A publicação de uma foto falsa no Diário do Pará: discursos, verdades e relações de poder 1

January 16, 2023 | Author: Eliana Prado Aldeia | Category: N/A
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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Norte – Belém - PA – 01 a 03/05/2014

A publicação de uma foto falsa no Diário do Pará: discursos, verdades e relações de poder 1 Avelina Oliveira de CASTRO2 Universidade Federal do Pará, Pará, PA

RESUMO Este artigo tem como proposta ampliar as análises que temos desenvolvido3 sobre as relações de poder que atravessam os discursos jornalísticos de dois dos mais importantes jornais da Amazônia: os paraenses O Liberal e Diário do Pará. Utilizamos como metodologia a Análise do Discurso (AD) de vertente francesa, a partir de Michel Foucault, para discutir produção de verdades e saberes nos discursos jornalísticos. Aproximamos os estudos do discurso aos do jornalismo para analisar também as estratégias discursivas e jornalísticas dos dois periódicos, o que nos permitiu verificar – a partir da publicação de uma foto falsa na capa do Diário do Pará – que esse acontecimento jornalístico atualiza a “guerra discursiva” entre os jornais.

PALAVRAS-CHAVE: jornalismo; discurso; poder; Amazônia.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS Para que se entenda como funciona a dinâmica de relações de poder existente na imprensa paraense é necessário que se faça um levantamento arqueológico e histórico de dois dos principais jornais da Amazônia: os paraenses O Liberal (1946-atual) e Diário do Pará (1982-atual). Tal necessidade deve-se ao fato de que ambos têm a sua origem como jornais de campanha, vinculada a partidos políticos e alinhamentos ideológicos divergentes, o que os coloca em posições de rivalidade, travando nessa microfísica de poder (FOUCAULT, 2012) da imprensa paraense uma verdadeira “guerra discursiva”. Observamos que ao longo de suas trajetórias O Liberal e Diário do Pará – que rivalizam desde as suas fundações – atualizam uma rede de memória dessa disputa de

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Trabalho apresentado no DT 1 – Jornalismo do XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Norte realizado de 01 a 03 de maio de 2014. 2

Mestre em Ciências da Comunicação do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM) da Universidade Federal do Pará (UFPA), email: [email protected]. 3

Artigo resultante de estudo no projeto de pesquisa “A trajetória da imprensa no Pará”, apoiado pelo CNPq, Edital MCT/CNPq N º 14/2012 - Universal - Faixa A.

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poder que ganha as páginas dos dois jornais, e não raro, até mesmo as capas dos periódicos. Ao teorizar sobre "jornalismo e poderes", Ciro Marcondes Filho (2009) fala sobre o fato de que cada jornal representa interesses diversos, que vão desde os mais particulares até os políticos e de classe aos quais o veículo está ideologicamente vinculado.

Criar jornais é encontrar uma forma de elevar a uma alta potência o interesse que têm indivíduos e grupos em afirmar publicamente suas opiniões e informações. É uma maneira de se dar eco às posições pessoais, de classe ou de nações, através de um complexo industrialtecnológico que, além de preservar uma suposta impessoalidade, afirma-se, pelo seu poder e soberania, como "a verdade" (MARCONDES FILHO, 2009, p.75).

Nesse sentido, percebemos que essa característica de representação de interesses está presente tanto em O Liberal quanto no Diário do Pará, sendo o primeiro criado como “Órgão de comunicação do Partido Social Democrático do Pará", e atualmente vinculado ideologicamente ao PSDB, e o Diário do Pará, desde a sua criação até hoje vinculado ao PMDB, como observaremos, mais adiante, em suas histórias. Essas representações midiáticas de interesses político-partidários atravessam o jornalismo, que é considerado por muitos autores como o “quarto poder” e até mesmo “o primeiro”.

Já há mais de 150 anos, em meados do século XIX, um comentarista britânico referiu-se ao jornalismo para o designar “um poder do reino, mais poderoso que qualquer um dos poderes”. Então denominado como o “Quarto Poder”, no início do século XXI, diversas vozes do mundo social, político e acadêmico não hesitam em considerar o jornalismo como o “primeiro poder” entre os múltiplos poderes nas sociedades contemporâneas. Quem duvida? (TRAQUINA, 2005, p. 187).

