluído e recluso” e a loucura uma dimensão essencial da cultura que significa “a estranheza, a ameaça, a alteridade radical, tudo aquilo que uma civilização enxerga como o seu limite, o seu contrário, o seu outro, o seu além”. Os novos significados atribuídos por alguns dos sujeitos pesquisados à experiência da loucura superam a concepção biológica da psiquiatria e resgatam a singularidade, a autonomia e outras dimensões da vida dos sujeitos que a experimentam. A nova compreensão rompe com o critério da anormalidade ou “des-humanidade” associado à diferença e à diversidade dos sujeitos com problemas mentais e considera outros saberes para a interpretação de uma experiência de sofrimento humano que se manifesta, sobretudo nas relações sociais: “a loucura não é um fenômeno exclusivamente individual, mas social e como tal deverá ser metabolizada” (COSTA-ROSA, 2000, p. 154).

200 O processo de recomplexificação da loucura e o de superação do especialismo dos saberes e da hegemonia da ciência foram, inicialmente, operados por Basaglia, quando ele propôs suspender o conceito de doença mental enquanto saber da psiquiatria e considerar o sujeito em sua experiência de sofrimento na relação com o corpo social (BASAGLIA, 2005). Segundo Amarante (1997, p.178), ao negar a psiquiatria enquanto ideologia, Basaglia iniciou uma “profunda transformação epistemológica e cultural” que conferiu ao processo de desinstitucionalização a noção de desmontagem dos aparatos jurídicos, conceituais e socioculturais e a de construção de uma nova prática e de um novo imaginário social sobre a loucura. Desse modo, a saúde mental deixa de ser ausência de sintomas psiquiátricos e oposição à doença mental e assume a noção de qualidade de vida como mostram os depoimentos a seguir: Doença mental é um conceito que além de ser muito pejorativo, é um conceito que traz muito a ideia do orgânico para psique humana que é diferente [...] É um termo que foi utilizado pela medicina, pela categoria médica apenas para valorizar ainda mais a biologia em detrimento de outros parâmetros do ser humano como a cultura, as relações sociais e as vulnerabilidades que a pessoa tem. Porque as relações que mantenho, as minhas vivências, nada disso é visto anatomicamente por um exame (E07). O que define doença não seria a normalidade ou a anormalidade, mas sim se está doendo ou não; doendo aí como metáfora para o sofrimento. A doença não fica mais ao critério de um olhar externo, mas devolve autonomia para o sujeito [...] A normalidade quem define é alguém externo (E23). A saúde mental não deveria estar para saúde e sim para a cultura, que englobaria de alguma forma todos esses saberes que a gente está trazendo para a reforma psiquiátrica, para a atenção psicossocial (E36). A gente só tem saúde mental se a gente tiver educação, qualidade de vida, moradia digna (E35).

No contexto da Reforma Psiquiátrica, a questão da normalidade/anormalidade como um parâmetro que está relacionado aos padrões culturais de cada sujeito para determinar o seu lugar social, torna-se um critério obsoleto e inviável para o campo da saúde mental que por considerar a diversidade das experiências subjetivas, recusa os critérios clínicos convencionais que reduzem a loucura a uma condição orgânica e biológica e valoriza o modo particular como cada sujeito lida com seus desejos e conflitos e com suas relações sociais no sentido de diminuir sofrimentos e danos para sua vida. Amarante e Costa (2012) afirmam que o conceito de diversidade cultural trouxe para o campo da saúde importantes dimensões que ressignificam as noções de saúde, qualidade de vida, equidade, integralidade, participação e controle social. De acordo com os autores, a diversidade cultural contempla aspectos relacionados aos

201 Direitos Humanos, ao trabalho e às formas de andar a vida como destaca Canguilhem (2011), e considera a saúde como “o direito a exercer a diferença e a diversidade” (AMARANTE, COSTA, 2012, p. 61). Normal é todo o comportamento em que a pessoa se sente bem consigo mesmo e que não prejudica quem está em sua volta; patológico é qualquer comportamento que você se sinta mal com você mesmo ou que prejudique aqueles que estão em sua volta, então isso é patológico. Várias culturas têm seu normal e patológico. Aí é que está a questão de ser muito difícil para quem trabalha em saúde mental determinar esse problema (E09).

Os depoimentos dos entrevistados identificam um novo objeto de intervenção para o modelo psicossocial – os sujeitos e suas experiências de sofrimento e, portanto novas finalidades para as ações do campo psicossocial. Assim, a cura deixa de ser o objetivo das ações de saúde mental, que passam a buscar a superação da exclusão social do louco por meio da promoção de uma convivência solidária com a loucura. A cura como o aparecimento de uma possibilidade de convivência da doença sem tantos prejuízos emocionais, sociais, talvez! (E17). Cura seria consertar. Mas esse conceito não dá conta dessa situação toda, disso que a gente chama de loucura... Cura seria a pessoa encontrar a compreensão dentro da família, dentro da sociedade para aquelas limitações que ela tem (E26).

Diante da nova finalidade da intervenção, desenvolve-se uma nova concepção sobre tratamento que não objetiva mais a eliminação de sintomas, mas a produção de autonomia, de novas sociabilidades, de novos significados para a experiência da loucura e de novas estratégias para lidar com o sofrimento, visando a melhoria da qualidade de vida e a reinserção social:

Busca da possibilidade de ter um lugar na sociedade, é exatamente isso. Porque não é mais na perspectiva da cura, do desaparecimento da sintomatologia como a gente faz com a gripe. O tratamento é a possibilidade de uma reorganização do sujeito, de maneira tal que ele consiga conviver com as adversidades, com as crises, com os sintomas, com os desconfortos e interagir com o seu ambiente, com outras pessoas, apesar dele continuar com doença mental (E17). Eu não acredito na cura, justamente por não acreditar que seja uma doença (E36). A ideia não é trabalhar com a cura, mas na perspectiva de que disponibilizemos possibilidades para que essas potencialidades humanas possam ser mexidas. E aí, sai de uma perspectiva de cura para uma perspectiva de jeito de ser que cada um tem (E34).

202 [tratamento] É você ter o apoio da família, o acompanhamento dos profissionais, ter amizades, você poder ir e vir, sem estar presa! (E24).

As

novas

concepções

evidenciam

a

superação

da

noção

de

desinstitucionalização como desospitalização por uma compreensão fundamentada na ideia de um processo libertário das pessoas das amarras e da tutela institucional, que prioriza a circulação dessas pessoas pelos diversos equipamentos e territórios da cidade e sua participação nas atividades da comunidade como sujeitos de direitos e com potenciais.

Desinstitucionalização é quando a pessoa não está em um quadro de instituição, de normas, de leis que determinam o que ela vai ou não vai fazer, o que ela vai ou não vai comer, o que ela vai ou não vai dizer. É uma outra vida! É você sair de um espaço onde você deixou de existir! (E16). Desinstitucionalizar é o que a gente tenta fazer. Por exemplo, afastar a pessoa de um espaço construído artificialmente pela sociedade, que são as instituições e possibilitar que essa pessoa ao circular nas instituições não se ligue automaticamente a elas (E07). Permitir que esse usuário possa ter a sua identidade, possa ser protagonista da sua história e que ele vá percorrer vários lugares sem se fixar em nenhum deles (E13).

Costa-Rosa (2000, p. 145) considera a instituição como uma “formação material constituída por um conjunto de saberes e práticas articulados por um discurso de tipo ideológico” que tenta articular meios e visam um conjunto de fins necessariamente sociais. Goffnam (1992) afirma que a institucionalização do louco se caracteriza por um processo de desfiguração, profanação e violação do sujeito institucionalizado que leva à des-historicização e à deterioração da identidade e da subjetividade. Nesse sentido, desinstitucionalizar seria um processo inventivo permanente e cotidiano que visa restituição da autonomia, da cidadania e acima de tudo a liberdade para os sujeitos, a partir da resistência a “tudo aquilo que mutila a vida, que nos torna subjetividades anestesiadas, sem liberdade de criação, destituídas de singularidades” e de uma discussão constante que alicerce as diversas propostas políticas e práticas em saúde (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2005, p. 63). Os depoimentos referentes aos conceitos que são discutidos na dimensão epistemológica mostram como a mudança das concepções permite transformar os significados atribuídos ao fenômeno da loucura e, consequentemente estabelecer com ele novas relações. Por isso, consideramos que para transformar o lugar social do louco, da loucura e de suas instituições é necessária, primeiramente a mudança da mentalidade.

203 “É a mudança da mentalidade da sociedade, das concepções dos gestores para que possam lidar de uma forma diferente com a loucura [...] Caso contrário, não vai acontecer nada” (E08). Os novos significados atribuídos ao objeto, ao modo e aos meios de atuação no campo psicossocial implicam transformações em relação ao modelo de atenção e envolvem questões da dimensão técnico-assistencial, tais como: os tipos e modalidades de serviços e de estratégias de atenção; a redefinição do papel dos técnicos, a organização das ações e as inovações tecnológicas no campo psicossocial. Dalmolin (2006, p.28) destaca que essa dimensão defende a construção de um “amplo repertório de recursos e serviços articulados, diversificados, porosos, democráticos, responsáveis, com base territorial e ofertas que ajudem as pessoas a conquistar, gradativamente, novos patamares de existência subjetiva, de autonomia”. Nesse sentido, o trabalho no campo da saúde mental assume o desafio de mudar a relação da sociedade com o louco, com a loucura e com suas instituições a partir do estabelecimento de uma nova relação de cuidado que considere o acolhimento, o vínculo, a produção de autonomia, de qualidade de vida e de novas sociabilidades com vistas à emancipação dos sujeitos da opressão do modelo tradicional.

