4 A polissemia de re- no português contemporâneo

August 10, 2016 | Author: Heloísa Rodrigues Assunção | Category: N/A
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4 A polissemia de re- no português contemporâneo Neste capítulo, concentraremos nossa atenção na análise do prefixo re- e de seu potencial polissêmico na formação de verbos a partir de verbos. Partiremos dos dados sobre o uso de re- em formações na língua oral e escrita selecionados em um corpus jornalístico (O Globo e Folha de São Paulo), bem como em um corpus dicionarístico, a saber, a versão eletrônica do dicionário Houaiss, como fontes de material representativo da linguagem escrita, e o corpus referente às transcrições de material gravado para o estudo da língua falada culta realizado pelos pesquisadores do projeto NURC. Como apresentado no capítulo anterior, ao abordar os valores do elemento PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410513/CA

formativo re- em processos de derivação por prefixação, teóricos e estudiosos limitam-se, por um lado, a listar alguns exemplos de formações, freqüentemente descontextualizados, como procedem em geral os gramáticos tradicionais; por outro lado, a opção pela homonímia, assumindo-se a existência de diferentes prefixos re-, independentes um do outro, apresenta-se como único recurso encontrado em descrições de base gerativista a fim de dar conta da variação semântica do prefixo re-, não se cogitando seu caráter polissêmico. Tal decisão resulta da propensão teórica da abordagem gerativista à redução de diferentes acepções a um significado de caráter mais abstrato. Em alguns autores encontramos, porém, análises que dedicam maior atenção ao aspecto semântico do prefixo re-. Vimos, por exemplo, que, apesar de sua afinidade com a tradição gramatical, Said Ali vai além da mera listagem dos formativos em Português, dedicando espaço considerável a informações semânticas referentes aos afixos, dentre os quais se encontra o prefixo re-. Em sua análise, chega a seis valores atuais recuperáveis em formações com o prefixo, sendo uma delas, no entanto, restrita ao português europeu. Notamos, além disso, a preocupação de Said Ali com a produtividade, questão sobre a qual poucos se debruçavam em seu tempo e que seria, mais tarde, tema de grande interesse entre os gerativistas. Entre os autores brasileiros mais recentes, Sandmann (1989) faz menção à polissemia como fator inerente ao prefixo re-, característica à qual dedica dois ou três parágrafos, sem, contudo, deter-se na questão da produtividade. Em seu estudo sobre

43 formação de palavras por prefixo em Português, Duarte (1999) também se refere ao caráter polissêmico do prefixo re- ao reconhecer a posibilidade da leitura semântica “nova elaboração” na formação deverbal reelaboração. Apesar de levantar a questão da multiplicidade de significados dos prefixos, Duarte se restringe a apenas um exemplo no caso de re- e segue explorando o tema da produtividade, sem levar em conta o componente semântico dos itens arrolados em seu corpus. O autor reitera, no entanto, que sua pesquisa não se limita “à mera distribuição de formas, em detrimento de considerações semânticas complementares” (op.cit.p.113). Nosso objetivo nesta dissertação é analisar a produtividade do prefixo re- na formação de verbos e formas nominais explicitamente oriundas de verbos

(cf. releitura),

tendo como ponto de partida seu potencial polissêmico, o qual, como observamos, já foi

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mencionado por Said Ali e outros pesquisadores. Com o intuito de obter dados mais precisos sobre o traço polissêmico do prefixo re-, reunimos exemplos da língua escrita e oral contendo uma quantidade razoável de formações, atentando em nossa escolha sempre para a transparência, tanto do prefixo, quanto da base. Em um primeiro momento, organizamos os dados em grupos de quatro acepções, às quais acrescentamos, posteriormente, mais duas. Durante a organização das formações, descartamos as ocorrências que, apesar de morfologicamente transparentes, suscitavam dúvida quanto ao critério semântico, considerando somente os exemplos cujo valor específico encerrado na palavra pudesse ser recuperado. Ao analisarmos o corpus coletado do inventário dicionarizado, constatamos que o dicionário Houaiss, recentemente publicado, segue a tradição lexicográfica e lista tanto formações cujo significado seria recuperado através do sentido de re- como repetição, quanto outras acepções. No verbete dedicado ao prefixo re-, consta que o Vocabulário Ortográfico “consigna copiosíssimo número de palavras com este prefixo - dos mais prolíficos da língua”. O dicionário Houaiss, sustentando-se na avaliação do V.O., propõe uma divisão dos valores de re- em quatro grupos de sentidos, a saber: retrocesso, repetição, reforço e oposição, acrescentando ao primeiro grupo o prefixo retro-, como em retroagir, retroceder e retrogradar, do qual não nos ocuparemos aqui.