Nesse sentido, destacamos que essa disputa de poder entre os jornais paraenses tem uma razão de ser, pois a “guerra discursiva” travada entre eles tem o objetivo de se constituírem como a voz hegemônica desse “quarto” ou “primeiro” poder do jornalismo paraense. Além disso, é importante destacarmos também que, embora O Liberal já tenha quase sete décadas de existência (67 anos) e o Diário do Pará mais de três (31 anos), ainda há uma carência muito grande de levantamento histórico – de forma detalhada –

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sobre os dois jornais. Por essa razão, temos nos dedicado em nossa pesquisa a fazer esse resgate como forma de contribuir para a memória da imprensa na região amazônica. Nosso levantamento tomou como procedimento metodológico fazer um recorte histórico de um ano de cada década, a partir de 1946, ano em que foi publicada a primeira edição de O Liberal, o mais antigo periódico diário em funcionamento no Pará. Seguimos a partir daí até chegar em 2006. Porém, como forma de tornar o levantamento mais atual e substancial, analisamos também jornais de 2012 e 2013, pois observamos que nesses dois anos, houve um embate discursivo forte de disputa de poder entre O Liberal e o concorrente Diário do Pará. Além disso, entendemos que a discursividade possui uma espessura histórica, portanto, analisar discursos significa tentar compreender a maneira como as verdades são produzidas e enunciadas, uma vez que a seleção dos enunciados jornalísticos não é aleatória. Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT, 1996, p. 8-9).

Os discursos são, portanto, construídos historicamente e atravessados por relações de poder, que constroem saberes e verdades. E para compreender melhor essa produção de sentidos, tomamos como referencial teórico principal o filósofo francês Michel Foucault e os conceitos desenvolvidos por ele, sobretudo nas obras Arqueologia do Saber (2005), A Ordem do Discurso (1996) e Microfísica do Poder (2012).

O Liberal: de órgão de comunicação do PSD à vinculação ao PSDB O jornal O Liberal é um dos mais importantes da Amazônia e o mais antigo impresso diário em funcionamento no Estado do Pará. Segundo consta no Catálogo de Jornais Paraoaras, publicado em 1985 pela, então, Secretaria de Estado de Cultura, Desportos e Turismo, o jornal O Liberal foi fundado em 15 de novembro de 1946 por Moura Carvalho e outros nomes para ser um órgão de propaganda dos membros do Partido Social Democrático, chefiado por Magalhães Barata. As primeiras disputas de poder se dão a ver logo nas primeiras edições do vespertino diário, inclusive na capa, destacando que o seu primeiro rival foi o jornal Folha do Norte, já que o Diário do Pará só surgiu em 1982 (Sobre a história da Folha do Norte, ver mais em SEIXAS, 2012).

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Em sua edição de estreia na imprensa paraense, em 15 de novembro de 1946 (Figura 1), O Liberal já trouxe o seu primeiro ataque ao rival Folha do Norte, de propriedade da família de Paulo Maranhão, ligada ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Um editorial na capa expressava o que seria a sua missão: “ser a voz para dizer diretamente dos (nossos) anseios e ideais ou repelir altivamente os ataques injustos dos que contra nós e os nossos amigos se atiram na certeza da impunidade". Tal enunciado jornalístico era uma espécie de “alerta de contra-ataque” ao concorrente, que tecia críticas diárias em suas páginas ao então governador Magalhães Barata.

Figura 1:

Figura 1: O Liberal, 15 nov. 1946, capa. Foto: Avelina Oliveira de Castro. Fonte: Biblioteca Pública Artur Vianna.