Esse é o nosso objetivo, trabalhar em prol da qualidade de vida, que pode ser melhorada, apesar de ser uma pessoa que tem uma doença mental [...] Qual é o nosso propósito? Que ele tenha um espaço na sociedade, que ele possa circular, que ele possa produzir, que ele possa se comunicar, que ele possa interagir (E17). Talvez a palavra melhor seja cuidado em saúde mental. Cuidado não tutelado, cuidado emancipador. Cuidado seria você acompanhar uma pessoa nos momentos de fragilidade diante dos momentos de angústia, de fragmentação ou subjetiva falando de transtornos, ou falando de fragmentação social. Emancipação seria ser independente na hora de fazer as escolhas. Porque emancipar eu penso muito no sentido de poder escolher, pode desejar (E07).

A defesa de E07 de um cuidado que favoreça a emancipação dos sujeitos demonstra que esse entrevistado reconhecesse o direito dos sujeitos decidirem, participarem, compartilharem experiências e expressarem suas visões de mundo. Ou seja, reconhece a possibilidade de uma igualdade em ato que permita a construção de projetos individuais de felicidade e de vida e, principalmente a libertação do modelo tradicional por meio de um aprendizado sobre um novo modo de relacionar-se com o louco e com a loucura: “Bastaria aprender a ser homens iguais em uma sociedade desigual – é isto que emancipar significa [...] “A igualdade não se concede, nem se

204 reivindica, ela se pratica, ela se verifica” (RANCIÈRE, 2002, p. 138-141). Essa compreensão supera a noção da desospitalização e da desassistência e implica a construção de pontes, mesmo que provisórias para reconstruir no cotidiano novas possibilidades de vida por meio do estabelecimentos de novas relações sociais e do investimento em recursos humanos, na estrutura da RAPS e na intersetorialidade. De acordo com alguns dos entrevistados já é possível identificar em João Pessoa, trabalhadores com um novo perfil e com uma nova concepção sobre o trabalho no campo da atenção psicossocial. Eles ressaltam o desejo das pessoas inovarem, de produzirem novas e diferentes modalidades de estratégias de ação porque não vivenciaram a experiência manicomial. Está havendo uma renovação das pessoas, ou seja, tão começando a trabalhar nesses serviços, a participar desses movimentos pessoas que não passaram pela experiência do manicômio, ou seja, que não trabalharam lá dentro, que já tiveram a oportunidade de fazer muita leitura das experiências de quem já avançou e da própria desconstrução dos conceitos [...] os atores que viveram no manicômio estão se aposentando, estão se afastando, e está chegando uma turma nova (E26). Aqui em João Pessoa percebe que tem uma galera aí que está com vontade de trazer algo diferente, de possibilitar outras coisas (E36).

De acordo com alguns dos sujeitos pesquisados, os novos trabalhadores podem identificar o potencial da intersetorialidade e investir nessa estratégia para viabilizar o atendimento às necessidades globais dos usuários e fortalecer o processo da Reforma Psiquiátrica em João Pessoa na perspectiva da desinstitucionalização. Isso significa que os trabalhadores da RAPS devem articular os diversos equipamentos territoriais e setores da sociedade de modo a promover a melhoria da qualidade de vida e a reinserção social para as pessoas com demandas de saúde mental. Para isso é necessário o compromisso e a responsabilização dos profissionais bem como a articulação das equipes multiprofissionais com os familiares e com a comunidade para a construção de uma nova prática social que busca uma socialização ativa (VENTURINI, 2010b). O maior desafio que a gente tem hoje no processo da Reforma seria cada vez mais consolidar os processos de intersetorialidade que é um campo que eu estou me interessando muito porque acho que esse é o caminho (E07). Experiências com intersetorialidade, saber como fazer projetos de inclusão social, projetos de trabalho, projetos de inclusão na escola, na família. É construir a rede de apoio psicossocial, mas uma rede ampla, uma rede que envolva os outros segmentos da sociedade. Principalmente, com o trabalho, com a escola, com esses segmentos que permitem a qualquer ser humano ter uma melhor qualidade de vida e mais inclusão (E29).

205 Acho que é uma luta diária. Tem que ser uma luta individual de cada um para que depois a gente alcance o coletivo. A gente precisa trazer a cultura, a intersetorialidade e fazer com que não só a saúde mental, mas também a saúde em geral, a educação, a cultura, tudo isso passa a ser uma coisa integrada (E37).

A necessidade de romper com o mandato social de normatização dos espaços por meio da disciplina e de regras de convívio característico do paradigma tradicional exige que os profissionais assumam o seu papel político para superar a relação de tutela e de custódia pelo estabelecimento de uma relação de contato, de troca, de reciprocidade, de vínculo e de responsabilização pelo sujeito que sofre. Destarte, os profissionais dos serviços abertos devem acolher e identificar as necessidades dos usuários e ativar a rede de relações e de serviços de modo a construir com os usuários novos itinerários que respeitem seus contextos, desejos, escolhas, medos, conflitos e projetos. A nova relação entre técnicos e usuários, portanto, deve construir um novo lugar social para o louco e para a loucura. “O lugar do louco é dentro da cidade, dentro dos equipamentos de convivência que existem, nas escolas, no trabalho. O louco tem o lugar que todos nós temos” (E20); “Eu acho que [o lugar do louco] é na rua, na vida, na sala de casa, no cinema, no teatro, na praça, no serviço de saúde. Acho que esse é o lugar: lugar de gente”! (E37). Basaglia (2005) afirma que a loucura é uma condição humana e como tal requer a reconstrução de sua complexidade no território, onde a vida acontece. “O território para o serviço é a área sobre a qual ele deve assumir a responsabilidade sobre as questões de saúde mental. Isso significa que uma equipe deve atuar no território de cada paciente, nos espaços e percursos que compõem as suas vidas cotidianas visando enriquecê-lo e expandi-lo” (KINOSHITA, 1997, p. 73). Portanto, a atuação no campo psicossocial implica a invenção de saúde, produção de novas relações sociais e a articulação com outros saberes e campos. Entre as estratégias inovadoras que, na atualidade, estão sendo utilizadas no campo psicossocial, os entrevistados destacam as atividades artístico-culturais que na maioria das vezes, são desenvolvidas nos serviços territoriais através de oficinas de música, dança, artes plásticas, teatro e literatura. A arte é uma das melhores práticas porque o arteterapeuta ele não tem o olhar cornificado que geralmente nós da academia, nós da área da saúde temos. Porque o arteterapeuta vai trabalhar resgatando a potencialidade do sujeito e por isso ele consegue reabilitar muito mais do que nós enfermeiros, médicos, assistentes sociais que ainda vamos pensar na doença e no tipo de sintoma: “Quais são os traços característicos da personalidade”? Então, vamos dar remédio, isso e aquilo (E29).

206 O dispositivo mais importante que a gente tem é esse da arte para gente desconstruir. É o [dispositivo] que chama, que encontra, que afeta. É a música, a poesia, as artes plásticas, uma série de questões que possibilita essa integração (E34). Eu acho que a arte auxilia a partir do princípio de que os arteducadores, os oficineiros estão dentro dos serviços fazendo aquele trabalho, aquela ponte do usuário com a sociedade. A gente acaba fazendo meio que uma conexão! A arte serve como elo de ligação da sociedade com os serviços, com o trabalho do pessoal de saúde mental. Eu acho que o trabalho é bem importante nesse sentido. Acho que é ressignificar a loucura (E05). Você tem que fazer uma diferenciação porque nem tudo que é lúdico é terapêutico. A arteterapia é algo muito institucionalizado. O instrumento é válido dependendo da lógica de quem o utilize e de como vai tornar isto não lúdico, mas terapêutico. Porque lúdico por lúdico você não tem resultado. Você estará ali ocupando a mente do indivíduo (E14). Então para primeiro fechar os manicômios é preciso que a gente ocupe! Não ocupar no sentido de vandalismo, mas ocupar no sentido de questionar esse espaço, construir espaço de formação, com os trabalhadores, com os usuários. E a gente entende que tem que ocupar trazendo a arte, trazendo outros dispositivos (E36).

Os depoimentos evidenciam o potencial da arte para transformar o lugar social do louco e da loucura, pois esse campo pode conferir outro significado para a experiência da loucura e comportá-la como uma das diversidades humanas. Entretanto, E14 alerta para a questão da “terapeutização da arte” como uma redução do seu papel pela apropriação clínica da maneira como as pessoas se expressam e criam e pela institucionalização de uma prática que é fundamentalmente libertária. A utilização da arte como apenas um recurso terapêutico pode significar um retorno às práticas psiquiátricas tradicionais que se baseiam na tutela e na manipulação das subjetividades e onde os técnicos decidem sobre o que e como os usuários vão realizar enquanto atividades artístico-culturais. “A terapia entendida não tanto como uma relação individual entre médico e paciente, mas, sobretudo, como um sistema terapêutico organizado de teorias, normas, prestações [...] um sistema de ação que intervém em relação a um problema dado (doença) para perseguir uma solução racional, tendencialmente ótima (a cura)” (ROTELLI, LEONARDIS; MAURI, 2001, p. 26). Amarante e Torre (2012, p.42) relatam que o modelo asilar tradicional tinha o pressuposto de que as atividades de trabalhos artísticos possuíam “por si só um efeito terapêutico, ordenador da mente conturbada, redutor dos delírios e alucinações, reeducador da atenção e assim por diante”. Por isso, tais atividades se inseriam no conjunto de estratégias e mecanismos institucionais de controle, disciplina e vigilância e funcionavam como passatempo e entretenimento para os sujeitos cujo papel era de

207 meros reprodutores de modelos pré-estabelecidos conforme as estratégias da industrial cultural (ADORNO, 2002; CHAUÍ, 2008). No modelo da atenção psicossocial, a articulação da saúde mental com as artes não significa uma apropriação clínica, mas um recurso para que a loucura possa ser aceita em sua diversidade porque é um campo que comporta os diferentes modos de expressão. Amarante et al (2012a, p.28) consideram que a perspectiva de terapeutizar a extensa produção artística e cultural do campo psicossocial “corre o risco de engessar a multiplicidade das expressões humanas sob a rubrica do terapêutico ou do clínico”. Os autores defendem que a arte desenvolvida nesse campo deve ultrapassar o objetivo do tratamento e ocupar os espaços da cidade devido à qualidade estética da produção artístico-cultural dos usuários. Considerando o potencial criativo dessas pessoas, o campo artístico-cultural da saúde mental demonstra ser um campo bastante promissor para a criação de novas identidades e de novas relações sociais porque constitui uma estratégia para o “desenvolvimento político e econômico dos sujeitos ao colocar em questão conceitos da psiquiatria tradicional como incapacidade, irracionalidade, improdutividade, bem como, para amenizar conflitos sociais”, quando os artistas são valorizados pela comunidade (AMARANTE, et al 2012a, p.36). Em João Pessoa, os principais grupos artísticos-culturais que conquistaram espaços na sociedade através de apresentações de suas produções são: O grupo de percussão e o de teatro do CAPS Gutembergue Botelho, o grupo Batucaps e o grupo de oficina de papel marche do CAPS ad e o projeto “Respirando Artes” (com dança do ventre, capoeira, teatro de fantoche e poesia) do CAPS Caminhar.