44 Como exemplo do tratamento dado pelo dicionário Houaiss a formações com re- , levando em consideração o aspecto polissêmico da unidade lexical, vejamos a entrada

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referente ao verbo requeimar: verbo transitivo direto 1 queimar de novo ou queimar muito Ex.: r. o fio de um aparelho elétrico transitivo direto 2 (1663) ressecar pela ação do fogo ou do sol; crestar, tostar Ex.: r. a pele transitivo direto e intransitivo 3 produzir ardor em; ter sabor acre, picante Ex.: pronominal 4 sentir dor, mágoa; ressentir-se, melindrar-se Ex.: requeimava-se com a inveja da irmã Como na grande maioria das entradas de formações com o prefixo, a primeira acepção de requeimar é queimar de novo. Ou seja, parte-se primeiramente da acepção realizar outra vez ato X, acrescido à base verbal, remetendo-se à idéia de repetição contida no prefixo. Em relação às formações cujo primeiro sentido do prefixo re- seria “de novo”, Sandmann argumenta ser supérfluo listar em dicionários os produtos que contêm tal sentido. Segundo o autor O Aurélio traz numerosas palavras em que re- significa somente “de novo”: readmitir, readotar, readormecer. A meu ver isso é desnecessário, pois há um critério para decidir sobre o que deve ser registrado e o que não deve ser registrado. Como todos os verbos e substantivos de conteúdo dinâmico podem formar com o prefixo re- uma palavra complexa, é suficiente registrar as palavras com prefixo re- que , como foi demonstrado acima, têm um conteúdo diferente de “novamente” ou um conteúdo mais complexo. (1989: 26)

De fato, quando analisamos as cerca de 4.000 entradas de formações com o prefixo re- no dicionário Houaiss, encontramos itens como reinscrever e recopiar , cujos significados são, respectivamente, inscrever(-se) novamente e tornar a copiar; entretanto, não constam da longa lista formações como recatalogar e retelefonar, nas quais o prefixo re- pode, igualmente, conter a acepção de repetição. A escolha de determinadas formações

45 lexicais em detrimento de outras, sem uma motivação aparentemente clara, revela o caráter subjetivo das decisões lexicográficas. Sendo seu objetivo primeiro inventariar o conjunto de palavras de uma língua, ou seja, seu léxico, o mais abrangentemente possível, o trabalho dos lexicógrafos se origina de pesquisas em obras literárias, técnicas, didáticas e em periódicos, não se restringindo, contudo, exclusivamente à língua escrita. Consultando o dicionário utilizado para esta pesquisa, não raro nos deparamos com entradas de vocábulos típicos da linguagem oral, em parte devido ao cuidado de se listarem regionalismos, os quais freqüentemente são característicos da língua falada. Ao incluir nos verbetes de formações derivadas as diversas acepções de elementos antepositivos, entre os quais o prefixo re-, dedicando a esse formativo inclusive uma entrada própria contendo informações etimológicas e

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semânticas relativamente extensas, o dicionário Houaiss procura dar conta dos valores do prefixo em inúmeras construções lexicais, corroborando seu potencial polissêmico. Dessa forma, diferentemente das listas de formativos e seus respectivos significados que habitam, via de regra, as gramáticas tradicionais, a descrição lexicográfica se detém de maneira mais cuidadosa no aspecto semântico do prefixo re-. A análise da parte do corpus de língua falada, constituído por uma fração do material compilado e organizado pelo Projeto de Estudo da Norma Lingüística Culta Urbana – Projeto NURC – teve como objetivo nesta pesquisa investigar o grau de ocorrência de formações com o prefixo re- no discurso oral. A parte do corpus que utilizamos consiste da transcrição de registros fonográficos, reunida em seis volumes, oferecendo amostras de inquéritos gravados nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo nos anos setenta. Os textos das entrevistas estão divididos em elocuções formais, diálogos informais entre locutor e documentador e diálogos informais entre dois locutores. Nestas transcrições, procuramos exemplos de formações transparentes com o prefixo re-, nas quais fosse possível recuperar o significado da palavra-base e a mudança semântica a ser atribuída pelo acréscimo de re-. Constatamos em nossa investigação a reduzida ocorrência de formações com re- em geral e, mais especificamente, de construções onde a base é recuperável. Exemplos de formações não-transparentes são os verbos requerer, recordar, recorrer, ressaltar, revestir, refugiar, respingar e rebuscar; revisão, revisionismo e repuxinho são exemplos de formas nominais coletadas. A maior parte das