O slogan de O Liberal, à época, era "Órgão do Partido Social Democrático do Pará", que tinha como maior líder paraense o coronel Magalhães Barata, que já dava uma ordem (escrita como ordem mesmo) na capa da edição número 1 para que os correligionários do PSD elegessem para governador o major Moura Carvalho. Nascia, assim, O Liberal. Ainda no mesmo editorial, outro enunciado dirigido ao concorrente Folha do Norte: "Queremos, porém, bem alto salientar que não nos anima nenhum intuito de nos nivelar a certa imprensa desta terra, isto é, de imitar-lhe a conduta odiosa e os processos

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torpes de campanha mesquinha, vazada em estilo desrespeitoso e baixo". Nos dias seguintes, o jornal segue com seus ataques ao rival. No dia 19 de novembro de 1946 é publicado um texto jornalístico escrito pelo próprio Magalhães Barata, intitulado "Revide a dois canalhas", responde a uma matéria jornalística publicada no dia anterior pelo matutino Folha do Norte que criticara seu governo.

Não sou dos que por timidez ou insegurança, arrepiam caminho, ao sopro pestilencial dos 'canos de esgoto da 1º de março'... Podem, assim, o velho escriba crapuloso da 'Folha do Norte' e seu filho João, ainda mais objeto do que aquele exercer contra mim o seu ódio impotente, os achincalhes, em que são useiros e veseiros, não me desviarão do rumo traçado (O Liberal, 19 nov. 1946, p.3).

Para melhor elucidar alguns detalhes do endereçamento do referido texto é importante explicar que a sede do extinto jornal Folha do Norte funcionava na rua 1º de Março, que fica na mesma área de ruas onde funcionam até hoje pontos de prostituição no centro de Belém. Os ataques foram muitos e mútuos entre O Liberal e Folha do Norte (CASTRO, SEIXAS, 2013). O enunciado jornalístico que faz referência a essa localização das "Folhas" como sendo “canos de esgoto”, ou seja, um espaço de habitação de ratos, é atualizado na rede de memória discursiva de O Liberal em diversos enunciados posteriores a esse ao atacar seus concorrentes, como veremos nas análises deste artigo. Em 1966, o jornal O Liberal muda de dono. O jornalista Romulo Maiorana, proprietário da Delta Publicidade assume a direção do periódico que passa a ter como slogan "Vespertino Independente". O recurso de marketing para a imagem do jornal mostra que ele assumiria, a partir de então, uma linha editorial menos partidária e mais profissional. O Liberal na administração de Romulo Maiorana ganha mais colunas sociais, políticas, policial e mais destaque ao noticiário esportivo. As mudanças editorias não afastaram, no entanto, o jornal de sua vinculação político-partidária, pois naquele mesmo ano, o leitor já começou a verificar, claramente, nas páginas do periódico o lado político do mesmo, pois várias capas estamparam um anúncio, pedindo votos para o coronel Jarbas Passarinho para o Senado Federal. O jornal integra, hoje, as Organizações Romulo Maiorana (ORM), proprietária também de

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emissoras de rádio AM e FM e de televisão aberta (afiliada da Rede Globo), além de operadora de TV a cabo e portal de notícias4 (DONOS DA MÍDIA, 2013). O empresário Romulo Maiorana faleceu em 1986. A partir daí, o jornal passou a ser administrado pelo filho primogênito, Romulo Maiorana Júnior, que a partir da década de 1990 retoma o uso de editoriais em capa e textos jornalísticos de um modo geral, com ofensas à honra e à imagem de seus rivais, o que na ocasião já havia passado a ser a família Barbalho, proprietária do jornal concorrente Diário do Pará. Esses ataques devem-se ao fato de que o a historicidade, na qual os discursos estão inseridos não é pacífica, pois os atravessamentos de poder são bélicos.

Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não linguística. Relação de poder, não relação de sentido (...) é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas (FOUCAULT, 2012, p. 41).

Observamos, portanto, que ao longo de sua trajetória, O Liberal não tem cumprido a sua “missão” expressa no editorial da primeira edição, pois tem atualizado essa rede de memória discursiva, com a publicação de diversos enunciados jornalísticos de ataque a seus rivais, com destaque para, a partir de 1982, os endereçados ao Diário do Pará. Atualmente, O Liberal vinculado politicamente ao PSDB, que é oposição ao PMDB de Jader Barbalho, proprietário do concorrente Diário do Pará e, no cenário político nacional, aliado político da presidente Dilma Roussef, do Partido dos Trabalhadores (PT). A rivalidade dos periódicos é marcada por vários enunciados que envolvem políticos das duas legendas partidárias (CASTRO, SEIXAS, 2013).