FOTO 16 – Peças produzidas pelos usuários que participam da Oficina de Papel Marche do CAPS ad (arquivos pessoais da pesquisadora, 2011).

FOTO 17 – Apresentação do grupo e percussão do CAPS Gutembergue Botelho (arquivos pessoais da pesquisadora, 2011).

208 Lima (2009, p. 14) afirma que no contexto da atenção psicossocial, a arte não consiste em produção de obras, mas em “produção de acontecimentos, ações e experimentações para promoção de processos de vida e de criação”. Ou seja, a utilização da arte no campo da saúde mental não mais para a remissão de sintomas, normalização ou cura, mas para a recomposição de universos existenciais e como produção mutante de enunciação. A autora considera que, no processo de patologicização da diferença, a arte seria a linguagem privilegiada para se aproximar de esferas da experiência que não podem ser abarcadas pelo pensamento racional como a experiência da loucura. Isso é possível porque a arte amplia/rompe os limites entre normalidade e patologia e se constitui no campo de criação e de expressão que aflora em qualquer ambiente e em qualquer condição e é reconhecido pela sociedade. Nesse sentido, podemos considerar que a utilização da arte no campo da saúde mental produz transformações e recria realidades porque o objetivo não é mais reproduzir modelos e atender às demandas institucionais, mas utilizá-la como um instrumento para que as pessoas possam expressar suas próprias experiências e o modo como elas pensam e lidam com isso: “Eu tenho uma crença muito forte na arte como dispositivo de transformação e de reflexão” (E23). Outra estratégia inovadora no campo da saúde mental diz respeito aos projetos de reinserção social dos sujeitos com sofrimento mental que se fundamentam nos princípios da economia solidária e no cooperativismo social. Na Itália, foi desenvolvida a experiência da empresa social que, segundo Rotelli (2000, p. 301), trata-se de “uma empresa que faz viver o social. O que é distinto, portanto, da situação precedente, na qual o social era expropriado de suas contradições, delegado aos psiquiatras, recluso nos muros do manicômio”. De acordo com Rotelli (2000), a empresa social consegue através de um movimento cultural transformar a relação da sociedade com o louco e com a loucura porque permite a reinserção social por meio da inclusão desses sujeitos no mercado produtivo e do resgate da estética das relações. Para o autor “o trabalho é um direito do cidadão e não pode ser transformado em tratamento” (ROTELLI, 1994, p. 156). Ou seja, a empresa social é um instrumento para a construção material dos direitos e para a renegociação do pacto social de modo a favorecer a convivência dos sujeitos que experimentam a loucura dentro da comunidade. Eu acho que ocupação, capacitação, treinamentos, oportunidades de trabalhos específicos para esse grupo. Acho que são coisas que elevam a autoestima, contribuem para o raciocínio e são instrumentos para modificar a realidade deles (E14).

209 Deveria haver a oportunidade, uma campanha firme e continuada para que as pessoas que quisessem montar o seu negócio tivesse um crédito especial (E32). Eu não acho que mudou muita coisa não porque o preconceito é muito grande ainda. Para falar a verdade ninguém quer contratar uma pessoa que toma remédio controlado. Se você for fazer uma entrevista de emprego e disser, porque em toda entrevista de emprego eles perguntam: “seu fulano você toma algum remédio?” Se você mentir, não vai adiantar porque uma hora eles vão descobrir e não vão aceitar. Em canto algum vão aceitar essa pessoa (E40).

Embora alguns dos entrevistados reconheçam a importância da reinserção social pelo trabalho eles admitem que, em João Pessoa, esse tipo de estratégia ainda não foi implantada nem pelos serviços territoriais nem pelas políticas públicas locais, fato que contribui para que cada vez mais as pessoas fiquem dependentes dos serviços de saúde mental e do sistema previdenciário. Dell’acqua e Mezzina (2005) ressaltam a necessidade de reconhecer o sujeito como uma entidade complexa e defendem quão complexos devem ser os instrumentos e os recursos para lidar com a experiência loucura no sentido de promover a autonomia, restituir o poder contratual dos sujeitos e favorecer

a

sua emancipação.

Rotelli (2000)

advoga que

para operar

a

desinstitucionalização e produzir mudanças na cultura é imprescindível articular os recursos sanitários e da assistência social, ou seja, investir na intersetorialidade. A intersetorialidade tem que estar junto porque a gente trabalha com a cidadania e com a reinserção social. Porque se não tiver uma rede intersetorial que a gente possa contar com ações na cultura, na educação, na ação social, de entender essa coisa articulada e tudo mais, não vai adiantar (E08).

O depoimento de E08 evidencia a importância da intersetorialidade para o resgate da cidadania, para o restabelecimento de vínculos e para a manutenção de um sistema de relações sociais que possibilite a construção de novos modelos de cidadania baseados na liberdade de desejar, de inventar e de circular na sociedade como sujeitos de direitos. Portanto, as intervenções na dimensão técnica-assistencial devem ultrapassar o desenvolvimento de tecnologias de cuidado e se articular com a dimensão jurídico-política, na perspectiva da criação de direitos e do restabelecimento da cidadania para as pessoas consideradas loucas. Em relação à dimensão jurídico-política, parte dos sujeitos pesquisados defendeu a participação e o protagonismo dos usuários na luta para que a sociedade reconheça seus direitos e sua cidadania. Essa é uma questão apontada por Amarante (2007) como um dos principais objetivos da Reforma Psiquiátrica que foi fomentada na experiência italiana ao colocar em xeque as noções de incapacidade, irresponsabilidade,

210 periculosidade e inimputabilidade atribuídas a experiência da loucura. Os depoimentos defendem a capacidade das pessoas consideradas loucas de se responsabilizarem pelos seus atos civis e de se organizarem em prol da conquista de direitos e da melhoria das condições de vida. Que a sociedade reconheça que essas pessoas [loucas] têm capacidade de estar na rua, de cobrar seus direitos, de ter a sua liberdade de expressão, de ter a sua cidadania reconhecida (E39). O principal objetivo da Reforma é a garantia do direito do cidadão, do direito a liberdade, a circular na comunidade, de ter acesso aos serviços de saúde, serviço de educação, serviço social. Acho que o grande sonho da Reforma Psiquiátrica é esse (E35). Eu entendo a Reforma Psiquiátrica como uma mudança no modelo de atenção, onde o louco ele passa a ser visto realmente como um ser humano de direitos, não só de deveres, numa perspectiva da integralidade [...] Eles começam a conhecer os direitos deles, a reivindicar, a se organizar e começam a dar mais trabalho. Porque eles batem na porta do Ministério Público! Para que ele possa conhecer a política e se empoderar para lutar pelos direitos deles (E22).

Rotelli,

Leonardis

e

Mauri

(2001)

afirmam

que

o

processo

de

desinstitucionalização está voltado para a restituição de direitos aos sujeitos sociais que vivenciam a loucura, ou seja, para a reconstrução dessas pessoas como sujeitos concretos que participam efetivamente da vida social da comunidade na qual estão inseridos e que têm acesso a todos os recursos e equipamentos existentes na sociedade. De acordo com Barros (1994, p. 177), “a luta pela cidadania constitui um dos pilares da desinstitucionalização [...] no sentido de buscar a afirmação dos direitos civis, sociais e políticos das pessoas que vinham internadas em instituições psiquiátricas”. Segundo Chauí (2008), a verdadeira democracia é um regime político capaz de reconhecer os seus conflitos como legítimos e de produzir direitos. O depoimento de E22 sobre a consciência que as pessoas consideradas loucas podem ter de sua cidadania mostra que o processo de empoderamento desses sujeitos envolve a “capacidade de os indivíduos e grupos poderem decidir sobre as questões que lhes dizem respeito, escolher, enfim entre cursos de ação alternativos em múltiplas esferas – política, econômica, cultural, psicológica, entre outras (HOROCHOVSKI; MEIRELLES, 2007, p.486). Horochovski e Meirelles (2007, p.486) consideram que o empoderamento está relacionado com a noção de autonomia e de emancipação e diz respeito ao “processo pelo qual indivíduos, organizações e comunidades angariam recursos que lhes permitam ter voz, visibilidade, influência e capacidade de ação e decisão”.