46 poucas formações mais transparentes foram verificadas em transcrições de elocuções formais. Verbos como recriar e rever , por exemplo, em uma aula de química, e reerguer e reformar, atestam a tendência de formações desse tipo a ocorrerem em contextos mais formais, nos quais a produção oral costuma ser mais cuidada e tensa. Como aponta Basilio (1987, p.81), a distinção entre língua falada e língua escrita é bastante importante. A língua escrita procura superar a limitação natural do discurso oral. Sem a pressão do tempo e com o peso da permanência, a língua escrita é produzida de maneira mais cautelosa e formal do que a língua falada. Basilio se refere a diferenças marcantes entre os dois registros, tanto no nível sintático, quanto no nível morfológico; há sensíveis diferenças no âmbito do léxico e, conseqüentemente, nos processos de formação de palavras.

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A análise do corpus do NURC nos sugere que formações transparentes com o prefixo re- , nas quais podem se verificar diferentes acepções do formativo, não ocorrem com freqüência na língua falada. Presumimos que a baixa ocorrência verificada advenha tanto do fato de se tratar de entrevistas feitas nos anos setenta, período no qual se constata nas pessoas uma postura relativamente conservadora, quanto da própria situação de documentação do projeto. Os entrevistados utilizam, via de regra, uma linguagem padronizada que privilegia formas consagradas, sendo rara a ocorrência de formas não dicionarizadas. Diferentemente da linguagem oral, a língua escrita nos permite uma produção mais esmerosa, com mais espaço para questões de especificações semânticas e nuanças de significado. Em virtude das limitações constitutivas da produção oral e da maior incidência de novas formações contendo as diferentes acepções do prefixo re- na língua escrita, concentramos nossa análise no corpus escrito jornalístico. No corpus pesquisado, constatamos que, no atual estágio do Português brasileiro, o prefixo re- constitui um elemento formativo bastante produtivo que encerra vários significados em formações de base verbal. Como mencionamos acima, nossa análise consistiu na seleção de exemplos retirados do material jornalístico e sua organização em grupos de acepções. Mais especificamente, o procedimento utilizado para se estabelecerem esses grupos de significados se fundamentou na análise de verbos formados pelo acréscimo de re- que apresentassem constituição transparente; ou seja, observou-se a possibilidade de

47 se recuperar, morfologica e semanticamente, tanto a base verbal, quanto o prefixo re- . Dessa maneira, formações com re- como refletir, regredir e refutar, por não conterem uma base com significado sincronicamente recuperável, a saber *fletir, *gredir e *futar, não foram objeto de análise, do mesmo modo que verbos como recorrer, revestir e repisar, nos quais não é possível se fazer a relação entre as noções expressas nas palavras-base correr, vestir e pisar, e a ampliação semântica contida nas formas derivadas por prefixação. Uma vez selecionadas as construções, insvestigamos se o produto do processo de formação [re- [X]]v continha um valor de re- que exprimisse simples repetição ou se encerrava uma outra acepção. Nesse sentido, ao analisarmos uma formação como reconfortar verificamos que não seria aplicável a interpretação repetir o ato de confortar. Há na construção uma acepção de reforço proveniente da adição do prefixo re- que nos leva

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a entender reconfortar como realizar o ato de confortar com mais intensidade. A partir desse procedimento, estabelecemos o grupo de acepção 4 - [re-[X]]v : realizar ato X com reforço ou intensificação. Nesse sentido, analisando as conotações possíveis que as formações com resuscitaram ao se selecionarem no corpus os exemplos para esta pesquisa, chegamos à seguinte proposta de classificação dos valores do prefixo:

1- realizar o ato X de modo diferente ou com resultado diferente p. ex.: repensar, reconsiderar 2- realizar ato X que corresponde a volta a um estado anterior p. ex.: redemocratizar, reestatizar 3- repetir ato X p. ex.: reiniciar, reinaugurar 4- realizar ato X com reforço ou intensificação p. ex.: reafirmar, ressecar 5- realizar ato X causando movimento contínuo ou iterativo p. ex.: revirar, remexer 6- realizar ato X causando movimento reversivo ou contrário p. ex.: rebater