Diário do Pará: uma voz do PMDB na imprensa paraense O Diário do Pará foi criado em 22 de agosto de 1982 (Figura 2) com o propósito de dar sustentação à carreira política do senador Jáder Barbalho (PMDB), conforme relata o jornalista Expedito Leal Ribeiro - que participou do primeiro time de jornalistas do periódico - em seu livro "Um jornal de campanha", publicado em 2007. Diz o autor:

Jader Barbalho, candidato ao governo do Estado, não iria enfrentar céu de brigadeiro na sua cruzada ao Palácio "Lauro Sodré". Tinha 4

O portal de notícias pode ser acessado em www.orm.com.br.

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contra si poderosos e azeitados grupos de mídia. De um lado, o Grupo Liberal, comprometido com seu maior concorrente, Oziel Carneiro. De outro, os Diários Associados, tendo como carro-chefe A Província do Pará, de altas tradições, retaguarda política do coronel Jarbas Passarinho, desde os idos de 1964 (...). Desde fins dos anos 70, quando exercia seu segundo mandato de deputado federal, Jader lustrava o sonho de ter um jornal de sustentação ao seu projeto político (RIBEIRO, 2007, p. 7).

Notamos que Ribeiro faz referência a um jornal concorrente no cenário da imprensa paraense, à época da criação do Diário do Pará, que é A Província do Pará, um dos mais antigos jornais brasileiros, naquele momento histórico. Atualmente, o jornal integra o grupo Rede Brasil Amazônia (RBA), que também possui uma emissora de televisão aberta (afiliada à Rede Band) e emissoras de rádio AM e FM. A rivalidade que se destacou nessa microfísica de poder midiático local foi entre O Liberal e Diário do Pará, ficando ainda mais intensa após a perda de espaço mercadológico do primeiro para o jornal do senador Jader Barbalho (PMDB).

Figura 2:

Diário do Pará, 22 ago. 1982, capa. Foto: Avelina Oliveira de Castro. Fonte: Biblioteca Pública Artur Vianna.

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Segundo o jornalista Lúcio Flávio Pinto5, em artigo publicado no seu Jornal Pessoal, edição da primeira quinzena de janeiro de 2009, o jornal O Liberal manteve-se em primeiro lugar em circulação e vendas, no Pará, durante três décadas - das quais as duas primeiras tendo a frente Romulo Maiorana. O Jornal Pessoal6 também aparece nesse cenário de disputa de poder na imprensa paraense, só que na posição contrahegemônica (VELOSO, 2008), produzindo discursivamente em um processo de resistência ao poder da grande mídia regional. Em 2005, segundo Lúcio Flávio Pinto, uma auditagem do Instituto Verificador de Circulação (IVC), que faz a contagem da tiragem dos impressos no país constatou a falta de veracidade nos números divulgados pelo jornal da família Maiorana, o que levou à sua desfiliação do órgão.

Algum tempo atrás, ninguém podia sequer pensar neste fato: O Liberal não ser mais o líder dos jornais. (...) Ninguém mais põe em dúvida que o Diário do Pará, do deputado federal Jader Barbalho, deslocou O Liberal, dos Maiorana, de uma liderança na qual a publicação se manteve durante três décadas, em vários momentos superando os 90% de índice de leitura. Nem mesmo OLiberal questiona essa nova e surpreendente situação. Ao contrário: a empresa vem recuando de posição, exposta a ficar num lugar cada vez mais distanciado do concorrente, algo inimaginável pouco tempo atrás (PINTO, 2008, p.1).

Essa queda de O Liberal da liderança no mercado paraense de jornais impressos coincide com o período em que os dois jornais começam a protagonizar uma verdadeira "guerra" em suas páginas, com a publicação de enunciados jornalísticos que atualizaram uma rede de memória (GREGOLIN, 2003) de ataques à honra e imagem de adversários iniciada por O Liberal, na ocasião de sua origem, contra a Folha do Norte.