211 Portanto, o objetivo da dimensão jurídico-política também é redefinir as relações sociais em termos de solidariedade, da autonomia e da diversidade da existência humana. Alverga e Dimenstein (2005) resgatam o papel dos movimentos sociais como protagonistas no processo de construção de uma nova forma de lidar com a diferença e desconstrução do conjunto de aparatos científicos, legislativos, administrativos, de códigos de referência cultural e de relações de poder que mantêm a exclusão social do louco e da loucura. Nesse enfoque, defendemos que a construção de uma nova cidadania para o louco é um processo sociocultural que implica a responsabilização de toda a sociedade.

É preciso que nós enquanto cidadãos da cidade estejamos preparados e minimamente afetados pela causa porque nós é que vamos acolher! Não só o serviço. Se a ideia é acabar com aqueles espaços e que eles transitem na cidade, temos que acolher da melhor maneira possível e responsabilizar a todos nesse movimento (E34).

Em João Pessoa, os avanços na dimensão jurídico-política ainda são tímidos, pois os movimentos sociais relacionados com a questão da saúde mental (MLAM e Associações de Usuários) não conseguem garantir que os direitos conquistados na forma da Lei sejam legitimados. Além disso, esses movimentos encontram dificuldades para sistematizar as reuniões e assembleias e para aumentar o número de participantes. A dificuldade de atuação e de articulação dos movimentos sociais do campo da atenção psicossocial revelada neste estudo demonstra que esses coletivos devem priorizar a organização interna do movimento para fortalecer o processo de exigibilidade de direitos em saúde mental, no município investigado. Em relação à dimensão sociocultural, os sujeitos pesquisados elegem como estratégias que podem contribuir para a transformação da realidade em saúde mental em João Pessoa, os projetos de geração de emprego e renda da política municipal (Empreender-JP), as ações da Associação de usuários, a realização das Semanas de Luta Antimanicomial e a participação dos usuários dos CAPS em atividades relacionadas às datas comemorativas da tradição cultural local. Os sujeitos destacam ainda o potencial dessa dimensão para acolher a diferença e a diversidade, para descontruir o imaginário social calcado no preconceito e na exclusão social e para produzir a mudar as relações sociais entre sociedade, louco, loucura e suas instituições. Assim, alguns dos entrevistados consideram que o processo de Reforma Psiquiátrica extrapola a noção ainda hegemônica da desospitalização e restrita ao setor saúde e apresenta o significado

212 de um movimento sociopolítico pela transformação cultural por meio da desconstrução do paradigma psiquiátrico clássico. A Reforma Psiquiátrica é um projeto político para além da saúde também que prima por uma sociedade outra que respeite a diversidade, a diferença. Uma sociedade que possibilite condições de vida favoráveis para todos, que não exclua (E23). Então esse movimento de desconstruir o imaginário social, de acabar com o manicômio, principalmente o manicômio que está na cabeça da gente. A desconstrução do imaginário social vai se dar pela cultura, compreendida como movimento social, político. A cultura que é o dispositivo que dialoga com a sociedade diretamente (E34). Onde é que a gente tem mais aceitação de tudo que não nos parece igual? Na cultura Eu acho que a gente tem que respeitar o que é diferente. E esse diferente, muitas vezes, é o que é igual em determinado grupo. Conviver com essas diferenças, aceitar [...] Eu entendo a tolerância, não como suportar algo absurdo, mas muito mais a aceitação da condição de como a outra pessoa é (E13).

Os depoimentos demonstram uma nova compreensão em que a cultura é evidenciada como campo para viabilizar a convivência com a diferença e com o divergente porque ao aceitar as diversas singularidades e subjetividades permite a produção de relações de reciprocidade e de solidariedade com o estranho e com o diferente. Assim, é possível a superação da noção de tolerância como um modo de suportar tacitamente uma situação que não é aceita ou compreendida, como produção de uma liberdade fictícia e como uma falsa inclusão social que não permite a participação ativa dos sujeitos no sistema social. Amarante e Costa (2012, p. 61) afirmam que “a diversidade cultural é a Dimensão do diálogo com a diferença: a aceitação do outro não como prática de tolerância, mas de reciprocidade, de solidariedade, de compreensão da diversidade das identidade individuais e coletivas”. Barros (1994, p. 187) defende que a cidade deve dar “continência à diversidade, confrontar estereotipias e desmistificar, principalmente, o olhar que vê no diferente o perigo e a ameaça”.

A cultura, a gente percebe é uma forma de expressão, uma forma de demonstrar aquilo que você sente, que você pensa (E36). Tolerar parte de uma ideia de você tolerar aquilo, você não gosta, mas aceita porque é obrigado. Mas a gente começa a compreender, a entender ou aceitar no sentido de se relacionar com a diferença. Eu acho que vem tendo experiências muito positivas (E34). Porque não é a criação de serviços que vai mudar esse pensamento manicomial. É a questão da convivência, não da cura! E eu acho que é desconstruir em cada atitude da gente no dia a dia, em qualquer local, eu acho que é desconstruir essa história (E30).

213 Eu posso ser um instrumento que vai disseminando essa cultura! Que eu vou com meu viver, com o meu fazer disseminando essa cultura. Então para se chegar a uma sociedade sem manicômios é tentar de todas as formas, em todos os espaços que a gente puder, conseguir trabalhar essa cultura da convivência com a diferença! (E29). A gente precisa viver em uma sociedade, em uma cultura muito mais aberta em relação à convivência. Eu acho que isso é o que falta! (E32).

Basaglia (2005) considera a cultura como um conjunto de valores relativos que ganham peso e significado no momento em que são infringidos, que serve para estabelecer as barreiras que delimitam o terreno normativo da sociedade. O autor destaca a necessidade de reestruturar a própria cultura em relação à presença do louco que segundo ele tem se confrontado com a sanção ou a tolerância: [...] mas a alternativa à sanção não pode ser, também neste caso, a simples tolerância da loucura, e sim o aprender a suportar um confronto com o outro que só permanece real e significativo quando o sofrimento não é isolado em lugares e ideologias que se encarreguem dele; aprendizagem que permite ao mesmo tempo a não expulsão da diversidade e o reconhecimento da mesma, muitas vezes escondida nas regras e uma normalidade que desvirtua as necessidades tanto quanto a loucura (BASAGLIA, 2005, p.255).

Amarante (2013)8 afirma que a cultura é um conjunto de expressões de um sujeito que não dizem respeito apenas a sua personalidade individual, mas são constituídas também nas práticas sociais e coletivas. Segundo o autor, quando se fala de cultura não se trata somente dos hábitos, tradições, rituais, mitos e formas de pensar, mas da cultura como forma de olhar e de interpretar o mundo. No Brasil, a cultura tem o papel de reduzir desigualdades e de lutar por direitos e cidadania, pois é considerada uma dimensão que acolhe a multiplicidade de singularidades. Em relação à capacidade da cultura de comportar a diversidade de subjetividades sem que haja exclusão de alguma delas, E29 afirmou:

Do ponto de vista da cultura a gente não tem uma diferença tão gritante entre o que é normal e o que é anormal. As duas coisas podem conviver sem que uma exclua a outra. É preciso compreender que as contradições são necessárias [...] Porque a cultura é que determina nossas crenças e nossos valores, nosso modo de agir, de se comportar e muitas vezes até de sentir! É essa relação que muitas vezes precisa ser colocada em evidência! (E29).

Amarante e Costa (2012, p.11) consideram a cultura como “um conjunto de produções simbólicas e materiais em permanente transformação que orienta e organizam as relações socais, a sociabilidade e o estilo de vida”. Os autores defendem a 8

Palestra proferida pelo professor Dr. Paulo Amarante na Universidade Unilassale (Niterói-RJ), em abril de 2013.

214 necessidade de intervenção na cultura para melhorar a qualidade de vida e de saúde da população, pois a cultura articula as diversas dimensões da vida e produz transformações sociais. No campo da saúde mental, existem várias experiências que se articulam com o campo artístico-cultural para produzir novas subjetividades e promover a reinserção social louco como os trabalhos dos psiquiatras Osório César e Nise da Silveira, a experiências da cidade de Santos e a Oficina “Loucos pela Diversidade: da diversidade da loucura à identidade da cultura”. A importância dessas iniciativas se deve ao fato de que os autores das obras e das atividades artístico-culturais ao abordarem suas histórias de vida, convidam a sociedade a ver o mundo a partir de suas leituras, experiências e sofrimento e conseguem produzir novos valores e significados para a experiência da loucura, revolucionando os contextos em que se desenvolveram. E naquela época, Paulo Amarante, um dos mentores, coordenadores do Movimento, ele mesmo dizia que o nosso primeiro investimento é na cultura! Vamos tentar quebrar os paradigmas, os preconceitos em relação à loucura. E por onde a gente começa? Pela cultura de exclusão que é violenta a qualquer ser humano. Essa relação da cultura com a loucura é fortíssima! (E29). Eu compreendo o processo da Reforma Psiquiátrica justamente reintegrando o portador de transtorno mental à sociedade e ao seio familiar [...] A cultura deveria estar presente nas escolas, estar presente na vida dos portadores de transtorno mental, nos meios de comunicação porque só assim iremos construir uma sociedade melhor e uma Reforma Psiquiátrica muito legal (E39). Hoje a gente tem uma intervenção na cultura, no dia a dia, no cotidiano das pessoas, que impressiona (E14).

O processo revolucionário da intervenção cultural no campo da saúde mental foi iniciado pelo MNLA quando propôs a cultura como alvo e como meio e reconheceu o papel estratégico da dimensão sociocultural para operar a transformação social na perspectiva da desinstitucionalização. Desde então, muitas atividades artístico-culturais tem sido realizadas nas comemorações e eventos realizados pelo MNLA e também nos serviços territoriais através de oficinas, de grupos operativos e terapêuticos e das comemorações das festas populares. O bloco de depoimentos a seguir mostra como as manifestações culturais favorecem a reinserção social do louco e da loucura.