48 Na elaboração desses grupos de acepções, constatamos o elevado grau de produtividade do prefixo re- no Português contemporâneo falado no Brasil. Podemos relacionar essa alta produtividade com os valores que re- pode assumir em novas formações e com o potencial de utilização deste afixo nas diferentes acepções que apresenta. No entanto, não é suficiente constatar que um determinado prefixo é produtivo na formação de verbos; faz-se necessário verificar quais significados do prefixo são mais ou menos produtivos ao se combinarem com determinados significados de verbos. Dessa forma, sendo re- um prefixo polissêmico, os verbos que pode formar apresentam uma configuração semântica relativamente previsível que nos permite, pelo menos em termos parciais, prever o significado do produto. Podemos, assim, estabelecer uma situação de polissemia sistemática em processos

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de formação de palavras com o prefixo re- , procurando delimitar de modo mais preciso o conjunto de construções lexicais possíveis no presente estágio da Língua Portuguesa, a partir das condições de produtividade. Observamos, pois, que a polissemia de re- não é uma polissemia aleatória e incidental, mas derivada de conjunções de significados que apontam uma direção funcional na formação de palavras por prefixação. A seguir, apresentamos os grupos de acepções.

4.1 Acepção 1 [re- [X]]v : realizar o ato X de modo diferente ou com resultado diferente A análise de dados do corpus jornalístico nos revelou que várias formações de base verbal com o prefixo re- não correspondem à simples repetição do ato X. Ao se retomar a ação designada pela base verbal, constatamos em novas formações que a intenção é focar uma mudança de perspectiva a partir de método ou maneira alternativa, acarretando resultado diferente. Vejamos o caso da formação retrabalhar na oração que segue: (1)

O Festival Internacional de Berlim foi marcado por uma nova geração de diretores que vêm retrabalhando o passado nazista da perspectiva da esfera privada. Folha 14/3/2005

49

O verbo retrabalhar, não inventariado pelo dicionário Houaiss, refere-se ao ato de trabalhar algo de forma diferente e não meramente a repetir o ato de trabalhar. De maneira semelhante, podemos interpretar as formas derivadas reestruturar e rebatizar,

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como nos exemplos (2) e (3) a seguir: (2)

Dal Maso diz que um dos principais objetivos da missão de paz, coordenada pelo Brasil, é reestruturar a polícia para que a autoridade passe a ser a principal força de segurança. O Globo – 24/3/2005

(3)

Cefet remarca datas de concurso de admissão. O Globo – 17/11/2005

como estruturar algo em novas bases com resultado diferente e marcar uma nova data, alterando a original. Ao listarmos as formações nas quais o acréscimo do prefixo re- significa realizar ato X de modo diferente, verificamos que verbos que envolvem atividades mentais do tipo pensar, avaliar, interpretar, definir, considerar, analisar, categorizar e dimensionar apresentam como interpretação preferencial para o prefixo re- a idéia de efetuação do processo verbal básico com efeito diferenciado. Vejamos os seguintes exemplos: (4)

O empresário Marcelo Garcia, freqüentador assíduo dos workshops, aproveita este mês para repensar suas necessidades. O Globo – 19/3/2005

(5)

No texto os conclamava a reavaliar as manifestações pró-democracia de 1989. O Globo – 24/3/2005

(6)

Para incorporar um país muçulmano de 70 milhões de habitantes, a UE deve reinterpretar a identidade da Europa. Folha – 6/10/2005

(7)

Determinados papas redefinem o pontificado de forma permanente. Folha – 6/4/2005

50 (8)

Um líder do grupo terrorista palestino Hamas afirmou ontem que a missão de destruir Israel pode ser reconsiderada e que negociações de paz com o Estado judeu poderão ser iniciadas. Folha – 22/9/2005

O prefixo re- atribui a noção de realizar um ato de forma diferente também a verbos que remetem à criação artística e intelectual como vemos em escrever, criar,

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inventar e traduzir nas orações (9), (10), (11) e (12) a seguir: (9)

Florencia adotou esse mesmo procedimento de reescrever relatos populares para chegar a seus “seis contos nômades”. Folha – 22/10/2005

(10)