As redes de memória, sob diferentes regimes de materialidade, possibilitam o retorno de temas e figuras do passado, os colocam insistentemente na atualidade, provocando sua emergência na memória do presente. Por estarem inseridos em diálogos interdiscursivos, os enunciados não são transparentemente legíveis, são atravessados por falas que vem de seu exterior – a sua emergência

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Graduado em Sociologia, Lúcio Flávio Pinto trabalhou para as revistas Veja e Realidade e foi correspondente da região para o jornal O Estado de S. Paulo por 17 anos. Decidiu afastar-se da grande imprensa em 1988, um ano após a criação do JP, para se dedicar, exclusivamente, ao alternativo. 6

O Jornal Pessoal é considerado a mais importante publicação independente da Amazônia brasileira na atualidade, segundo a pesquisadora Socorro Veloso, cuja tese de doutoramento foi "Imprensa, poder e contra-hegemonia na Amazônia: 20 anos do Jornal Pessoal (1987-2007)", defendida em 2008, na Universidade de São Paulo (USP).

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no discurso vem clivada de pegadas de outros discursos (GREGOLIN, 2003, p. 54).

Seguindo esse fio condutor da mídia como um espaço da memória, também ressaltamos que ela é “um poderoso dispositivo produtor de identidade” (NAVARROBARBOSA, 2003, P. 113), pois “no discurso jornalístico, o lugar midiático articula-se também com o saber e o poder”. Por essa razão é necessário estudar o que a imprensa publica, os seus discursos, os sentidos que propõe, já que ela faz o registro do cotidiano.

O Liberal x Diário do Pará Um exemplo atual que deixa claro o atravessamento da memória discursiva e histórica de O Liberal, atualizando uma rede de memória referente ao período de sua criação, é a edição de 16 de fevereiro de 2013, na qual foi publicado um editorial na capa, intitulado "O rato sai do porão. E dizima a verdade". A comparação do concorrente, hoje representado por Jader Barbalho, à imagem de um rato é a mesma feita pelo periódico, quando o proprietário era Moura Carvalho e outros nomes do PSD, na edição de 19 de novembro de 1946. Na época, como já fizemos referência neste artigo, foi feito uma alusão aos "canos de esgoto da 1º de março" (rua em que ficava situada a sede da Folha do Norte, na área central de Belém, onde funcionam também pontos de prostituição) ao se referir a seu proprietário, à época, Paulo Maranhão. No editorial de capa de. 16 de fevereiro de 2013 (Figura 3), O Liberal atribui ao senador Jader Barbalho os mais variados adjetivos relacionados à falta de ética e à corrupção. E o Diário do Pará responde, no dia seguinte (Figura 4), por meio de sua coluna política “Repórter Diário”.

Figura 3:

Figura 4:

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O Liberal, 16 fev. 2013, capa. Fonte: www.orm.com.br

Diário do Pará, 17 fev. 2013, p. A3 Fonte: www.dol.com.br

Nessa publicação, destacamos para a nossa análise, o seguinte trecho do editorial:

Animado por esse cheiro de interesses (ufa, mais um!), os Barbalho têm feito o que mais sabem: mentem, deturpam, violentam, estupram a dignidade, barbalhizam a verdade (O LIBERAL, 16 fev. 2013, p. 1).

Já o Diário do Pará, responde na edição do dia seguinte (Figura 4) com três notas na coluna "Repórter Diário":

O ódio dos Maioranas contra os que fazem o DIÁRIO DO PARÁ é que nós evitamos o monopólio criminoso que os Maiotralhas imaginaram um dia impor à sociedade paraense, incluindo políticos, 10

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empresários, funcionários públicos de âmbito federal, estadual e municipal. (DIÁRIO DO PARÁ, 17 fev. 2013, p. 3).