O resgate das festas populares é importante para eles porque o significado às vezes, é até diferente do nosso. Para cada um deles tem um sentido particular e é importante para eles manterem essa unidade. Outros, por exemplo, trazem questões religiosas [...] o principal é entender que louco não é para ser excluído, trancado nem alijado dos processos de

215 cultura, de convivência, de trabalho, de laços sociais, de amor, de relacionamentos (E20). A sociedade tem que entender essa especificidade das pessoas tidas como loucas e compreender que elas tem as suas manifestações também de cultura que podem contribuir com artes, com o canto, com o estudo. Então essas pessoas ditas como loucas tem uma possibilidade de inserção nessa cultura. Mas, essa cultura precisa se abrir a compreender esse universo da pessoa louca (E26). Através da cultura a gente consegue a reinserção social. Agora, às vezes as pessoas pensam que a cultura pode ser trazida para dentro dos serviços e eu acho que os serviços de saúde têm que fazer o movimento contrário: é usar os serviços da comunidade, usar os serviços do território. Sair do serviço e ir para rua até porque a gente precisa entender que o serviço é complementar na vida do usuário. O usuário vive no seio da família, no seio da comunidade, no bairro onde ele mora. Então ele deve utilizar os serviços do território onde ele vive (E37).

Os sujeitos entrevistados ressaltam que as atividades de cultura devem ser realizadas nos territórios e na comunidade onde os usuários vivem, se relacionam, constroem, desejam e produzem. Rotelli (1994) defende que o processo de desinstitucionalização é uma estratégia terapêutica na comunidade que deve promover relações de trocas, restituir a autonomia dos sujeitos e produzir novas sociabilidades. Para o autor, terapêutico é tudo que dá acesso a direitos e permite qualidade de vida. Sobre o significado da participação dos usuários nas atividades da I SELA alguns entrevistados relatam: Eu gostei muito da Semana da Luta Antimanicomial. A gente descobre talentos nas pessoas. Os outros desprezam muito a gente. Mas, você é inteligente, você precisa ser amada, você tem talento, todo mundo tem! (E18). A gente se apresenta, a gente faz teatro, a gente leva coisas lá fora com a sabedoria da gente! (E12). Os usuários até hoje falam [sobre a I SELA] porque muitos deles nunca tinham ido a uma Câmara de Vereadores e participado de uma seção. Então, em termos de exercício de cidadania foi um momento muito importante (E35). A gente levou os loucos para rua! Os loucos ocuparam os espaços de cultura da cidade! A gente produziu um diálogo extremamente fecundo entre arte e saúde e vários artistas da cidade, de fora da cidade foram chamados a contribuir nesse processo (E23).

Os relatos corroboram a importância das ações realizadas durante a SELA para a transformação do lugar social do louco, da loucura e de suas instituições e para a promoção do exercício da cidadania das pessoas com problemas mentais porque elas envolvem a participação de vários sujeitos sociais e segmentos e conclamam toda a

216 comunidade para a reflexão sobre o lugar da diferença e da diversidade na sociedade. Além disso, a SELA é um período que proporciona e estimula a participação efetiva das pessoas consideradas loucas no circuito social porque os usuários, familiares e trabalhadores saem dos muros dos serviços e realizam atividades e manifestações em diversos territórios na cidade. “Enfim, o movimento articula todos os segmentos da sociedade através da cultura e luta pela efetivação das leis” (E34); “Quando você fala em Reforma Psiquiátrica, você envolve uma multidão de atores, de pessoas, de identidades, de movimentos” (E14); “Porque o movimento não atua só dentro do serviço, mas dentro da sociedade aonde ele vai influenciar no dia a dia, fora da instituição” (E30). No entanto, consideramos que as intervenções socioculturais produzidas pelo campo psicossocial em João Pessoa, não podem se restringir a esse período, mas devem estar inseridas no cotidiano das práticas e das relações sociais como estratégias de uma militância antimanicomial organizada e atuante. Para tanto, é necessário que o MLAM se articule com outros movimentos sociais e promova um novo aprendizado sobre o modo da sociedade se relacionar com o louco, que seja baseado na igualdade entre os sujeitos e no respeito às diferenças. As concepções que foram agrupadas nesta subcategoria mostram que parte dos sujeitos entrevistados reconhece a Reforma Psiquiátrica como um movimento de cultura, mas que por ser incipiente no município, requer maior organização e atuação dos militantes antimanicomiais para que as iniciativas não recaiam na reprodução do modelo tradicional. Isso implica a retomada das articulações sociopolíticas com pessoas, grupos, órgãos e segmentos envolvidos com o tema da loucura e a sistematização de ações que promovam a transformação do lugar social do louco, da loucura e de suas instituições e, consequentemente a superação do paradigma psiquiátrico clássico. Nesse sentido, defendemos que as intervenções socioculturais possuem a capacidade para descontruir o aparato manicomial porque opera transformações nos significados atribuídos à loucura e no imaginário social que no município investigado, ainda está fundamentado em conceitos tradicionais e excludentes para essa experiência. O cenário descrito pelo grupo participante deste estudo demonstra que, no município de João Pessoa, existem duas possibilidades contraditórias para o encaminhamento do processo da Reforma Psiquiátrica, que o caracteriza como um processo de transição paradigmática na perspectiva defendida por Santos (1995). De acordo com o autor, a crise paradigmática resulta de uma pluralidade de condições

217 teóricas e sociais que se instalam quando um modelo não consegue atender às necessidades de determinada realidade social. Essa ruptura instaura uma fase de transição ambígua, indefinida e irreversível e traz a complexidade do “tempo presente que não é uma realidade estática, em equilíbrio, mas em construção, de invenção prático-teórica, em relação direta e objetiva com a realidade que a cada momento se apresenta e se transforma” (AMARANTE, 1996, p. 17). Nesse enfoque, os entrevistados destacam que a Reforma Psiquiátrica é resultante de uma crise paradigmática no modelo médico-psiquiátrico clássico, envolve a desconstrução e a reconstrução de saberes e práticas e não tem previsão de desfecho, pois, como todo processo histórico, é complexo e dinâmico. Acontece que sempre quando há uma mudança de paradigma, há uma quebra de um pensamento para o início de outro que tem as suas vantagens e desvantagens. Vantagens porque aquele modelo que estava sendo utilizado estava muito saturado. As desvantagens porque há um desprezo pelo modelo anterior que também tem fatores positivo (E09). A gente está desconstruindo uma prática, um conceito, uma percepção. Esses desdobramentos são muito lentos (E34). Essa luta ainda vai continuar porque isso é uma luta para mudança do pensamento da sociedade, do profissional que trabalha com o louco, do familiar. O movimento tende a ir a muitas gerações para mudar essa concepção (E30).

A análise do material empírico permitiu a identificação de características, aspectos e situações do antigo e do novo modelo, porém com tendência ainda ao Reformismo, ou seja, a mudanças na reestruturação dos serviços e à manutenção do paradigma médico-psiquiátrico clássico. O contexto de transição é sempre lento e indefinido pela diversidade de fatores que envolve, porém não se pode desprezar as conquistas já alcançadas durante o processo como afirma a entrevistada “Não é porque a gente não fez o caminho todo que a gente não vai valorizar o que a gente já andou” (E13). Portanto, defendemos que o fortalecimento da tendência revolucionária da Reforma Psiquiátrica em João Pessoa, deve ocorrer por meio de investimentos em intervenções no campo sociocultural e na implementação de políticas intersetoriais, pois, na atualidade, são as estratégias mais eficazes para operar a transformação do lugar social das pessoas que experimentam a loucura na perspectiva da inclusão social e da emancipação dos sujeitos sociais da opressão do modelo psiquiátrico tradicional, ou seja, para promover uma desinstitucionalização total, como propõe Venturini (2010).

218 Considerando a assertiva do poeta espanhol Antônio Machado, “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”, advogamos que a militância antimanicomial no município investigado não pode recuar, parar ou desistir diante dos desafios e das dificuldades que se apresentam, mas buscar incansavelmente a construção de novas condições e estratégias para avançar no sentido superação do paradigma psiquiátrico tradicional. Cada cenário, cada contexto apresenta uma realidade diversa e complexa com múltiplos sujeitos, desafios e possibilidades. Por isso, cada grupo deve produzir e criar seus próprios caminhos. É necessário reconhecer os avanços, mas, sobretudo as fragilidades e os desafios para que os próximos passos sejam para adiante.