Kafka recriado pela ganhadora do prêmio Nobel de literatura de 2004, Elfriede Jelinek. Folha – Mais – 5/6/05

(11)

Quincas Berro D’Água, por exemplo, radicaliza esse processo: cansado da realidade, ele reinventa uma nova vida que preenche aquilo que imagina como vida. Folha – 16/7/2005

(12)

Toda obra de arte deve ser retraduzida de tempos em tempos, atendendo-se à própria evolução da língua, à modernização do entendimento do tradutor diante dos novos estudos e análises que surgem entre uma e outra tentativa. Folha – 26/6/05

Assim como em verbos que denotam atividade mental e artística, re- é produtivo com o sentido de realizar ato X de modo diferente em bases que encerram a idéia de realização de projeto ou planejamento, tais como desenhar, configurar, formular e diagramar nos exemplos (13), (14) e (15) a seguir: (13)

Uma coleção de escritos gregos e romanos tão vasta que poderia redesenha o mapa da civilização clássica. Folha – 23/4/2005

(14)

Nova ordem econômica reconfigura as cidades e põe em risco os fundamentos físicos da democracia. Folha – 30/10/2005

51 (15)

É com essa empolgação quase adolescente que a antiga coleção da Agir (...) está sendo gradualmente repensada, reformulada, rediagramada e expandida. O Globo – 10/12/2005

Podemos interpretar as formações redesenhar, reconfigurar, reformular e diagramar como desenhar, configurar, formular e diagramar algo de modo diferente, obtendo-se resultado diferente. O prefixo re- com a acepção realizar ato X de modo diferente apresenta alta produtividade notadamente em bases verbais que contêm a noção de atividade mental, artístico-intelectual e realização de projeto.

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4.2 Acepção 2 [re-[X]]v: realizar ato X que corresponde a volta a um estado anterior Arrolamos neste grupo formações em que o elemento re- corresponde a um movimento de reversão, tendo como alvo um estado prévio. Vejamos o exemplo (1): (1)

Assim

Se os fundos querem reestatizar a Brasil Telecom, que façam, mas de maneira completa. Folha – 1/7/2005 como

constatamos

nas

formações

refertilizar,

redemocratizar,

remexicanizar, ressatanizar, renacionalizar, reconscientizar e reprivatizar, podemos estabelecer a hipótese de que verbos que indicam mudança de estado podem ser bases de formação de novos verbos pelo acréscimo do prefixo re-, os quais terão o significado de "efetuar retorno ao estado alvo especificado no verbo base".

Desta forma, o verbo

corresponde a uma causatividade ou ação tendo em vista uma mudança de estado; o acréscimo de re- tem então como escopo o estado, ou seja, a idéia de repetição tem como escopo o estado e não o processo verbal. Nas fases (2) e (3) a seguir:

52 (2)

O governo não deve temer a palavra reestatização. Elio Gaspari – Folha 9/2/2005

(3)

Pelo humor com que retrata a geração portuguesa que chegou à vida adulta durante a redemocratização do país. Folha – 2/4/2005

as nominalizações reestatização, formada a partir do verbo reestatizar e redemocratização, correspondente ao verbo redemocratizar, exprimem o restabelecimento de um estado econômico e político anterior. A idéia de retorno ou retomada da ação verbal expressa pelo prefixo re- também está contida em formações cuja base são verbos dinâmicos que denotam início de um

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processo. Observemos as seguintes frases: (4)

Antes de um parecer da comissão de ética do PT, não há como ele ser reincorporado. Folha – 3/12/2005

(5)

‘Não reativei antigas práticas desde que voltei’ O Globo – 29/10/2005

(6)

União vai recontratar servidor aposentado. O Globo – 27/8/2005

(7)

STF muda decisão do STF e senador é reempossado. O Globo – 29/10/2005

(8)

Do outro lado, há quem entregaria seu cargo na direção para reintegrar o ex-deputado. Folha – 3/12/2005

As bases incorporar, ativar, contratar, empossar e integrar denotam o começo de uma ação que leva a um estado X. Ou seja, o resultado de incorporar X é X incorporado, ao se ativar X , temos X ativado. Desse modo, as formas derivadas reincorporar e reativar sugerem o restabelecimento de algo ou alguém ao estado de incorporado e ativado, respectivamente.