Em ambos enunciados, podemos verificar que os ataques mantêm o mesmo nível das ofensas já inscritas na memória discursiva dos dois jornais. O Liberal refere-se ao concorrente Diário do Pará como sendo um veículo de imprensa que “Barbalhiza” a verdade, remetendo a ideia de mentira, de corrupção. E o Diário do Pará, por sua vez, atribui à família Maiorana o adjetivo "Maiotralhas"7, sugerindo um sentido de quadrilha, que usurpa o dinheiro público em contratos questionados pelo periódico do senador. Não podemos esquecer que o discurso jornalístico passa por um processo de produção, seleção, edição e distribuição. E mais do que isso para que esse discurso seja validado, seja tido como verdade é preciso que a voz institucional tenha legitimidade. No caso do jornalismo, a mídia é vista como a voz institucional legitimada socialmente para narrar fatos da forma mais próxima da verdade, dos fatos brutos (TRAQUINA, 2005). E é justamente esta legitimidade e credibilidade que O Liberal quer atingir no seu concorrente Diário do Pará.

Publicação de uma foto falsa: usos discursivos na disputa por poder No dia 10 de julho de 2013, o Diário do Pará publicou em sua capa a foto de bebês em uma caixa de papelão, atribuindo a cena ao que seria a situação de caos no atendimento de saúde do hospital da Santa Casa de Misericórdia, em Belém, administrado pelo Governo do Estado, cuja gestão é do PSDB, partido de oposição ao PMDB de Jader Barbalho. A manchete “Santa Casa está abandonada” teve como destaque acima, apresentando-a, a seguinte expressão: “Caos na saúde”. Ocorre que uma das três fotos publicadas (Figura 5), foi detectada como falsa, pois mostra, na verdade, a situação denunciada pelo jornal hondurenho8 sobre a situação caótica no atendimento de saúde do Hospital de Occidente, localizado na cidade de Santa Rosa de Copán, em Honduras, o que foi divulgado em novembro de 20129.

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O nome "Maiotralhas" usado nas notas e editoriais do Diário do Pará em seus ataques e críticas à família Maiorana, proprietária de O Liberal, são uma alusão aos Irmãos Metralha, dos quadrinhos Disney, que são assaltantes. 8

As fotos da reportagem publicada em site denunciando o caos na saúde hondurenha podem ser vistas em: http://www.reporteconfidencial.info/noticia/3180186/fotos-asi-estamos-en-el-hospital-de-occidenterecien-nacido-en-caja-de-carton-/. Acesso em: 23 mar. 2014. 9 A reportagem da TV internacional sobre o caso de bebês colocados em caixas de papelão em hospital hondurenho pode ser vista em: https://www.youtube.com/watch?v=iGupZy-Fh84. Acesso em: 24 mar. 2014. 11

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Assim que o jornal ganhou as ruas, houve a detecção da falsidade da foto por usuários das redes sociais, onde o assunto repercutiu bastante. Sites voltados para a abordagem de assuntos relacionados ao jornalismo, como o Observatório da Imprensa10 também repercutiu o caso11. Na tarde do mesmo dia 10, o governador do Estado, Simão Jatene (PSDB) concedeu uma entrevista coletiva, informando que iria processar o jornal para pedir o direito de resposta com o mesmo espaço em que o ataque a seu governo foi publicado.

Figura 5:

Fonte: http://www.comunique-se.com.br

Chama a atenção também na capa daquela edição do Diário do Pará, uma manchete de destaque, na parte mais superior da página, que diz: “Ibope confirma: Diário é o jornal mais lido do Estado do Pará”, com destaque do fundo em vermelho, bem acima da manchete que anuncia a falsa foto. A partir daí, observamos em nossa análise que o concorrente O Liberal passa a utilizar o “erro” do Diário do Pará como uma estratégia jornalística para afetar ainda mais a credibilidade do jornal e, assim,

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O Observatório da Imprensa é uma iniciativa do Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (www.projor.org.br/) e projeto original do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É um veículo jornalístico focado na crítica da mídia, com presença regular na internet desde abril de 1996. Nasceu como site na web, em 1998 ganhou uma versão televisiva, produzida pela TVE do Rio de Janeiro e TV Cultura de São Paulo, e transmitida semanalmente pela Rede Pública de Televisão. Em 2005, chegou ao rádio, com um programa diário transmitido pela rádio Cultura FM de São Paulo, rádios MEC AM e FM do Rio de Janeiro, e rádios Nacional AM e FM de Brasília. 11