219 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação sobre os temas que orientam o processo da Reforma Psiquiátrica no município de João Pessoa, a partir das concepções dos sujeitos-chave que participaram da I Semana Estadual da Luta Antimanicomial demonstra que na atualidade, existem duas tendências contraditórias para o seu encaminhamento: o Reformismo (conservadora) e a Desinstitucionalização (revolucionária). Nesse sentido, as concepções dos sujeitos pesquisados oscilam entre o polo conservador e o polo revolucionário caracterizando assim o contexto pesquisado, como um momento de transição paradigmática do modelo médico-psiquiátrico tradicional para o modelo da atenção psicossocial. Essa situação é evidenciada, portanto, pelo fato de coexistirem concepções, práticas sociais, instituições e dispositivos dos dois modelos que são contraditórios. Nesse cenário, destacamos a atuação do MLAM que, desde a sua fundação na década de 1990, tem reivindicado mudanças no modelo de atenção à saúde mental, melhorias na qualidade de vida e direitos para as pessoas consideradas loucas. Em João Pessoa, a organização Núcleo Antimanicomial ocorreu de modo semelhante à formação do MNLA, ou seja, a partir das reflexões de trabalhadores de saúde mental, principalmente de psicólogos, de intelectuais e de outros movimentos sociais sobre a realidade vivenciada nos hospitais psiquiátricos e sobre a situação do louco e da loucura na sociedade. Inicialmente, o grupo de militantes realizou alguns eventos e conquistou avanços em relação à criação de serviços extra-hospitalares territoriais, pois o contexto político-partidário local à época favoreceu o atendimento às reivindicações do Movimento. O MLAM entrou em um período de desmobilização, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, quando as principais lideranças assumiram cargos de gestão nos governos municipal e estadual e ingressaram na Academia. Outro fator que colaborou para a dispersão e para a desmotivação do grupo de militantes foram as divergências entre participantes que geraram duas tendências internas no Movimento: o Núcleo da Luta Antimanicomial e a RENILA, sendo essa última caracterizada por uma liderança autoritária, excludente e personalista. Entre os desafios para a atuação e para o fortalecimento do MLAM em João Pessoa, são apontados: dificuldade de inserção/participação

de

novos

membros

nos

movimentos

organizados/institucionalizados; tímido protagonismo dos usuários; pouca articulação entre os militantes e com outros movimentos sociais organizados; iniciativas de

220 mobilização isoladas e pontuais; despolitização das ações realizadas nas Semanas da Luta; descontinuidade das ações territoriais e socioculturais; contexto político-partidário desfavorável; fragilidade da formação política e técnica dos profissionais de saúde mental em relação à prática antimanicomial; pouca articulação com outros saberes que dialogam com o campo da atenção psicossocial como a arte. No último triênio, foram realizados dois eventos propulsores de uma retomada das articulações entre os sujeitos e grupos envolvidos com o tema da loucura (o Seminário “Diversidade, Cultura e Saúde Mental” realizado em 2010, na UFPB e a realização da I SELA, em 2011), porém o material empírico revela que a militância antimanicomial em João Pessoa, ainda está dispersa, desorganizada e desmobilizada de modo que apenas durante a realização das atividades em alusão ao Dia 18 de maio, os sujeitos envolvidos com as questões da saúde mental se encontram para refletir sobre a temática e organizar intervenções socioculturais efetivas que envolvam a sociedade nessa reflexão. Apesar disso, consideramos que as experiências de intervenções artístico-culturais realizadas nesse período e em algumas oficinas do CAPS são bastante significativas, pois promovem a participação social dos usuários em atividades da comunidade e da cidade. Compreendemos que entre o MLAM e a Reforma Psiquiátrica existe uma relação

de

interdependência,

uma

vez

que

ambos

os

processos

ocorrem

simultaneamente e se retroalimentam. Na concepção dos entrevistados, o MLAM é um processo mais abrangente e amplo que permite maior liberdade de expressão para os sujeitos enquanto que a Reforma Psiquiátrica é um processo legal e, portanto burocrático que viabiliza a institucionalização das reivindicações do MLAM. O estudo mostra que o município de João Pessoa ainda não alcançou a superação do modelo psiquiátrico clássico como reivindica o MLAM e que tem ocorrido um esvaziamento político/ideológico entre os militantes antimanicomiais. Também revela que o processo da Reforma Psiquiátrica apresenta uma forte tendência ao aggiornamento, porque apresenta as seguintes características, considerando as quatro dimensões investigadas: a manutenção de concepções tradicionais como as noções de anormalidade, incapacidade, periculosidade e doença orgânica em relação à experiência da loucura e a ideia de capacidade de adaptação à norma social como saúde mental; o preconceito e o estigma em relação ao louco; ações fragmentadas que não atendem às necessidades de saúde mental da população e nem promovem a autonomia, o vínculo, a produção de direitos e de cidadania e a reinserção social do louco e da loucura; o abandono de familiares em serviços de saúde mental corroborando o processo de

221 capscização; a manutenção das relações tutelares e de custódia entre usuários e técnicos; o predomínio de intervenções clínicas como a medicamentalização; fragilidades na formação e na qualificação da maioria dos profissionais que atuam na RAPS que também apresentam pouca experiência e dificuldades para lidar com as situações de crise; a hegemonia do saber-poder médico; a desarticulação entre a RAPS, os serviços de saúde e outros segmentos da sociedade (educação, cultura, assistência social, habitação, etc); a continuidade de internações psiquiátricas arbitrárias e de práticas de violação dos direitos humanos e a dificuldade para efetivar direitos relacionados à saúde mental. A realidade observada mostra que no município, ocorrem a modernização da RAPS e a atualização de práticas manicomiais nos serviços territoriais que impedem a transformação do lugar social do louco, da loucura e de suas instituições e limitam os avanços na dimensão sociocultural. Apesar da forte tendência ao reformismo, o material empírico demonstra também que recentemente, têm ocorrido algumas iniciativas que trazem a possibilidade de uma revolução no campo da saúde mental em João Pessoa e do encaminhamento do processo da Reforma Psiquiátrica na perspectiva da desinstitucionalização. Essa possibilidade decorre dos questionamentos que alguns sujeitos e segmentos sociais têm realizado sobre o paradigma psiquiátrico tradicional e da realização de atividades artístico-culturais como resultados de uma nova concepção dos sujeitos pesquisados sobre a experiência da loucura e sobre o lugar social do louco. As novas concepções consideram a loucura como experiência humana complexa, distinta e singular, que pode ser interpretada por vários saberes e o louco como sujeito social autônomo que tem potencialidades, desejos e direitos. Elas defendem a restituição do poder de contratualidade para os loucos a partir do estabelecimento de relações sociais solidárias e horizontais baseadas no acolhimento, no vínculo, na responsabilização e na construção de direitos para esses sujeitos; o desenvolvimento de ações de saúde voltadas para o atendimento das necessidades das pessoas e para um cuidado emancipatório; a efetivação de políticas públicas intersetoriais em saúde mental; a legitimação dos direitos em saúde mental; a construção de uma nova sociabilidade e de uma nova cidadania para o louco; e principalmente a inclusão social da loucura e do louco como uma diversidade da condição humana. Advogamos que a superação da exclusão social do louco e da loucura requer a construção de uma nova compreensão sobre a loucura, o louco e suas instituições e o reconhecimento da cultura como um dispositivo de emancipação dos sujeitos da opressão da racionalidade científica médico-psiquiátrica. O campo cultural, além de

222 criar condições para a expressão da multiplicidade de subjetividades, articula as diversas dimensões da vida, produz transformações sociais através da desconstrução/construção de novos valores e significados e promove o desenvolvimento de novas relações sociais baseadas na reciprocidade e na igualdade entre os sujeitos. Assim, a articulação entre o campo psicossocial e o campo artístico-cultural apresenta grande potencial para a construção de práticas comunitárias, solidárias e territoriais que se baseiem no diálogo, na construção de vínculos, no respeito às diferenças, na valorização das subjetividades e na produção de qualidade de vida para a promoção da reinserção social do louco. Desse modo, consideramos que a transformação das relações humanas no sentido de inclusão da diferença, da alteridade e da diversidade implica o estabelecimento de um processo permanente de reflexões e de transformações a um só tempo, em todas as dimensões do processo da Reforma Psiquiátrica. A defesa da necessidade de articulação entre as dimensões da Reforma Psiquiátrica para alcançar a transformação social se fundamenta no argumento de que quando apenas a dimensão técnico-assistencial avança, o processo assume o caráter reformista porque ocorre uma acomodação da situação que se pretende transformar, ou seja, ocorre uma modernização dos serviços, mas não há a transformação do lugar social do louco e da loucura. A pesquisa evidencia que apesar da ampliação da RAPS e de algumas inovações tecnológicas (inclusão de outros profissionais nas equipes e de atividades socioculturais nos serviços) predominam as práticas assistenciais tutelares em detrimento às atividades artístico-culturais e às intervenções sociopolíticas. Apesar das fragilidades identificadas na atuação do MLAM no município investigado, vale destacar que ao longo de sua trajetória, ele conquistou mudanças significativas nas quatro dimensões, mas, principalmente na dimensão técnicaassistencial. Na atualidade, existe a possibilidade de uma retomada do protagonismo do MLAM enquanto representante do polo revolucionário, que através de intervenções socioculturais enquanto práticas sociais libertárias pode encaminhar o processo da Reforma Psiquiátrica na perspectiva da desinstitucionalização. O MLAM tem um papel fundamental na articulação com os demais movimentos sociais e setores da sociedade para reivindicar, propor e realizar intervenções transformadoras nos campos da saúde mental, da cultura e dos direitos humanos. O MLAM é um movimento amplo, aberto e plural que reúne diversos sujeitos sociais e é capaz de promover a transformação da relação excludente que a sociedade estabeleceu com o louco, com a loucura e suas instituições, pois consegue a um só tempo intervir nas quatro dimensões investigadas neste estudo. No entanto,

223 consideramos que se o MLAM não se efetivar como movimento revolucionário da política de saúde mental existe o risco de que a Reforma Psiquiátrica se restrinja às mudanças administrativas e estruturais e disfarçadamente, à reprodução do modelo manicomial. A realidade investigada permite inferir que a efetivação da Reforma Psiquiátrica no seu sentido revolucionário só será possível quando alcançarmos a desinstitucionalização do paradigma psiquiátrico tradicional. Consideramos que esse processo é um projeto epistemológico que só alcançará exequibilidade por meio da transformação cultural proposta e reivindicada pelo MLAM e através da implementação de políticas públicas intersetoriais no campo da atenção psicossocial. Em João Pessoa, o MLAM ainda não conseguiu se consolidar como um movimento social organizado, coeso, atuante e articulado com outros movimentos sociais. Consideramos como contribuição desta investigação a tentativa inédita de analisar no município de João Pessoa, o processo da Reforma Psiquiátrica em suas quatro dimensões a partir das concepções de representantes dos diversos segmentos que compõem o MLAM. Como limitação do estudo ressaltamos a dificuldade para investigar a um só tempo as quatro dimensões da Reforma Psiquiátrica uma vez que cada uma delas possui questões complexas impossíveis de serem totalmente abordadas em um único estudo. Por isso, apontamos a necessidade de aprofundar o conhecimento em cada campo. A tese defendida é a de que a transformação da realidade social do louco, da loucura e de suas instituições e a emancipação dos sujeitos sociais da racionalidade médico-psiquiátrico, ou seja, a efetivação da desinstitucionalização do paradigma psiquiátrico tradicional só ocorrerá quando houver revoluções simultâneas em todas as dimensões do processo da Reforma Psiquiátrica, em especial na dimensão sociocultural uma vez que nesse campo ocorre a desconstrução/construção de ideias, valores e práticas sociais que repercutem no processo de elaboração e de efetivação das políticas públicas. Portanto, é necessário um novo aprendizado sobre a loucura, por meio da produção cultural de novos conceitos, significados e práticas em relação à diferença e à alteridade que considere a intersecção entre diversos modos de pensamento e saberes. Nesse contexto, destacamos o protagonismo do MNLA para a construção de uma prática sociopolítica e cultural efetivamente democrática, civilizatória e libertária. São muitas as conquistas. Maiores são os desafios. Por isso, não desertemos a luta e nos ponhamos a caminho de uma nova realidade social para a loucura e para o louco, em que a sua existência possa ser recriada e reinventada.