53 Na frase (9) temos mais um exemplo da idéia de retorno a uma condição anterior ao momento da elocução: (9)

É importante reapropriar essas formas de sociabilidade que estão sendo perdidas neste contexto de individualização das relações, em que os encontros são virtuais. Folha – 26/5/05

Defende-se na frase a volta a um estado em que ‘formas de sociabilidade’ eram comuns nas interrelações humanas, já que as pessoas as tinham ‘apropriadas’. Entretanto, essas ‘apropriações’ foram se perdendo com as inovações tecnológicas acompanhadas de uma evolução dos hábitos. O prefixo re- indica restabelecimento de um processo para

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alcançar um determinado estado de coisas. Outros exemplos: (10)

Quem o “requalificou” foi o PT ao aliar-se a ele e ao entregar-lhe estatais como os Correios. Clovis Rossi – Folha – 14/6/2005

(11)

A partir do momento em que a violência aparece, suscita efeitos diversos na vida desse homem e dos que o cercam, transformando a postura de seus filhos ou mesmo reapimentando a vida sexual do casal. Folha – 20/10/2005

Notamos que em derivações parassintéticas, a acepção de retorno a um estado inicial parece ser bastante produtiva, como vemos nos exemplos seguintes: (12)

A encomenda é uma necessidade emergencial, e com ela também se colabora de forma decisiva para revitalizar um seguimento de imensa relevância estratégica e social. O Globo – 29/3/2005

(13)

A interpretação da noção de opinião pública como extensão de opinião publicada revigora-se agora com os novos contornos que adquire a concepção de ‘publicação’ como o ato de ‘tornar pública’ alguma coisa. O Globo – 3/4/2005

(14)

O que não fica claro é que respostas dará para curar sua indignação, a não ser a mexida no PT, que parece apontar para uma “repetização” do partido enquanto se “despetiza” o governo. Clovis Rossi – Folha – 14/7/2005

54 A acepção do prefixo re- como realizar ato X correspondendo a volta a um estado anterior mostra-se bastante produtiva quando o verbo-base, preferencialmente dinâmico, indica mudança de estado ou início de ação.

4.3 Acepção 3 [re-[X]]v: repetir ato X A acepção do prefixo re- como repetição de ato expresso na base verbal é a primeira e, em alguns casos, única possibilidade de interpretação arrolada em gramáticas tradicionais e em estudos contemporâneos sobre elementos antepositivos.

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Como vimos no capítulo 2, Cunha & Cintra (1985) atribuem ao prefixo re- o sentido de repetição e movimento para trás. Bechara (1999) acrescenta à acepção básica de repetição que re- encerra o sentido de movimento para trás, assim como como Cunha & Cintra, e adiciona ainda duas outras acepções ao prefixo, quais sejam, as idéias de reciprocidade e de intensidade. Em seu estudo de base gerativa sobre a competência de falantes no reconhecimento de diferentes acepções de prefixos de origem latina no Português, Cavalcanti (1980: 61) considera a noção de repetição contida no prefixo re- uma redundância morfológica presente no léxico que constitui um processo produtivo na formação de novas palavras. Segundo a pesquisadora, ao adicionar a um verbo o prefixo re- , com a idéia de repetição ou retomada , a intenção do falante seria de expressar retorno ao ponto inicial de uma determinada ação que se desgastou ou desapareceu com o tempo (op. cit. p.39). Em sua pesquisa baseada em testes com falantes nativos do protuguês brasileiro, a autora conclui que o único sentido vivo recuperável do prefixo re- é o de repetição de uma ação verbal (op. cit. p. 61). Em relação aos outros significados arrolados em gramáticas prescritivas, como movimento para trás e reciprocidade, Cavalcanti verificou que, no atual estágio da língua, os falantes não os reconhecem no prefixo re-. Oliveira (2004) admite a existência de dois prefixos re- homônimos. Um re- com o sentido de repetição e um outro, significando movimento para trás. A autora, entretanto, refererindo-se a Cavalcanti (op. cit. p.238), considera que a noção de movimento para trás

55 não constitui um processo produtivo na criação de novas palavras no atual estágio da língua portuguesa, restando apenas re- com o sentido de repetição. O valor do prefixo re- contido nas formações listadas neste grupo de acepção denota a mera repetição do ato expresso na base verbal. Assim, este grupo corresponde ao significado previsto, via de regra, para as formações com re- .Considerem-se os seguintes

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exemplos: (1)

Lixo do réveillon reinicia guerra. O Globo – 2/1/2006

(2)