O link do artigo que repercutiu o caso no site Observatório da Imprensa é: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/jornal_do_para_publica_foto_falsa_em_denuncia _contra_hospital. Acesso em: 24 mar. 2014. 12

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tentar passar a frente do jornal de Jader Barbalho na disputa de poder e, consequentemente, na conquista de credibilidade junto aos leitores. O jornal Diário do Pará, em editorial publicado na edição do dia seguinte, informa que a foto falsa teria sido enviada à redação por um funcionário do hospital. No mesmo dia em que a foto falsa foi publicada, o jornal da família Barbalho retirou a versão digital de seu portal de notícias (http://www.dol.com.br). No entanto, logo no dia seguinte, o jornal da família Maiorana publicou uma reportagem repercutindo o caso junto aos parlamentares paraenses, no Congresso Nacional, todos do PSDB, partido político ao qual O Liberal está vinculado, ideologicamente. O enunciado jornalístico teve como título “Mentira provoca revolta” e deu voz a políticos do PSDB, estratégia jornalística que tem sido bastante usado em enunciados de O Liberal para atingir o jornal concorrente, como mostram nossas pesquisas (CASTRO, SEIXAS, 2013). A partir do conceito de redes de memória, desenvolvido com destaque no trabalho de Rosário Gregolin (2007), observamos que é possível apreender da imagem de bebês em caixas de papelão a possibilidade de atualização discursiva que nos remete à imagem bíblica de Moisés, que foi colocado por sua mãe em um cesto de junco e colocado no mar, e adotado, posteriormente, por uma família rica e tendo sua mãe biológica como babá. O fato bíblico de Moisés, que foi salvo por milagre divino ao ser colocado em um cesto no mar e ter tido boa criação, tornando-se um salvador de seu povo, atualiza em nossa memória coletiva – a partir da foto falsa publicada no Diário do Pará – a possibilidade de sentido de que, assim como no caso de Moisés, só a interferência divina poderá salvar os bebês colocados na caixa. A imagem que mostra uma situação de caos em que nem bebês estão protegidos – que foi atribuída falsamente à Santa Casa de Misericórdia – nos possibilita um efeito de sentido de questionamento: salve-nos quem?

Considerações finais Nossa pesquisa sobre a história dos jornais paraenses e as relações de poder que os atravessam, tem observado que o discurso político está presente na trajetória de O Liberal e Diário do Pará desde a criação dos mesmos. Na história do presente, o slogan grafado na capa de O Liberal é "Belém-ParáBrasil", sem nenhuma alusão partidária, embora ainda com vínculo ideológico forte, 13

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atualmente, ao PSDB. Já o Diário do Pará, nasceu, cresceu e permanece como um jornal vinculado ao PMDB de seu proprietário, o senador Jader Barbalho. Observamos que a rivalidade entre O Liberal e Diário do Pará está para além de uma questão mercadológica, pois a “guerra discursiva” entre os dois jornais paraenses é, na verdade, reflexo de uma disputa de poder travada discursivamente nas páginas dos dois periódicos com o objetivo de constituírem-se como a voz hegemônica no que Traquina (2005) faz referência como sendo o “quarto poder” até mesmo o “primeiro poder” para alguns autores do campo da comunicação. O caso da publicação da foto falsa no Diário do Pará atualiza uma rede de memória da rivalidade entre os dois jornais paraenses, uma disputa na qual O Liberal se utiliza com frequência em seus enunciados da estratégia jornalística de dar voz a políticos do PSDB para atingir o seu adversário, senador Jader Barbalho (PMDB). Por fim, observamos que o enfoque político-partidário está muito presente nos discursos jornalísticos dos dois períodos, com a predominância, em meio a dispersão discursiva, do uso de adjetivos de desqualificação ética e até de incriminação dos proprietários dos dois veículos concorrentes, o que podemos destacar como regularidades nos discursos jornalísticos do passado e do presente.

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