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240 APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Comitê de Ética em Pesquisa Você está sendo convidado para participar da pesquisa intitulada “A Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento da Luta Antimanicomial em João Pessoa - PB” que será desenvolvida pela professora Ms. Anna Luiza Castro Gomes, aluna do DINTER/ENSP/UFPB/UFAL sob a orientação do professor Dr. Paulo Amarante (ENSP/FIOCRUZ) e da Profª Drª. Ana Tereza Medeiros Cavalcanti da Silva. O objetivo do estudo é compreender o processo da Reforma Psiquiátrica nas diferentes dimensões da realidade a partir das concepções de sujeitos sociais envolvidos com o Movimento de Luta Antimanicomial, em João Pessoa - PB. Você foi selecionado pelo seu envolvimento na I Semana Estadual da Luta Antimanicomial no município de João Pessoa, mas sua participação nesta investigação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua aceitação ou recusa não trará nenhum risco, dano ou prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição a qual está vinculado. Os benefícios relacionados com a sua participação são a colaboração com a produção de conhecimento para a área da saúde mental e as contribuições para a reflexão sobre o Movimento da Luta Antimanicomial nesse município. A sua participação nesta pesquisa consistirá em responder livremente, às questões que serão realizadas pelo pesquisador. As informações obtidas através dessa pesquisa serão gravadas e armazenadas em formato pdf. Elas estarão à sua disposição e serão confidenciais. Asseguro o total sigilo sobre a sua participação, pois a maneira como os dados serão divulgados não possibilitará a sua identificação. Desse modo, solicito sua autorização para gravar o seu depoimento, para apresentar os resultados deste estudo em eventos científicos e para publicá-los em revistas científicas. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será mantido em absoluto sigilo. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do pesquisador principal e do Comitê de Ética e Pesquisa, podendo esclarecer suas dúvidas sobre o projeto e sobre a sua participação, agora ou em qualquer momento. João Pessoa - PB, ____ de _____________________ de 20____.

_________________________________________________ Anna Luiza Castro Gomes (Pesquisadora Responsável) Contatos: Anna Luiza Castro Gomes – pesquisadora Endereço: Cidade Universitária – campus I /Centro de Ciências da Saúde/ Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria. E-mail: [email protected] / Tel: (83) 3216-7229 Comitê de Ètica – Rua Leopoldo Bulhões, 1480. Térreo. E-mail: [email protected] / Tel: (21) 2598-2863

Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar.

________________________________________ Sujeito da Pesquisa Impressão digital

241 APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista

ROTEIRO PARA ENTREVISTA 1) Primeiro Momento: Dados para identificação do sujeito: NOME________________________________________________________________ SEXO: M ( ) F ( )

IDADE: _____

ENDEREÇO: ___________________________________________________________ ESTADO CIVIL __________________________RELIGIÃO_____________________ ESCOLARIDADE: ____________________________ FORMAÇÃO _____________________ PROFISSÃO/OCUPAÇÃO__________________________________________ LOCAL DE TRABALHO __________________________________________ TEMPO DE ATUAÇÃO NA ÁREA DA SAÚDE MENTAL: ______________ SITUAÇÃO: ______________________________________________________ SEGMENTO QUE REPRESENTA: __________________________ PARENTESCO __________ ORGANIZADOR ( )

PARTICIPANTE ( ) DA I SEMANA ESTADUAL DA LUTA

ANTIMANICOMIAL CONTATO:________________________ E-MAIL:_________________________________________

2) Segundo Momento: Questões Norteadoras (Bloco I): 1. Relate o que você conhece sobre a história da saúde mental nesse município? 2. Discorra sobre a atuação do Movimento da Luta Antimanicomial em João Pessoa? 3. Fale sobre a realização da I Semana Estadual da Luta Antimanicomial em João Pessoa. (Relatar a experiência, as ações desenvolvidas durante a Semana e o envolvimento com as atividades do evento)

4. Você identifica alguma contribuição deste evento para o campo da saúde mental? E

para a situação das pessoas que vivenciam a loucura? Quais? (as contribuições do Movimento da Luta Antimanicomial para a realidade da saúde mental e para a transformação das relações sociais com o louco, com a loucura e com suas instituições).

242 5. Fale sobre a experiência da loucura? (Dimensão epistemológica: noções e conceitos relacionados ao louco, à loucura e às suas instituições)

6. Qual a sua concepção sobre as instituições psiquiátricas e sobre os serviços de

saúde mental em João Pessoa (hospitais psiquiátrico, manicômios, RAPS)? 7.

O que você conhece sobre a política de saúde mental no Brasil? Como esta política tem sido desenvolvida no município? (dimensão jurídico-política: as leis que regulamentam os direitos das pessoas que experimentam a loucura e as políticas de saúde mental)

8.

Fale sobre a atenção à saúde mental no município de João Pessoa (dimensão técnicoassistencial: a organização e funcionamento da rede de serviços, o papel do hospital psiquiátrico, tecnologias de cuidado empregadas, processos de trabalho, medidas de reinserção social, desafios e avanços)

9.

Como você compreende a Reforma Psiquiátrica brasileira? Cite propostas defendidas pelo Movimento da Luta Antimanicomial para o processo de Reforma Psiquiátrica. Comente sobre este processo em João Pessoa? (Conceitos e temas que orientam o processo brasileiro, pressuposto e objetivos do processo, as dimensões estudadas por Amarante, os avanços, os desafios e as possibilidades da Reforma no município)

10. Como você compreende a situação do louco e da loucura na atualidade, no

município de João Pessoa? (dimensão sociocultural: possibilidades, perspectivas, limites e dificuldades para a relação entre a loucura, o louco e a sociedade).

3) Quarto Momento: Questões Norteadoras (Bloco II): 1. No seu cotidiano - no trabalho, na família, na experiência vivida - como você tem lidado com a questão da loucura? (Relatar uma experiência ou apontar encaminhamentos para o relato de caso apresentado).

2. Quais as mudanças que você identifica na política de saúde mental após a organização do Movimento da Luta Antimanicomial e da implantação do processo da Reforma Psiquiátrica no país? 3. Quais as mudanças que você identifica na vida das pessoas que experimentam a loucura e na dos outros sujeitos envolvidos com a atenção à saúde mental? (resgatar as dimensões apontadas por Amarante: epistemológica, técnico-assistencial, jurídicopolítica e sociocultural).

243 4. Quais as propostas de Reforma Psiquiátrica que mais avançaram em termos de sua concretização em João Pessoa? 5. Conhece alguma Lei da área da saúde mental? Fale sobre elas. Identifique alguma contribuição ou retrocesso? 6. Quais os direitos que estão regulamentados para as pessoas que experimentam a loucura? Identifique na prática, uma situação que a Lei favorece/desfavorece. 7. Quais os serviços de saúde mental que você conhece em João Pessoa e quais as ações desenvolvidas nesses locais? (Falar um pouco sobre suas experiências vivenciadas ou conhecidas nos serviços de saúde mental apontados). 8. Qual a relação entre a Reforma Psiquiátrica e o Movimento da Luta

Antimanicomial? 9. Qual a relação entre a cultura e o campo da saúde mental?

Local onde foi realizada a entrevista: _______________________ Duração da entrevista: __________________________________ Observações: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________

244 APÊNDICE C – Declaração dos familiares ou responsáveis pelas usuários

DECLARAÇÃO DOS FAMILIARES OU RESPONSÁVEIS PELOS USUÁRIOS

Eu, ___________________________________________________________, RG nº ___________________

autorizo

que

_________________________________

_________________________________, meu/minha_____________________ (nome e parentesco) participe da pesquisa intitulada “A Reforma Psiquiátrica no contexto do Movimento da Luta Antimanicomial em João Pessoa-PB” que será desenvolvida pela professora

Ms.

Anna

Luiza

Castro

Gomes,

aluna

do

DINTER/ENSP/FIOCRUZ/UFPB/UFAL, sob a orientação do professor Dr. Paulo Amarante (ENSP/FIOCRUZ) e da Profª Drª. Ana Tereza Medeiros Cavalcanti da Silva (UFPB), na qualidade de sujeito da pesquisa. Declaro que fui devidamente esclarecido (a) sobre inexistência de riscos, danos ou prejuízos e sobre os benefícios que a pesquisa poderá trazer para a área da saúde mental e dou o meu consentimento para publicação dos resultados dessa pesquisa, salvaguardado o anonimato do meu parente.

João Pessoa - PB, ____ de _____________________ de 2012.