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode até ter chances de se razoáveis de ganhar as eleições do ano que vem, caso se recandidate, apesar da crise. Folha – Clóvis Rossi – 15/10/2005

(3)

Com receitas antigas e novas confrarias, jovens redescobrem os prazeres de cozinhar. Folha – 26/5/2005

(4)

Quanto mais releio “A Divina Comédia”, mais me convenço de que essa obra é, no Ocidente, além de cânone básico, uma didática heterodoxa para se criar e entender poesia. Folha - 17/7/2005

O aspecto dinâmico das bases verbais iniciar, candidatar, descobrir e ler permitem que a ação seja repetida. Cavalcanti (op.cit.) chama a atenção para as restrições semânticas dos verbos-base com os quais re- , com o sentido de repetição, pode se combinar. A autora identificou em sua pesquisa uma incompatibilidade entre a idéia de repetição e o aspecto permansivo de verbos como morrer, matar, falecer, suicidar-se e comer. Nos exemplos (5), (6) e (7) a seguir: (5)

Premiado em todo o mundo nos últimos anos, gênero que teve seu auge nos anos 60, renasce agora tentando seduzir o grande público e questionando a sociedade contemporânea. Folha – 27/3/2005

(6)

Encontro de compositores na Zona Norte do Rio quer reviver época que revelou Zeca Pagodinho. Folha – 18/07/2005

56

(7)

Ressurge a maldição do segundo mandato. Folha – 28/10/2005

os verbos-base nascer, viver e surgir evocam o início de um processo e não o fim, sendo compatível com a noção de repetição que lhes é atribuída pelo prefixo re-. Outras limitações semânticas da base verbal exigidas para o acréscimo do prefixo re- contendo a noção de repetição, segundo Cavalcanti, são as cópulas e os verbos auxiliares. As cópulas ser, estar, pemanecer, ficar e tornar-se expressam uma situação genérica, constante, durativa ou a idéia de mudança, não um processo ou uma ação. Já os auxiliares ter, haver, ser e estar, carregam em si as noções de aspecto, modo ou voz, recaindo a idéia de repetição sobre o verbo principal.

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A acepção de repetição encerrada no prefixo re- apresenta-se bastante produtiva em expressões do tipo X e re- + X como vemos na oração (9) a seguir: (9)

As teses que brotam e rebrotam nas publicações anglo-americanas são variações da ideologia huntingtoniana. Folha – 20/1/2006

Assim como nos pares ler e reler, ver e rever, fazer e refazer, lembrar e relembrar, temos em brotar e rebrotar uma estrutura que produz uma intensificação explícita empregada com o intuito de enfatizar a repetição e a continuidade da ação. Entretanto, conforme detalharemos adiante, muitas das formações com esta acepção são ambíguas. Por outro lado, a produtividade desta acepção é menos evidente que a de outras formações.

57

4.4 Acepção 4 [re-[X]]v: realizar ato X com reforço ou intensificação Neste grupo, temos formações em que o emprego de re- com o sentido de repetição reforça o significado da base verbal. Ou seja, a idéia veiculada pelo prefixo se sobrepõe à do verbo, tendo com o efeito uma ênfase no significado do verbo. Assim, o sentido da oração (1):

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(1)

A temporada de estio ressecou o solo da região O Globo – 25/3/2005

pode ser recuperado quando dizemos: A temporada de estio secou o solo já seco da região. Da mesma forma que o adjetivo deverbal ressequido no exemplo (2): (2)

Mas foi em abril, quando os primeiros brotos surgiram nos galhos ressequidos pelo frio, que voltei a sorrir. Ferreira Gullar – Folha – 22/1/2006

Como vemos, a noção de repetição conferida a secar através da prefixação com renão corresponde àquela descrita acima no grupo de acepção 3. Enquanto no grupo 3 temos o enfoque na execução simplesmente repetida de ato X , notamos aqui que a idéia de repetição contida no elemento morfológico corresponde a uma dupla afetação, ou seja, uma ação sobre algo já afetado - secar o que já estava seco - o que redunda na enfatização do efeito do ato descrito na base verbal. De forma semelhante, poderíamos parafrasear o enunciado (4) a seguir: (4)

É algo para reconfortar mesmo, para pedir desculpas por sermos tão competentes e competitivas. Folha – 14/11/2005

58 dizendo ‘é algo para confortar e confortar’, já que re- reforça o sentido do verbo confortar, atribuindo-lhe somente intensidade. Podemos dizer, assim, que em verbos formados pelo acréscimo de re- que não denotam mera repetição de ato X, na medida em que tal interpretação não é suficiente para se entender seu significado (ressentir não é repetir o ato de sentir), busca-se, preferencialmente, um efeito expressivo de reforço e intensidade da ação expressa na base.