________________________________________ Assinatura do familiar ou responsável

245 ANEXO 01 – Certidão de aprovação do Comitê de Ética.

246 ANEXO 02 – Termo de Anuência.

247 ANEXO 03 – Carta de Anuência nos Termos do Comitê de Ética da

ENSP/FIOCRUZ.

248 ANEXO 04 – Encaminhamento para coleta dos dados.

249 ANEXO 05 – Encaminhamento para os serviços da RAPS.

250 ANEXO 06 – Termo de Compromisso de Pesquisa.

251 ANEXO 07 – Lei da Reforma Psiquiátrica no Estado da Paraíba

LEI Nº 7.639, DE 23 DE JULHO DE 2004 Dispõe sobre a Reforma Psiquiátrica no Estado da Paraíba, e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DA PARAÍBA: Faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DA ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL Art. 1° Ninguém sofrerá limitação em sua condição de cidadão e sujeito de direitos, nem será submetido a internações de qualquer natureza ou outras formas de privação de liberdade com fundamento em transtorno da saúde mental. Parágrafo único – Ficam ressalvados os casos previstos no art. 5°, LIV, da Constituição Federal e as situações emergenciais que, por sua natureza, forem atestadas em laudo médico. Art. 2° A reorientação do Modelo de Atenção à Saúde Mental, atendido o disposto no Art. 197 da Constituição do Estado, consistirá na integração dos Serviços Assistenciais de Atenção Sanitária e Social como Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, Serviço de Residência Terapêutica – SRT, oficinas comunitárias e ainda Leitos Psiquiátricos em Hospital Geral, existentes e naqueles a serem implementados em forma de sistema de Rede Integrada de cooperação, por meio da Reforma Psiquiátrica instituída por esta Lei. Parágrafo único - VETADO Art. 3° Fica assegurado o parâmetro de cobertura de internação em consonância com as recomendações da Reforma da Assistência Psiquiátrica. Art. 4° Será permitida a construção de unidade Psiquiátrica em Hospital Geral, de acordo com a demanda local e regional. § 1° - VETADO § 2° – O Projeto de Construção de Unidade Psiquiátrica deverá ser avaliado e autorizado pelas secretarias, administrações e Conselhos Municipais de Saúde, seguido de parecer final da Secretaria de Estado da Saúde e do Conselho Estadual de Saúde. Art. 5° As unidades psiquiátricas que trata o artigo terão pessoal e estrutura física adequada ao tratamento de paciente com sofrimento mental e utilizarão as áreas e os equipamentos de serviços básicos do Hospital Geral. § 1° – As instalações referidas no “caput” deste artigo não poderão ultrapassar 10% (dez por cento) da capacidade instalada no hospital geral, até o limite de 30 (trinta) leitos por unidade operacional. § 2° - Os serviços psiquiátricos em hospitais gerais públicos municipais, estaduais e/ou conveniados e contratados do SUS terão, compulsoriamente, um projeto terapêutico para recuperar e reinserir o usuário do serviço na comunidade a que pertença, vedada a prática de asilamento. Art. 6° A reforma psiquiátrica, na sua operacionalidade, abrangerá, na forma da Lei Federal, respeitadas as definições constitucionais referentes às competências, os níveis estadual e municipal, devendo atender as peculiaridades regionais e locais, observado, o caráter articulado e integrado do Sistema Único de Saúde, atendendo-se o disposto no artigo 7°, § 3°, inciso II, da Constituição do Estado. Art. 7° Faculta-se a criação de Comissão Estadual de Reforma Psiquiátrica, de caráter consultivo e vinculado ao Conselho Estadual de Saúde, no âmbito do Estado, e vinculado ao Conselho Municipal de Saúde, no âmbito do município.

252 Parágrafo único – As competências, composições e atribuições serão definidas pelos órgãos gestores da política de saúde pública do Estado, e dos órgãos gestores municipais. Art. 8° Fica instituída a realização de Conferência Estadual de Saúde Mental, servindo como instrumentos de análise e projeções de políticas públicas de saúde mental, nos termos e condições pactuadas pelos órgãos gestores da saúde pública no Estado e nos municípios. Art. 9° Fica proibido a utilização de celas fortes, camisas-de-força e qualquer outro tipo de procedimentos violentos e desumanos em qualquer estabelecimento de atenção à saúde mental. Art. 10. É vedada a realização de psicocirurgias, bem como quaisquer procedimentos que produzam efeitos orgânicos irreversíveis, a título de tratamento de enfermidade mental. Art. 11. Os dispêndios necessários à implementação desta Lei correrão por conta das implementações orçamentárias com atenção aos dispositivos na Lei de Responsabilidade Fiscal na Lei nº 4.320, no Plano Plurianual (PPA)), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA) e os recursos oriundos da redução de leitos, previsto no Programa de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica. Art. 12. A Rede de Atendimento Integrado em Saúde Mental será implementada e mantida de forma descentralizada e cooperada, observadas as particularidades sócio-culturais locais e regionais, garantindo-se a gestão social destes meios. Art. 13. Aos pacientes que perderam o vínculo com o grupo familiar, caracterizando situação de desamparo social, o Poder Público providenciará a atenção integral de suas necessidades, visando, por meio de políticas sociais intersetoriais, a sua integração social. § 1° As políticas intersetoriais a serem adotadas deverão propiciar a todos os pacientes, num prazo de dois (02) anos, após a publicação desta Lei: I – reinserção familiar, pelo restabelecimento dos vínculos familiares; II – adoção, por famílias que demonstrem interesse e tenham condições de se tornarem famílias substitutas; III – transferências para residências terapêuticas, lares abrigados ou similares, fora dos limites físicos do hospital psiquiátrico. § 2° As políticas públicas sociais intersetoriais adotadas deverão criar condições para a autonomia social e econômica dos pacientes referidos no caput deste artigo, entre elas: I – regularização da situação previdenciária; II – assessoramento na gestão de seus bens, nos termos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002; III – inserção no processo educacional do sistema de ensino; IV – atenção integral à saúde. Art. 14. Caberá à Secretaria da Saúde do Estado da Paraíba apresentar, anualmente, ao Conselho Estadual de Saúde, Relatório de Gestão em Atenção à Saúde Mental, contendo: I – uma análise da situação de saúde mental (diagnóstico) com os principais indicadores de saúde e condições de vida; II – organizações dos serviços de saúde mental no âmbito estadual; III – quantidade de ações, atividades e procedimentos realizados em saúde mental; IV – recursos humanos existentes e necessários, recursos humanos capacitados em saúde mental; V – quantidade de recursos financeiros orçados e executados (aplicados) em saúde mental; VI – avaliação da Reforma Psiquiátrica em andamento no Estado da Paraíba e propostas para superação dos entraves à sua implantação/implementação.

253 CAPÍTULO II DAS INTERNAÇÕES INVOLUNTÁRIAS E COMPULSÓRIAS Art. 15. A internação psiquiátrica involuntária é caracterizada pela falta ou por vício de consentimento, por parte do paciente, em qualquer tipo de serviço de saúde, sendo suficiente à caracterização do laudo médico. § 1° As internações realizadas nos termos do caput deste artigo serão comunicadas no prazo de vinte e quatro (24) horas à direção clínica do estabelecimento hospitalar, ou equivalente, e este comunicará ao Ministério Público, por meio de Curadoria especializada e, quando houver, à Defensoria Pública. § 2° O órgão do Ministério Público, ou quando houver, da Defensoria Pública, poderá constituir junta interdisciplinar, composta por três (03) membros, sendo um profissional médico e os demais profissionais em saúde mental, com formação superior, para fins de formação de juízo sobre a necessidade e legalidade da internação, bem como acompanhar a evolução do internado a ser comunicado de sua alta. Art. 16. A internação psiquiátrica compulsória caracteriza-se por determinação judicial, nos termos da legislação vigente. Parágrafo único – Aplica-se, no que couber, às internações psiquiátricas compulsórias o disposto nos parágrafos do artigo anterior. Art. 17. Cabe ao Órgão do Ministério Público realizar vistorias periódicas nos estabelecimentos que mantenham leitos psiquiátricos, com a finalidade de verificar a correta aplicação desta Lei. CAPÍTULO III DAS DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 18. Caberá aos poderes públicos municipal e estadual a destinação de rubricas orçamentárias para a promoção de campanhas de divulgação e de informação dos pressupostos da Reforma Psiquiátrica, de que trata a presente Lei, nos termos da legislação vigente. Art. 19. Todo estabelecimento ou instituição de saúde mental deverá fixar esta Lei em lugar de destaque e visível aos usuários dos serviços de saúde. Art. 20. O descumprimento desta Lei, consideradas a gravidade da infração e a natureza jurídica do infrator, sujeitará os profissionais e os estabelecimentos de saúde às seguintes penalidades, sem prejuízo das de mais sanções previstas na Lei Federal n° 6.437, de 20 de agosto de 1977, ou outra que venha a substituí-la: I – advertência; II – suspensão dos repasses por procedimentos e/ou serviços prestados ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou com recursos próprios estaduais, sob a forma de contrato ou convênio; III – aplicação de multas no valor de dois (02) a cem (100) salários mínimos, a serem recolhidos aos cofres públicos do ente federado em questão. Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 22. Revogam-se as disposições em contrário. PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA , em João Pessoa, 23 de julho de 2004; 116º da Proclamação da República. CÁSSIO CUNHA LIMA Governador

254 ANEXO 08 – Lei do Passe Livre em João Pessoa - PB

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256 ANEXO 09 - Lei da Reforma Psiquiátrica no município de João Pessoa-PB.

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261 ANEXO 10 – Folders das Semanas da Luta Antimanicomial realizadas no triênio 2011-2013.

Folders - 2011

Folders 2012

262

Folders - 2013

263 ANEXO 11 – Cartaz do Seminário realizado em 2010 na UFPB.

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