4.5 Acepção 5 [re-[X]v]v: realizar ato X causando movimento contínuo ou iterativo

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Trata-se de formações nas quais a base verbal é acrescida da idéia de iteratividade ou repetição contínua de um ato. Vejam-se os seguintes exemplos em (1) e (2): (1)

(... ) Afirmando, enquanto remexe o lixo nas ruas do Rio, que “Lula, sozinho, não pode fazer nada”. Folha – 28/10/2005

(2)

Fui revirar alguns livros e descobri menções, curtas e até blasées, a Chris Bailey, Edmund Kuepper, Ivor Hay e Kym Bradshaw. Arthur Dapieve – O Globo – 25/3/2005

Poderíamos mos parafrasear remexer e revirar, dizendo mexer e virar várias vezes numa situação contínua, ininterruptamente. Em nossa pesquisa, não verificamos incidências recorrentes de formações contendo a idéia de movimento contínuo atribuída pelo valor iterativo do prefixo re-. Assim, não há evidência de produtividade nessa acepção.

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4.6 Acepção 6 [re-[X]v]v: realizar ato X causando movimento reversivo ou contrário Figuram neste grupo de acepção formações em que o prefixo re- expressa uma reação ao ato verbal contido na base. Essa reação se orienta em direção oposta à ação do verbo.

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Vejamos os exemplos (1) e (2): (1)

Deputados rebatem pizza com acordão. O Globo – 31/8/2005

(2)

A indignação contra o nepotismo e a gastança começa a ganhar as ruas e correntes na internet convocam as pessoas a reagir. O Globo – 25/3/2005

O verbo base bater, bastante polissêmico, possui aqui o sentido de golpear e, por extensão, atingir um alvo. O prefixo re- confere a bater a idéia de um golpe em sentido diretamente oposto ao recebido como forma de reação a algo. Do mesmo modo, em reagir temos a idéia de agir contra. Esta acepção de re- não apresenta sinais de produtividade no atual estágio da língua, a julgar pelos nossos dados.

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4.7 Conclusão Os resultados de nossa análise nos levaram a uma subclassificação em seis grupos de valores semânticos para o prefixo re- quando adicionado a uma base verbal, quais sejam: (1) nova efetuação de um ato, com vistas a diferença de resultado - reconfigurar indica uma nova efetuação do ato, de que resulta outra configuração; (2) ato de retorno a uma situação anterior - redemocratizar corresponde a efetuar o retorno ao estado democrático; (3) repetição de um ato - recontar se refere à repetição do processo de contagem; (4) ato de reforço ao significado do verbo básico - reafirmar traz um reforço ou ênfase ao sentido básico de afirmar); (5) ato realizado de modo iterativo - remexer corresponde a mexer de modo iterativo); e (6) realizar um ato com movimento reversivo – rebater indica bater na PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410513/CA

direção oposta. Essas acepções não esgotam as possibilidades de análise, mas são suficientes para mostrar que a idéia corrente de que o prefixo re- sobretudo acrescenta uma idéia de repetição do ato verbal diz pouco sobre os valores do prefixo e sua função semântica na formação de verbos na Língua Portuguesa. Não consideramos, nesse sentido, infundada a constatação de redundância morfológica por Cavalcanti ao se referir à alta produtividade do formativo. É muito provável que a primeira acepção recuperável pelo falante ao se confrontar com formações com o prefixo seja simplesmente a idéia de repetição. No entanto, constatamos em nossa investigação a produtividade do prefixo re- em acepções que vão além da simples repetição o ato X, o que revela seu caráter polissêmico. Mais ainda, pudemos constatar, ao contrário do que afirma Cavalcanti, que as ocorrências em que re- é interpretado individualmente ou unicamente como indicador de mera repetição de um ato são pouco freqüentes. Este fato pode até ser observado em nossos exemplos da p. 56, como (4) e (5), reinstalar e reabrir, respectivamente, que apresentam uma possiibilidade de análise como volta a um estado anterior.

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